Patrística

Observando a Unidade da Igreja com os Pais Apostólicos

José Lucas Mendes
8 min readNov 14, 2020
Arte cristã primitiva nas catacumbas. Uma oração.

“Porei dentro de vocês meu Espírito, para que sigam meus decretos e tenham o cuidado de obedecer a meus estatutos.” (O Senhor no Livro do profeta Ezequiel, c. 36.27)

Esta verdade grandiosa enche o coração de todos os crentes verdadeiros. Eles são cheios do Espírito Santo. A profecia foi cumprida no dia de Pentecostes em Jerusalém há uns dois mil anos e, desde então, o Espírito de Deus habita no meio do seu povo.

Observemos que o Espírito nos leva a seguir os seus decretos e obedecê-los. Assim, desde o evento em Pentecostes, Deus nos tem ensinado por seu Espírito a segui-lo da maneira correta.

O Espírito falou pelos profetas e apóstolos. Agora a Igreja tem uma grande missão. Relacionar estes ensinos da Verdade e ter cuidado em cumpri-los. Esta missão foi desenvolvida principalmente no período logo após a morte dos apóstolos, chamado de Patrística.

Na Patrística, o Espírito usou homens para mostrar a toda a sua Igreja como obedeceríamos aos seus estatutos. Assim sendo, sua operação se demonstrou no reconhecimento correto das Escrituras, da Trindade — logo, da Pessoa de Cristo, — do papel da Igreja, das graças manifestadas nos sacramentos, da forma em que acontece a salvação dos pecadores e de outras doutrinas.

Esta unção escorre pela história de toda Igreja e toca a nós hoje profundamente!

Alister McGrath, teólogo e professor britânico, traz à discussão a afirmação de um erudito inglês que ocupou o bispado de Ely, “Lancelot Andrews (1555–1626)”, prossegue o autor:

“importante escritor anglicano do século XVII, afirmou que o cristianismo ortodoxo, baseava-se em dois testamentos, três credos, quatro evangelhos e nos cinco primeiros séculos de história cristã.”

Durante estes primeiros anos de história da Igreja, houve uma manifestação da Fé cristã diante das mais diversas ocasiões: perseguição e paz, discórdia e concórdia, inimizade e fraternidade. Então, estimulados pelas situações, os Pais da Igreja — assim são chamados aqueles escritores, pastores e teólogos que contribuíram em muito para o desenvolvimento do cristianismo, por isso se chama período Patrístico— se moveram para responder biblicamente, ou tentar pelo menos, estas variadas e até mesmo complexas questões que se punham diante do Corpo do Senhor.

Como foi dito acima, as Escrituras, a Trindade e a Igreja foram devidamente reconhecidas. Isto aconteceu pois a comunidade cristã enfrentou disputas sobre estes temas e os Pais responderam asseverando as doutrinas dos apóstolos e profetas. Podemos observar isso em como os três temas mencionados foram tratados.

O Novo Testamento como Escritura

Divulgou-se pelo gnósticos que Cristo não era verdadeiramente homem e por Marcião que o Deus do Antigo Testamento não é o mesmo do Novo Testamento. Estas doutrinas ferem as verdades que trazem os Escritos que hoje chamamos de Novo Testamento, mas, como poderíamos afirmar que estas doutrinas estavam certas ou erradas se ele não existia naquela época? Esta foi a preocupação dos verdadeiros crentes e Pais da Igreja.

A resposta que a Igreja deu a essas questões foi a formação do Cânon do Novo Testamento. A lista de Escritos considerados como Palavra verdadeira de Deus. Os livros foram lidos, estudados e passados a limpo. Eles estão de acordo com as Escrituras do Antigo Testamento? Foram apóstolos que escreveram? Foram aceitos pela maioria das comunidades cristãs? Estas perguntas foram feitas ao longo do tempo diante dos livros. E, por fim, estava formado a maior parte do cânon do Novo Testamento e a Igreja considerou com veemência as doutrinas do marcionismo e gnosticismo como heréticas.

A Trindade

Outra doutrina que também veio a ser reconhecida como verdadeira diante das Escrituras foi a da Trindade. O Espírito Santo, o Filho Jesus e o Pai Jeová são igualmente Deus. Isto sofreu ataques como já mencionado. Marcião dizia que Jesus tinha outro Pai, que era o Deus dos cristãos, que o Filho não tinha nascido de Maria, o que faria com que ele fosse homem e mau, pois ser homem era ser filho de Jeová, que era um deus mau, por isso Marcião não aceitava o Antigo Testamento. Uma verdadeira bagunça.

Essa doutrina foi muito bem explicada por um Pai da Igreja chamado Aurélio Agostinho, que foi pastor maior da região de Hipona no norte da África. Mas essa explicação só aconteceu no século IV. A Igreja já havia dado passos básicos e firmes antes de conhecerem as profundidades dessa verdade com Agostinho. Ela apresentou os Credos. Os Credos são, de modo simples, como um selo de identidade. Alguém diz ser cristão? Mostre a identidade e seu selo. E esta pessoa mostrava o Credo:

Creio em Deus o Pai, onipotente, criador dos céus e da terra;
e em
Jesus Cristo seu único Filho, nosso Senhor;
que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria;
sofreu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
ressuscitou ao terceiro dia; desceu à mansão dos mortos;
subiu aos céus e está sentado à direita de Deus Pai onipotente;
Creio no
Espírito Santo;
na santa igreja católica;
na comunhão dos santos;
na remissão dos pecados;
na ressurreição da carne;
e na vida eterna.

Esta era a forma de se apresentar a Fé. O texto inserido acima é do século VIII, mas desde o início da sua história, a Igreja adota esta forma trinitária de fazer o resumo do que crê. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são mencionados como operadores da obra que salva os homens. Marcião não poderia concordar com esta declaração de forma alguma. Assim a Igreja respondeu de mais uma maneira às heresias.

A Igreja

A Igreja estava crescendo numérica e teologicamente. Para tanto, era necessários novos e capacitados líderes entre o povo de Deus. E estes também foram alvos de discussões como a dos donatistas. Donato e seus seguidores afirmavam que aqueles líderes que eram submissos às autoridades corrompidas não eram capazes de governar a Igreja de modo correto e santo, e, se ministrassem, suas obras não eram eficazes, como a ceia ou o batismo. Agostinho teve participação aqui também, ele declarou que a eficácia dos sacramentos não depende de quem os ministra.

A sucessão apostólica foi uma outra resposta à questão da autoridade entre a Igreja. Questionava-se de onde vinha o poder de afirmar que tais e outras doutrinas eram verdadeiras. A resposta que se obteve foi que os líderes amparados na sucessão apostólica tinham real autoridade. Esta sucessão era vista, pela maior parte das comunidades, como uma concórdia com as doutrinas que foram ministradas pelos apóstolos. Logo, mesmo aquelas comunidades que não tinham conexão direta com os discípulos de Cristo, poderiam ser apostólicas em suas doutrinas e seu líder ter autoridade o suficiente para argumentar o que era falso ou herético diante da comunidade.

Os Pais Apostólicos

Agora, entendidos da grandiosidade que este momento representou, pensemos na seguinte pergunta: O que podemos fazer com isso? Várias respostas são apresentadas. Entretanto, iremos nos deter a uma que os Pais Apostólicos nos dão. A unidade.

Os Pais recebem um adjetivo que nos ajuda a entender de onde ele é ou de que momento. Existem os Pais Gregos e os Latinos, que falavam, respectivamente, grego e latim; os Pais Capadócios, que trabalharam bastante na região da Capadócia, atual Turquia; e há os Pais Apostólicos, aqueles pastores e escritores que estavam próximos do apóstolos temporalmente, foram seus discípulos ou aprenderam destes.

Suas obras são de cunho muito pastoral, ou seja, direcionavam seus escritos para as comunidades eclesiásticas mostrando a elas como deveriam se comportar e quais os erros a serem evitados.

Leiamos alguns trechos destas obras:

“A Igreja de Deus que vive como estrangeira em Esmirna, para a Igreja de Deus que vive como estrangeira em Filomélio e para todas as comunidade da santa igreja católica que vivem como estrangeiras em todos os lugares.” (Saudação em o Martírio de Policarpo).

“Tu escreverás a todas as Igrejas do Oriente, pois tens o pensamento de Deus, a fim de que elas façam a mesma coisa.” (Carta de Inácio a Policarpo 8.1)

“Unamo-nos, portanto, aos que receberam a graça de Deus; revistamo-nos da concórdia…” (Primeira carta de Clemente aos Coríntios 30.3).

“Quando vos reunis com frequência, as forças de satanás são abatidas e sua obra de ruína é dissolvida pela concórdia de vossa fé.” (Carta de Inácio aos Efésios 13.1).

“Sejam submissos ao bispo e também uns aos outros, assim como Jesus Cristo se submeteu, na carne, ao Pai, e os apóstolos se submeteram a Cristo, ao Pai e ao Espírito, a fim de que haja união, tanto física como espiritual.” (Carta de Inácio aos Magnésios 13.2).

“Permanecei, portanto, firmes nessas coisas e segui o exemplo do Senhor, firmes e imutáveis na fé, amantes da fraternidade, amando-vos mutuamente, unidos na verdade, competindo na mansidão do Senhor, não desprezando ninguém”. (Carta de Policarpo aos Filipenses 10.1).

“A cada dia, procura a companhia dos santos.” (Carta de Barnabé 19.10).

“Lembra-te, Senhor, da tua Igreja, livrando-a de todo o mal e aperfeiçoando-a no teu amor. Reúne dos quatros ventos esta Igreja santificada para o teu reino que lhe preparaste, porque teu é o poder e a glória para sempre”. (Didaquê 10.5).

Podemos observar então como a unidade da Igreja era tida em alta estima. Os cristãos eram orientados a manter laços fraternos, se submeter uns aos outros, interceder pelos irmãos, ter a concórdia da fé. Mas os autores não se limitam a guiar uma união de uma comunidade somente, eles mostram como a Igreja do Senhor está unida.

Os cristãos são exortados a orar para que a Igreja espalhada pelo mundo seja reunida, são orientados a compartilhar o bom Evangelho entre si e as Igrejas a caminhar juntas e interceder umas pelas outras. Notamos até comunidade locais escrevendo a outras para que a vontade do Senhor seja feita.

Desta unidade registrada aqui, a Igreja precisa hoje. As comunidades eclesiásticas devem encarar outras, que são verdadeiras e fiéis, com muito bons olhos. Devem tê-las em alta estima! Pois assim se anuncia que o Senhor se manifestou gracioso salvando vidas perdidas em outros lugares também. Como podemos ficar passivos diante dessa manifestação maravilhosa? Se restringir à própria comunidade é um erro.

Mas como se alcança isso? Diante das Escrituras e como foi ministrado pelos Pais Apostólicos, creio que seja uma boa resposta a seguinte: a unidade deve ser cultivada. Cultivamos a unidade nas nossas reuniões locais, nos nossos cultos públicos e nas nossas casas. A própria igreja deve estar unida. Durante e, principalmente, após isso é nossa tarefa abrir os olhos e ver o que o Senhor tem feito ao nosso redor.

Se alguma igreja verdadeira tem dificuldade em certa área, outra que tem facilidade deve ir até ela e ajudá-la. Se uma igreja tem grande número de novos convertidos e outra não tem, a primeira deve animar a segunda motivando ela a continuar trabalhando.

Podemos cantar que todos darão glórias ao Rei. Podemos orar pedindo que o Senhor ajude a Sua Igreja espalhada por todo o mundo. Podemos pedir para que o Espírito avive a sua Igreja. Mas se não agimos e gastamos energia para que isso ocorra, estamos sendo hipócritas. Aprendamos com as Escrituras, observemos o exemplo dos Pais Apostólicos e cresçamos na unidade.

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