Consumo consciente: quem é você na fila do fast fashion?

Apesar de movimentar a economia de diversos países, indústria da moda também figura entre as maiores poluentes do mundo

Jennifer Vargas
6 min readApr 18, 2019
Estímulo ao consumo desenfreado produz cada vez mais roupas descartadas e milhões de lixo têxtil causando impacto ambiental diariamente | Fonte: The True Cost/Divulgação

Sempre gostei muito do mundo da moda, assistia aos desfiles pelos canais a cabo, ia a alguns quando conseguia convite, e ficava sempre fascinada. Há um ano voltei a me interessar pelo tema e até comprei uma máquina de costura para arriscar algumas peças. A ideia de poder criar e montar minhas próprias roupas, além de econômica, me deixava realmente animada.

Comecei a procurar tudo o que havia de conteúdo sobre o assunto e, numa dessas imersões, esbarrei no lado não tão glamuroso do setor, além da contínua exploração humana nas produções ao redor do mundo inteiro, o lixo têxtil acumulado é assustadoramente alto.

Claro que tudo o que se produz possui algum impacto ambiental no planeta, em maior ou menor escala, mas eu jamais tinha ouvido falar sobre o assunto.

Como nos próximos dias iniciará a semana do Fashion Revolution, resolvi reunir em um texto todas as informações que fizeram com que eu questionasse alguns dos meus hábitos e repensasse a forma como nos é vendido diariamente a ideia de consumo.

Afinal, você sabe quem fez as suas roupas? Qual é a origem ou destino delas?

Fashion Revolution

Em uma das minhas pesquisas conheci o movimento global criado para questionar as marcas sobre o processo de produção de suas coleções, o Fashion Revolution. Não é de hoje que surgem denúncias de lojas famosas que se utilizam de profissionais em condições análogas às de escravos, submetidos à jornadas exaustivas e muitas vezes em condições degradantes ou em dívidas infindáveis, para produzirem suas coleções — das populares as de grife.

Sem contar, é claro, a baixíssima remuneração que estes profissionais recebem, entre R$ 1 e R$ 5 por peça, que quando vão para as lojas, chegam a custar até 120 VEZES a mais.

Grandes marcas já entraram nesta lista nebulosa, como: Zara, Animale, M. Officer, entre outras. No aplicativo Moda Livre (em versão iOS e para Android) é possível acompanhar a lista de empresas sob análise atualizada ou então ver detalhes estatísticos da base do Governo no Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil.

Em contrapartida, há muitos nomes do mercado que já começaram a se movimentar e parecem finalmente entender a necessidade de transparência cobrada pelo público. C&A, Nike, Reserva, Adidas, Marisa, Calvin Klein, Puma e Levis; são algumas das que passaram a divulgar em seus sites a relação de fornecedores com os quais trabalham. Um pequeno, mas importante passo para a mudança.

“Por trás das nossas roupas, sempre há história. Escolha ‘vestir’ boas histórias”, Cacá Camargo

Não bastasse isso, o problema ganha uma dimensão ainda maior quando se fala sobre os processos de produção. Desmatamento, lixo têxtil, poluição e uso excessivo de água; são apenas parte dos inúmeros efeitos colaterais no meio ambiente.

Segundo dados da Onu Meio Ambiente, a indústria moda está listada entre as mais poluentes do mundo — é o segundo setor da economia que mais consome água, produzindo cerca de 20% das águas residuais do mundo, com despejo de 500 mil toneladas de microfibras sintéticas nos oceanos diariamente, além de responsável por cerca de 8 e 10% da emissão de gases-estufa; ficando a frente até mesmo para a indústria petrolífera, transporte marítimo e aviação. Calma, que não acabou: ao ano, estima-se que se perde cerca de US$ 500 bilhões com o descarte de roupas que vão para os aterros e lixões e não são recicladas.

Quer alguns exemplos simples?

Já pensou se considerarmos o guarda-roupa de cada habitante deste planeta?

Fast fashion e o consumismo desenfreado

É importante ressaltar que parte desses números foram multiplicados nos últimos anos pelo fortalecimento das redes de “fast fashion”, que como o nome diz é a ideia de peças mais baratas, produzidas em tempo menor e com uma qualidade de rápida deterioração, ou seja, uma falsa ideia de economia momentânea para uma roupa que na verdade não irá durar.

Aí esbarramos novamente na questão de que uma peça que é vendida a preços expressivamente baratos, possivelmente remunerou menos ainda as pessoas por trás da confecção delas, explorou o serviço para um número alto de produções, além do descarte irresponsável dos restos de matérias primas e falta de controle na fiscalização dos processos.

Uma pesquisa interessante, chamada Uma nova economia têxtil: redesenhando o futuro da moda, feita pela Ellen MacArthur Foundation, prova ainda que nos últimos 15 anos a produção têxtil dobrou seus números, muito estimulada por este fenômeno da “moda rápida” e as diversas coleções seguidas lançadas pelas marcas, o que consequentemente faz com que hoje uma peça fique cada vez menos dentro dos nossos armários do que tempos atrás, menos de um ano, segundo estimativas.

Uma das soluções propostas no documento e que vem ganhando espaço também nos bastidores é a economia circular, um conceito que propõe a redefinição do consumo baseado nos pilares de: redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia. Ou seja, uma contrapartida, popularmente chamada “slow fashion”, para que seja repensado o papel do setor, que já não tem mais como se sustentar em velhos padrões, a mudança é urgente.

Compre menos, escolha bem, faça durar. Vivienne Westwood

A moda que incomoda: algo precisa mudar

Não é cômodo pensar sobre todas estas questões. Sair do nosso lugar comum gera desconforto e exige paciência, mas tentar mudar hábitos de consumo que sejam prejudiciais, de uma maneira geral, talvez seja um dos poucos caminhos possíveis para seguirmos rumo a um mundo mais ético, sustentável e transparente.

Instintivamente eu já tinha o hábito de manter roupas por muito tempo em meus armários, mas sempre fui fã das peças mais baratinhas de lojas como a Forever 21 — que causou furor ao trazer suas lojas para o Brasil em 2014 — e invariavelmente acabava comprando uma peça ou outra que sequer chegava a usar e ia para doação. Em tempos em que somos bombardeados por looks do dia nas redes e lançamento de “novas coleções” a cada trimestre das grandes grifes, questionar sobre a necessidade do consumo é fundamental.

E mais do que isso, nos informarmos e interessarmos de fato sobre os processos, pesquisarmos sobre o trabalho e o subsídio que é dado às empresas terceirizadas que são contratadas pelas grandes marcas, além de cobrar um posicionamento claro e sério das marcas que consumimos.

Para encerrar, há duas produções que valem a pena como base para uma reflexão mais profunda, são eles:

  • O documentário The True Cost (2015), disponível na Netflix, aborda estatisticamente os problemas do consumo desenfreado, bem como seu impacto ambiental e social, expondo tragédias e dividindo os relatos das pessoas diretamente envolvidas com o setor e com a exploração de trabalho humano;
  • O reality show Sweatshop — Deadly Fashion (2014), disponível no YouTube, produzido por um dos maiores jornais da Noruega, selecionou três jovens ricos e blogueiros de moda para acompanharem a rotina de funcionários da indústria têxtil no Camboja. O choque para eles foi tão grande que no decorrer dos episódios é possível ver a emoção e a mudança de pensamento.

Se quisermos um mundo melhor, teremos realmente que nos importar cada vez mais com a origem dos produtos que consumimos e o fim que damos a eles. Questionar, refletir e debater para mudar.

O futuro está, literalmente, nas nossas mãos. Quais são as escolhas que você vai fazer hoje?!

--

--

Jennifer Vargas

Jornalista, pós-graduanda em Jornalismo Investigativo. Autora do livro “Crimes de Maio de 2006”, um dos TCCs em destaque no 10º Congresso da Abraji, em 2016