Jaime Ribeiro
3 min readMar 20, 2020

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Alucinação ou Sentimento de União?

Pode ser que alguém diga que eu estou louco, mas vejo toda essa bagunça feita pelo novo coronavírus com muita esperança para o nosso futuro.

Posso até estar sob efeito de um poderoso psicotrópico, semelhante ao usado pelo povo de Bacurau, o filme de Kleber Mendonça Filho. Aquela droga se chamava união humana inegociável. Na ausência da barganha, agimos rápido e impulsivamente para o bem da comunidade. Por instinto e por necessidade de proteger à todos.

Já é fato que muita gente vai perder dinheiro, milhares de empresas vão passar pelo pior momento de sua história, milhões de pessoas passarão necessidade e tantas outras morrerão, mas também sabemos que a nossa única esperança e saída é a cooperação.

Os discursos de ódio que tentam politizar a necessidade humanitária, alegando que é um vírus chinês, que a culpa é dos italianos e outras variações de intolerância, tornaram-se inócuos.

O que se assiste agora são países oferecendo apoio à luta global, incluindo a própria China, e grandes corporações cortando na própria carne, saindo do vício de defender seus interesses em cada ação milimétrica.

Inclusive, após essa crise, vai ficar muito claro quais são as empresas que vivem na prática o propósito e a missão que colam na parede do escritório, liderando iniciativas de impacto para ajudar a sociedade, e quais são incapazes de cooperar com o mundo. Quando tudo passar, empresas como ambev e Boticário serão lembradas por suas iniciativas nobres, como doar álcool gel para hospitais, e outras tantas serão esquecidas porque descobriremos que são dispensáveis e irrelevantes para a sociedade, pasa seus clientes e para o mundo. Como por exemplo, as redes de hospitais que esconderam dados e empresas de educação que se recolheram em quarentena intelectual, ao invés de dedicar tempo para ajudar seus clientes a preparar atividades para os filhos ao longo do isolamento. Nós lembraremos da irrelevância deles nas nossas vidas.

Assistimos também pessoas que se mobilizaram para apoiar vizinhos e familiares. Mesmo aqueles que acreditavam que nada tinham para dar ao outro, escreveram cartas, cantaram nas varandas e cobraram ações governamentais responsáveis.

Nos espantamos e compartilhamos essas ações humanitárias com tanto entusiasmo e emoção por causa de um estranhamento característico que sentimos por sermos uma sociedade construída sob as bases do consumo que se surpreende com a beleza nua da capacidade humanitária do indivíduo.

A gente pode até ficar mais pobre em dinheiro, mas duvido que ficaremos pobres de valores morais quando isso tudo terminar.

A gente pode até perder compromissos sociais importantes, mas vamos aprender a valorizar a liberdade e a convivência.

Verdade que algumas famílias podem não ao resistir “home office”. Esmagados pela rotina, talvez alguns casais comecem a se conhecer, ou se reconhecer, em um convívio mais intenso e descubram que são incapazes de cooperar e conviver harmonicamente. Contudo, assim como algumas relações não sobreviverão, outras famílias fortalecerão seus vínculos como nunca tiveram a oportunidade de fazer passando tempo juntos como nunca passaram.

Os mais velhos estão mais isolados, mas agora recebem mais atenção. Isso muda a forma como filhos adultos lidam com idosos e, talvez, mude para sempre os efeitos devastadores da solidão na terceira idade.

Imaginem que alguns pais estão aprendendo a brincar com os filhos pela primeira vez. Isso me lembra tanto minha mãe fazendo animais de sombra na parede quando faltava luz até os três filhos adormecerem.

O amor que inventa é capaz de se reinventar.

Por isso enxergo tudo com muita esperança. Tenho certeza que estamos aprendendo mais sobre voltar a ser simplesmente humano.

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Jaime Ribeiro

CEO da Educa, Escritor e Palestrante. Inspirando mentes conectadas.