Querido diário de escrita…

Depois de um mês, o que tirei de bom do hábito de registrar minhas ideias e detalhes sobre a minha produtividade?

Janayna Bianchi Pin
11 min readOct 30, 2017

No começo de outubro, depois das férias, meu período sabático começou oficialmente. Queria fazer algo diferente pra marcar o início dessa nova fase de trabalho no meu romance, então aproveitei um siricutico de organização que me deu e comecei um Diário de Escrita™.

Óia que gordinho e colorido :)

O primeiro disclaimer deste texto é: esse ™ ali é só brincadeirinha mesmo. Não estou seguindo método algum — até onde eu sei, inclusive, não existe um método pré-determinado pra preencher um diário de qualquer natureza, o que dirá um diário de escrita. O que eu fiz durante o mês inteiro de outubro foi: parar alguns minutinhos no fim do dia e registrar minhas ideias gerais, pensamentos sobre o romance e sobre outros projetos paralelos e detalhes da minha produtividade. Simples assim.

Resolvi escrever esse artigo por duas razões: 1) colegas escritores viram minhas publicações nos stories do Instagram e no Twitter e ficaram curiosos e 2) ao longo desse mês, descobri que manter esse diário me trouxe vantagens reais e práticas que talvez possam ajudar outras gentes que escrevem.

Então resolvi mostrar e explicar como é uma entrada típica do meu diário e, depois, listar as tais vantagens.

O meu diário

Por motivos de: spoilers das coisas que estou escrevendo, resolvi fazer algumas entradas fictícias ao invés de pegar um dia real e ficar apagando as coisas ~secretas~. Mas, mesmo morrendo de vergonha (eu ainda acho meio constrangedor narrar meu dia pra um diário, embora isso esteja melhorando muito), eu me ative ao máximo ao formato real que eu uso todos os dias.

  1. Cabeçalho: não tem segredo, né. Coloco só o dia do mês, o ano e o dia da semana. Agora estou usando o pincel daquelas canetinhas Tombow Dual Brush (HMMMMM, olha ela!), mas antes estava usando a mesma caneta preta do texto normal.
  2. Quadrinho de meta de palavras: vou falar melhor sobre como as metas me ajudam lá na parte de vantagens, mas eu gosto de ter metas — você pode aboli-las sem problema. O “M” é a meta de palavras pro dia, o “R” é o real (ou seja, o que realmente escrevi ao fim do dia), o “A” é o acumulado e o “S” é o status do real em relação à meta (sou engenheira, gente). Eu só coloco no quadrinho a meta e o acumulado pro romance, que é meu projeto principal. Se escrevo alguma outra coisa, só anoto no texto corrido. Cada célula é quadrinho é um risco das mesmas canetas Tombow Dual Brush. As minhas metas são variáveis porque meus dias e o tempo disponível neles são variáveis também, então eu deixo pra preencher o quadrinho roxo escuro com a meta no fim do dia anterior ou no começo do próprio dia. Os quadrinhos em roxo claro eu só preencho no fim do mesmo dia ou no começo do dia seguinte — então note que a tabelinha está completa no dia 27, mas no dia 28 ainda só tem a meta. Não anoto o número exato de palavras, mas uma aproximação na casa da dezena. Uso o contador do Scrivener mesmo pra saber a contagem do dia e subtraio do acumulado anterior pra ver o real. Se não escrevo nada, anoto “zero” e copio o acumulado do dia anterior. O status é auto-explicativo (bolinha verde pra bati/superei a meta, vermelho pra não bati a meta).
  3. Quadrinho de hábitos: resolvi acompanhar hábitos que tenham relação direta (suponho) com criação e produtividade. No meu caso, “P” é sair com as cachorras (pra dar aquela espairecida de manhã cedo), “E” é exercício (risos), “D” é uma prática diária minha e “S” é dormir cedo (estar na cama às 23h30). A ideia é, a longo prazo, usas os registros pra ver quais dessas práticas ajudam com criação, saúde mental e afins. (Mas acho que já sabemos a resposta, né.)
  4. Entrada: bom, geralmente eu começo a entrada falando um pouquinho da rotina da manhã e da noite anterior, só pra registrar o contexto daquele dia, especialmente pra entender minha disposição. É um lance bem “querido diário”, mesmo. Talvez, quando minha rotina e meu sono estiverem mais acertados, esse comecinho sirva pra registrar também alguns sonhos. Eu não anoto tudo o que acontece no dia, só as coisas que geraram alguma ideia — às vezes, isso acaba implicando em de fato registrar todo o meu dia, mas originalmente a ideia não é anotar todos os meus passos. Ah, estou usando caneta preta da Faber-Castell, modelo PITT artist pen, ponta S, mas minha caneta preferida é a Uni Lacklock — a minha acabou e não comprei outra porque eventualmente quero experimentar canetas tinteiro (torçam por mim).
  5. Registro de ideias e comentários sobre o romance: resolvi fazer grifos de cores diferentes pra destacar algumas coisas. O grifo cinza é pra ideias e comentários sobre o romance, e é aqui que o negócio fica realmente interessante. A ideia é anotar não só ideias, mas também onde eu estava e o que estava fazendo quando as tive (vou falar melhor nas vantagens sobre porque estou me preocupando em registrar também a origem das ideias). Dou um exemplo disso no primeiro grifo, em que conto que tive a ideia de uma moto voadora vendo uma motoca largada enquanto passeava com as cachorras de manhã. Mas também estou anotando os comentários sobre o romance — coisas que eu sei que preciso mudar ou melhorar no que já foi escrito, ou até no que já estava no outline. É o caso do segundo grifo, em que falo que curti uma cena mas achei que preciso melhorar a relação entre os personagens e o diálogo. Esse ponto acho que é o mais importante do diário todo, mas também explico melhor porquê ali nas vantagens.
  6. Anotações com as sessões de escrita: só depois de alguns dias que achei que seria interessante tentar anotar mais ou menos as sessões de escrita do dia. Coloco a hora em que comecei a escrever, a hora que parei e a contagem parcial. A ideia é que, daqui um tempo, consiga entender melhor minha produtividade (também vou explicar melhor).
  7. Brainstorming: percebi que quando estou escrevendo no diário, minha cabeça fica particularmente disposta a fazer brainstormings. Não é uma coisa planejada, mas às vezes estou anotando que preciso pensar melhor no nome de determinado personagem e as ideias começam a vir. Eu anoto em outra cor de caneta porque depois consigo encontrar facilmente no meio do texto.
  8. Registro de ideias pra artigos/newsletter: é igual o registro de ideias pro romance, só que quando tenho ideias pra artigos, episódios do podcast ou temas pra minha newsletter, grifo em outras cores (nesse caso, laranja) — assim fica fácil encontrar cada tipo de ideia mais tarde, folheando o diário. Eu esqueci de incluir nessa postagem exemplo, mas costumo usar essa cor pra destacar também inspirações — vídeos, filmes ou livros que consumi — ou sugestões dessas coisas dadas pelas pessoas e que pretendo checar em algum momento.
  9. Registro de ideias pra outras ficções além do romance: mesma coisa aqui, nesse caso usando um cor-de-burro-quando-foge pra grifar ideias pra projetos paralelos — outros contos, meu audiodrama e até ideias super esparsas que ainda não tem projeto certo.

Antes de seguir pra seção de vantagens, algumas notas adicionais:

  • Eu estou usando um caderno que comprei há décadas numa promoção na Saraiva. A única coisa que eu tenho certeza é que ele é Moleskine, não tem pauta, é brochura (capa mole) e veio num pacote com três. Com essas informações, fucei aqui no site e eu tenho quase certeza que é um Cahier Collection 19 x 25cm (XL) com 120 páginas creme de gramatura 70g/m². Não sei se isso pode ser pertinente pra alguém, mas me senti muito blogueirinha de bullet journal. :)
  • Minha letra é zoada mesmo, então temos aqui um caso real de como problemas de caligrafia não são impedimentos pra ter um diário, um bullet journal ou afins.
  • Antes que me acusem de bruxaria, as linhas ficam (mais ou menos) certinhas mesmo na página sem pauta porque eu uso um gabaritinho por trás, uma página de fichário cujas linhas eu reforcei com canetinha. Como a folha desse caderno é fininha, eu enxergo as linhas através dela e voilà, escrevo seguindo as linhas fantasma.
  • Sektubro é um dos meses do calendário usado no Discworld, o universo em forma de disco criado por um dos meus autores preferidos, Terry Pratchett. Se você não conhece o Pratchett, anote na primeira entrada do seu diário que essa é uma recomendação minha. Ah, só usei esse mês aqui porque é uma entrada fictícia, mas obviamente na vida real eu o calendário gregoriano (pelo menos até o momento).

As vantagens

Anota as vantagens aí, Caco!

Sem mais delongas, as vantagens que já identifiquei nesse um mês de diário de escrita foram:

  • Tirar da cabeça coisas que quero mudar no romance: essa é uma das melhores coisas que o diário me trouxe — e foi uma grata surpresa, aliás, porque nem era um dos objetivos iniciais. Eu sou uma pessoa relativamente ansiosa e minha eu-escritora vive em constante batalha com a minha eu-editora. Depois de muito treino, estou começando a lidar melhor com a ideia de escrever enquanto edito moderadamente, apenas, de modo a conseguir uma produtividade decente. Mas mesmo depois desse treino, quando estava muito insatisfeita com um pedaço inteiro da história—não o texto em si, mas uma motivação ou comportamento de um personagem, um diálogo, algum furo de plot descoberto e afins — era praticamente impossível ignorar aquele incômodo, seguir a história e só arrumar no final. Os principais motivos: a) eu achava que ia esquecer o problema ou ideias preliminares pra resolvê-lo e b) a coisa ficava no fundo da minha cabeça, martelando. Com o diário, resolvo as duas numa cajadada só. De um jeito nunca antes visto neste país, agora consigo simplesmente seguir a história, por exemplo, usando um nome diferente pra um personagem sem precisar parar pra alterar tudo que está pra trás porque sei que vou fazer isso ao fim da história.
  • Usar as metas pra impedir procrastinação e puxar um pouco meu ritmo: como disse lá em cima, eu funciono bem com metas. Não uma meta diária imutável, mas metas coerentes com o que eu espero do meu dia. A vantagem maior de estar registrando a meta num lugar físico é aquele lance de me auto-desafiar. É diferente de só ter o número na cabeça, pelo menos pra mim. Em alguns dias desse último mês, aconteceu de eu quase bater a meta numa sessão de escrita e parar pra fazer outra coisa. Provavelmente, se não tivesse a meta, teria dado o dia de escrita por encerrado. Mas como sabia que faltavam só algumas palavrinhas e queria deixar o status verdinho, me forcei a sentar e acabei escrevendo bem mais do que a própria meta (não vou fazer a piadinha da meta aqui, sei que vossos cérebros já a auto-inseriram aqui). Ah, e esse lance de me auto-desafiar pra deixar tudo verdinho funciona um pouco nos hábitos também.
  • Registrar as circunstâncias das ideias pra me entender melhor: já introduzi ali em cima, mas acho que é valiosíssimo pra um escritor entender mais ou menos de onde ou como surgem as ideias. Criar é um processo meio anárquico por natureza e ninguém aqui quer aprender a controlar as próprias ideias, mas é fato que há circunstâncias que favorecem ou desfavorecem o surgimento de boas ideias. Conhecer algumas dessas circunstâncias e tentar encontrar padrão dentre elas pode ser um bom exercício pra deixar a mente sempre à vontade pra criar, mesmo em momentos mais adversos como períodos de rotina mais corrida, por exemplo. Além disso, como também já falei mais cedo no texto, às vezes no processo de anotar as ideias meu cérebro fica muito atacado e começo a analisar aquelas ideias, o que não só as modifica como também gera novas ideias correlatas e mini-sessões de brainstorming.
  • Guardar memórias sobre a escrita do romance: esse é a vantagem mais fofinha do diário, apesar de uma das mais óbvias. É algo que só vou poder validar depois que o romance estiver pronto — talvez só depois de editado e publicado, inclusive — mas eu desconfio que vai ser muito valioso pra mim, no futuro, poder saber quando criei tal personagem, o quanto ele mudou ao longo dos dias, coisas que aconteceram na vida real que alteraram o rumo da minha história e tal. Na pior das hipóteses, se o romance for um fiasco e não chegar nem a ser publicado, vai ser uma tipo de memória interessante pra mostrar pros meus sobrinhos ou amigos daqui um tempão.

Enfim

Outro disclaimer deste texto é: não posso afirmar que esse é o melhor jeito de se manter um diário de escrita porque toda hora tenho uma ideia nova e mudo alguma coisinha — às vezes é pra melhor, às vezes pra pior. Sei de gente que usa um esquema TOTALMENTE diferente do meu há um tempão e dá totalmente certo (tipo o Angelo Dias).

Tenho ideias pra implementar na virada dos meses também, tipo um resumo do andamento do romance — talvez até um “mini-relatório” pra no futuro analisar o andamento da escrita de modo mais objetivo. Agora pra novembro, preparei um gráfico pra acompanhar o andamento do romance enquanto tento o NaNoWriMo (não coloco foto porque ainda não tá pronto, mas certamente vou postar nas redes sociais). Suponho que quando chegar ao fim do rascunho do romance (AMÉM que esse dia vai chegar!), vou mudar um pouco o esquema porque aí a contagem de palavras ou vai seguir outro ritmo ou vai se tornar irrelevante.

O que eu quero dizer é que talvez esse jeito funcione pra você nesse momento da sua vida e da escrita do seu projeto, mas talvez não faça sentido nenhum e a sua experiência de tentar fazer algo similar não te leve a nada. Se acontecer a segunda coisa, o que eu peço é que você não se frustre e só desista totalmente do plano de ter um diário de escrita depois de experimentar outras maneiras de registrar suas ideias e detalhes sobre sua escrita, no bom e velho método da tentativa e erro. Se ainda assim não funcionar, é porque as pessoas criam de modos diferentes mesmo, diário não é pra você nesse momento em e não tem problema nenhum nisso.

Ah, e se você faz alguma coisa diferente no seu diário que funciona pra você, compartilha aqui comigo! E se ficou alguma dúvida, também pode deixar um comentário aqui (ou me procurar em qualquer outro lugar) que a gente conversa. ❤

Se você curtiu esse post e não me conhece, talvez queira me seguir no Instagram , no Twitter e no Facebook, onde estou sempre falando sobre minhas aventuras literárias. Se você escreve, talvez você também goste de conhecer o Curta Ficção, o podcast que eu apresento junto com o Thiago Lee e o Rodrigo Assis Mesquita. Provavelmente incorrendo em um inception maluco de links, eu enfim deixo aqui o caminho pra encontrar minha principal publicação, Lobo de Rua, uma novela de fantasia urbana que se passa em São Paulo.

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Janayna Bianchi Pin

Escritora, engenheira, viajante e passeadora de lobisomens. Autora de Lobo de Rua (bit.ly/lobojana).