.parece um grito agoniante

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Ela sabia que parecia leve, mas não se sentia assim. Tudo pesava, tudo a afetava demais, e ela pensava: como pode existir coração tão sensível e ao mesmo tempo tão, tão… Disfarçadamente leve?

Era estranho ver tudo sob os olhos de outra pessoa, alguém que tudo via, mas parecia não fazer parte do mundo.

A outra humana de carne e osso e coração pesado que vivia ali dentro gritava para sair, implorava que precisava ver o que existia do outro lado.

“Meu Deus, me dê um dia de paz.”

Ela não queria mais ser cortada ao meio, queria intensamente, inteiramente, levemente sentir.

No espelho existiam olhos que já viram muito, mas não eram seus. Uma boca que sorria, mas não era sua. Quando seus dedos tocaram o pescoço magro, desconheceram o toque.

Que agonia não se conhecer.

“isso é viver no automático”, alguém lhe disse nos seus tempos de menina.

Era mesmo um fardo não saber ser.

Seu outro eu parecia saber, mas ele não lhe explicava, tampouco a ouvia.

“Acho que o problema é que nunca aprendi a costurar, senão pegaria as duas partes soltas e uniria em uma.”

Isso soava engraçado. Talvez fosse mesmo.

“Que seja. Um dia volto e digo ‘olha aqui, aprendi a usar uma agulha sem me furar!’, ou pode ser que eu volte sentindo falta porque sem querer esqueci qual das partes me fazia sentir.”

“Então, que seja”. Até lá o jeito seria ser.

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