O estereótipo do negro emocionalmente frágil

Esse é um estigma martelado até os dias de hoje. Mais uma vez, jogadores negros carregam sozinhos o ônus de uma derrota traumática, nos mostrando que os assomos racistas continuam latejando no futebol

João Lopes
3 min readAug 25, 2021
Jogador da Inglaterra chora após desperdiçar cobrança de pênalti (Foto: Reprodução/Veja)

Na final da Eurocopa, disputada em 11 de Julho, a Itália foi campeã após empate em 1x1 com a Inglaterra e a vitória nos pênaltis. Os ingleses desperdiçaram 3 cobranças, que acabaram culminando com a derrota da seleção. Coincidentemente, os jogadores que erraram as penalidades eram negros, prato cheio para os racistas que não tardaram em culpar os atletas pela derrota.

(Foto: Facundo Arrizabalaga/AFP)

Marcus Rashford, Jadon Sancho e Bukayo Saka tiveram suas redes sociais inundadas de ataques racistas, com milhares de emojis de macaco e mensagens alusivas à cor da pele.

(Foto: Reprodução/Instagram)

No dia seguinte ao jogo, Marcus Rashford, o jogador mais atacado, foi obrigado a publicar um texto pedindo desculpas pela derrota. A narrativa deturpada dos racistas tenta, a todo custo, imputar sobre o trio a responsabilidade da derrota de uma seleção que não levanta um caneco há 55 anos. O último título dos britânicos foi a Copa do Mundo de 1966, disputada em casa. Uma geração inteira de ingleses que nunca viu – e talvez nunca verá – sua seleção conquistando uma taça.

Seleção inglesa campeã da Copa do Mundo de 1966 (Foto: Reprodução/O Tempo)

Infelizmente, essa narrativa é velha. Jogadores negros, historicamente, tiveram sua imagem construída como emocionalmente instáveis, sucumbindo mais facilmente a pressão das grandes decisões. Enquanto o negro age por instinto, variando ao sabor dos acontecimentos, o branco – sobretudo o Europeu – é racional, sendo responsável por manter o equilíbrio da equipe. Essa é a narrativa racista perpetrada desde a inclusão dos negros no futebol.

A síntese perfeita dessa concepção putrefata do futebol foi escancarada na final da Copa de 1950. No fatídico “Maracanazo”, o Brasil acabou sendo derrotado de virada pelo Uruguai, em pleno Maracanã lotado. Nesse episódio, um personagem sofreu com o estigma da execração pública, levando todo o ônus da derrota, fato que o acompanharia por décadas até sua morte. Moacyr Barbosa – mais conhecido como Barbosa – era o goleiro negro da Seleção Brasileira.

(Foto: Reprodução/Estadão)

Ídolo do Vasco, Barbosa sentiu na pele a condenação de milhões de brasileiros que não aceitavam a ocupação de espaços de prestígio pelos negros. Certa vez, sentenciou: “Eu descobri que a única maneira de um negro entrar na história do Brasil é como culpado.”

Mesmo assim, o futebol brasileiro, assim como o mundial, foi moldado por pés negros. A tentativa de estigmatizar os jogadores negros é um atentado contra a própria história do futebol – e ela não absolverá os racistas.

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João Lopes

Trocando conhecimento a fim de qualificar o debate informal. Um refúgio em meio à imbecilização e o descaso com a história.