O poder da esperança e os 70%

Jandira Queiroz
5 min readJul 29, 2020

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“Uma mensagem poderosa não diz o que já é popular. Uma mensagem poderosa torna popular o que precisa ser dito.” *

A esperança sempre moveu a humanidade. Se voltarmos à fábula de Noé, veremos que a esperança por um mundo melhor o fez construir uma embarcação onde coubessem todos os animais da Terra. Em todas as religiões, o que move as pessoas é a esperança de ter uma vida melhor para si e para os seus. O que nos faz levantar de manhã para trabalhar mais um dia é a esperança de ter prosperidade. O que nos leva às ruas em manifestações é a esperança de ver a mudança acontecer. E quando vamos ao estádio ver nosso time jogar, é a esperança da vitória que nos move. Além disso, somos seres sociais e buscamos pertencimento, sempre.

Ativistas tendem a construir suas narrativas baseadas nos problemas que querem resolver. O resultado mais frequente disso é o afastamento quase automático das pessoas que não estão na mesma sintonia — começando por mães, pais, irmãos e irmãs, colegas, o pessoal do bar, do clube, da faculdade… Por algum tempo, ouvi de parentes que eu era “muito radical”. Aquilo me deixava ainda mais enfurecida, e eu praticamente cuspia ódio de volta. Eu queria resolver a questão “aqui e agora”. Claro que não funcionava para agregar o apoio da minha família às causas que eu estava defendendo.

Há alguns anos, venho refletindo e tentando entender as mudanças e os elementos nas narrativas que agregam. Por que tanta gente assiste ao Big Brother ou ao Silvio Santos, enquanto um evento que mobiliza apoio para uma causa “flopa”? Recentemente, fiquei sabendo de um estudo que além de revelar alguns desses elementos, aponta caminhos para uma comunicação progressista mais eficiente. É a Comunicação Baseada na Esperança, ou Hope-Based Communications.

Se você sente que pertence aos 70% de brasileiros e brasileiras que se importam mais com as pessoas vivas, com a democracia e com um futuro melhor para o Brasil, gostaria de compartilhar com você alguns desses elementos. Com esperança, nossos tuítes e posts nas redes sociais poderão mobilizar ainda mais os 70%, e quem sabe dialogar com os outros 30%. Ah, e é sempre bom lembrar que os símbolos nacionais não são para uso exclusivo de um determinado grupo.

  1. Comece com o que conecta nossa humanidade: em geral, a gente começa a conversa já falando dos problemas, depois aponta como deveria ser, e em seguida chama para uma ação. Mas pense comigo: quem quer mais problemas? Pois é, ninguém. Quando a conversa começa por aí, a primeira coisa que a outra pessoa faz é bloquear a escuta — involuntariamente, inclusive. Quando começamos a conversa compartilhando os valores que são caros para ambos os lados, temos uma chance bem maior de reter a atenção e até de mudar algumas percepções da pessoa com quem estamos dialogando. Por exemplo, em vez de começar com “o presidente está causando mais mortes”, experimente dizer “a vida das pessoas é o que mais importa, as famílias precisam estar em condições de se cuidar e proteger os seus”.
  2. Apresente o problema de forma concreta, e dê nome aos bois: por mais que você entenda profundamente o problema que quer apresentar e algo como “desigualdades sistêmicas” apareçam na sua cabeça como uma imagem cristalina de uma família vivendo na miséria por gerações, procure desenhar essa imagem com palavras simples e diretas. Veja, ouça e leia seu interlocutor, fale de forma personalizada para essa pessoa. Também é importante nomear quem está causando e/ou pode resolver o problema, e por quê. Podemos usar “se o governador/prefeito mandar reabrir o comércio agora vai causar ainda mais mortes e mais dor para o nosso povo; ele precisa nos ouvir e fazer o que for preciso para proteger as pessoas com menos condições” no lugar de “a resposta do governo é muito arriscada e não leva em consideração as pesquisas de opinião”.
  3. A solução para o problema precisar ser algo verdadeiramente bom: já sabemos que as pessoas estão fartas de problemas, que trabalham muito e não querem gastar o precioso tempo livre em algo que pode ser que dê certo. Além de evitar palavreados que só militantes entendem, busque no seu coração toda a sua esperança e aplique na solução que você está propondo. Lembre-se que um não sem um sim é percebido como uma denúncia vazia sem proposta de solução. “Nossa liberdade será garantida, e seremos um país unido na democracia” vai ressoar melhor que “a democracia está ameaçada, precisamos lutar para salvá-la”.
  4. Mais foco no resultado que no processo: uma política pública ou uma medida legislativa costumam estar no centro das nossas mensagens quando queremos falar de soluções. Mas elas são um meio para algo concreto, e a maior parte das pessoas não entende muito bem como funciona a construção dessas medidas. Além disso, esses processos levam muito tempo. Dá até preguiça, não dá? Então, lembre-se de colocar as pessoas no centro da sua ação e os resultados concretos no centro da sua mensagem. Experimente, por exemplo, dizer que como resultado dessa organização em massa “teremos médicos e hospitais para tratar todos e todas, sempre que precisarem, com ou sem pandemia” em vez de chamar sua rede para “fortalecer um sistema de saúde único e universal”.
  5. Diga o que você quer em vez do que não quer: quando dizemos “protesto não é crime” ou “nenhum ser humano é ilegal”, o que fica no subconsciente são as palavras mais fortes: crime e ilegal. Isso acaba levando a uma “confirmação tendenciosa” — especialmente se a pessoa já tinha uma tendência a não gostar de protestos ou de imigrantes na sua vizinhança. Se queremos agregar mais pessoas às causas que estamos promovendo, será mais eficiente dizer o que queremos, e não o que buscamos mudar ou evitar. Tem um ditado que diz “quem não chora não mama”. A comunidade de captadores de recursos traduz essa ideia em “se você quer ganhar, tem que pedir”. Então, peça sem cerimônia. Diga exatamente o que você quer alcançar, e será bem mais fácil trazer mais pessoas para sua causa. Abandone de vez os exemplos acima e aposte mais em mensagens como “queremos que o governo leve em consideração o que nós desejamos para a nossa comunidade, e siga as recomendações da associação X”.

Você pode entender melhor essa abordagem no e-book, que está disponível gratuitamente no site da rede Narrativas. A leitura é leve, breve e cheia de exemplos práticos para a adoção de uma comunicação baseada na esperança. Use sem moderação!

* Frase retirada da introdução do e-book.

Este artigo foi publicado originalmente no Linkedin em 31 de maio de 2020.

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