O mercado de TI confunde Technical e UX Writers em Santa Catarina?

Jana Behling
7 min readMay 25, 2022

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Grafite em homenagem a Franklin Cascaes, antropólogo e autor de “O Fantástico na Ilha de Santa Catarina”

A resposta é Não. Mas porque ninguém ainda conhece essas profissões o suficiente. No projeto Santa Officeless, sob minha curadoria como Senior Technical Writer, o objetivo neste artigo é justamente evitar ao máximo que essa confusão aconteça num futuro bem próximo, quando o mercado tem aumentado a busca por esses profissionais, escudeiros e escudeiras de devops e programadores dos mais diferentes nichos.

Pela minha experiência como pesquisadora, linguista e documentadora desde 2018, quando eu fazia um doutorado em Portugal, creio que no Brasil essa confusão entre Technical Writer e UX Writer acontece por três motivos: primeiro, a lentidão científico-acadêmica na absorção e ensino dessas profissões; depois, a ausência de uma cultura documental de devops, programadores e afins e, por fim, os desafios da valorização da escrita como um instrumento tecnológico e estratégico por excelência. Este último item, o valor da escrita, felizmente, é o que mais avança no mundo desde os primórdios e na era da tecnologia digital não seria diferente, aliás, ao contrário. A escrita sempre existiu. Um aceno é um texto. O silêncio é texto. Só que os hipertextos, multidiversos, sempre mudam pra gente ter certeza de que, como diria o futurista norte-americano Alvin Toffler, “mudança é o futuro invadindo as nossas vidas”.

A escrita da tecnologia é apenas a evidência de que humanos e máquinas evoluem mutua e constantemente. É um caminho sem volta, então precisamos de mentores e mentoras de alto nível.

Sobre o primeiro item, a lentidão científico-acadêmica na absorção e ensino das profissões, posso falar com alguma propriedade dessa confusão entre profissionais por ter tentado (tentado) contribuir com a pesquisa em linguística aplicada brasileira e portuguesa nos últimos 15 anos mais ou menos. É uma gente boa, mas muito devagar, quase estática.

Os cursos de Letras, Linguística e Linguística Aplicada talvez sejam os mais conservadores do mundo. Suas torres de marfim estão quase sempre voltadas para o passado das línguas e, na Europa, as oportunidades de carreira são maiores a quem deseje se dedicar a pilhas de documentos históricos em mosteiros e afins, se utilizando muitas vezes de métodos e sistemas jurássicos. Quando não, os interesses se servem de tecnologia de forma canalizada, como na escolarização em geral ou no ensino de línguas e ainda, no caso da língua portuguesa, sob uma pele rançosa de colonização determinante de quem fala bem e quem fala mal o português. Claro, há exceções. Charles Bazerman esteve em Campinas, interior de São Paulo, falando pra gente sobre rhetoric of science lá em 2005:

Mas, no caso de Santa Catarina, muito se perde com a estigmatização da língua quando negado o potencial da herança açoriana em Florianópolis, por exemplo. E, às vezes, em favor de um arremedo de outras línguas europeias, como o alemão em Blumenau e Pomerode. Seja como for, a ideia de documentação estratégica está perdida em questões acadêmicas que dialogam pouco e mal com a dinamicidade de línguas, linguagens e tecnologias e isso impacta diretamente na vida Tech Writing em geral, porque, como bem sabemos, a experiência direta de códigos, usuários e consumidores de todo tipo se dá por meio de uma escrita híbrida, conversacional.

A internet vem quebrando barreiras entre linguagem escrita e falada a despeito das velhas convenções e cria suas próprias, fazendo nascer essa terceira via de escrita e leitura que depende de novos e novas especialistas de alto padrão em TI.

Sobre o segundo item na confusão entre Tech Writers e UX Writers, o problema não está nas cátedras, mas na ausência de uma cultura documental Tech, especialmente se levamos em conta a falta de entendimento da escrita como uma tecnologia estratégica por excelência, no caso, capaz de apoiar, melhorar e reflorestar a vida de profissionais que também se cercam em castelos de códigos, na maioria das vezes.

Em Santa Catarina, mesmo na capital, uma prova dessa cultura pode estar expressa na dificuldade de algumas pessoas em aceitarem formas de pagamento em PIX nos estabelecimentos, entre outros, com medo de que alguma informação se perca pelo caminho ou de algum tipo de fraude. Acontece em outras partes do mundo, a gente sabe.

Mas, por que convergem e divergem os caminhos desses profissionais e quais as consequências para cenários tecnológicos despreparados ?

De acordo com o livro “Redação Estratégica para UX”, de Torrey Podmajersky, publicado em 2019 no Brasil, entendo que o que converge Tech Writers e UX Writers é o mesmo desafio: a fidelização de experiências de escrita dentro e fora das equipes de TI.

Capa da edição brasileira de 2019

É criar e sustentar uma cultura documental em vários níveis. Então não é qualquer experiência de fidelização. Estamos falando da experiência de fidelização de equipes, marcas, produtos e serviços, desde a escrita de códigos (write-as-code) até anúncios, comunicados, avaliação e classificação de produtos anunciados em Websites, materiais didáticos e de instrução a usuários, ou artigos assertivos como este que você está lendo agora.

Mas então, onde e quando divergem Tech Writers e UX Writers? Na instalação da experiência.

O trabalho do Tech Writer (TW), segundo Podmajersky, é o de oferecer mentoria, auditoria e toda orientação necessária para o gerenciamento da documentação das experiências de usuários da escrita, sejam usuários internos ou externos da programação e de desenvolvedores de Software. É uma curadoria ao mesmo tempo elástica e precisa, porque deve saber ouvir e observar profundamente as demandas de um universo pouco compreendido por dentro, o de devops e programadores.

O TW oferece aos usuários da documentação encorajamento e instrução para que as experiências de fidelização de equipes e produtos obtenham sucesso. Para isso, é preciso programar a escrita, ou seja, pesquisar muito sobre como estabelecer metas de escrita em reuniões de decisão de diferentes squads, conhecer as dificuldades das equipes de programação e adjacentes, ouvir e ensinar sobre as restrições do produto a ser experienciado, definir quais textos precisam ser codificados antes do Hardware ser enviado, quais podem ser atualizados, testar e ajustar cada detalhe.

Já os UX Writer são os que fazem a curadoria dos TW funcionar. Então, eles também precisam estar presentes nas decisões, mas na condição de autores peritos que atinjam as metas das experiências de documentação dentro dos ciclos de interação, criação, avaliação e iteração (termo emprestado da álgebra em TI, relacionado à retextualização) de produtos, serviços, memórias e legados.

Sabe aquela compra que você faz em menos de cinco minutos porque teve as instruções mais assertivas a cada passo e depois você ainda voltou pra comprar de novo? UX Writer. Quem escolheu as palavras do menu interativo do seu Netflix ? Do seu banco? Da sua empresa? Do seu médico? Do seu clube? E assim por diante. A escrita eletrônica tem mãos, pernas, mentes. Corpos.

Entretanto, o maior problema que aponto como curadora do projeto Santa Officeless, nessa confusão, é consensual: as falhas na contratação desses profissionais. Tech Recruiters, gestores e especialmente programadores e devops, quando estão nesses papéis, além de precisarem de consenso ( e uma certa humildade) sobre a diversidade de writers da qual não podem prescindir, ainda se embananam de verde e amarelo nas entrevistas e perdem candidatos e candidatas excelentes e à altura dos melhores rendimentos.

Numa rápida conversa no Linkedin com colegas Jr, Pleno e Sênior brasileiros, coletei consensos como:

“as empresas ainda não entenderam o que um TW faz. Também adiciono ao mérito das que sabem o fato de não estarem dispostas a capacitar o profissional para as necessidades que possuem”.

“O que vemos são vagas para cargos sênior com uma demanda exorbitante e conhecimentos extremamente nichados (sic). E o que as empresas têm falhado em notar é que esses profissionais não existem. Eles precisam ser talhados.”

“Muitas das negativas que já recebi foram em razão de eu não dominar ferramentas técnicas. Mas né, ferramentas você ensina a mexer”.

“Comecei como Tech Writer já esse ano. Antes disso era instrutor em uma plataforma de educação em tecnologia. A dica que eu acredito que posso te passar é: tenta ajudar pessoas na área de programação.”

“Nenhum profissional vai estar 100% pronto pra cada cargo na empresa…tem q ter treinamento…cada lugar tem um procedimento e um sistema.”

São afirmações contundentes bastante pontuais e que não podem passar despercebidas especialmente nos nichos tecnológicos mais promissores. Creio que quanto a isso, todes concordam.

No próximo texto discuto a arte de documentar API e como isso fideliza, no contexto do Santa Officeless, experiências em TI criando o que Terrey Podmajersky chama de QUADRO DE VOZ DA MARCA.

Referências

Bazerman, C. (2009). Gêneros Textuais, Tipificação e Interação. São Paulo: Cortez.

Cascaes, F. (2012). O fantástico na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC.

Podmajersky, T. (2019). Redação estratégica para UX Writer. São Paulo: Novatec.

Toffler, A. (1970). Future Shock. New York: Panbooks.

PS — quero agradecer enormemente ao apoio e incentivo dos colegas que me acompanharam na jornada de escrita desse artigo, em especial: Eduarda Raddatz, Danilo Vieira, Elisamara Aoki e David Sales Piza.

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Jana Behling

I am skilled at analyzing algorithms and writing about nomadism. Focusing on ESG Programming.