Aborto e o debate desqualificado das redes

Jéssica Avelar
5 min readJan 14, 2022

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Pesquisa indica maior número de tweets contrários à legalização do aborto e debate superficial nas redes

Nuvem de palavras com os principais termos que aparecem no Twitter quando se fala em aborto.

Levantamento feito no Twitter aponta que discussão na rede social sobre “aborto” não apresenta um debate qualificado, predominando desinformação e xingamentos. A questão é que 2022 poderá ser um ano decisivo no debate sobre a descriminalização do aborto no Brasil e a mobilização precisa ser em diferentes frentes.

Foi aplicada análise de sentimento em uma amostra de 12.511 tweets publicados entre janeiro de 2021 e 13 de janeiro de 2022. O resultado foi 3.998 tweets contra o aborto, enquanto 3.311 indicavam ser a favor da legalização do aborto no Brasil.

Porém, a categoria com mais publicações se enquadra em “outros”, com 5.202 tweets, contendo xingamentos, comentários a respeito de filmes e séries e conteúdo informativo, como de portais de notícias.

Gráfico com a análise de sentimento de publicações do Twitter que abordavam o aborto.

A disputa de opinião no Twitter

As redes sociais, em geral, têm representado a polarização que o Brasil vive nos últimos anos, principalmente quando o assunto são temas que aumentam os ânimos e mexem com as crenças. Não raro, aparecem argumentos nada científicos, embasados em opinião ou desinformação. Além disso, alguns debates são insuflados por robôs e contas falsas.

Na disputa da narrativa sobre o aborto no Twitter, podemos citar os grupos contrário à vacinação que, em postagens recentes, têm comparado sua decisão à expressão utilizada pelo movimento feminista “meu corpo, minhas regras”. Enquanto grupos a favor da legalização do aborto, muitas vezes utilizam apenas algumas frases de efeito, como: se o Papa fosse mulher, o aborto seria legalizado.

No geral, as palavras relevantes mais utilizadas no Twitter quando se fala em aborto são: contra (1763), resto (911), vida (891), mulher (681) e drogas (636).

Gráfico com as principais palavras utilizadas em tweets que citam “aborto”.

Entre os principais termos utilizados pelos internautas contra o aborto, as palavras relevantes mais comuns são: contra (1459), drogas (400), vida (391), favor (270) e defende (264).

As principais palavras de pessoas contrárias ao aborto no Twitter.

Enquanto isso, os favoráveis à legalização do aborto utilizam termos relevantes como: favor (872), mulher (321), legalização (298), vida (292) e pessoa (287).

Principais termos utilizados no Twitter por pessoas que são favoráveis ao aborto.

Segundo Viviane Moreira, mestra em Estudos da Linguagem e professora:

“Os léxicos que aparecem com maior frequência deslegitimam o lugar de fala da mulher e não contribuem para uma discussão pautada em dados reais. Por exemplo, visando uma discussão mais qualificada e com fundamentos, o ideal seria aparecer com mais frequência léxicos como: direito, institucional e lei. Esses léxicos possivelmente possibilitariam uma discussão mais equânime e justa para uma pauta tão polêmica e importante quanto o aborto.”

Debate qualificado nas redes sociais

As redes sociais também têm ganhado cada vez mais espaço na vida das pessoas que passam mais e mais horas conectadas. Exatamente por esse motivo, levantar um debate qualificado é fundamental para trabalhar a opinião pública. E quando falamos em legalização do aborto no Brasil, o assunto não é tratado com a seriedade e debate técnico que deveria.

“Nota-se que a principal problemática das discussões acerca da palavra aborto no Twitter é baseada em discussões rasas, não havendo fundamento científico”, afirma Viviane.

O ano de 2022 pode trazer mudanças para o cenário nacional e para o direito reprodutivo de pessoas que podem engravidar. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem em andamento uma discussão sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana, ainda não há previsão para o julgamento do caso, mas segundo o site Uol Notícias, grupos evangélicos estão mobilizados e pretendem, dentre outros assuntos, focar na discussão contra o aborto na Corte.

Experiência da Argentina

O Brasil tem muito o que aprender com a experiência da Argentina na luta pelos direitos reprodutivos, pois o país teve a legalização do aborto aprovada em 2020.

Na Argentina, o movimento feminista tem um forte histórico de mobilização, a pauta da legalização do aborto vem sendo debatida desde 1983. A campanha pelo aborto legal, seguro e gratuito usou uma estratégia de mobilização em três frentes: as redes sociais, as ruas e a política partidária. As principais hashtags utilizadas eram #NiUnaMenos, #MiPrimerAcoso, #AbortoLegalYa e #SeraLey. A onda verde conquistou o direito de interromper a gravidez até a 14ª semana de gestação.

É necessário ocupar os espaços (mesmo que virtuais) para que sejam garantidos os direitos e não termos ainda mais retrocessos. Assim, qualificar o debate pode ser uma importante estratégia do movimento feminista para trabalhar com a opinião pública em relação ao aborto.

Precisamos utilizar todas as opções para a construção do debate público e para colocar em evidência as reivindicações. Dessa forma, a internet poderia ser utilizada como uma estratégia para conscientizar, reivindicar direitos e mobilizar cada vez mais pessoas.

Metodologia

Para o corpus de análise foram coletados 12.511 tweets que continham a palavra “aborto” entre janeiro de 2021 e 13 de janeiro de 2022.

A análise de sentimento foi feita através de um algoritmo de processamento de linguagem natural e os tweets foram divididos pela polaridade: a favor do aborto, contra e outros. A classificação “outros” engloba frases em que a palavra “aborto” aparece como xingamento, comentários sobre produções audiovisuais, aborto espontâneo ou tweets informativos.

Para a construção da nuvem de palavras e dos gráficos, foi feito um pré-processamento com o objetivo de retirar a pontuação e palavras que não possuem significado semântico, como “a”, “é”, “eu”, “as”, “eles” , dentre outras.

Acesse a metodologia completa utilizada no trabalho aqui.

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