Vamos falar de dinheiro?

Por que usamos dinheiro afinal?

João Paredes
5 min readAug 15, 2017

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Outro dia, uma amiga veio me perguntar:

“Por que você acha que boa parte das pessoas não controlam o próprio dinheiro?”.

Isso me intrigou. Realmente, dinheiro é uma parte muito importante da vida, é bom saber como usar. Mas conheço vários amigos que se sentem muito incomodados para falar no assunto. Por quê?

Foi aí que comecei a me questionar: por que não falamos mais de dinheiro?

A origem do dinheiro

Antes de falar de dinheiro, precisamos entender por que ele existe.

Imagine que você é um professor de literatura. Você vive de dar aula para as pessoas. Esta é sua moeda de troca, o que você consegue oferecer de valor para os outros.

Agora pense como seria se não houvesse dinheiro. Se você quisesse um pãozinho na padaria você diria:

“Manuel, me vê 5 pães franceses em troca de 20 minutos sobre Machado de Assis”

Ele não parece gostar tanto da sua oferta

Difícil arranjar um padeiro que toparia isso. Claramente prefeririam Fernando Pessoa, ora pois.

Brincadeiras à parte, essa foi uma das razões do dinheiro existir: facilitar trocas e equivalências.

Antes de existir dinheiro só existia o escambo: troco meu bode por três sacos de batata. Mas e se eu não quisesse batatas? E se eu preferisse cereais e aquele mercador não tivesse? Ia ter que procurar um mercador que tivesse cereais, mas e se ele não quisesse meu bode e preferisse uma faca?

Imagine o seguinte cenário:

1 bode = 3 sacos de batata

3 sacos de batata = 1 faca

1 faca = 2 saco de cereais

Não sei quem não iria querer o meu bode, olhe pra ele!

Eu precisaria encontrar alguém com quem trocar o bode, os sacos de batata que ganhei do bode pela faca para depois trocá-la pelos cereais. Tudo isso tendo que ir carregando essas “moedas” de um lado pro outro.

E se não encontrasse com quem trocar as batatas? Ia ficar com algo que nem queria inicialmente que ainda por cima poderia estragar.

Este é o problema de se trabalhar com escambo: é difícil encontrar preferências de troca perfeitas e esse excesso de etapas para se conseguir o que se quer pode gerar perdas (batatas estragando, não conseguindo trocar, muito tempo investido, etc). E quanto maior a possibilidade de mercadorias e pessoas envolvidas, mais complicado fica.

Pra isso, foi pensado o seguinte:

“E se tivesse alguma coisa para qual todas as mercadorias tivessem equivalência? E que todos reconhecessem o valor?”

Neste momento, nasceu o primeiro tipo de moeda: moeda lastreada

A era de ouro

OK, então precisamos ter alguma moeda de troca. Qual?

Se for muito comum, não tem valor e fica fácil demais de fraudar, por exemplo simples pedras encontradas no chão. Se for incrivelmente indisponível, não vai ter moeda suficiente para poder realizar as trocas.

Já tivemos várias moedas: sal, gado, trigo, metais preciosos, etc.

A principal característica da moeda é ela poder ser amplamente aceita. Por mais que o mercador não queira gado, ele sabe que gado tem valor para todos e vai poder eventualmente ser trocado pelo que ele quer depois.

Mas eventualmente fomos abandonando moedas que não eram realmente iguais: 1 cabeça de gado sempre vale 3 sacos de batata, mas esse teu gado tá meio mirrado né? Meio magro, não vale tudo isso não, só 2 sacos…

Imagina como seria se sempre que você fosse pagar o lojista, ele pudesse olhar pra sua nota de 10 reais e falasse:

“Tá meio manchada hein, essa só vale na verdade 8 reais”

Metais preciosos começaram a ter mais destaque. Raros (mas não a ponto de serem inviáveis) e fáceis de serem manuseados (bem mais do que ficar levando bois pra praça).

Metais preciosos: amplamente aceitos por dragões em todo o reino

Com o tempo, o volume de transações começou a aumentar. Esses metais já não estavam dando conta, agora que tinham operações com valor muito maior, situação em que seria preciso transportar navios e cargas enormes de moedas.

Nesse instante nasceu o que ainda usamos hoje em dia: o papel-moeda

Código de dinheiro infinito

Passamos a emitir moeda então.

Num primeiro momento só podia ter papel suficiente para cobrir o que tinha de metais preciosos, mas depois isso se flexibilizou e passou a ser controle do Estado (do Banco Central de cada país na verdade)

Então por que não imprimir dinheiro infinito? Não resolveria todos os problemas?

Klapaucius ;!;!;! (entendedores entenderão)

Dinheiro agora não representa nada, ele não é mais um metal precioso ou gado: ele só representa pelo que você pode trocar outra coisa. Se as pessoas não confiarem em quanto ele vale, vão querer mais papel para trocar. Isso não mudaria nada, só o papel valeria menos agora (inflação!).

Hoje em dia, o Banco Central de cada país garante que você consegue usar as notas que estão na sua carteira. Por ser uma autoridade máxima no assunto, as pessoas confiam e sabem que podem continuar usando e pedindo notas de reais em troca.

“Mas e as criptomoedas?”

Moedas virtuais, como Bitcoin, Ethereum não são reguladas na maior parte dos países. Apesar de estarem batendo recordes de valorização, com 1 Bitcoin valendo mais de U$4.000, as pessoas ficam fascinadas com o poder da moeda virtual e que ela pode resolver vários problemas do sistema financeiro. Mas a maior questão deveria ser: vai trocar Bitcoin pelo que? Quem garante que no final você consegue trocar seu Bitcoin por dólares ou reais?

Enquanto tiver gente que quer o seu Bitcoin, você consegue passar adiante. Mas nada garante que isso vai continuar acontecendo. Nem que o Banco Central vá proibir isso (já aconteceu em outros países).

Igual achar que vai conseguir usar dinheiro num apocalipse zumbi. Não adianta ter moeda que não tem valor se não tem alguma autoridade que banque a confiança.

Quanto deve valer aqueles seus R$10,00 aqui?

Era exatamente por isso que quis falar da origem do dinheiro:

Dinheiro em si não tem valor. Você o quer pelo que ele pode trocar

Mas se o dinheiro não tem valor, como ele pode dizer o valor das coisas? Aguarde e quem sabe não falamos isso no futuro.

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João Paredes

Product Management Evangelist, Fintech and Payments Specialist and Director @ AgendaEdu