Franklin D. Roosevelt

É preciso um (novo) New Deal por uma sociedade mais justa

João Tiago Ferreira
7 min readAug 10, 2024

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Já lá vão 95 anos da crise da Grande Depressão e nitidamente o mundo não aprendeu com os seus erros, já Keynes e Ford avisavam que um mercado tão liberalizado como estava (promovido sobretudo pelo taylorismo e a fome incessante pela produção e lucro, sem regulamentação do stock no equilíbrio da procura) iria levar a uma gigantesca crise de superprodução, como assim vimos. Anos depois, Reagan e Thatcher implementaram um paradigma de um neoliberalismo bruto e selvagem que, permitam-me, levantou as bases para uma desregulamentação e uma concentração de poder brutal por parte, por exemplo, dos bancos, sem qualquer base para uma preocupação social, que permitiu que o terrorismo dos créditos de risco do subprime levassem milhões à pobreza e, enfim, a mais uma crise económica.

É nesta brutal estrutura que o mundo aprendeu a olhar para qualquer intervenção governamental como qualquer forma de socialismo e a evitá-la. Na verdade, não inteiramente, o mundo já olha para interpretações autoritárias do socialismo como forma de generalizar todo o movimento — que, quer discordemos ou não de outros pontos, teve uma importância crucial em levantar preocupação por condições de trabalho e de vida miseráveis — como algo diabólico e errado em todos os sentidos, a esse mesmo mundo gostava de relembrar a ditadura neoliberal de Pinochet e questionar a coerência dos seus argumentos. É nesta base que vemos a direita conservadora a acusar tudo e todos de socialismo, a começar por Trump e toda a sua legião do MAGA (Make America Great Again) que acusam o Partido Democrata e membros de topo como socialists, communists, lefties, ou qualquer outra birra populista e hiperbólica por votos. São preconceções como estas que, a meu ver, prejudicam uma agenda progressista e concentrada sobretudo na luta pela justiça social, tão sonoramente danificada ao longo dos anos, tornando a nossa sociedade desigual a níveis para lá dos toleráveis. A história também sai prejudicada — e aqui toco no ponto a que queria chegar — em muitos desses acusarem o New Deal como socialismo e o próprio Franklin Delano Roosevelt (Presidente dos Estados Unidos da América entre 1933 e 1945) como um grande socialista, algo que é nitidamente impreciso e perigoso nas intenções de quem o tenta promover. Porém, já falaremos de Roosevelt, do seu New Deal e como desempenham um papel crucial para a minha linha de raciocínio. Vamos falar de John Maynard Keynes.

John Maynard Keynes

Keynes — economista liberal-social britânico que defendeu a intervenção governamental para a correção das falhas do capitalismo — disse que ‘o maior problema político da humanidade é combinar três elementos: justiça social, eficiência económica e liberdade económica’. Concordo totalmente. O paradigma político baseia-se na dicotomia esquerda-direita e ambos — na sua forma estrutural e não centrista — menosprezam políticas atribuídas ao lado oposto em favorecimento do seu. Digo isto pois, ou os Estados favorecem em larga escala a justiça social — o que não condeno — através de políticas públicas que engordam o Estado social a níveis que podem pôr em causa a eficiência e liberdade económica como valores e objetivos a serem perseguidos, isto é, a capacidade e vontade de cada um empreender e trabalhar a sua riqueza ou, em casos mais extremos à esquerda, terem a capacidade de sequer a criarem como ‘patrões’ e privarem de meios de produção seus, ou os Estados favorecem em larga escala a eficiência e liberdade económica através de incessantes desregulamentações dos mercados pela busca do lucro e do acúmulo de capital excessivo que, tornando-se um ciclo vicioso, acabamos por dar o “à vontadinha” para prejudicarmos a justiça social com crises económicas — provadas pelas crises cíclicas do capitalismo — que trazem a pobreza, o desemprego e a miséria, sem potencial recuperação efetiva das classes médias e mais baixas, em oposição à classe alta que sai, de certo modo, menos danificada. Um Estado que consiga promover a combinação destes três elementos é, a meu ver, um Estado alinhado com princípios centristas e liberais-sociais que promovem definitivamente uma sociedade mais justa e equitativa. Posso fundamentar esta perspetiva com John Rawls — filósofo norte-americano que tenho como referência na filosofia política — e o seu Uma Teoria de Justiça, no qual, sumamente, atribui que os princípios chave para uma sociedade justa é uma sociedade que garanta o igual acesso às liberdades básicas — liberdades sociais, políticas, económicas –, às oportunidades — a cargos políticos, administrativos, etc. — e na qual tolera certa desigualdade se desta as classes mais baixas saírem beneficiadas. O conhecido e polémico princípio da diferença que é o que mais se adequa à perspetiva que acabei de defender. É verdade que promover a justiça social e ao mesmo tempo a eficiência e liberdade económica não vai abolir as desigualdades — nem procuro terminá-las, provarei em seguida –, no entanto, uma abordagem assim definida está devidamente alinhada com o princípio da diferença de Rawls, pois a desigualdade de cariz natural que advém da lotaria à nascença de cada indivíduo — se nasce rico ou pobre, portador de deficiências ou não, características que popularizam-se por definir, de certa forma, a vida e as oportunidades dos indivíduos — e que intervém na forma como este constrói e trabalha a sua riqueza é, numa abordagem que combine os princípios definidos, compensada em benefício da justiça social pelas classes mais baixas, seja através de impostos progressivos, serviços públicos, legislação laboral mais flexível, etc. — Ainda assim, os restantes princípios de Rawls devem ser cumpridos –. Em suma, uma abordagem centrista e keynesiana que combine justiça social, eficiência económica e liberdade económica em harmonia com a teoria liberal social/igualitária de John Rawls é, a meu ver, um grande caminho em progressão a uma sociedade mais justa.

John Rawls

Mas como consegui-la? O que é necessário mudar no paradigma atual? São questões complicadas. Mudar estruturas, especialmente económicos, são difíceis. É aqui que volto a falar do New Deal e não apenas do que o compôs, mas o que significou. Franklin Roosevelt não só apresentou programas de obras públicas e regulamentações dos mercados como também um compromisso social, ao criar o Social Security — A ainda vigente segurança social dos Estados Unidos que garante, por exemplo, as pensões aos reformados –, assegurar direitos sindicais, criar o salário mínimo nos EUA, entre outros, conseguindo assim com que o New Deal representasse uma forte quebra de um paradigma governamental baseado no capitalismo do laissez-faire — capitalismo do deixa-fazer, caracterizado pela confiança total do Governo nos mercados, sem intervenção, argumentando que, da mesma forma que estes entraram em crise, conseguirão de igual modo sair dela — para um novo paradigma de um governo interventivo e preocupado com a segurança social e económica de todos os seus cidadãos — e não apenas a classe alta e as grandes corporações –. Portanto, uma nova filosofia de governar até então desconhecida aos americanos que influenciou o Partido Democrata até hoje, atenta aos perigos de como o colapso da economia americana pode significar o colapso da economia do Ocidente. O New Deal representou mudança. Hoje, no século XXI, argumento pelo título do meu escrito: É preciso um novo.

Roosevelt a assinar o Social Security Act — que implementa a segurança social nos EUA —

É preciso, de facto, um novo acordo dos governos globais com os seus cidadãos que quebre a economia neoliberal por uma economia de todos por uma justiça equitativa com componente socioeconómica. Um novo acordo que finalmente respeite a igualdade de oportunidades de forma absoluta, pagando às mulheres o mesmo que os homens em empregos e hierarquias exatamente iguais, que não discrimina a mulher no mercado de trabalho pela potencialidade de engravidar e tirar licença de maternidade, que crie um sistema fiscal que não prejudique a capacidade empreendedora dos cidadãos ao mesmo tempo que garanta uma justa redistribuição da riqueza com as classes mais altas a continuarem a pagar uma percentagem maior do seu rendimento mensal, apoiando o financiamento de bens e serviços sociais e públicos aos mais necessitados e a sua progressão na carreira. Um novo acordo que aplique a justiça social harmonizada entre as corporações, que combata monopólios e permita a todos comercializarem num mercado de justa concorrência. Um novo acordo que seja recetivo à ideia de incutir valores democráticos no contexto laboral, assegurando o voto dos trabalhadores nas decisões das mesmas ao emprego, a representantes seus nos quadros de administração, etc. Um novo acordo que tenha a justiça social, a eficiência e liberdade económica como valores conjuntos por uma sociedade mais justa.

Termino o meu escrito com Franklin Roosevelt, que disse: ‘Escolhe um método e experimenta. Se falhar, admite francamente e tenta outro. Mas, a todo o custo, tenta alguma coisa’. É preciso vontade política e menos ganância. Mas que difícil é.

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João Tiago Ferreira

Um liberal social por vocação (com uma queda por alguma social-democracia) Instagram - @joao_tiago__17