日本語タイトル — Tomando Uma no Boteco dos Lutadores de Sumô
Fotos: Leandro Furini | Texto: Joe Borges | Produção: Daniel Kubalack | Zaso Corporation
Como já é do conhecimento paulistano, e quiçá nacional, o bairro da Liberdade é o recanto da imigração japonesa na cidade de São Paulo. Junto com a colônia nipônica que se instalou no local no início do século XX, uma série de costumes se consolidaram ao longo de muitos anos. O resultado disso é um rico mosaico que atende a diversas vertentes, desde os esportes até a vida noturna. Partindo do princípio de que estes quesitos muito apetecem Zaso Corp., a informação de que existe um boteco de origem japonesa, e operado por dois irmãos lutadores de sumô, caiu como uma bomba sobre a cabeça dos jovens zasóides. O bar Kintaro, localizado numa das tradicionais ruas do bairro, teria que ser averiguado e devidamente reportado com o afinco que tanto merece.
Os zasalhas Jonas, Leandro e Daniel, após rápida reunião com a finalidade de decidir os rumos que o relato iria tomar, chegaram aos domínios do bairro da Liberdade por volta das 21h, horário pré-combinado pelo produtor Daniel Kubalack para que a visita fosse consumada. Era uma segunda-feira levemente chuvosa, o bairro não tinha o mesmo movimento noturno que lhe é peculiar, o que supostamente favoreceria a conversa com os irmãos. O bar, que fica a cerca de três quadras do metrô Liberdade, aguardava os jovens. Uma rápida passada em um supermercado com caixa eletrônico se viu necessária, visto que o estabelecimento não aceita nenhum tipo de pagamento que não seja o dinheiro vivo. Agora sim, estavam munidos para encarar esta empreitada.
O Akachochin de São Paulo
Com a garoa caindo serena sobre suas cabeças, os zasalhões avistaram o pequeno recinto. O local era ainda menor do que parecia em pesquisas pela interweb. Um movimento de cerca de cinco pessoas lotava o estabelecimento, que passava uma sensação pacífica e acolhedora. Timidamente, os correspondentes de Zaso Corp. se aproximaram do bar, atraindo rapidamente a atenção dos frequentadores. Uma curta bancada, que separava os atendentes da clientela, comportando uma tradicional estufa recheada de alimentos em conserva e porções que pareciam suculentas, servia de apoio para dois clientes de origem nipônica, que observavam os gaijins se aproximarem. Na parte de dentro, mais três consumidores sentavam numa mesinha de madeira, se deliciando com acepipes da mais tenra qualidade. A decoração parecia fantasticamente descuidada, com uma sinceridade emocionante. Quadros com belas ilustraçőes de sumô, bebidas alcóolicas típicas (outras nem tanto) e objetos tradicionais da cultura japonesa, como bibelôs temáticos, compunham o ambiente, que era envolto em uma luz relativamente baixa e quente. Ao redor, nas paredes, podiam-se observar muitas placas bem-humoradas com tiradas sarcásticas, como é de costume muito enraizado na botecagem brasileira. Reportagens e chamadas de imprensa sobre o bar, devidamente enquadradas e colocadas, também nas paredes, terminavam de fechar os espaços restantes. Em se tratando das bebidas alcóolicas, chamava a atenção o fato de que muitas delas tinham fitas crepes com nomes, correspondentes aos donos das mesmas. Até mesmo a banda Sepultura possuía a sua própria garrafa de saquê no local, já que o baixista da banda, Paulo Xisto, é frequentador assíduo do Kintaro. Ao fundo, podia-se observar um caixa cúbico e recheado de enfeites, onde os pagamentos evidentemente seriam feitos, com a já mencionada mesinha de madeira baixa ao fundo. O bar terminava ali, onde dois banheiros com biombos corrediços e uma passagem lateral para a cozinha, ao lado do caixa, finalizavam a composição do ambiente.
Cuidando do atendimento, um jovem de origem japonesa, e óculos de grau, serenamente pasmava por trás do balcão. Sua camiseta branca com um singelo brasão da Confederação Brasileira de Sumô acusava-lhe como sendo um dos irmãos responsáveis pelo recinto. Cordialmente, o anfitrião atendeu os jovens zasórios, que lhe explicaram a missão que haviam sido designados a cumprir. O atendente não sabia da chegada dos mesmos, estranhando a situação e pedindo-lhes para que voltassem dali uma hora. A confusão se deve pelo fato de a visita ter sido marcada diretamente com a real dona do estabelecimento, Lília, mãe dos irmãos responsáveis pelo bar, que possivelmente não avisou seus filhos do combinado. O nobre anfitrião que atendera Zaso Corp. era o irmão mais novo, Wagner Yoshihiro Higuchi. Seu irmão mais velho, William Takahiro Higuchi, chegaria ao estabelecimento em alguns instantes. A timidez do jovem atendente se mostrou visível, e seu bom coração e senso de humor peculiar e de sacadas rápidas também, seria uma conversa bastante edificante.
Neste tempo de uma hora, aproximadamente, os zasalhas se dirigiram a um humildaço boteco/ bar/ restaurante/ casa de salgados loucos que ficava na esquina de baixo do Kintaro. O local era do jeito que os jovens gostam. O tempo passou rapidamente, enquanto algumas cervejas molhavam as palavras da juventude paulistana. Ao perceber que as 22h batiam na cara, resolveram voltar ao Kintaro. Ao chegar novamente, repararam que os três clientes que se alimentavam ao fundo do bar haviam ido embora, enquanto os outros dois que habitavam o balcão continuavam firmes e fortes, com um terceiro elemento, quase um figurante de origem caucasiana, parado ao lado deles sem esboçar nenhum tipo de intimidade com os mesmos, que conversavam amenamente. O movimento baixara suficientemente para que Wagner pudesse conversar com Zaso Corp. Ao ser questionado se podia trocar uma idéia com a equipe zasóica, Yoshi, como é conhecido pelos mais íntimos, disse que tudo bem, falando rapidamente acerca do bar, apesar de preferir a presença de seu irmão para entrar em assuntos mais pessoais.
O bar Kintaro, que significa “menino de ouro” em japonês, existe daquela maneira desde 1993, comprado pelos pais dos dois irmãos já com este nome. Por conta do falecimento do pai, o local é atualmente gerido pela mãe e seus filhos. A proposta do local é chamada de izakaya, que, na cultura japonesa, é um equivalente ao boteco brasileiro. O termo significa, literalmente, “loja de saquê para se sentar”. Existem muitos tipos diferentes de estabelecimentos desse genêro. Entre eles podemos citar: o oden, que é uma barraca de rua com quitutes diversos; o yakitory-a, que é um equivalente ao oden só que especializado em espetos; o robatayaki, local fechado para que os clientes sentem-se em volta de um fogaréu, ou fonte de calor que seja, onde os alimentos são grelhados e servidos; e, por fim, o akachochin, que significa “luz vermelha”, este sim o considerado botecaço japonês, na maioria das vezes pequeno e aconchegante, geralmente mais simples, e munido de bebidas e quitutes, exatamente ao estilo do glorioso Kintaro. Geralmente, os izakayas deste gênero não têm pratos feitos ou comidas mais elaboradas e conhecidas do paladar brasilóide, como sushis, sashimis e yakisobas. Segundo Yoshi, a casa apresenta porções diversas para serem devidamente beliscada, sobretudo correspondentes às limitações de capacidade de armazenamento e conserva que o estabelecimento comporta, o que não compromete em nada a qualidade do rango, muito pelo contrário, já que a primazia pelo bem-feito garante que a mãe dos Higuchi sempre provenha os beliscos da maneira mais fresca possível. Uma das questões mais comuns abordadas pelos clientes é se o bar vende salmão, pergunta negada veementemente pelos atendentes. O brasileiro tem uma obssessão em associar o Japão ao peixe. Toda a comida é feita pela mãe dos irmãos e dona do estabelecimento, que cozinha o que lhe der na telha, apesar de sempre manter certos padrões de pratos constantemente, como a berinjela com missô e a sardinha marinada.
Os izakayas já foram mais comuns, segundo Wagner, sobretudo nos anos 90. Porém, naturalmente foram sumindo um a um, sobrando, ao conhecimento do anfitrião, apenas o seu recinto. Uma pesquisa ao deus Google mostrou a Zaso Corp. que existem mais alguns espalhados pela cidade, porém, nenhum com o carisma e simplicidade que o Kintaro possui, trazendo a proposta akachochin adaptada ao fascinante universo botequeiro brasilaço. Ficou evidente uma gourmetização dos poucos izakayas existentes na cidade, sobretudo na região de Pinheiros. O local, que claramente apresenta ainda características muito rústicas e autênticas, passou apenas por uma reforma em seus vinte e três anos de vida, feita nos fundos do local, o que enaltece que aquela fachada e interior estão maravilhosamente intactos, da maneira como nunca deveriam deixar de ser.
Terminado o papo acerca do Izakaya, era uma questão de esperar que o irmão de Wagner chegasse ao local para que a entrevista pudesse prosseguir. Jonas resolveu, então, ter uma palavrinha com os clientes nikkei, enquanto Leandro executava as fotos do estabelecimento. Como ninguém é de ferro, para acompanhar a empreitada os zasalhas requisitaram um Shochu, destilado típico do Japão e países vizinhos, à base de batata doce, tendo também versões feitas do arroz e cevada. Ao saberem da bagatela de duzentos mangos que custava cada garrafa da bebida, vinda diretamente da Terra do Sol Nascente, resolveram pedir uma versão alternativa, um Shochu coreano, de tamanho menor e preço mais humilde, trinta reais. Seria o suficiente para a iniciação. A pedida da garrafa chamou rapidamente a atenção dos dois clientes nipo-brasilóides que estavam no balcão, que inclusive foram responsáveis por indicar-lhes a opção coreana. Um cordial brinde foi feito, o que trouxe ao paladar de Zaso Corp. o gosto peculiar que a bebida possuía, praticamente uma vodka mais fraca. Foi o gancho perfeito para iniciar a conversa com os dois simpáticos senhores que acolheram a presença de Zaso Corp., cedendo aquele espaço afetuoso de seu balcão para os mesmos.
Amizade, Futebol Japonês e Cachaça
Os dois amigos que conversavam ao pé do balcão, portando suas cachacinhas e sucos de cevada, cordialmente resolveram dar uma palavrinha sobre suas vidas e a relação que eles têm com o bar Kintaro. O primeiro deles a ser abordado foi Eduardo Nishio, paulistano de 60 anos de idade e torcedor do Santos Futebol Clube. O sereno e cauteloso homem de cabelos pretos e olhar desconfiado, porém amistoso, é morador do bairro do Butantã e frequenta o bar há mais de quarenta anos, muito antes deste pertencer à família dos irmãos lutadores. Trabalhando com importação de produtos chineses desde os anos 90, tem como real paixão o futebol, o que levou-o a se tornar bem-sucedido no meio, apesar de sempre ter tratado o assunto como hobby. No início dos anos 90, Eduardo começou a agenciar e coordenar excursões de times profissionais brasileiros para o Japão, com o intuito de realizar amistosos de pré-temporada contra times japoneses. Sua experiência em viajar para o país asiático, e um parceiro que conheceu por lá, lhe ajudaram a conseguir ingressar de maneira significativa no meio. Entre os times que contratou no Brasil para irem para o Japão estão: Atlético Mineiro, Botafogo, Guarani, Internacional e, o mais marcante de todos para a época, Palmeiras, em plena Era Parmalat. Apesar de santista roxo, Nishio lembra com saudades da época em que levou o time alviverde para o Japão, em 1994. O time realizou quatro amistosos com times de ponta do país asiático, com destaque para o eternizado clube em que Zico marcou história no início dos anos 90, o Kashima Antlers. O jogo terminou empatado em 1×1 na ocasião, com gols de Antonio Carlos, ele mesmo, e Alcindo, o lendário careca cabeludo que jogava pelo clube japonês, conhecido no país como Arushindo. Eduardo ficava concentrado junto com os jogadores, aproveitando toda a estadia ao lado dos mesmos. Ainda nos dias atuais, o importador diz que mantém forte amizade com o ex-jogador, e ídolo palmeirense, César Sampaio. Perguntado acerca de histórias curiosas e polêmicas sobre estas excursões, disse de maneira polida, e diplomática, que preferia não se manifestar, por não ser a autorizado a tocar no assunto. Sinal de que muita zoeira correu solta na Terra do Sol Nascente. A época de viagens excursionais que Eduardo organizava durou de 1994 até 1996, período em que os patrocinadores pagavam as despesas necessárias. À partir do momento em que esses custos pararam de ser cobertos, o sonho acabou. Dali em diante, continuou a trazer seus produtos chineses de procedência original para o país. Perguntado acerca de sumô, afirmou que não tem absolutamente nenhuma relação com o esporte, seu negócio é o futebol mesmo.
Enquanto Eduardo terminava de soltar o verbo para Zaso Corp., seu amigo observava tudo de maneira mais entorpecida que ele. Se tratava do paulistano Edson Doi, de 53 anos, sendo que seus últimos trinta foram dedicados à moradia em Tóquio. Frequentador da vida noturna do bairro da Liberdade há mais de três décadas, Edson costumava alternar o curso de informática no Mackenzie com o hábito de tomar seu tira-gosto. Através de um projeto do governo japonês, em conjunto com a comunidade nipônica no Brasil, Doi trancou a faculdade e foi fazer um estágio na área de computação no Japão. Segundo ele, as oportunidades por aqui na área eram muito escassas. Depois de um ano e meio, e já achando que não valia mais a pena ser assalariado estagiário por lá, sobretudo por estar desgostoso com a área, voltou para o Brasil com outras propostas de vida, principalmente de levar a cultura brasileira para o Japão. Entre 1991 e 1993, trabalhou levando música popular brasileira para o Japão, não conseguindo se firmar da maneira como esperava. Foi em 1994, então, que descobriu sua verdadeira vocação, o futebol. Com a ajuda de seu amigo, e companheiro de momento, Eduardo Nishio, passou a conquistar seu espaço no futebol japonês, trabalhando com a apresentação de jogadores brasileiros aos dirigentes japoneses, trabalho que ainda exerce até os dias atuais, sendo responsável por diversas transações. Estes jogadores, em sua grande parte, eram apresentados a Edson por Eduardo, que passou a ter esse papel no futebol depois de sua fase de excursões. Doi trabalhou durante muitos anos na Federação Japonesa de Futebol e no Kashima Antlers, tendo ficado amigo de Zico nesta época. Perguntado sobre sumô, o solícito cidadão disse que, por incrível que pareça, praticou a luta quando tinha cerca de quinze anos de idade. Porém, como ele mesmo disse, era muito magro para a nobre arte e acabou deixando-a de lado.
Ao ponto em que a conversa com Edson chegava ao fim, Eduardo chamou novamente Jonas para dizer-lhe uma curiosidade sobre o local. Nishio disse-lhe que ele sempre teve muito contato com jornalistas, tendo muitos amigos do meio. Há cerca de quarenta anos atrás, entre o final dos anos setenta e o início dos anos 80, um famoso restaurante japonês chamado Kinoshita, que hoje em dia fica localizado no nobre bairro da Vila Nova Conceição, tinha sede exatamente em cima do Kintaro. Eduardo frequentava o, até então humilde, restaurante, que era ponto de encontro entre jornalistas de diversos jornais, sobretudo Estadão, Globo, Jornal da Tarde e alguns especializados em notícias acerca da colônia japonesa no Brasil. Dentre estes frequentadores, estava William Kimura, lendário jornalista, grande disseminador da cultura japonesa na mídia nacional, e editor do Jornal Nippak, o mais importante jornal da colônia nipo-brasileira na época. Um estralo pôde ser ouvido dentro do cérebro de Jonas, que lembrou instantaneamente de um impresso de cultura japonesa que estava para ser distribuído em matéria zásica anterior, sobre a distribuição de jornais na madrugada paulistana. Uma rápida consulta ao relato não deixou dúvidas de que o jornal que chamou a atenção de Zaso Corp. era realmente o Jornal Nippak, em conjunto com outra publicação, esta desconhecida por Eduardo, o São Paulo — Shimbun. Uma coincidência curiosíssima. Quando Nishio viu a foto, e ficou inteirado da curiosidade, ficou até mesmo boquiaberto por achar que a publicação não existisse mais. É impressionante como uma aventura zasóica imenda na outra sem a menor intenção.
Os Irmãos Higuchi
Pouco antes da conversa com Eduardo Nishio e Edson Doi, o irmão de Wagner chegou ao bar calmamente, para sua felicidade. Trajando calças de moletom extremamente confortáveis, William chegou com simpatia e descrição. Não restavam dúvidas de que eles eram irmãos, sendo que Taka era uma versão barbada e maior de seu irmão mais novo. O irmão mais velho ainda tinha alguns afazeres antes de dar uma palavrinha com Zaso Corp., foi o tempo para que a garrafa de Shochu fosse finalizada, com o adendo de algumas cervejas Proibida Puro Malte, que muito impressionou o paladar mequetréfe dos jovens embriagados.
As 23h iam se aproximando e o bar já sequer servia porções mais, para o azar de Zaso Corp., que bobeou em não ter pedido nenhum acepipe a tempo. Justamente, Wagner afirmou que não venderia mais qualquer porção ou cerveja àquela altura pois isso poderia atrair novos clientes, o que faria com que fosse cada vez mais difícil fechar seu bar, que iria encerrar as atividades àquele horário. O bairro da Liberdade se torna bastante perigoso naquela altura da noite, e qualquer deslize pode significar ter o estabelecimento roubado, e/ou suas posses subtraídas sorrateiramente. Cerca de meia hora depois, já com a partida dos dois entrevistados anteriores e com as cadeiras e banquetas viradas sob a mesa, sobravam apenas os zasóides e os irmãos. Chegara o momento de conversar sobre shochu, sumô, e saideira. Na realidade, o shochu estava na mente e a saideira na mesa, ou seja, o sumô era a sobremesa. Mas não sem antes uma introdução pessoal de cada um dos guardiões.
Com a presença do irmão, Wagner Yoshihiro se apresentou, mais formalmente, como paulistano de trinta e um anos e morador do bairro da Liberdade. Estudante de economia pela USP, afirmou ter largado a engenharia para ingressar no ramo que tanto queria. São-paulino não muito praticante, Yoshi disse que não se interessa por nenhum esporte que não seja o Sumô. Apreciador de punk rock japonês e youtubers nipônicos, sobretudo relacionados a comida e produtos diversos, é um entusiasta da internet. Seu hobby principal é dormir e uma mulher que acha bonita é a sua namorada. Perguntado acerca de hábitos curiosos, afirmou não possuir nenhum. Aos vinte e dois anos de idade, Yoshi morou no Japão, como parte de uma programa do governo japonês em conjunto com a colônia nipônica no Brasil, assim como Edson Doi fez, décadas antes. No país asiático, trabalhou em uma fábrica de tratores, montando peças e partes mecânicas dos veículos. Segundo ele, a vida era mais fácil por lá, onde acordava mais tarde e voltava mais cedo para casa. Perguntado sobre a vida noturna como estrangeiro, disse que não tinha o hábito de sair e que os brasileiros que conheceu por lá eram muito “bagunceiros”. Seu real interesse na noite japonesa era sair para comer. Como tudo que é bom tem seu fim, acabou voltando para o Brasil três meses depois, já que sua visita foi mais turística do que realmente para ganhar a vida no país. Apesar de pacato, Yoshi afirma que gosta sim de bebericar um álcool, principalmente cerveja e whisky, cujo favorito é o bourbon Jack Daniels. Ajudante de seus pais no bar desde criança, afirmou que gosta bastante de tomar conta do local. Sua comida favorita é a coreana, até mais que a japonesa, dizendo que tem o costume de frequentar restaurantes do país no bairro do Bom Retiro, conhecido por ser um recanto da imigração coreana no Brasil. Wagner estava mais à vontade, o que fazia com que Zaso Corp. também se sentisse da mesma maneira. Chegou ao ponto de até mesmo confidenciar seu gosto pelo karaokê que, mesmo assim, é menor do que o do irmão mais velho. A última vez que foi até um ocorreu na semana anterior, justamente no karaokê de sua tia, chamado Kampai, localizado também no bairro da Liberdade. Para acabar a introdução de nosso lutador, Zaso Corp. teve acesso a informações de que Yoshi acredita em ET’s e não tem o hábito de acompanhar os feitos de nikkeis de outros esportes.
O grau de abertura de Yoshi se tornara muito maior com seu irmão por perto, que, apesar de ligeiramente mais sério (ao menos à princípio), estava bastante aberto às perguntas de Zaso Corp.. William Takahiro Higuchi também é natural de São Paulo, assim como o irmão. Dois anos mais velho que ele, ou seja, com trinta e três anos de idade, Taka é morador do Tatuapé, onde mora sozinho. Tal informação deixou o zasóide Daniel Kubalack felicíssimo, característica que lhe é comum quando encontra alguém que mora em seu bairro natal. Formado em Direito pelo Mackenzie, com curso de Tecnólogo em Gastronomia pela UTEC e com formação para Sommelier de vinhos e cervejas, Taka se mostrou um grande estudioso. Apesar de sua mãe cozinhar todas as comidas servidas no recinto, ele é um grande entusiasta de tal arte. Torcedor do Corinthians e apreciador de filmes de zumbi, sobretudo se estiverem no Netflix, William afirmou que não gostaria que um apocalipse zumbi ocorresse, pois iria morrer antes que todo mundo pelo fato de ser gordo. Seu gosto musical é de fina estirpe, composto por nomes como Otis Redding e Isaac Hayes. Um entusiasta do soul/ funk de raiz. Ao ser perguntado sobre hobbies e manias, seu olho brilhou. Taka tem a mania de fazer listas, não resistindo a nenhum Top 10ou algo do genêro. Outra obsessão que possui é com quiabo, afirmando que não pode ver o legume em sua frente que é tomado fulminantemente por uma vontade incontrolável de comê-lo. E para terminar seu combo de manias, também disse à equipe de Zaso Corp. que tem uma paixão especial por marmitas, aifrmando achar instigante olhar para elas e imaginar o que tem dentro. Seu senso de humor é muito voltado para comida e auto-depreciação, caracaterísticas que tornam-o uma pessoal extremamente agradável e engraçada, afinal, como diria o profeta, quem se leva a sério demais se torna chato para caraglio. Assim como seu irmão mais novo, Taka acredita em ET’s, dizendo, inclusive, que alguns clientes que aparecem no bar só podem ser extraterrestres. Além de comida coreana, gosta de karaokê, até mais do que Yoshi, apesar de afirmar não frequentar um há meses. Quando o assunto karaokê veio à tona, foi inevitável perguntar sobre o lendário Paulo Omine, o Roberto Carlos japonês, eternizado neste relato zasáico de muitas luas atrás. Segundo William, o personagem da noite libertense não frequenta o local, sobretudo por não beber. A informação surpreendeu Zaso Corp., que flagrou-o em posição de último chefão de jogo com seu enorme pint de chopp do Corinthians. Como não poderia deixar de ser, os zasóides mostraram a foto de Paulo Omine com seu parrudo copo para Taka, que ficou bastante surpreso com o que viu. Não só esta informação surpreendeu-o, como o fato de Omine estar com os cabelos pretos, que, segundo William, polemicamente são tingidos. Ao contrário de seu irmão, Taka nunca morou no Japão, apesar de já ter ido ao país algumas vezes. O simpático anfitrião gosta de tomar uma cagibrina, mas nada em excesso, no máximo um vinho, principalmente branco, ou uma cerveja.
O Sumô
O sumô é uma arte milenar asiática, diretamente ligada aos costumes da religião xintoísta, tradiconal do Japão. Apesar de possuir muitas vertentes semelhantes espalhadas por países vizinhos, é originária da Terra do Sol Nascente. O objetivo da luta é jogar o adversário para fora do ringue demarcado, chamado de dohyo, ou fazer com que ele toque o solo com qualquer parte do corpo que não seja as solos dos pés. Também configuram-se derrotas uma série de movimentos ilegais, como socos, pontapés, puxões de cabelos, abraços entrelaçando os dedos e no caso do mawashi (cinto protetor) se desamarre durante a luta. Acredita-se que o sumô moderno da maneira como é conhecido começou a tomar sua forma durante o Período Edo, no século XVII, quando os primeiros torneios profissionais surgiram, se tornando realmente populares, inclusive nundialnente, com a fusão das duas maiores escolas japonesas, de Osaka e de Tóquio, num processo entre o século XIX e XX. No Brasil, sua prática começou a se disseminar justamente depois dos anos 20 e 30, quando a imigração japonesa para o país atingiu seu auge. Apesar da relativa popularidade entre a colônia japonesa, a luta não possui profissionalismo no país, sendo totalmente gerida e organizada por voluntários. O sumô profissional é exclusivo do Japão. Existe, hoje em dia, apenas um brasileiro profissional de sumô, Ricardo Sugano, sendo que no ano de 2000 haviam sete lutadores.
Se tornar lutador de sumô profissonal é um trabalho árduo, que envolve ser aceito em uma das cerca de cinquenta academias de sumô japonesas, que só permitem um lutador profissional estrangeiro. Além desta tarefa, é necessário adotar um rígido estilo de vida de rituais, vestimentas (chamadas de yukata), penteados típicos (chamados de chonmague) e códigos de conduta milenares, obrigatóriosp para a manutenção do status de profissionalismo do atleta. E para finalizar, o profissional só recebe salário se manter-se dentro do ranking dos sessenta melhores lutadores do país, tarefa difícil ao ponto que existem cerca de 800 lutadores profissionais no Japão. Apesar deste fato, o sumô amador tem grande popularidade, possuindo características que tornam-o mais digerível e flexível que o profissional, como a divisão por categorias de peso, e idade, e o código de conduta apenas facultativo para os lutadores. Com relação às vestimentas, por exemplos, no Brasil é muito difícil de achá-las, sendo que a maior parte acaba tendo que ser importada do Japão. Apesar do domínio nipônico, o Brasil, sobretudo por ser a maior colônia japonesa fora de seu país nativo, e por ser um dos países fundadores da Federação internacional de Sumô, possui forte tradição, com representantes de peso, com o perdão do trocadilho, no cenário mundial, e é aqui que os irmão Higuchi entram, novamente, em cena.
O pai de Kata e Yoshi era grande entusiasta do sumô, sendo lutador nos anos 80, e tendo até mesmo conquistado um terceiro lugar no ampeonato Brasileiro Amador. Logo aos seis anos, os irmãos começaram a praticar a luta0 no Ginásio de Sumô do Bom Retiro, único ginásio exclusivo da arte milenar fora do Japão. Hoje em dia, o local é rodeado pelo Centro de Esportes Radicais. Os irmãos ainda têm o costume de treinar no local, nas manhãs de sábado e domingo. Perguntados acerca da preparação, afirmaram que não há exatamente um treino que não seja a própria luta e musculação. Com relação à dietas e restrições alimentares, depende apenas da categoria em que o atleta quer competir. Segundo Taka, ele mesmo só fez dieta uma vez, e se arrependeu, se dizendo muito preguiçoso para este tipo de conduta, prefere se manter na categoria acima de 115kg, em que se encontra atualmente, tendo lutado apenas uma vez na categoria abaixo. Seu irmão, por sua vez, é mais leve e luta pela categoria entre 85 e 115kg. Existem muitas categorias de idade e peso no sumô amador, lembrando sempre que o sumô profissional não é dividido em categorias, mas sim em denominações relativas à posição no ranking profissional, ou banzuke. Segundo William, a função de dividir o sumô por categorias é representa a própria popularização, afirmando de maneira até mesmo sarcástica que por ser uma arte marcial, ou seja, de guerra, seria estranho escolher o peso do adversário a ser enfrentado. Taka ainda disse, também em tom de crítica, que houveram projetos e propostas para colocar o sumô nas Olimpíadas, que acabaram por não dar certo. Segundo ele, existe até mesmo exame anti-doping no sumô amador, evidenciando sua ocidentalização. Perguntado se tal prática também acontece no profissional, não soube responder ao certo.
Engana-se quem acha que o sumô feminino também não tem o seu espaço, que émuito grande, por sinal. Inclusive, no Brasil, o principal nome da luta nacional amadora é uma mulher. Curiosamente, esta moça, Luciana Watanabe, é também namorada de William Higuchi. Natural de Suzano, a lutadora é um grande expoente de competições e projetos sociais. Onze vezes campeã brasileira e Medalha de Prata nos Jogos Mundiais de 2013, na categoria até 65kg, Luciana é a atleta brasileira mais bem-sucedida na milenar arte. Praticante de sumô desde os quinze anos, engrossa o caldo de sua luta com uma especialização, também, em judô. Por conta de seus projetos sociais relacionados à colocar sumô na rede pública para jovens deficientes, que durou dois anos, até que o centro de convivência fechasse, e por seu trabalho com crianças, que vem acontecendo há três anos, teve ainda mais reconhecimento, conseguindo até mesmo ser homenageada com a chance de carregar a Tocha Olímpica. Atualmente, a lutadora possui cerca de sessenta alunos, em sua cidade natal, Suzano. Os dois namorados se conhecem há cerca de quinze anos, mesmo tempo que Luciana tem de luta. William contou esta parte de sua trajetória embebido em muito orgulho, era perceptível.
Em se tratando das próprias conquistas pessoas no mundo do Sumô, podemos destacar, por parte de Taka, o terceiro lugar no Mundial Juvenil e o quinto lugar no Mundial Adulto. Em relação ao Campeonato Brasileiro, William ficou em terceiro lugar este ano, sendo que esta foi a último competição que ele disputou, em Julho. Já seu irmão, Yoshi, participou do Mundial duas vezes, não obtendo bons resultados, que ele sequer citou. Perguntado sobre a luta mais difícil que teve, Taka disse que foi contra o russo Alan Karaev, premiado e gigantesco atleta. Os dois se enfrentaram três vezes, com três derrotas por parte do brasileiro. Quando questionado sobre a luta que mais deixou-o feliz, disse que a primeira vitória é sempre marcante, relembrando, também, seu terceiro lugar no Brasileiro, porém, chateado por não ter ido melhor.
O sumô tem um sentido de união muito grande. A equipe da qual os irmãos fazem parte, diretamente do Ginásio de Sumô do Bom Retiro, composta por cinco lutadores, chegou até mesmo a ser campeã brasileira. Geralmente, os irmãos participam da maior parte dos campeonatos brasileiros amadores, que em grandiosíssima maioria são realizados em São Paulo. Além da capital, e do estado, o sumô é muito praticado também no Paraná e Pará, outros locais brasileiros de forte imigração japonesa. Para terminar a conversa, muito também por conta do horário, Zaso Corp. colocou na roda quais seriam os ídolos de cada um dos irmãos, dentro e fora do esporte. Yoshi citou o lendário lutador japonês de sumô dos anos 80, Chyonofuji, que ele afirma acompanhar com frequência pelo Youtube. Já Taka, afirmou de maneira filosófica que não considera ninguém um ídolo, pois somos todos seres humanos e ninguém é melhor do que ninguém. Palavras sábias.
A segunda-feira já havia se tornado terça, e os irmãos estavam visivelmente preocupados com a possibilidade do horário trazer problemas para Zaso Corp. e para eles próprios. Assim que a conversa sobre Sumô se consolidou, Taka e Yoshi finalmente lacraram o bar, sob o olhar perturbador de um mendigo clássico da região, carinhosamente (ou nem tanto) apelidado de Zóinho. Já com todas as contas devidamente pagas e de missão cumprida, restavam-lhes descer a rua em direção ao automóvel de Daniel, que estava estacionado há poucas quadras do local. Na primeira esquina, Yoshi se despediu dos zasalhas, enquanto Taka continuou a seguir o caminho ao lado de Zaso Corp., Daniel daria-lhe uma carona até o bairro do Tatuapé, afinal, são vizinhos. William se mostrou muito simpático, conversando ao longo do caminho sobre os mais diversos assuntos. Assim que Daniel entregou Leandro em sua casa, parou em um posto de gasolina próximo para pegar algumas latas de cerveja junto com Jonas e Taka, que não titubeou em pegar suas duas Skols de 350 ml. Dali pra frente, o Ford Ka de Daniel sumiria no horizonte, para além da madrugada paulistana, primeiro em direção à Pompéia e depois para a Zona Leste paulistana.
Zaso Corp. se sentiu gratificado em descobrir mais um excelente recanto noturno, busca essa que se tornou praticamente um esporte para os zasalhas. Além do aconchego que o local proporcionou, nada mais edificante do que adquirir conhecimento acerca do Sumô e da cultura japonesa, tão presente no dia-a-dia da cidade, mesmo que involuntariamente. Em breve, mais uma rodada de Shochu, Proibida Puro Malte e, dessa vez, acepipes feitos com todo o carinho por dona Lília estarão à espera dos juvenautas. São os votos d’Zaso Corporation.