Violino
O músico repousa a cabeça
na suave curva do violino
O instrumento acolhe o peso
de engendrar ainda mais uma canção
Um olha pro outro
o outro olha pro um
Entre eles um paradoxo:
Parece que todas as músicas já foram feitas
mas parece também
que de todas as músicas que poderia criar
o milagre reside em escolher
Ele arrisca deslizar por uma nota
e produz uma imagem bucólica
com leves nuvens que logo
dão lugar à colheita
mas uma tempestade rompe
os frutos do trigo e a morte
como as nuvens
desfaz as casas, os celeiros…
O músico para, desconfortável
insatisfeito
Ele tenta de novo — dessa vez
borboletas brincam ao longo de um córrego
de pedras lisas com líquens
multicoloridos
Ele para, irritado
E começa a fazer
um rosto distante
de alguém que amava
mas a quem nunca se declarou
E seu violino canta
sobre aqueles que partiram
aqueles que ficaram
sobre a impossibilidade do retorno à infância
sobre um coração que transborda
espinhos e piche
sobre a conexão imediata do olhar de
dois futuros amantes fadados
à miséria, ele divaga sobre a cor
entre o azul e o violeta
e paira sobre a sombra das águas primordiais…
O violinista para
Contempla o violino e o arco em suas mãos
Os universos que criou, os sonhos que matou
com o simples movimento dos dedos
ao longo das cordas
Ele suspira
Suspira
e desiste
“Eu nunca vou fazer música de verdade”