#1 "Então, você quer ser a próxima 'melhor designer de diálogos' do Brasil?"

Janaína Pereira
9 min readNov 22, 2020

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Esse era o nome do teste que eu fiz para trabalhar com "texto e voz gravada em estúdio" lááááá em 2011…

Eu resolvi falar! 🙃

Imagem animada tipo gif de uma mulher negra apontando um megafone vermelho para o alto e colocando um microfone na frente do megafone para ampliar o som da sua voz em uma caixa de alto-falante.

Hoje, 21 de Novembro de 2020, completo 9 anos trabalhando na área de Voice User Interface Design. 🥳 Para comemorar e me preparar para os 10 anos(!!!), resolvi compartilhar um pouco do que aprendi/vivi, venho aprendendo/vivendo e espero aprender/viver nessa carreira profissional que nem no meu sonho mais maravilhoso pensei que existia.

Afinal, recordar é viver E reciclar, né, mores?

Portanto, montei uma série de artigostô empolgadérrima \o/ — sobre conceitos, métodos, erros (muitos!), acertos, oportunidades, teorias, práticas e conhecimentos, tudo baseado em fatos reais! 😬

Mas como a série de artigos vai funcionar?🤔

Então, só pra alinhar as expectativas sobre o formato, pois tempo é o que temos de mais precioso:

Pense num diário de bordo, com estilo de escrita majoritariamente voltado pra fala, mas resumido. Enquanto o texto se desenrola, você vai conhecer uma situação pela qual eu passei para entender como lidei com o aprendizado que quero aprofundar no artigo, seja ele técnico ou não; 🔄

Não teremos boas práticas escritas em pedra e/ou respostas de ouro — só tem uma resposta que nunca muda para uma boa pessoa que trabalha com design: DEPENDE, TUDO DEPENDE; 🙆🏾‍♀️

O início do artigo sempre terá as palavras-chaves sobre o tema e o final sempre vai contar com um trio poderoso: a indicação de algum(ns) conteúdo(s) — textual, visual, audiovisual e/ou auditivo — , outra indicação, agora de uma pessoa do mercado profissional, alguém que conheci entre um projeto e outro porque não cheguei até aqui sozinha e o link aberto para sugestões de artigos, caso você queira sugerir algo — já escrevi alguns, mas estudarei a proposta com carinho, caso já tenha vivido algo que envolva o tema; 💡❤️

Não pense que meus relatos são a única e/ou a melhor forma de fazer ou aprender algo, pois cada um possui suas referências e repertório — a intenção é muito mais simples que essa, é compartilhar mesmo, já que não tive algo assim no meu início de carreira! 😉

✅ Estou testando outros formatos de artigo que não participarão dessa série, todos serão publicados aqui (Janaína Pereira). Os que forem dessa série comemorativa terão um número na frente.

Uma mulher negra está sentada em uma cadeira, pega uma bexiga de festa vermelha cheia de ar e, mesmo com medo, estoura a bexiga com uma agulha. Saem confetes coloridos depois do estouro. Há palavras em inglês que significam "pronto", "preparar" e "vai". Bônus: eu tenho um medo GIGANTE de estouro de bexiga…

💬 🔑 palavras-chaves: #preconceitolinguistico #teste #contratacao #primeiroempregocomoVUI #razoesparaamaraárea

Sua ligação (não) é tão importante para nós☎️

No início do mês de Outubro de 2011, mandei meu currículo via e-mail para uma vaga de Redator(a) que vi no Twitter. "Empresa: Confidencial". Fiquei com medo de ser golpe, mas a indicação de que era CLT me encorajou. Formada em Comunicação Social com Habilitação em Radio e TV em 2008, já estava cansada de viver de freela depois de passar por uma agência audiovisual focada em internet como roteirista, ter trabalhado numa radioweb japonesa e iniciar no mercado de trabalho CLT como atendente telefônica por 2 anos e 3 meses em um call center de cobrança (3 meses de ativo e 2 anos como receptivo).

Fui a primeira da família em gerações a fazer faculdade. E como bolsista. Até ganhei um celular polifônico da minha vó. Não podia e não queria (me) decepcionar, já que fui completamente contra o pedido familiar insistente de estudar Direito. Eu queria trabalhar com texto e áudio, mas o mercado radiofônico não pagava o que eu precisava e merecia, mesmo vivendo (como vivo até hoje!) em um bairro simples.

📘 Fato rápido: existe um livro chamado "Your call is (not that) important to us" que é DEMAIS! Foi escrito pela Emily Yellin! 😬

O encontro com o preconceito linguístico🧐

Recebi uma resposta do RH dizendo que meu currículo tinha sido aprovado e que eu tinha que responder a seguinte pergunta:

Como o português "escrito" se diferencia do português brasileiro "falado"? Dê alguns exemplos com relação à gramática.
Imagem animada tipo gif da personagem Nazaré Tedesco olhando para os lados com cara de confusa

A pergunta em si já me chamou a atenção e o próprio fato do processo seletivo ter essa etapa antes da entrevista. Finalmente, alguém tava pensando nisso! 🥳

A resposta seria analisada por James Giangola, o diretor criativo da área que abriu a vaga — hoje Creative Lead, Conversation Design & Persona no ‎Google lá da Califórnia. Respondi o e-mail no dia seguinte porque queria marinar meu texto, algo que aprendi nas aulas de roteiro.

Lição aprendida número 1: texto feito e entregue sem o processo de deixá-lo de lado e retomá-lo para avaliação e reescrita, independente da mídia na qual ele será inserido, é igual massa para prato de comida feita com pressa: não dá liga.

Abaixo, minha reflexão na época em forma de resposta. Tem uma intro e um comentário do James porque tive acesso aos resultados da avaliação quando fui aprovada:

[JAMES GIANGOLA] A Janaína deu uma resposta que eu também achei muito, muito legal:

[JANAÍNA PEREIRA] Em geral, a língua escrita acaba tendo maior prestígio que a língua falada, como se a primeira tivesse maior importância que a segunda. A escrita, a princípio, é uma representação gráfica da língua. A rigidez da ilusão de um maior prestígio da língua escrita pode vir em detrimento da liberdade no uso da língua falada.
Grande parte do que aprendemos nas escolas chega a nós através da escrita. Temos, culturalmente, a sensação de que aquilo que é escrito tem um maior valor. Sendo assim, temos um maior
cuidado com o que é escrito do que com o que é falado. Podemos
acrescentar a isso o fato de a língua escrita possuir uma maior
possibilidade de reflexão. Quando escrevemos algo, temos a possibilidade de parar e pensar se o que estamos escrevendo se encaixa nas regras gramaticais [normativas/prescritivistas], as regras pelas quais aprendemos a própria escrita. Já a língua falada é mais espontânea.
[JAMES: também a língua escrita passa a impressão (erroneamente!) de ser imutável, devido à aparente rigidez gramatical do padrão, mais
organizada na página, e mais  pura ; porém, se a língua escrita não
mudasse, eu estaria escrevendo como Pero Vaz de Caminha... em latim.]
Quando falamos, nosso interesse principal é a comunicação. Em geral, se esse objetivo, o da comunicação, é alcançado, não nos preocupamos se a nossa fala seguiu regras gramaticais ou não. Claro que, algumas vezes, temos outras intenções na fala além da própria comunicação, e isso exige uma maior elaboração do que é dito. Se nossa intenção foi a argumentação ou a persuasão, por exemplo, certamente refletiremos melhor sobre o que será dito. As características da língua, que diferem língua escrita e língua falada, também se aplicam ao português escrito e falado no Brasil; e essas diferenças podem ser vistas de maneira mais clara através de exemplos. Podemos ver no português do Brasil a diferença entre a concordância nominal da língua falada e da língua escrita: (1) O menino. (2) Os meninos. (3) Os menino. Provavelmente, teremos (1) e (2) na língua escrita; sendo (3) considerada como um desvio das normas gramaticais. Porém, na língua falada, vemos frequentemente a utilização de (3). E, para fins comunicativos, essa sentença é válida. É esse dinamismo da língua falada que faz com que ela se torne tão interessante quanto nos pode parecer ser a língua escrita. A língua falada é a língua sem a estaticidade que a língua escrita impõe. É através da língua falada, e de seu uso, que a língua pode se modificar; pode receber e dar contribuições para outras línguas; pode se adequar à necessidade de quem a usa, e não o contrário. A língua falada é dinâmica, e é isso que a faz ser eficiente na sua função principal: a comunicação.

TEXTÃO, eu sei! E repete palavras DE MONTÃO, além de ter alguns errinhos de estrutura, reconheço que poderia ter sido escrito melhor! Mas a essência do que eu penso sobre isso não mudou até hoje. Desde então, sempre que vou falar sobre VUI para algum grupo de pessoas começo com preconceito linguístico. Foi assim que eu comecei meus estudos — ainda falarei mais sobre o assunto em outros artigos dessa série! 😉

Lição aprendida número 2: preconceito linguístico existe e precisa ser combatido. É só olhar os dados demográficos do Brasil, ler alguns livros sobre o tema e observar como as pessoas conversam por aí.

1, 2, 3. Testando a sensibilidade para textos conversacionais🗣️👂

Dias depois, com a resposta aprovada, estava no prédio da empresa fazendo entrevista com o James, um americano que fala o português com perfeição, e com outro diretor da empresa, um dos primeiros executivos que conheci na vida, Gustavo Zanetti. Não me esqueço de ter escutado esse feedback deles:

"Gostamos da sua resposta. Apesar de longa, não ficou técnica. E você tem conhecimentos em gravação e direção em estúdio, além de editar áudios, texto para fala porque fez Rádio e TV e trabalhou em call center. Ressaltamos isso porque a vaga não é pra redação, é pra trabalhar com dialog design. O que nós fazemos é gravar áudios, que chamamos de prompts, que serão colocados nos telefones das empresas que precisam de atendimento eletrônico. São URAs, pode pesquisar depois."

Entendi alguma coisa na hora? Não! 😅 Não fazia ideia de como tudo funcionava. Estarrecida, recebi das mãos deles um teste de 8 fuc**ng páginas. Me choquei mais ainda com o título: “Melhor designer de diálogos”. E do Brasil. Ambicioso demais pra mim, eu nunca tinha saído do estado de São Paulo para trabalhar, gente! Foi assim que descobri que design não tinha a ver só com desenho — e ainda bem porque sou péssima em rabiscos de imagens!

O objetivo do teste era avaliar o uso que faço da pontuação nesse contexto, persona de atendimento, frases conversacionais, reescrita de diálogos, uso de modelos mentais e elementos linguísticos (essa foi a parte mais difícil porque estudei um pouquinho de nada de linguística, não era a minha praia!). Eu que adoro um teste, seja de lógica, de português, enfim, de tudo, fiz pensando no que já estudei, escrevi e vivi, pois era o que eu tinha pra oferecer no momento, Em seguida, fui pra casa pesquisar sobre tudo, absolutamente tudo. Acabei até descobrindo que o James foi um dos autores do livro Voice User Interface Design (Addison-Wesley Professional, 2004). 😱 O que eu mais queria era passar NESSA entrevista, pois tinha outras duas rolando para vagas que me levariam para outros rumos.

Lição aprendida número 3: pontuação e modelos mentais são preciosas ferramentas na hora de escrever pensando para fala, pois facilita a reprodução de esquemas mentais que usamos sem nem ao menos perceber durante um diálogo.

Cheguei ao posto de Dialog Designer Jr. sem nem lembrar da parte "ser a melhor"…🙅🏾‍♀️

Foto de 2013 no escritório da empresa. Estou apoiada em uma mesa, olhando para a direita, sorrindo bastante, com as mãos entrelaçadas e apoiadas na mesa. Estou usando um lacinho verde no cabelo, corte channel, com brincos de bolinha prata e uma blusa de ondas coloridas. Ao fundo, 5 quadros pindurados, todos eram do James, e uma mesa com uma cafeteira, uma mochila e um fone de ouvido. Foto por YahDuc.

Duas semanas depois, chegou a proposta por e-mail. Respondi na hora com medo de fecharem a vaga. Tava muito maravilhada com o que vi só no processo seletivo! E aceitei o trabalho por outros motivos também: posição CLT, ter ao menos uma pessoa na equipe que já fazia isso — no caso, eram duas, Cláudio Fagundes Bastos e Ana Luisa Suzigan, pessoas que volto a citar no próximo artigo — , curiosidade em trabalhar com o James e, principalmente, por ter entendido que meus conhecimentos e vivência em comunicação, mesmo tendo suas limitações e preconceito oriundos de alguns profissionais e nichos de mercado, me dariam uma base sólida para adquirir novos: o UX e o design de interação — palavras que o James tanto falava — , tecnologia, programação...

Eu não tinha ideia alguma do que faria e como faria, mas sabia que queria fazer e aprender.

Lição aprendida número 4: adaptar o que se sabe para mudar o placar do jogo e conseguir o que se quer é um diferencial no âmbito profissional também. Quem faz isso não começa do zero. Toda experiência é válida sob algum aspecto.

No mesmo dia, entendi que não tinha como ser a melhor. A provocação do título é positiva, claro, mas não encare como literal. Ter esse "título" significava (e ainda significa pra mim!) não poder errar e aprender com os erros. Não quero isso e não sou assim.

Imagem animada tipo gif de uma personagem em desenho, uma coelhinha, sentada em uma cadeira e apoiada em uma mesa se encostando na cadeira enquanto solta um suspiro de cansaço.

Lembro com carinho desses momentos, apesar da aflição pela espera da resposta, e isso reverberou MUITO no meu comportamento quando sentei na cadeira de contratante e de líder da equipe. Mas esse é tema pra outro artigo, lá na frente. 😉

Super obrigada pelo seu tempo, de verdade! Esse foi o primeiro da série, espero te ver no próximo artigo! 😃

Por enquanto, acompanhe as comunidades VUI Design BR e Women In Voice Brasil para mais conteúdos meus e de outros profissionais da área de VUI e correlatas também. 🤩

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Janaína Pereira

+9 anos em VUI e Conversational Design. Founder das comunidades VUI Design BR e Women In Voice. URAs, assistentes virtuais, VDAs, voicebots, speakers e gente ❤