Aborto e o debate desqualificado das redes
Pesquisa indica maior número de tweets contrários à legalização do aborto e debate superficial nas redes
Levantamento feito no Twitter aponta que discussão na rede social sobre “aborto” não apresenta um debate qualificado, predominando desinformação e xingamentos. A questão é que 2022 poderá ser um ano decisivo no debate sobre a descriminalização do aborto no Brasil e a mobilização precisa ser em diferentes frentes.
Foi aplicada análise de sentimento em uma amostra de 12.511 tweets publicados entre janeiro de 2021 e 13 de janeiro de 2022. O resultado foi 3.998 tweets contra o aborto, enquanto 3.311 indicavam ser a favor da legalização do aborto no Brasil.
Porém, a categoria com mais publicações se enquadra em “outros”, com 5.202 tweets, contendo xingamentos, comentários a respeito de filmes e séries e conteúdo informativo, como de portais de notícias.
A disputa de opinião no Twitter
As redes sociais, em geral, têm representado a polarização que o Brasil vive nos últimos anos, principalmente quando o assunto são temas que aumentam os ânimos e mexem com as crenças. Não raro, aparecem argumentos nada científicos, embasados em opinião ou desinformação. Além disso, alguns debates são insuflados por robôs e contas falsas.
Na disputa da narrativa sobre o aborto no Twitter, podemos citar os grupos contrário à vacinação que, em postagens recentes, têm comparado sua decisão à expressão utilizada pelo movimento feminista “meu corpo, minhas regras”. Enquanto grupos a favor da legalização do aborto, muitas vezes utilizam apenas algumas frases de efeito, como: se o Papa fosse mulher, o aborto seria legalizado.
No geral, as palavras relevantes mais utilizadas no Twitter quando se fala em aborto são: contra (1763), resto (911), vida (891), mulher (681) e drogas (636).
Entre os principais termos utilizados pelos internautas contra o aborto, as palavras relevantes mais comuns são: contra (1459), drogas (400), vida (391), favor (270) e defende (264).
Enquanto isso, os favoráveis à legalização do aborto utilizam termos relevantes como: favor (872), mulher (321), legalização (298), vida (292) e pessoa (287).
Segundo Viviane Moreira, mestra em Estudos da Linguagem e professora:
“Os léxicos que aparecem com maior frequência deslegitimam o lugar de fala da mulher e não contribuem para uma discussão pautada em dados reais. Por exemplo, visando uma discussão mais qualificada e com fundamentos, o ideal seria aparecer com mais frequência léxicos como: direito, institucional e lei. Esses léxicos possivelmente possibilitariam uma discussão mais equânime e justa para uma pauta tão polêmica e importante quanto o aborto.”
Debate qualificado nas redes sociais
As redes sociais também têm ganhado cada vez mais espaço na vida das pessoas que passam mais e mais horas conectadas. Exatamente por esse motivo, levantar um debate qualificado é fundamental para trabalhar a opinião pública. E quando falamos em legalização do aborto no Brasil, o assunto não é tratado com a seriedade e debate técnico que deveria.
“Nota-se que a principal problemática das discussões acerca da palavra aborto no Twitter é baseada em discussões rasas, não havendo fundamento científico”, afirma Viviane.
O ano de 2022 pode trazer mudanças para o cenário nacional e para o direito reprodutivo de pessoas que podem engravidar. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem em andamento uma discussão sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana, ainda não há previsão para o julgamento do caso, mas segundo o site Uol Notícias, grupos evangélicos estão mobilizados e pretendem, dentre outros assuntos, focar na discussão contra o aborto na Corte.
Experiência da Argentina
O Brasil tem muito o que aprender com a experiência da Argentina na luta pelos direitos reprodutivos, pois o país teve a legalização do aborto aprovada em 2020.
Na Argentina, o movimento feminista tem um forte histórico de mobilização, a pauta da legalização do aborto vem sendo debatida desde 1983. A campanha pelo aborto legal, seguro e gratuito usou uma estratégia de mobilização em três frentes: as redes sociais, as ruas e a política partidária. As principais hashtags utilizadas eram #NiUnaMenos, #MiPrimerAcoso, #AbortoLegalYa e #SeraLey. A onda verde conquistou o direito de interromper a gravidez até a 14ª semana de gestação.
É necessário ocupar os espaços (mesmo que virtuais) para que sejam garantidos os direitos e não termos ainda mais retrocessos. Assim, qualificar o debate pode ser uma importante estratégia do movimento feminista para trabalhar com a opinião pública em relação ao aborto.
Precisamos utilizar todas as opções para a construção do debate público e para colocar em evidência as reivindicações. Dessa forma, a internet poderia ser utilizada como uma estratégia para conscientizar, reivindicar direitos e mobilizar cada vez mais pessoas.
Metodologia
Para o corpus de análise foram coletados 12.511 tweets que continham a palavra “aborto” entre janeiro de 2021 e 13 de janeiro de 2022.
A análise de sentimento foi feita através de um algoritmo de processamento de linguagem natural e os tweets foram divididos pela polaridade: a favor do aborto, contra e outros. A classificação “outros” engloba frases em que a palavra “aborto” aparece como xingamento, comentários sobre produções audiovisuais, aborto espontâneo ou tweets informativos.
Para a construção da nuvem de palavras e dos gráficos, foi feito um pré-processamento com o objetivo de retirar a pontuação e palavras que não possuem significado semântico, como “a”, “é”, “eu”, “as”, “eles” , dentre outras.