De volta ao Lar: Miranha e as Origens do Tecno-autoritarismo

Como um filme da Marvel resgata lições sobre tecnologia, vigilância e os riscos de autoridades ilusórias que descambam pro totalitarismo

Juão Rodriguez Kyntyno
91 min readMar 6, 2021
Miranha, o personagem de Lucas do canal Inutilismo, no Youtube.

1 — Bem louco de poder (e ressentimento)

Desculpa cruzeirenses, mas essa aí foi osso.

Uma vez, pensando em lições para a pandemia, um filósofo sérvio excêntrico, apontou que se não conseguirmos Confiar no fato de que estamos no mesmo barco, terminaremos feito o Cruzeiro Diamond-Princess: atolados e isolados. A ideia do filósofo foi inspirada em um discurso de Martin Luther King Jr de que “podemos todos ter vindo de diferentes navios, mas agora estamos no mesmo barco”.

É claro que com esse papinho de perdão, confiança e cooperação o filósofo foi chamado de comunista. Não é por menos, a empatia e solidariedade parecem tão ficcionais como filmes da Marvel.

Mysterious, o rei da ilusão, em Homem Aranha: Longe de Casa (2019).

Mas e se eu te disser que a ficção tá cada vez mais real, e a realidade cada vez mais ilusória?

No loga “Homem-Aranha, Longe de Casa” (2019, spoiler alert), nosso Spider encontra um de seus inimigos mais pilantras e disfarçados: ele mesmo. Quer dizer, a confiança que ele deposita em seus novos heróis, entre eles, Quentin Beck, também conhecido como Misterio, ou Mysterious. Nas HQs, Mysterious era um coordenador de dublês que “posteriormente assumiu o cargo de técnico de efeitos especiais. Frustrado pela falta de fama, ele resolveu usar seus conhecimentos para cometer crimes.

Funcionário de Mysterious jogando pokemon go enquanto roda a Matrix

No filme, Mysterious era um ex-funcionário das Indústrias Stark que juntou uma equipe braba de tecnologia descontente com o falecido Homem de Ferro, para tentar roubar o legado do “gênio, milionário, playboy, filantropo”: um óculos super-tecnológico chamado Edith, que na verdade é um sistema de defesa e segurança de realidade aprimorada. Para por as mãos na lupa, eles tentam hackear o emocional de Peter Parker, criando catástrofes fraudulentas que o próprio Mysterious combate com ajuda de Inteligência Artificial, efeitos cinematográficos e espionagem.

O vilão de Parker no filme é um dos antagonistas mais geniais que o cinema da Marvel nos apresentou nos últimos anos. Padrãozinho, boa pinta, dá bons conselhos, diz o que você quer ouvir, mas pelas costas, arquiteta um plano infalível do Cebolinha — além de atual, literalmente, é o Zoião.

O drone de Mysterious que é 4 em 1. Ele é capaz de projetar ilusões, se camuflar, te espionar e ainda te cobrir de bala.

Aos poucos, com espionagem para dizer a coisa certa e ilusões para se legitimar, Mysterious vai ganhando a confiança de nosso herói. Precisamos entender o contexto dessa fanfic. Nosso menino Spider estava vulnerável emocionalmente, havia acabado de perder seu mentor. Era um cenário de luto perfeito para que fosse manipulado por um vilão sem nenhum poder especial além do aparelhamento tecnológico, oportunismo, alguma inteligência e um temperamento controlador.

Quando seu time perde a final da libertadores

Spider estava na brisa do desespero de um time sem ataque, onde o craque é o gandula. Assim, iludido com seu novo herói (ou a expectativa que criou dele), desabafa como se visse em Mysterious o próprio Tony Stark, contando como ele queria deixar aquela pressão de ser o Aranha de lado e curtir a vida adoidado. Mysterious, então, percebe a brecha nos desejos fugazes de nosso menino Spider. Foi assim que ele confirmava o viés de Peter, estimulava-o a largar mão dos deveres do Aranha porque sobraria tempo pra ele curtir seus rolês e a Eurotrip que ele tava fazendo com sua turma do colégio.

Peter Parker (Tom Holland) com o óculos de Tony Stark. A lupa braba.

Aos poucos, o Miranha louco pelas ilusões, vai largando mão dos conselhos de Stark (e do ‘com grandes poderes vem grandes responsabilidades’), para seguir cada vez mais seus instintos momentâneos, perdendo o foco e a atenção, e usando a tecnologia do legado de Stark para seus fins próprios e irresponsáveis — tipo lançar uma ogiva em direção a um talarico da sua turma.

aí o stalker brabo

Mysterious usava e abusava das ilusões para reforçar ainda mais sua infalibilidade, mostrando-se alguém para ser mais forte que o Miranha, tirando, aos poucos, a responsabilidade (e o peso na consciência) das costas de Spider.

“Você vai ver, Peter, é fácil enganar as pessoas quando elas já se enganam […] elas precisam acreditar, e hoje, acreditam em tudo […] Eu criei o Mysterious para dar o mundo alguém em quem acreditar. Eu controlo a verdade, Mysterious é a verdade”

A visão do drone de Mysterious, “câmeras até no céu, o verdadeiro Big Brother, como descrito por George Orwell”. O autor de ‘1984’, inclusive, é citado durante o longa.

O antagonista vai reforçando esse viés de dar o que nóiz quer, enquanto rouba o que nóiz precisa: uma confiança no herói infalível, projetada em um sistema tão complexo de ilusão que torna tudo tão simples, mas igualmente irresponsável.

quando você ativa o óculos de espionagem e manda uma bomba no talarico

Por fim, Mysterious esvazia a própria força crítica de Peter Parker.

De tanta lorota e efeito bolha, nosso herói Spider passa a desconfiar de sua própria força, e por fim, ele entrega, de mão beijada, para Mysterious o maior legado de seu falecido mentor: o todo-poderoso óculos de Tony Stark. Largou a lupa, perdeu a visão.

MJ (Zendaya): “Com certeza é bom você acreditar em tudo que lê na internet” (ironia on)

No longa, a crush do Spider, Michelle Jones (MJ), cita George Orwell: “o próprio conceito de verdade objetiva está sumindo no mundo”.

Washington Post: "Deepfakes are coming, we're not ready". Conheça um sistema de mapeamento facial capaz de criar ilusões realistas com tecnologia.

A grande sacada do filme é que não basta que Mysterious tenha o poder da tecnologia para criar ilusões que ele mesmo resolve, o pilantra consegue fazer com que os verdadeiros heróis percam seus poderes por eles mesmos.

Quando o empoderamento é fake….

Melhor, faz tudo parecer normal, neutro e orgânico, com o poder da vigilância e das informações coletadas e usadas sob medida para direcionar as vontades dos outros a seu favor.

Mas calma, o filme não acaba nessa desgraça.

Miranha, do Canal Inutilismo: esse aí me fez parar de fumar.

O fim do longa nos mostra que o poder de Peter Parker não era resumido ao óculos ou ao seu traje de Homem-Aranha. O poder dele residia na confiança e na atenção para conciliar responsabilidades, todas negadas pela retória de Mysterious sobre obediência absoluta e cega à autoridade e suas ilusões.

Não por menos, no filme, há trechos e referências de George Orwell: a visão de Mysterious elevada ao extremo torna a autoridade tecnológica a dona dos fins e dos meios. É aqui que entram preceitos do totalitarismo — ignorar os fatos, esquecer tudo que não seja a narrativa do herói perfeito, esmagando a liberdade e a responsabilidade própria em cada ato para proteger a infalibilidade do Grande Irmão. Spider, quando percebe tudo isso, não apenas sai da Matrix, ele enche o antagonista de porrada.

Ah, então deu tudo certo no filme, o Spider venceu o vilão, virou herói.

Não. Pera lá.

Na verdade, a ilusão não acabou depois que Mysterious morreu, ela só piorou.

Cenas pós-créditos

Depois do filme ‘de volta ao lar’, como em todo longa da Marvel, rola umas cenas curisosas. Aqui, vemos que como toda boa fake news tem um poder de renascer, mesmo após a morte de seus heróis.

“- Apresentador TV: ‘E agora, as últimas notícias. Uma fonte anônima nos enviou esse vídeo no qual revela Quentin Beck, conhecido como Mysterious, momentos antes de morrer’

Mysterious aproveita pra passar a melhor receita de Fake News — acuse-os do que você faz

- Mysterious: ‘O Homem-Aranha me atacou por algum motivo’, ele tem um exército de drones, tecnologia Stark, ele diz que é o único que pode ser o novo Homem de Ferro, mais ninguém’.

[corte pra montagem]

Montagem de um diálogo entre Spider e o drone.

- Drone: ‘Têm certeza que deseja realizar um ataque de drones? Causará muitas mortes’

- Spider: ‘Execute. Execute todos eles!’

- Apresentador TV: As imagens polêmicas foram liberadas hoje no Site Clarim Diário:

O vlogueiro e sua narrativa fake news, apropriada pelos meios de comunicação que dão palanque antes de checar.

- Vlogueiro Clarim Diário: ‘Está ai amigos! Provas concretas que o Homem Aranha foi o responsável pela morte brutal do Mysterious, um guerreiro interdimensional que deu a vida pra proteger o nosso planeta e que sem dúvida alguma vai entrar para a história como o maior super-herói de todos os tempos”

Mesmo após o desmascaramento do antagonista, muitos ainda acreditavam que Mysterious era seu herói, e abrir mão daquela ilusão admitindo o autoengano.

E aqui, não é uma questão de dissonância cognitiva — necessidade, do indivíduo, de procurar coerência mesmo que se enganando voluntariamente — , ou a montagem ser boa ou não. Por vezes, não são somente as deep fakes que nos enganam, mas sim as montagens mais baratas, as cheap fakes. Não é por si só a questão de uma mentira bem contada, e sim o porque acreditamos nela. Isso rola quando admitir erro, assumir que foi enganado, significava perder a própria identidade. A tecnologia era só um meio de garantir aquele todo entre o Grande Irmão.

O spuder é um fantoche drogadin

Esse é o tecno-autoritarismo que vai se legitimando conforme a obdeiência cega à autoridade do poder pode descambar em algo pior: uma força ideológica e tecnológica imensa, tão poderosa que confunde as fronteiras do próprio cidadão com a do líder.

De forma totalitária, a ideologia vigente não é vista como ideologia, mas como o normal — a do herói invencível em qualquer contexto. Aos boleiros, um VAR das ilusões independente da situação, legitimando qualquer tipo de arbitrariedade a seu favor:

É útil imaginarmos uma partida de futebol. Para consolidar o poder, autoritários potenciais têm de capturar o árbitro, tirar da partida pelo menos algumas das estrelas do time adversário e reescrever as regras do jogo em seu benefício, invertendo o mando de campo e virando a situação do jogo contra seus oponentes” (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 81).

Trazendo essa retórica para a tecnologia:

“O objetivo [do tecno-autoritarismo] é incrementar as capacidades de vigilância e controle sobre a população, mediante violação de direitos individuais ou ampliação importante dos riscos de violação a direitos fundamentais. Práticas tecno-autoritárias ajudam a corroer por dentro os pilares de sustentação da democracia, criando estruturas aptas a aumentar a vigilância, repressão e supressão de exercícios de direitos”.

Mysterious — o tecno-autoritário que deu certo (e virou totalitário)

quando o professor pede pra você mexer no projetor porque ele não alcança

Geralmente achamos que o fã-clube de totalitários se forma somente pela violência, e como no caso de ‘1984’, o uso aparelhado da tecnologia para garantia de poder. Mas será que não existe uma versão menos distópica, mais soft?Pensamos em casos como podemos chamar, de tecno-autoritarismo, em regimes mais fechados com vigilância, como a regulação de informação russa do Roskomnadzor ou o amplo sistema de câmeras com reconhecimento facial a serviço de Putin; lembramos do modelo biométrico Adhaar da Índia, a pontuação de crédito social da China ou o “cartão da pátria”, com convênio da ZTE chinesa, na Venezuela.

Mas nem sempre é (só) dessa forma. Até mesmo no romance de Orwell vemos alguns bajuladores do Grande Irmão abrindo mão de sua consciência pelo conforto mental, como fez Syme, o fã de “incursões de helicóptero contra povoados inimigos, julgamento e confissões de criminosos do pensamento” (ORWELL, 2009, p. 65–6). No fim do romance, mesmo sendo um grande seguidor do Grande Irmão, Syme é preso. Ele admite que era um criminoso do pensamento apenas porque o Big Brother não tem como errar quando acusa alguém.

Aqui, rola da distopia residir no excesso de conforto — sem precisar (necessariamente) de desinformação, perseguição à oposição e à imprensa com violência explícita, porque suas táticas se fundem com a vigilância e a identidade de propaganda totalitária. O domínio é exercido pelo fervor ideológico extremo, onde a ilusão que dá certo é a que aliena a própria identidade explorando-a. Surgem cidadãos drogados pela infalibilidade retroalimentada que o Big Brother proporciona. Pior, pode surgir o efeito ‘Admirável Mundo Novo’, de Aldous Huxleyonde ocorre pelo excesso de prazer, num “‘solipsismo voyerístico’, envolvido em si e observando a si” (KARNAL, 2018, p. 23). Aqui vem o tal Big Brother do Bem, pelo conceito de psicopolítica:

Mais cinco minutos, juro

Somente em sua forma negativa, o poder se manifesta como negação da violência que quebra a vontade e nega a liberdade. Hoje o poder assume cada vez mais uma forma permissiva. Na sua permissividade, até na sua bondade, ela depõe a sua negatividade e se oferece como liberdade […] Em vez de tornar os homens submissos, [a psicopolítica] tenta torná-los dependentes. O poder inteligente e bondoso não opera de frente contra a vontade dos sujeitos em questão, mas direciona essa vontade a seu favor. É mais afirmativo do que negação, mais sedutor do que repressivo. Ele se esforça para gerar emoções e explorá-las” (HAN, 2014, p. 28–59).

Em 2019, a Marvel nos convocou a ter cuidado com heróis perfeitos, desumanizados, principalmente em contextos de lutos e crises, principalmente quando ele domina o poder da tecnologia enquanto nossa noção sobre ela permanece inerte. A crítica do filme não é sobre atacar a tecnologia, e sim o uso aparelhado dela pra tornar nosso poder de decisão e confiança vulnerável, porque passamos a depender da narrativa infalível do Grande Irmão.

Ninguém está imune a usar a ilusão de poder a seu favor, muitas vezes pisando na cabeça dos outros, quando não, na própria confiança, como fez nosso herói Spider. O problema é quando não despertamos pra atenção ao que fazemos, quando o efêmero nos desliga da realidade, e endossamos um poder ilusório. Exemplos? Basta ver como o poder se relaciona com aqueles que deixam subir a sua mente enquanto arrogância nas famosas carteiradas por políticos, cidadãos diplomados ou moradores de bairros nobres — todos, presos numa história única, a de sua infalibilidade.

Mysterious tinha um infinito poder emocional, tecnológico e retórico, e todos acreditavam nele. Arrisco a dizer que seria um candidato eleito em primeiro turno com larga vantagem, (ou vencedor em uma coalizão com o Thanos). Seu governo é outros quinhentos. Provavelmente o poder de tanta adulação infalível em bolha iria subir à cabeça. Mas sabe porque nem isso atrapalharia seu governo?

Com a fofoca certa, Mysterious consegue fazer Spider entregar a ele os óculos sem nenhuma luta: incentivando o pensamento autodestrutivo e fugaz.

Mysterious seria um ditador perfeito porque ninguém ia perceber que além das ilusões incontestáveis, ele seria o rei da fofoca certa. Ele ia estimular o seu medo pra depois legitimar a espionagem como solução para seus inimigos imaginários.

E todos nós íamos comprar a brisa, porque pra manipular da forma eficaz, além de ter um ótimo sistema de ilusão, é necessário espionar, coletar informações, os desabafos, os dados certos para aplicá-los na máquina de ilusões de forma a torná-la mais assertiva. A melhor forma é sabendo cada brecha emocional para ser hackeada.

No meio das ilusões de Mysterious, Parker entende a sacada: respirar fundo, acalmar o jogo — usar o sentido Aranha, ou “arrepio do Spider”. É assim que ele organiza as informações e ilusões, e consegue discernir o que é real do que é projetado.

A mensagem do filme não veio citando George Orwell e ilusões por menos. Vivemos tempos de fatos alternativos e montagens grotescas, onde as propagandas políticas têm se tornado cada vez mais apelativas e com traços tecnoautoritários que descambam para o totalitarismo identitário.

Aqui, há um perigo na ideologia submissa e autoritária pela ilusão tecnológica, a ponto de sua propaganda criar uma totalidade na narrativa entre o líder e seus comandados.

“Sua propaganda exibe extremo desprezo pelos fatos em si, pois, na sua opinião, os fatos dependem exclusivamente do poder do homem que os inventa. A armação de que o metrô de Moscou é o único do mundo só é falsa enquanto os bolchevistas não puderem destruir os outros. […] O primeiro critério para a escolha dos tópicos era o mistério em si. A origem do mistério não importava; […] Não acreditam em nada visível, nem na realidade da sua própria experiência; não confiam em seus olhos e ouvidos, mas apenas em sua imaginação, que pode ser seduzida por qualquer coisa ao mesmo tempo universal e congruente em si. O que convence as massas não são os fatos, mesmo que sejam fatos inventados, mas apenas a coerência com o sistema do qual esses fatos fazem parte […] A propaganda totalitária prospera nesse clima de fuga da realidade para a ficção, da coincidência para a coerência” (ARENDT, 1991, p. 309–10).

Slavoj Zizek, o filósofo excêntrico do Cruzeiro, à frente do “não pense”.

“Ah deixa de besteira Lumena, isso aí é paranóia, mistificação”

Vamo voltar um pouco.

Lembra de Slavoj Zizek? Aquele filósofo-excêntrico-comunista, com um papo sobre Cruzeiro e Confiança? Então, ele nos dá umas dicas de como podemos salvar o Spider que existe em cada um de nós:

o choro é livre (mas no fim salva)

“Primeiro, tendemos a negar [o tecno-autoritarismo sobre nossas vidas] (é um exagero, uma paranóia esquerdista, nenhuma agência ou governo pode controlar nossas atividades diárias); então explodimos de raiva (contra grandes empresas e agências secretas do estado que nos conhecem melhor do que nós mesmos e usam esse conhecimento para nos controlar e manipular); a seguir, a negociação (as autoridades têm o direito de procurar terroristas, mas não de infringir a nossa privacidade …); seguido de depressão (é tarde demais, nossa privacidade foi perdida, o tempo das liberdades pessoais acabou); e, por fim, a aceitação (o controle digital é uma ameaça à nossa liberdade, devemos conscientizar o público de todas as suas dimensões e nos empenhar para combatê-la!)” (ZIZEK, 2020, p. 43–4).

“A sociedade não pode desistir do fardo de decidir o próprio destino, abdicando dessa liberdade em prol do regulador cibernético” (MOROZOV, 2019, p. 101)

2 — Vazamento de dados (e porque esse debate não é só sobre privacidade)

O primeiro mês de 2021 revelou um dos maiores escândalos de poder no Brasil, quando tornou-se público o vazamento de informações de 233 milhões de brasileiros.

“Foram expostos nomes completos, datas de nascimento, CPF, fotos de rosto, nomes, endereços e até faixa salarial de 223,74 milhões de brasileiros, além de dados de 104 milhões de veículos e de 40 milhões de empresas. Para OAB, o vazamento de dados “submete praticamente toda a população brasileira a um cenário de grave risco pessoal e irreparável violação à privacidade e precisa ser investigado a fundo pelas autoridades competentes”, em particular a ANPD. O órgão é responsável por fiscalizar e aplicar sanções ao descumprimento dos termos dispostos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor em setembro do ano passado.”

“Ah, ok Lumena, mas o que eu tenho a ver com isso?”

“Meu pai disse que você está nos espiando”. “Ele não é o seu pai”.

Tudo. A não ser que você seja um ET, ou que não se importe de alguém ganhar dinheiro e poder com informações suas, principalmente quando poderia ser você a fazê-lo.

É comum que as pessoas diminuam a importância dos dados, principalmente por imaginarem que no ambiente de superexposição que é a internet, é inevitável que hora ou outra algo do tipo aconteça. Normal, afinal, quem nunca comentou com um amigo sobre algum produto e minutos depois se deparou com ele na sua timeline do Face? Quem nunca ficou P da vida com ligação de telemarketing em umonte de número diferente?

“Não é sobre privacidade, é sobre poder”. Ouça a indicada ao prêmio Pulitzer por suas reportagens no The Guardian sobre o escândalo Facebook-Cambridge Analytica, Carole Cadwalladr dá uma aula sobre privacidade e proteção de dados (infelizmente em inglês e sem legenda :/, mas fica Mc que as reportagens dela dá pra traduzir).
Quando você manda um meme engraçado no Messenger do Face.

“Muitos têm a visão de que privacidade não existe. Dizem: ‘E daí? Não tenho nada a esconder, então, de boa, pegue minhas fotos’. Mas isso é um engano sobre do que tudo isso se trata. Porque é sobre quem tem essa informação, quem tem esses dados. Porque é com estes que está o poder agora”

A sensação é de desamparo, desproteção, e não é por menos que normalizamos pra nos sentir bem.

A espionagem digital existe já faz um tempo, e muitas vezes somos nós que ajudamos ela a troco de nada, principalmente quando não buscamos nos informar a respeito.

E, olha, odeio apelar pro ‘eu te avisei’, mas o Snowden avisou. O problema aqui é que nesse megavazamento, além da quantidade massiva de poder que perdemos, não sabemos quem tem posse deles agora.

“Torna-se possível arquitetar inúmeros golpes e ataques. É possível criar contas de laranjas, filiar pessoas em partidos políticos e times de futebol e realizar ataques direcionados contra celebridades e pessoas públicas, bem como seus familiares e sócios. Se o Brasil já caminhava para se tornar um faroeste, a partir de agora nos tornamos também um faroeste digital”.

Lacrou migs, nem vem com essas ideia de quem não deve não teme

Isso significa que, graças à falta de proteção de nossos dados, eu, você e o zoobomafoo estamos a venda pra qualquer um com bitcoin suficiente na deep e dark web, e com a intenção mais aleatória possível para usar um poder e um direito que deveria nos estar assegurado.

“O que digo é: vamos salvar o planeta destruindo o mito de que a tecnologia é uma religião que não pode ser questionada […] Temos que encontrar novas formas criativas de liberdade, mas só podemos evoluir se soubermos o que está acontecendo.

Mitou, brou

Não quero me ater a só mostrar desgraça — apesar de ela ser importante para nos conscientizar — por isso que além do exposed aqui dos problemas com a tecnologia e poder, no fim do texto eu trago reflexões e soluções para lidar com toda essa desgraça.

Quando falo do problema em levar a questão dos dados a sério no Brasil, sempre me vêm à mente quando o FaceApp bombou por aqui — aquele aplicativo que permitia envelhecer o rosto. Eu mesmo usei o App, mas durou pouco até eu ver notícias sobre o uso de dados no aplicativo. Lembro que eu me tornei o louco dos dados tentando avisar todo mundo que aquilo coletava e distribuía nossa informações a torto e à direita, por causa de uma política de proteção de dados quase inexistente.

É óbvio que fui ignorado, e não é por menos:

um bejo no coração de quem chego aqui (e boa sorte pro resto kkkkk)

“Muitos dos usuários do FaceApp com certeza nem sabem disso, não porque a informação é ocultada, mas simplesmente por não se importarem. De acordo com dados da Kaspersky, 64% dos brasileiros não leem os termos e condições de um app antes da utilização e nem mesmo pensam sobre como seus dados podem estar sendo utilizados pelos fornecedores daquela ideia divertida”.

as espionagens de Sarah

Mas que diferença faz, não é mesmo, ninguém vai ler? Ninguém se importa. Toma meus dados e me libera. Assim, pelo entretenimento momentâneo, podemos acabar pulando termos de uso que se reservam no direito de manter nossos dados por uma política que pode ser alterada unilateralmente a qualquer momento, sem aviso “‘por motivo de lei, ordem judicial, prevenção à fraude, proteção ao crédito e outros interesses legítimos’ — seja lá o que isso for”.

O que a maioria dos usuários prefere ignorar é que os dados são um problema de poder. E como todo problema de poder, atacar o mensageiro dele ou negá-lo não vai fazer com que suma. Às vezes (e principalmente neste caso) só faz com que piore.

Isso porque, como explica o doutor em História da Ciência, o bielorusso Evgeny Morozov, as informações armazenadas são o novo petróleo do século XXI, como a The Economist e os cypherpunks haviam denunciado. Na releitura de Julian Assange, “o fluxo de petróleo decide quem é dominante, quem é invadido e quem é excluído da comunidade global” (ASSANGE et al., 2013, p. 20). Quer dizer, no jargão jornalístico, ‘quem não pauta é pautado’. Por isso, precisamos entender a dinâmica dos dados aqui, antes que nos tornemos uma colônia de quem os controla.

“Tal como o petróleo, dados também vazam. E, quando isso acontece, causa danos ambientais de enorme escala, muitas vezes irreversíveis”.

“Na era digital, por mais cuidadoso que seja, você indica por onde passa, o que compra, do que gosta e o que usa. O comércio desses dados é um mercado bilionário e gera o debate que se vê no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa. Os termos de uso dos serviços digitais abrem possibilidades assustadoras”.

O que são dados, do que se alimentam, onde vivem…

desculpa
Saiba quais são os benefícios da coleta de dados em massa, o chamado Big Data (ainda em 2014)
Entenda a evolução da produção de dados (2016). “Tão importante quanto gerar e armazenar informação, é aprender com ela”
Nesse vídeo, Átila nos ensina sobre o aumento do poder de computação com a ciência de dados para além do que as informações mineradas mostram (2018)

Dados pessoais são informações das pessoas. É com ele que dá pra identificar alguém, rola de entender seus padrões de consumo e outros hábitos.

Dados pessoais são você, por isso são conhecimentos valiosíssimos. “Imagine que uma rede de farmácias disponha da lista de CPFs relacionados ao nome dos clientes. Se cada compra entrar numa base de dados, com o passar dos anos surgirão padrões de consumo”.

É útil e barato armazenar dados, diferentemente, por exemplo, do petróleo. Mas uma coisa não muda, o lucro em usá-los.

Por vezes, há benefícios inegáveis nos dados, a exemplo do compartilhamento de dados para acelerar o desenvolvimento da tecnologia de pesquisa da vacina contra a Covid-19, ou quando do uso de um aplicativo na Cingapura para acompanhar e coletar dados sobre os cidadão:

“Os dados são de fato o combustível da economia da informação, mas se parecem mais com a energia solar do que com o petróleo — um recurso renovável que pode beneficiar a todos ao mesmo tempo, sem ser diminuído”.

O problema reside, principalmente, no desconhecimento a respeito disso, o que pode transformar um detetive em um espião e, depois, em um stalker macabro, justamente por não “garantir que tais sistemas sejam transparentes, responsivos às preocupações das comunidades e não imponham encargos desnecessários, por exemplo, violações de privacidade”. Foi o que rolou na própria Cingapura, quando a polícia local se apoderou do aplicativo (e dos dados dos cidadãos, sem consulta) pra investigar um assassinato.

Também, engana-se quem pensa que isso rola só dentro de casa:

“Nossos dados pessoais são cada vez mais valiosos e desprotegidos na cidade: das câmeras à proliferação dos aplicativos, passando pela coleta de dados de acesso à internet nos espaços públicos. Em muitos casos, essas informações estratégicas são armazenadas e controladas por empresas privadas, que vão usá-las de acordo com seu próprio interesse. Muitas vezes, interesses contrários aos nossos”.

Dá ruim quando há ilegalidade na forma como os dados são compartilhados tanto no setor público como privado. Aqui, não faltam casos de vazamentos sem anuência dos proprietários dos dados, como já rolou com o Facebook, e com a NSA nos casos de espionagem aqui no Brasil.

“O direito fundamental à proteção de dados enseja tanto um direito subjetivo de defesa do indivíduo (dimensão subjetiva), como um dever de proteção estatal (dimensão objetiva) […] um elemento essencial para a manutenção da confiança dos cidadãos nas estruturas de comunicação e informação, bem como para o necessário fluxo de dados e inovação dele decorrente.

“Edward Snowden revelou que o problema com a superpotência doente e obsessiva é que ela não consegue pronunciar a frase essencial para seguir em frente: ‘Meu nome é Estados Unidos e sou viciado em dados’. Para os espiões americanos, o Big Data é como o crack: bastam poucas doses para que se esqueça da tentativa de tomar o bom caminho e abandonar o vício. Sim, há uma ilusão inicial de grandeza e onipotência narcisista — veja, podemos evitar outro Onze de Setembro! — , mas um cérebro desalienado sem dúvida notaria que se trata de alguém com o juízo gravemente comprometido. Impedir outro Onze de Setembro? Quando dois garotos viciados em mídias sociais podem explodir uma bomba no meio da maratonade Boston? Sério? Todos esses dados, todo esse sacrifício — e para quê?” (MOROZOV, 2019, p. 117)

Como nos lembra Morozov, a missão de Snowden e a denúncia dos Cypherpunks a respeito da militarização da internet provou como alguns mitos estão mortos, entre eles, o de que existe um espaço virtual separado, onde se podem ter mais privacidade e independência das instituições sociais e políticas.

“No modelo contemporâneo de mercado, os dados pessoais são intensamente analisados e muitas vezes tratados por meios automatizados. Deste sistema decorrem problemas como a assimetria de informação, a criação indevida de um perfil virtual, a seleção de usuários ou candidatos de forma discriminatória, entre outros”.

Aqui, com o poder dos dados à Mysterious, temos brechas. Desde golpes mais sofisticados à brincadeiras psicológicas bem Black Mirror.

“Aí que exagero”

Não é viagem não:

não engana o miranha

A política se tornou a luta pelo controle dos fluxos de dados, e a ditadura agora se define pela concentração de dados nas mãos do governo ou de uma pequena elite. […] Um ditador que centraliza e processa os dados de forma mas eficaz pode não me proporcionar um bom sistema de saúde, mas vai poder fazer com que eu o adore e fazer com que eu odeie a oposição. A democracia vai ter dificuldade de sobreviver a essa evolução, porque, no fim, a democracia não se baseia na racionalidade humana, ela se baseia nas emoções. Durante eleições e referendos, ninguém te pergunta o que você pensa, e sim o que você sente. E, se for possível manipular de forma eficaz as emoções, então a democracia se tornará um espetáculo emotivo de marionetes.

Quando o pacote de dados acaba (ou o seu governo te vigia ao invés de realizar política pública): “Porque dados? Porquê?”

Um pulinho na cena pós-créditos do filme do Miranha nos dá uma dimensão da desinformação atrelada ao tecno-autoritrismo. A genialidade dessa cena está no exposed da dinâmica da desinformação clássica, principalmente, com a já citada manipulação emocional. Além dela, temos a novidade em manchetes espetacularizadas ávidas por furos — por vezes, caça-cliques, com palanque da divulgação midiática que não apura montagens grotescas, (as cheap-fakes, ou do BR, montagens do paint).

Mas e se eu te disser que esse tipo de fake news já era? Hoje é possível fazer um trabalho muito mais sutil e profissional, e usando, principalmente, a manipulação emocional, só que com doses perfeitas. E sabe qual é o combustível disso? Dados.

Com dados suficientes centralizados sobre alguém, é possível conhecer a pessoa melhor do que ela mesma, processando essas informações através data mining; também rola de você poder manipular qualquer um com facilidade, como num inception: hackeando literalmente o coração e mente com seus medos, certezas, vaidades, e inseguranças pra gerar conteúdo sensível e manipulador, fazendo parecer que tudo foi orgânico.

“Parecia ser o desejo da nação que o Estado a protegesse das consequências de sua atomização social e, ao mesmo tempo, garantisse a possibilidade de permanecer nesse estado de atomização. Para poder enfrentar essa tarefa, o Estado teve de reforçar todas as antigas tendências de centralização, pois só uma administração fortemente centralizada, que monopolizasse todos os instrumentos de violência e possibilidades de poder, poderia contrabalançar as forças centrífugas constantemente geradas por uma sociedade dominada por classes. A essa altura, o nacionalismo tornou-se o precioso aglutinante que iria unir um Estado centralizado a uma sociedade atomizada e, realmente, demonstrou ser a única ligação operante e ativa entre os indivíduos formadores do Estado-nação (ARENDT, 1991, p. 206)”.

Melhor — dá pra fazer um exército de gado perfeito à Mysterious — porque diante da confrontação de uma dissonância cognitiva, é melhor continuar avançando com a ilusão do que assumir que foi enganado. Assim, por mais que Spider tenha lutado, de nada adiantou sua batalha, as pessoas continuaram acreditando nas mentiras.

quem controla os dados controla o gado

Quer ver como só piora? Com os dados certos, dá pra traçar um perfil irresistível de consumidor e direcionar campanhas customizadas pra te fazer comprar coisas que você não precisa via microtargetting — mas que na hora certa e com o incentivo certo, você vai comprar por impulso emocional; Dá pra criar propaganda política específica para seu perfil psicológico — é o que eu chamei de Pós-verdade On Demand (QUINTINO, 2019, p. 362); Dá pra fazer intimidações com um esquema de “Abin paralelo” a serviço do governo com ‘eu sei onde você mora’, ‘com quem anda’, ‘quem é seu filho’, etc.; Dá pra atacar a democracia intimidando parlamentares, opositores, magistrados, veículos de imprensa e jornalistas que se preocupam com interesse público. Assim fica fácil sacar que nossos dados são grana na mão de empresas e governos: no fim, é nossa autonomia sendo vendida.

pô cara so queria militar.. n pera

Tava bom até colocar política no meio! Tudo vocês politizam, tudo é ideologia e política hoje em dia

E é mesmo. Vazamento de dados é problema de poder porque são suas informações que definem quem você é, e é com elas que governos e empresas podem customizar a abordagem de maneira sutil e eficaz, para direcionar sua identidade em favor do interesse deles.

E o pior, é difícil calcular a fronteira entre essa manipulação sutil e autoengano.

Pra tentar achar esse meio termo, primeiro, como já dito por Morozov, e reforçado pela doutora e filósofa brasileira Djamila Ribeiro, temos que assumir que nada é isento de ideologia.

“não tenho certeza se é ‘fake news’ ou apenas uma opinião que eu discordo” (principalmente quando não tem fonte)

Aí o colega responde, “mas eu tenho minha opinião”. Ok. Todos temos direito à opiniões, mas não temos direito aos próprios fatos, principalmente quando usamos essa opinião como forma de sobrepor pesquisas e estudos sérios que se debruçaram sobre um assunto. Pior é usar a crença para “querer legitimidade para falar sobre algo que ignora […] [porque] sua opinião não muda os fatos, mas os fatos deveriam mudar sua opinião”. (RIBEIRO, 2018, p.34–5).

ET Bilu

Essa de neutralidade é história da carochinha pra quem gosta de se vender como ‘neutro’, e faz os outros comprarem o status quo de que tudo que pensa diferente é ideologia — no fim só interessa a quem está confortável com a situação política vigente. Nem os dados são neutros.

O próximo passo é entender a política de controle de dados no Brasil, e como ela se relaciona com ideologias.

“Novas descobertas científicas e invenções estão nos dando um poder imenso, mas não temos necessariamente a compreensão e a responsabilidade para usar esse poder com sabedoria […] Os cidadãos precisam se informar sobre os novos desenvolvimentos tecnológicos e sobre o impacto potencial em campos como a economia e a política, e isso não pede um PhD”

3) Animo e desanimo — os vários lados do Brasil

Esse aí zikou nóiz pra sempre

Apesar dos pesares, no Brasil, temos medidas pioneiras pra proteger dados, o problema é que pouco é feito em prática para que o autoritarismo não se aproprie de um verdadeiro leque de oportunidades. Principalmente no contexto de crise como uma pandemia.

E se, na verdade, foi 1 a 0?

São exemplos de melhora da proteção de nossa privacidade a criação do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI, 1995) do Marco Civil da Internet (2014), além da inspiração na legislação europeia para a criaçõ da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, ratificada em 2018, sancionada em 2019) — apesar de seu órgão guardião ter perdido força institucional ao ser vinculado ao executivo.

passa as privacidade aí rapá

De fato, a coisa parecia que ia melhorar com a proteção de nosso poder desde os debates suscitados pelo caso Snowden, mas nos últimos anos as coisas têm andado na direção contrária com a vigilância e o uso de dados de forma cada vez mais centralizada, e sem qualquer tipo de presença da sociedade civil na discussão e implementação de soluções (MOROZOV, 2019, p. 7–12). Engana-se quem pensa que começou agora. Já tem um tempo que a galera vende umas info por CDzinho na Santa Efigênia também, mas quem mais inovou foi o governo Temer criando um cadastro Frankstein: vários desses CDzinhos nas mãos do governo. Ainda bem que vetaram né? Calma que piora.

Quando governos vacilam em proteger e usar adequadamente os nossos dados, eles vacilam em garantir que nós tenhamos autonomia e exerçamos nosso poder como direito.

Os exemplos de descaso com o nosso poder são variados. Temos aqui o nebuloso acordo entre a Justiça Eleitoral e o Serasa, em 2013, o acordo foi suspenso por decisão da corregedoria-geral da Justiça Eleitoral por haver risco de quebra de sigilo”.

Também, temos coletas de informações sigilosas e disparos a eleitores durante campanhas (do PT, passando pelo MDB e indo até o PSL) — com números de telefones vazados e chips clonados; temos a decisão do STJ sobre a exposição de dados de servidores sem quebra de sigilo “no intercâmbio de dados no âmbito da Administração Pública” (LAUT, 2020, p. 15); tem a desculpa da pandemia para a flexibilização do compartilhamento de informações sigilosas entre órgãos sem autorização do cidadão; o vazamento de dados do DataSUS (de novo); e a expansão da vigilância no trânsito com a ampliação do sistema Córtex e o intercâmbio e levantamento de dados da CNH de 76 milhões de brasileiros.

Infográfico: Coding Rights

“A história nos prova que todos os estados que tiveram a possibilidade ampla e irrestrita de uso de dados acabaram abusando, desde regimes totalitários até centros econômicos de poder”.

Temos, também, a criação de um megabanco centralizado de informações, o Cadastro Base do Cidadão, sem qualquer tipo de consulta pública independente, transparente ou com base técnica e com componentes da sociedade civil. Isso, sem contar que além de ser flagrantemente contra a letra da LGPD, a regulação desse CBC está, de novo, atrelado a um conselho de membros do próprio governo, e os dados podem ser compartilhado entre 27 órgãos do executivo, em (mais) uma bizarrice de centralização, que sabe não só a sua digital e retina, é capaz de entender a forma como você anda.

Você disse análise biométrica e de retina centralizada?
Irmão, nem vem lançar isso daí. Primeiro que o mensalinho do twitter e a rede de fake news da Dilma em 2010 não justifica o erro do outro. Segundo, duvido você achar alguma que supera o aparelhamento, centralização e uso de dados em massa que tem sido feito desde 2018 com políticos do centrão. Paz

No tocante à falta de transparência temos o apagão de dados do INPE, porque “se dados comprovam desmatamento, a culpa é dos dados”; outro apagão do tipo foi o do Ministério da Saúde em meio a disparada de infecções por Covid-19 (essa foi barrada por determinação do STF); temos, também, a tentativa de flexibilização (mais uma) da Lei de Acesso à Informação (também barrada pelo Supremo); e mais um apagão de dados do Ministério próximo das eleições municipais de 2020. Por fim, temos a demora e centralização executiva na aplicação da LGPDsob a ocupação da base governista com a militarização do seu conselho: a ANPD — Agência Nacional de Proteção de Dados (aqui, com um background do GSI dadocêntrico ressucitado por Michel Temer);

Aqui eu me recuso a comentar porque virou passeio e a lógica saiu de férias em Noronha. A razão é o Khedira tabelando com o Kroos: 7 a 1 foi muito pouco.

Entre tantas inépcias — ou más intenções mesmo — , é fato que os últimos anos tem provado como o nosso poder sobre o uso de dados que nos dizem respeito está bem longe de ser realidade. Pior, continuamos naquela de “a massa que paga pra quem se diverte”, porque os órgãos financiados por nós — que deveriam respeitar a Constituição, garantir nossa cidadania e nosso poder de fato na tomada de decisão — vendem tudo pelo precinho do mercado, quando não, usam a própria Carta pra validar sua falta de responsabilidade. Alguma surpresa aqui? Nenhuma novidade vindo de um sistema legitimado por uma justiça que vaza áudios de ex-presidentes e arquiteta condenações, mas é o primeiro a reclamar de vazamento de ‘hackers’.

esse tweet envelheceu mal ein
olha a ideologia ai galera

“A política democrática, tem tradicionalmente se caracterizado pela identificação das causas: o propósito da deliberação democrática não é apenas discutir o melhor curso de ação diante de um problema, mas também chegar a uma concepção desse problema capaz de reconciliá-lo com certos ideias, como o da justiça […] A política baseada na IA e no resto do pacote — sensores, Big Data, algoritmos e assim por diante — é essencialmente uma política de gerenciamento de efeitos. […] Ela aplaina a imensa complexidade das relações humanas, simplificando narrativas complexas em regras algorítmicas concisas e monocausais.

talkey?

Enquanto a nossa experiência fenomenológica do mundo não se conformar com modelos simplistas por trás da maioria dos sistemas de IA, não deveríamos nos surpreender ao ver mais e mais pessoas caindo nas narrativas conspiratórias e extremamente complexas das fake news […] Uma política preocupada em saber as causas antes de corrigir os efeitos pode eventualmente ser uma política de exageros emotivos, levando ao nacionalismo, ou a coisas piores” (MOROZOV, 2019, p. 142–3).

Historinhas positivistas

Quem será que ganha com uma população vigiada destinada a ser punida quando desvia de seu destino de gado?

É nessa crítica que Evgeny Morozov contesta um ambiente ideológico de tutela eterna que dominou as formas de pensar tecnologia e subversão. É a narrativa reforçado ideia de progresso tecnológico contínuo irrefutável pelo acúmulo de dados e endeusamento dos algoritmos por uma ideologia positivista (MOROZOV, 2019, p. 138–144). Vamos então de um pouco de história, no período mais positivista da nossa nação (por enquanto), a República Velha, a res-pública de mentira.

Oia o thanos poderosão

Após o fim da monarquia, no fim do século XIX, a ideologia positivista era o suprassumo entre o oficialato dos militares que chegaram ao poder executivo. Seu pensamento básico era de que “a enorme massa da população, pobre, analfabeta e ignorante, teria de ser conduzida e controlada por uma elite republicana, por ainda não estar pronta para participar ativamente do processo de transformação” (GOMES, 2013, p. 168–170).

A cidadania pra poucos não foi criação militar, era uma tradição, mas o pensamento positivista foi o aparato perfeito pra sua manutenção no novo regime. Deu tão certo que serviu de inspiração também para a continuação da República Velha e suas oligarquias civis nos quase 40 anos seguintes da proclamação.

As urnas eram mesmo um mero acessório, um rito enfadonho, mas oportuno, para manter os laivos de legitimidade e o calor da arregimentação partidária. O governo, sustentava-se, deveria continuar a ser exercido apenas pelos ‘mais capazes’, por alguém intelectualmente superior e moralmente respeitado, o ‘sumo sacerdote do partido e da sociedade’, o ‘intérprete da vontade coletiva’ — embora a coletividade não fosse considerada apta a escolher sozinha os seus próprios destinos e governantes. ‘Toda escolha de superiores pelos inferiores é profundamente anárquica’, escrevera, a propósito de eleições, o positivista Augusto Comte”. (NETO, 2013, p. 81)

Não por menos, os ideais de Comte, devidamente editados, se tornariam lemas da bandeira brasileira (“O Amor por princípio, a Ordem por base, e o Progresso por fim”). Na hora de fazer a república, além de garantir a efetividade da cidadania, faltou o amor, essa coisa de comuna.

Acontece que nem mesmo a primeira farda presidencial segurou a bronca de suas contradições e falta de princípios, basta ver o governo de Deodoro com a continuação do temperamento centralizador, a crise do encilhamento na economia e as demissões em massa de ministros insatisfeitos com as indicações toma lá-dá-cá. Aqui, vamos além do escândalo de concessão do porto das Torres, no Rio Grande do Sul, para um amigo de marechal Deodoro da Fonseca, em 1891.

Resgato o diálogo do professor Benjamin Constant, ex-ministro esquecido da Proclamação da República, com o primeiro presida:

“Na reunião ministerial de 27 de setembro de 1890, um sábado, após habitual discussão acalorada de outros assuntos polêmicos, Deodoro da Fonseca reclamou da nomeação do tesoureiro dos Correios no Rio Grande do Norte. O governador, Xavier da Silveira, havia proposto um nome, aprovado por Deodoro. Benjamin, que supervisionara a repartição, nomeara outro.

‘Muito tenho sido traído’ — queixou-se o marechal. Depois de ouvir em silêncio por alguns minutos, Benjamin tentou se explicar alegando que o cargo não era tão importante e que, na sua opinião, Deodoro estava fazendo ‘tempestade em um copo d’água’.

O marechal não terminou que deixasse de falar:

‘O senhor é um traidor! — insistiu — ‘ Traiu-me nas promoções!’

‘Como?’ — devolveu o ministro.

Para surpresa de todo o ministério, seguiu-se uma troca de insultos até que Benjamin, já fora de si, anunciou seu pedido de demissão:

puts, doeu em mim

‘Não seja tolo! — afirmou, encarando Deodoro — ‘Não sou mais seu ministro, o senhor é um marechal de papelão. Eu nunca tive medo de monarcas de carne e osso, quanto mais dos de papelão’.

Cada vez mais enraivecido, Deodoro atirou-se sobre o ministro e, de dedo em riste, desafiou-o a acertar as diferenças em um duelo:

‘Para militares como nós, só um duelo!’ — afirmou o marechal.

‘Pois que seja’ — replicou Benjamin — Tragam armas e decidamos tudo neste momento, que eu não temo em nenhum terreno” (GOMES, 2013, p. 341–2).

Parece treta de BBB.

O positivismo adora resolver as coisas assim: tutela do povo e arma pro resto em caso de golpe. No país do Poder Moderador, surge a popularização do conceito de ditadura republicana (aqui Orwell deve estar se debatendo com o duplipensamento do termo), fruto de uma cultura herdeira do privilégio de honraria monárquica, de origem colonial-mandonista, viciado em hierarquia e escravidão (SCHWARTZ, 2019). Enquanto isso, os cidadãos são só o gado. Como define o historiador José Murilo de Carvalho: “a ausência do povo, eis o pecado original da República. Esse pecado deixou marcas profundas na vida política do país” (CARVALHO, 2017, p. 18).

Também, é o que explica a burocracia segundo Hannah Arendt, um “governo de peritos, de uma ‘minoria experiente’, que tem de resistir da melhor forma possível à constante pressão da ‘maioria inexperiente’. Todo povo é basicamente formado por uma maioria inexperiente e, portanto, não se lhe pode confiar um assunto tão altamente especializado como política e negócios públicos” (ARENDT, 1991, p. 193), nessa expressão há o que a educadora e filósofa Sueli Carneiro define como mimetismo do dito popular da raposa cuidando do galinheiro (CARNEIRO, 2005, p. 138–42).

a opinião do especialista é sempre diferenciada
vem não

Governos positivistas, em tempos modernos, não querem fazer bons governos em parceria com o cidadão.

Do contrário, preferem enganá-lo, quando não, criar o gado certo que sempre o defende a troco de nada. Na verdade ganham algo: achar que seu time tá sempre ganhando, na ilusão mentirosa e eterna de Mysterious. Não é por menos que o sociólogo espanhol Manuel Castells, que cunhou o termo ‘governo por Twitter’ (CASTELLS, 2016, p. 46–8) observou que vivemos uma ditadura das mentes, um regime orwelliano.

O livro “Você foi enganado”, de Chico Otavio e Cristina Tardáguila, contam algumas das mentiras, exageros e contradições dos últimos presidentes do Brasil, “este livro pretende oferecer aos cidadãos recursos para que passem a duvidar de promessas de campanha” (OTAVIO; TARDÁGUILA, 2018, p. 243).

A mentira não é uma novidade na política, o problema é quando ela se torna um instrumento de governo, essa é a observação de Castells, porque aqui o duplipensamento se legitima. Pior é quando a isso se junta o positivismo enquanto única ferramenta ideológica de manutenção de governo, porque ele é inapto a lidar com críticas.

Sarah, a espiã do bem

Positivistas tratam o povo como bestializado a ser tutelado. Com recursos tecno-autoritários então, a coisa vira outra. Coletam e centralizam nossos dados, entendem nossos medos melhor do que nós mesmos e com fake news canalizam nosso ódio, porque, “já que governar as causas é difícil e caro, é mais seguro e útil tentar governar seus efeitos” (MOROZOV, 2019, p. 89). Não é de hoje. É uma tradição do Estado de Narciso onde a autopropaganda e slogans valem mais a pena do que a prática de governo: um espaço comunicacional público dirigido por publicidades comerciais para fins privados, tendo seu único traço de coisa pública o financiamento (BUCCI, 2015).

Falar que o PT não se beneficiou [das fake news] é fechar os olhos. Eles eram bem ativos com os blogueiros na época da [ex-presidente] Dilma [Rousseff, PT]. Nas eleições passadas, eram artigos em comunidades, o Orkut, por exemplo. Não é exclusivo do Bolsonaro, não. O PT também fazia essa prática, sim. A diferença é que [em 2018, na campanha] do Bolsonaro, os eleitores do Bolsonaro foram muito mais espertos em como apropriar tecnologia em benefício do candidato deles. Essa foi a diferença. No estudo do [Projeto] Comprova [que monitorou a desinformação nas eleições passadas], saiu quantas fake news pró-Bolsonaro tinha e quantas fake news pró-Haddad [Fernando Haddad, candidato derrotado do PT] tinha. Era uma coisa sete pró-Bolsonaro e três pró-Haddad. Você vê que a maioria era para o Bolsonaro, mas também tinha pró-Haddad”.

E quem não cai nessa lorota toda?

Em governos tecno-autoritátios, é necessário acusar os ‘inimigos’ do que eles fazem. Assim, os críticos são os chamados ‘militantes’, rotulados pela comissão de ‘neutralidade do bem’.

É assim que muitos opositores acabam vigiados, alguns são presos em partida de futebol por se manifestar politicamente, com alegação de que ‘era pra proteger’, ou nas invasões de eventos políticos privados sem mandato judicial. Poucos fora da ilusão de Mysterious percebem que, aqui, ideologia extremista é não só não conseguir ouvir críticas, mas precisar rastrear e punir os outros com aparelhamento do poder das armas. Mas que lambança de ideologia né não? Aquela que só existe pra suprimir a outra.

À esquerda, militar filma a palestra do cientista Sidarta Ribeiro, neurocientista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e integrante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que fez fala contundente contra cortes do governo federal.

Por isso vemos os diferentes pesos e medidas com generais do exército intimidando o STF pelo Twitter (com direito a delay de 3 anos depois); temos movimentos de oposição hackeados durante pleito presidencial; ou dados fichados em dossiês, incluindo jornalistas, professores, alunos, policiais e qualquer mente questionadora do discurso de tutela positivista — os chamados detratores.

O desafiador deputado [Douglas Garcia], bradando do ar-condicionado do seu gabinete que iria fazer e acontecer, de repente resolveu negar tudo. Será por que ser antifascista não é crime, mas compilar e vazar dados pessoais de centenas de pessoas pode resultar em pelo menos uma bela dor de cabeça?

“O Ministério da Justiça colocou em prática em junho uma ação sigilosa sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do “movimento antifascismo” e três professores universitários, um dos quais ex-secretário nacional de direitos humanos e atual relator da ONU sobre direitos humanos na Síria, todos críticos do governo de Jair Bolsonaro[…] Além da PF e do CIE (Centro de Inteligência do Exército), o documento produzido pelo Ministério da Justiça foi endereçado a vários órgãos públicos, como Polícia Rodoviária Federal, a Casa Civil da Presidência da República, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), a Força Nacional e três “centros de inteligência” vinculados à Seopi no Sul, Norte e Nordeste do país”

Com um pensamento positivista, também, um presidente da República se sente livre pra dizer que quem define o regime de um país são as forças armadas, não o povo por completo, pois o único poder que emana da população é daqueles que possuem arma para exercê-lo (ou dinheiro pra comprar o cano), o resto deve ser tratado com tolerância zero pois é contra o interesse geral da nação, (principalmente se não tiver foro privilegiado).

Eleitores de Bolsonaro votam com armas e filmam urna eletrônica

Então, que leve bala, a exemplo da campanha tolerância zero do ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, (“o ministro do arremedo” investigado).

Mas quem se importa? Bora usar a pandemia para ir passando a boiada.

Eu quero os dados sobre meus dados agora!

Além da afinidade ideológica com o positivismo, a paranóia também rege o pensamento tecno-autoritário que prefere vigiar e punir não só adversários políticos, mas até mesmo seus aliados. Não importa a reflexão sobre os atos, aqui tudo é diametralmente proporcional ao seu nível de paranóia. O abuso de poder tecnológica e autoritária não acaba aqui, ele precisa de relatórios de defesa ‘FB’ aos filhos do poder, porque aparelhamento bom é aparelhamento completo — principalmente quando ele só serve pra você.

“Em abril [de 2020], quando o governador de São Paulo lançou um projeto usando dados de telefone para rastrear o quão bem as pessoas estavam aderindo às medidas de isolamento, Eduardo, filho de Bolsonaro, chamou isso de “invasão de direitos”, e o presidente rapidamente pôs fim a um plano semelhante do ministério da ciência. No entanto, ele aparentemente não teve tais escrúpulos uma semana depois, quando assinou um decreto determinando que as telecomunicações entregassem dados de 226 milhões de brasileiros ao IBGE, a agência de estatística do governo, aparentemente para pesquisar domicílios durante a pandemia. Os críticos disseram que a captura de dados era inconstitucional e desproporcional, e acabou sendo derrubada pela Suprema Corte”.

Pra citar outros exemplos de que nosso país está entrando no vício do crack de vigilância, Big Data e tecno-autoritarismo — como o MIT definiu, temos as redes de câmeras instaladas para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 que permaneceram no local mesmo após o término desses eventos; temos a proposta de reconhecimento facial nas câmeras do metro de São Paulo, sem qualquer precaução a vazamento de dados e violação de privacidade; também, temos, o uso de software de reconhecimento facial durante o carnaval de 2020 por forças policiais para vasculhar a multidão em busca de criminosos. Neste último, que pese os pesares de algumas falhas, ao menos deu certo em prender um assassino (uhu! Funciona vamos espalhar para todo canto do Brasil!).

nem todos os homi

Mas pera lá, “não vamo generalizar”.

Fica o questionamento: se com reconhecimento de fotos e monitoramento já temos problemas para amplificar vieses no policiamento (aqui reportagens especiais da Agência Publica, do Fantástico e do Intercept a respeito), imagina com IA e aumento de vigilância sem qualquer protocolo e presença antirracista (quando este não é execrado inclusive em palestra pública online)?

alguns são mais vigiados que outros

É fácil falar que tudo isso é mimimi quando não rola de sentir empatia com quem vai sacar o auxílio emergencial e vai em cana por causa da cor da pele. Talvez toda a arbitrariedade ideológica que permeia as forças de segurança explique (apesar de não justificar) porque o governador de São Paulo decidiu monitorar policiais civis 24 horas por dia — e porque tantos policiais reclamaram (ué, cadê o argumento de quem não deve não teme, aqui?).

Privatiza que vai (?)

Beleza. Então, dá pra argumentar que no meio de tantos problemas pra proteger os dados das pessoas é melhor deixá-los seguros com grandes empresas de tecnologia especialistas em algoritmos.

É isso aí: privatiza que melhora.

Só que não, parceiro.

“Ainda no relatório [a respeito da necessidade de cautela na privatização das Big Techs brasileiras Dataprev e Serpro], a OCDE reforçou que “há, atualmente, um debate importante em torno da possibilidade de os titulares de dados perderem o controle sobre seus dados pessoais em decorrência da privatização, ou até que ponto esses dados poderiam ser acessados e usados para outros propósitos comerciais, uma vez que as empresas terão acesso às informações nos contratos originais que foram feitos com entidades públicas, incluindo dados pessoais”. A OCDE conclui sua análise recomendando que o Governo Federal tenha mais atenção com a avaliação dos impactos à proteção de dados decorrentes da privatização.

“Ah, então deixa com algoritmo que ele resolve. Sei lá, joga pra galera do Vale do Silício”.

mas que m*

Deixar na mão das Big Techs não é só deixar a raposa, mas uma gangue de lobos inteira no galinheiro

macarthismo bão.

4 — Dados e Big Techs: Ditadura da falta de opção

Fãs de Naruto Only. (Mas algo traduzido como spider>nóiz>governo>Big Techs)

“Os defensores dos dividendos da vigilância [quanto mais coleta e processamento de dados, melhor] apresentam seus benefícios como evidentes e apolíticos. […] Na realidade eles só veem o que lhes interessa e só sabem o que querem saber. O que em geral não sabem e não querem ver é sua própria política” (MOROZOV, 2019, p. 33–119)

Arrisco a dizer que os escorregões para o tecno-autoritarismo brasileiro não são somente responsabilidade de governos positivistas. Além de uma população desinformada a respeito, o mecanismo pelo qual a desinformação se naturalizou — com anuência de instituições ‘sem milagre’, quando não dando palanque — contou com a ajuda de Big Techs como Facebook, Google e Twitter, empresas que se tornaram maiores que países inteiros, e com mais autonomia pra mudar e regular política de dados do que pensamos.

Que? Como assim? Isso é conspiração! Ideologia! Aceita que dói menos!

Calma, descansa militante (hue). Primeiro, precisamos entender a importância de algoritmos aplicados aos dados, e como eles regulam a nossa vida, na expressão de Morozov, pela ‘regulação algorítmica’:

“Algoritmos estão observando você. Estão observando aonde você vai, o que compra, com quem se encontra. Logo vão monitorar todos os seus passos, todas as suas respirações, todas as batidas de seu coração. Estão se baseando em Big Data e no aprendizado de máquina para conhecer você cada vez melhor. E, assim que esses algoritmos o conhecerem melhor do que você se conhece, serão capazes de controlar e manipular você, e não haverá muito o que fazer. […] É uma simples questão empírica: se os algoritmos realmente compreendem melhor do que você o que está acontecendo dentro de você, a autoridade passará para eles” (HARARI, 2018, p. 329–30).

“Ah meu Deus, alguma coisa aconteceu”; “A internet vai me dizer o que pensar a respeito”; “É mentira isso daí”; “É mentira isso daí”.

Não é por menos que a investigação sobre o megavazamento de dados foi incluída no inquérito das fake news. Sim, com dados e algoritmos dá pra desinformar e alterar regimes democráticos, coisa básica.

É vdd esse bilete. 31.mai.2020 — Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Pega a visão. Se você conhece bem uma pessoa, sabe como explorar seu emocional, fazê-la comprar seu produto, e até mesmo compartilhar a hashtag da moda, porque não direcionar essa chantagem emocional pra manipulação política com santinhos políticos perfeitos?

Se temos hoje o maior vazamento de dados da história nas mãos de sabe-se lá quem, o que garante que não serão utilizados, também, para campanhas políticas futuras? Se no passado (em vários governos) já rolou de ter uma “imensa estrutura de desinformação montada para manipular a opinião pública do país” (OTAVIO; TARDÁGUILA, 2018) (MELLO, 2020, p. 57–92), porque não rolaria em 2022?

Isso não significa dizer que tudo é manipulado, tampouco que é orgânico. Assim como neutralidade é coisa ingênua, o 8 ou 80 não leva a nada. Precisamos entender a complexidade desse ecossistema e avaliar, por nós mesmos, o grau que essa desproteção de dados pode causar pra amplificar nosso sonambulismo com desinformação e vigilância.

“Acredito que cometemos um grave erro bem no início. Se compreendermos esse erro, podemos desfazê-lo. […] [Primeiro erro, a ideia de que] tudo na internet deve ser totalmente público. […] Mas, ao mesmo tempo, também acreditamos com igual entusiasmo nesta outra coisa completamente incompatível: nosso amor aos empreendedores de tecnologia. Amamos Steve Jobs, amamos esse mito niilista do tecnólogo que pode abalar o mundo […] E como comemoramos o empreendedorismo onde tudo é de graça? Havia apenas uma solução na época, o modelo de publicidade: não se paga, mas com anúncios”.

The Guardian: “Um gângster digital destruindo a democracia” — o veredicto condenatório do Facebook segundo o Parlamento Britânico.
Ninguém: . Zuckerberg: Eu só preciso de uns dados pra fazer dinheiro.

“Pouco importa quem sai vencedor. O importante é que uma decisão que parece autônoma, na realidade não o é nem um pouco. Você se sente livre e empoderado para tomar decisões: pode até escrever uma mensagem de agradecimento a Mark Zuckerberg. Mas tudo isso é risível: você está simplesmente à mercê do maior lance. E a concorrência entre eles [anunciantes] diz respeito a quem vai lhe mostrar um anúncio relevante — um anúncio baseado em tudo que o Facebook conhece sobre suas ansiedades e inseguranças. Não se trata de uma publicidade insípida e unidimensional […] As notícias falsas, que existem desde que existem notícias, agora circulam mais em meio digital porque se adequam muito bem aos modelos de negócio baseados em cliques que foram aperfeiçoados pelos gigantes extrativistas de dados. […] Essas notícias falsas se difundem com tanta rapidez porque é assim que o Facebook e o Twitter ganham dinheiro: uma notícia compartilhada só por algumas pessoas pode até custar dinheiro ao Facebook. Elas somente são lucrativas para empresas se forem amplamente compartilhadas” (MOROZOV, 2019, p. 33–169).

“Os clientes desses impérios de modificação de comportamento estão em um loop, são quase acionistas acelerados. Veem o que funciona e fazem mais disso, então conseguem o rápido feedback, o que significa que estão respondendo mais às emoções negativas, porque são as que se intensificam mais rápido, não é? Portanto, mesmo os jogadores mais bem-intencionados acabam avançando a causa das pessoas e emoções negativas, as cínicas, paranóicas, niilistas, todas intensificadas pelo sistema”

Essa pessoa tentou desbloquear seu telefone.

Segundo pesquisa da Fundação Mozilla, hoje 55% dos brasileiros acham que o Facebook é a própria internet. Essa estrutura não foi montada do dia pra noite. A Lei de Moore — onde a tecnologia melhora e fica cada vez mais barata — prova-se sempre infalível. Aqui uma pequena história do Face: seu criador, Mark Zuckerberg, então estudante em Harvard, fez em seu dormitório um protótipo da mídia social ainda em 2003. O Facemash era uma releitura para os alunos de Harvard do site “Am I Hot or Not?”, do inglês “Sou Sexy ou Não?”, onde os usuários podiam avaliar a beleza de pessoas em fotos. Sim, o Facebook começou como um Tinder de quinta categoria.

Zucc grandão pronto pra esmagar tua privacidade.

“O site foi recebido com ultraje. O Harvard Crimson, em um editorial, acusou o jovem Zuckerberg de ‘alimentar o pior lado’ das pessoas. Grupos hispânicos e afro-americanos o acusaram de sexismo e racismo. Ainda assim, antes de os administradores de Harvard desligarem o acesso de Zuckerberg à internet — apenas algumas poucas horas depois que o site fora fundado — 450 pessoas tinham visualizado e votado 22 mil vezes em diferentes imagens. Zuckerberg descobriu um importante segredo: as pessoas podem até alegar estarem furiosas, podem condenar algo como sendo de mau gosto, e, ainda assim, clicam. E descobriu mais uma coisa: para todas as alegações de seriedade e responsabilidade e respeito pela privacidade alheia, as pessoas, mesmo os alunos de Harvard, tinham um grande interesse em avaliar a aparência das pessoas. As visualizações e os votos demonstraram isso. […] Não confie no que as pessoas dizem, confie no que elas fazem” (STEPHENS-DAVIDOWITZ, 2018, p. 154–5).

The Economist: “O recurso mais valioso do mundo não é o petróleo, são os dados”.

Dados são tão valiosos nesse meio pois eles definem valores específicos que estabelecem conteúdos engajadores, e portanto, atraem a valiosa atenção de seus donos. E a atenção, como capital, atrai mais dados e o retorno financeiro publicitário. Assim, nesse ciclo infinito, as plataformas investem em um sistema que colhe dados de seus usuários atraindo sua atenção com informações que confirmam seus vieses e deixam a navegação confortável em bolhas, estimulando emoções negativas, tornando possível mapear seus gostos e até manipulá-los para de novo repetir o processo, feito uma máquina “caça níquel” (GARATTONI; SZKLARZ, 2019, p. 21).

“Encontraram uma vulnerabilidade no nosso cérebro, que precisa de atenção, dopamina e reconhecimento, e tornaram aquela sensação acessível em segundos no celular. Exploraram a falha, criando maneiras de recompensa instantânea, e construindo ferramentas que aumentassem o nosso tempo online — e, assim, a possibilidade de tornar nossas interações mais lucrativas para os anunciantes”.

“O que começou como publicidade não pode mais ser chamado assim, se transformou em modificação de comportamento. Então, não posso mais chamar essas coisas de redes sociais. Eu as chamo de impérios de modificação de comportamento. […] Acho que não é uma questão de pessoas ruins que fizeram algo ruim. É uma questão de um erro mundialmente trágico, incrivelmente ridículo, em vez de uma onda do mal.”

Mas calma que piora. Juro que a fanfic é boa.

“O verdadeiro inimigo não é a tecnologia, mas o atual regime político e econômico — uma combinação selvagem do complexo militar-industrial e dos descontrolados setores banqueiro e publicitário — que recorrem às tecnologias mais recentes para alcançar seus horrendos objetivos (mesmo que lucrativos e eventualmente agradáveis). O Vale do Silício é a parte mais visível, mais discutida e mais ingênua desse conjunto” (MOROZOV, 2019, p. 33–113).

"They said sleep is for the weak; And gave into the mantra; The scene was derelict; The Facebook propaganda; My router is a candle; That ignites my slim innocence; And I see how this was so dull; But I liked the blue brittleness"

Disseram que dormir é para os fracos
E cedeu ao mantra
A cena estava abandonada
A propaganda do Facebook
Meu roteador é uma vela
Que incendeia minha inocência esguia
E eu vejo como isso era tão chato
Mas eu gostei da fragilidade depressiva

Modelo de negócio — nóiz no mercado (quase)livre

O Grande Irmão (do romance 1984, de George Orwell), está de olho em você.

Enquanto nos digladiamos com manchetes de proveniência duvidosa em monólogos por likes, somos incentivado à compulsão digital. Enquanto lutamos na ilusão de Mysterious, ele tá de boa esperando pra entrar em cena, dizer que está tudo bem pra vender nossa lupa do Stark no e-bay, pelo custo da nossa confiança e autonomia. Com programações cada vez mais avançadas e algoritmos cada vez mais complexos que estimulam emoções aflitivas e negativas, um dos resultados foi justamente a polarização ideológica estimulada por bolhas — um negócio que vende o consenso democrático pela lorota mais braba — e nós, no fim, somos só o produto do leilão de dados aqui.

Um documento vazado do Facebook adquirido em 2018 pelo The Intercept ilustra a importância dos dados retirados das profundezas da fabricação dos produtos de previsão do Facebook, confirmando a orientação primária da empresa para seus mercados de previsões comportamentais, revelando o grau em que as práticas controversas da Cambridge Analytica refletiram procedimentos operacionais padrão no Facebook. O documento confidencial cita a “experiência em aprendizado de máquina” incomparável do Facebook, que visa atender aos “principais desafios de negócios” de seus clientes. Para este fim, descreve a capacidade do Facebook de usar seus armazenamentos de dados incomparáveis ​​e altamente íntimos “para prever o comportamento futuro”, visando indivíduos com base em como eles se comportarão, comprarão e pensarão: agora, em breve e mais tarde. O documento vincula previsão, intervenção e modificação. Por exemplo, um serviço do Facebook chamado “previsão de lealdade” é elogiado por sua capacidade de analisar o excedente comportamental para prever os indivíduos que estão “em risco” de mudar sua fidelidade à marca. A ideia é que essas previsões podem fazer com que os anunciantes intervenham prontamente, direcionando mensagens agressivas para estabilizar a lealdade e, assim, alcançar resultados garantidos, alterando o curso do futuro”. (ZUBOFF, 2019, p. 533-4)

o meme das Big Techs gigantes comprando startups promissoras e depois destruindo-as — a mão invisível que deu certo e que prefere comprar do que competir

Esse é o modelo de negócio: dados = atenção= dinheiro. Assim, coletam ainda mais informações de nós fornecendo “gratuitamente informação, serviços e entretenimento, e depois revendem nossa atenção aos anunciantes […] [como se fóssemos] um par de olhos e um par de orelhas conectados a dez dedos, uma tela e um cartão de crédito”(HARARI, 2018, p. 107–23). O usuário é produto, “e os verdadeiros clientes são as empresas anunciantes. Essa é a explicação menos paranóica e mais inocente do que está acontecendo” (ASSANGE et al., 2013, p. 75).

Vídeo: Sucuri gigante tenta engolir o gado, mas tem final surpreendente

Como explica o professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, Eugênio Bucci, o esquema de negócio pode ser chamado de Sucuri de Silício. É um modelo implacável e perfeito, pois os usuários entram no jogo pós-político comunicacional como mão de obra (gratuita e, logo, escravizada), como matéria-prima (também gratuita) e, por fim, como mercadoria (BUCCI, 2018, p. 29).

“Não se pode pagar uma dessas empresas para tornar o mundo bom de repente e melhorar a democracia, quase tão facilmente quanto dá para pagar para arruinar as coisas. Esse é o dilema em que nos metemos. “

Se troca democracia por dinheiro e poder? Sé o bichão memo ein doido

Essas fazenda de trolls se expandiram pelo mundo. Ja teve na Turquia de Recep Tayyip Erdogan; na Rússia de Putin; nas Filipinas de Duterte; na Polônia de Andrzej Duda; na Venezuela de Nicolás Maduro e também na Hungria de Viktor Orbán. Enquanto as redes sociais lucram com esse mecanismo de produzir ódio, as conspirações “oferecem um meio de definir uma elite nova e melhor”, e ainda, garantem um grande prêmio aos vencedores da narrativa: poder (APPLEBAUM, 2020, p. 37–44).

“Está em curso a emergência de uma nova lógica de acumulação, o capitalismo de vigilância, que se constitui gradualmente a partir da última década do século XX com a digitalização e sua penetração social, possibilitando um registro persistente e contínuo de dados […] As reconfigurações nas estruturas de poder se realizam nessa lógica emergente. O poder passa a se vincular à propriedade dos meios de modificação comportamental. A falsa consciência é produzida, também, pelos fatos ocultos da modificação mercantilizada do comportamento. Nessa nova forma de poder, o contrato e o Estado de direito são postos à prova. (BONIN, 2020, p. 203)”

“A Força do Querer”: quando a saúde mental está “em jogo”
Jogos de azar, mesas de pôquer online, games e pandemia aumentam o número de dependentes de jogos no Brasil
Então você não tem Monopoly?

É importante frisar que o cibercontrole ocorre em todo tipo de ideologia, porque todo usuário é um produto valioso, um dependente químico rentável.

Ele apenas transforma a crença — seja qual for — em combustível à hiperconexão, aos túneis de realidade e sua dinâmica de espiral de silêncio.

Mas a sua eficácia, sem dúvida nenhuma, reside no pensamento mais extremista possível. É assim que temos influencers stalinistas e grupos alt-right ganhando popularidade.

Tampouco, isso significa dizer que essa polarização é simétrica. Tem pesquisa e um mapa que mostra como não é, mas a tendência de ambos os polos é a mesma: incapacidade de praticar empatia — “há uma espécie de cegueira para problemas análogos no próprio campo […] um desencontro entre como cada lado se vê e como vê o adversário. Sim, o cancelamento e o milicianismo digital estão tão na moda não só porque é a saída fácil pros mimados nos debates dispostos a fazer justiça com as próprias mãos pela vingança — eles também são estimulados em um reality show sangrento a céu aberto à Jogos Vorazes — é assim que o Google, Twitter e o Facebook lucram quando você sente raiva e medo, além de entrar em guerra contra monstros (reais ou imaginários). O engalfinhamento dos tributos em posicionamento sectário orwelliano. Assim, repetimos palavras de ordem, estabelecemos alvos do polo oposto e um “botão de pânico na mente, detonando o hooligan interno” (ABRANCHES et al., 2019, p. 31).

É assim que, “embora negue que o Facebook contribua significativamente para a polarização, Pablo Barberá, um cientista pesquisador da empresa, também sugeriu que a polarização política poderia ser uma coisa boa durante a apresentação de quinta-feira”. Boa pra quem?

“O fascismo com frequência é equiparado de maneira vaga ao sadismo, mas quase sempre por pessoas que não veem nada de errado no mais servil culto a Stalin. […] É importante observar que o culto ao poder tende a se confundir com o amor à crueldade e à iniquidade por si mesmas. Um tirano é ainda mais admirado se for também um velhaco com as mãos sujas de sangue, e “o fim justifica os meios” muitas vezes acaba sendo efetivamente “os meios se justificam a si mesmos contanto que sejam sujos o bastante”. […] As pessoas cultuam o poder expresso na forma em que são capazes de compreendê-lo” (ORWELL, 2017, p. 131–4).

“Geração puro ego é sem debate, fantástica fábrica de quem só late”.

Aqui, o que a filósofa Márcia Tiburi chama de dinâmica do ‘escravizado digital’ (DUNKER et. al., 2017, p. 115–6) se consolida na disputa estética de uma guerra eterna contra todos, onde luta-se pelo trofeu ‘do lacre’ ou ‘do mito’ na patologia narcísica de inveja a outros perfis e seu consequente ódio e, principalmente, na falta de ação transformadora e crítica naquele espaço.

Também, explica porque ao invés de debates e sínteses produtivas em comunidade, ou da utopia de uma Sociedade em Rede ou em Aldeia Global, vemos hoje uma refeudalização visitada (MURDOCK, 2018, p. 13–31), onde, basicamente o sentimento geral é:

“Não vou perdoar. Eu vou xingar muito no Twitter”

“Estamos criando homens domesticados que produzem enormes quantidades de dados e funcionam como chips muito eficientes num enorme mecanismo de processamento de dados. […] [Mas] sabemos muito pouco sobre nossa mente e, em vez de investir na sua exploração, nos concentramos em aumentar a velocidade de nossas conexões à internet e a eficiência de nossos algoritmos de Big Data. Se não formos cuidadosos, vamos acabar tendo humanos degradados fazendo mau uso de computadores sofisticados para causar estragos em nós mesmos e no mundo” (HARARI, 2018, p. 101).

“Qualquer coisa viva terá uma mente viva, mas você pode esvaziá-la. E toda a data mining que está acontecendo é um esvaziamento da mente, tal como se usa uma broca para extrair petróleo”.

Charge de Joep Bertrams sobre a comunidade do Facebook

Agora deu pra dar uma sacada do porque apostar nas empresas privadas pode dar ruim.

Se um Estado inapto por si só já é incapaz de proteger a própria privacidade e a de seus cidadãos — mesmo estando sobre o escrutínio constitucional e de fiscalização institucional — , o que garante que uma empresa privada o fará se ela justamente ganha dinheiro assim, e ainda tem a vantagem de não ter qualquer regulação? Com o que ela vai lucrar se não explorar as informações que têm para discriminar seus usuários? O que garante que as Big Techs — que tem em seu modelo de negócio um sistema de venda, coleta e armazenamento de dados — não utilizarão esse poder para seu benefício próprio, tendo ainda a realidade de fazer sua própria fiscalização?

Foi com isso em mente, que a jornalista indicada ao prêmio Pulitzer, Carole Cadwalladr, enquadrou Zuckerberg e cia.:

Nesse Ted Talks (com legenda em português), Carole Cadwalladr explica como foi o quebra-cabeça da desinformação e das plataformas no referendo do Brexit, e mandou recado pros donos das Big Techs.

Essa tecnologia que vocês [donos das Big Techs] inventaram tem sido incrível, mas agora é a cena de um crime. E vocês têm as provas. Não basta dizer que farão melhor no futuro, porque, para termos alguma esperança de impedir que isso aconteça novamente, temos que saber a verdade. Talvez vocês pensem: ‘foram só alguns anúncios, e as pessoas são mais espertas do que isso’. Eu respondo: ‘boa sorte com isso’. […] Democracia não é isto: espalhar mentiras às escuras, pagas com dinheiro ilegal, sabe-se Deus de onde. […] Ainda parecem não entender que isso é maior do que vocês. É maior do que qualquer um de nós. Não se trata de esquerda ou direita, ‘sair’ ou ‘ficar’, Trump ou não. Trata-se de se é, na verdade, possível voltarmos a ter eleições justas, pois, como está, não acredito que seja. Então minha pergunta pra vocês é: é isso que vocês querem? É assim que querem ser lembrados pra história, como subordinados do autoritarismo que está em ascensão em todo o mundo? Vocês começaram a conectar as pessoas e estão se recusando a reconhecer que essa mesma tecnologia agora está nos afastando

5 — Cibercontrole do Bem

Mad Max, sem zoeira, se passa em 2021.

O exposed das Big Techs e o escândalo de dados são avisos para intervirmos por nosso petróleo a nosso favor, de preferência com aquele espírito do Cruzeiro, antes que a realidade se torne mais incompreensível ainda.

Isso porque Mysterious públicos e privados não param, cada vez mais aperfeiçoam seus métodos, toda hora criam ilusão, ouvindo nossa fofoca e ganhando um dinheiro com nossa confiança e nossas lupas.

Toda vez que a Timeline me empurra conteúdo que gera ódio e não resolve nada além de incitar linchamento.

Se não dominarmos a proteção e a segurança digital em nosso próprio território, seremos (se já não somos) mais uma faixa de terra livre pra exploração por quem já domina esses meios — ao melhor estilo de colonialismo de tempos modernos bem totalitários. Aqui, temos uma lógica bem hobbesiana de poder, onde o todos contra todos é a lei:

“Já não era uma questão de política calculada, que via em atos terroristas o único meio de eliminar certas personalidades importantes que haviam se tornado símbolos de opressão. O que era tão atraente é que o terrorismo havia se tornado uma espécie de filosofia a através da qual era possível exprimir frustração, ressentimento e ódio cego, uma espécie de expressionismo político que tinha bombas por linguagem, que observava com prazer a publicidade dada a seus feitos estrondosos e que estava absolutamente disposto a pagar com a vida o fato de conseguir impingir às camadas normais da sociedade o reconhecimento da existência de alguém” (ARENDT, 1991, p. 296).

Quem ganha esse Mad Max é quem tem mais combustível e munição, seja ela a vaidade, o ódio ou mesmo o ferro propriamente dito:

“A quem não é engenheiro, como a maioria de nós, a pergunta fundamental é como podemos impedir de sermos manipulados pelos que controlam dados. […] Os inimigos da democracia liberal têm um método: apoderam-se de nossos sentimentos, de medo, de ódio, de vaidade, e depois usam esses sentimentos para polarizar e destruir a democracia por dentro”

“Tem quem passe um pano
Impostor, pé de breque, passa por malandro
A inveja existe e a cada 10, 5 é na maldade
A mãe dos pecado capital é a vaidade”

Há, também, o ódio do bem, o ‘ódio good vibes’.

A virtude e a ditadura do bem exibem uma enorme vaidade. Hoje as pessoas que mais odeiam são aquelas que usam a expressão ‘pessoas de bem’. Sempre desconfio de quem usa expressões como essa. A sociedade das ‘pessoas de bem’ tem uma carga de ódio muito assustadora. As ‘pessoas de bem’ são capazes de matar, agredir e cercear em nome da virtude. A ditadura da virtude e o mal com fins e metas virtuosas talvez sejam o pior lado de todos, porque é mais difícil de combater. Constituem algemas de seda, baseadas na culpa e no bem. O mal em si, o mal que é mau, esse é mais fácil de ser desfeito do que o mal disfarçado em bem. Raras foram as agressões históricas assumidas como exercício puro de poder ou de maldade. Quase todas foram para melhorar a sociedade, tirar o mal dela. O plano de exterminar inimigos da boa sociedade moveu cidadãos do bem do passado. Em nome do Bem e da Verdade matamos milhões de seres humanos, em gulags na Sibéria, em paredões em Cuba ou no Araguaia nos anos 1970. O homem de extrema esquerda que disparava a arma contra o soldado da ditadura queria o bem. O militar que disparava contra o guerrilheiro queria o bem. Ambos consideravam que o bem era eliminar o outro, o agressor de verdade, o inimigo da liberdade e da pátria” (KARNAL, 2017, p.77–8).

Do papo reto dos perigos da vaidade, a história também passa uma boa visão de como o ódio está a serviço de nos exaltar, pois, ofendemos o outro lado, nos elogiamos, e vice-versa. Essa é uma armadilha que nenhuma ideologia escapa, e por vezes se atrela à desinformação — principalmente pela falta de autocrítica e consciência, é a falta do arrepio do Spider.

A grande sacada do duplipensamento — jogar no campo da razão de momento, quando não, contradizendo-se

“O resultado desse firehosing é que, em meio à cacofonia de informações, as pessoas não distinguem mais o que é verdade do que não é. Em seu livro Origens do totalitarismo, publicado em 1951, Hannah Arendt descreve à perfeição a situação que vivemos: ‘Num mundo incompreensível e em perpétua mudança, as massas haviam chegado a um ponto em que, ao mesmo tempo, acreditavam em tudo e em nada, julgavam que tudo era possível e que nada era verdadeiro’” (MELLO, 2020, p. 26).

Em Homem-Aranha Longe de Casa, Michelle Jones (Zendaya) cita George Orwell: “O próprio conceito de verdade objetiva está sumindo no mundo”

Quando a filósofa Hannah Arendt escreveu sua obra-prima, ela chamou atenção não para os escravizados pela ideologia. Isso porque, mesmo com o avanço do autoritarismo, os cidadãos ao menos gozam de certa liberdade. Mas, a partir do momento em que se fundem os traços ideológicos entre o líder e o povo, chegamos ao perigo do totalitarismo.

“A única regra segura num Estado totalitário é que, quanto mais visível é uma agência governamental, menos poder detém; e, quanto menos se sabe da existência de uma instituição, mais poderosa ela é. […] O verdadeiro poder começa onde o segredo começa. Nesse particular, os Estados nazista e bolchevista foram muito parecidos; a diferença era principalmente o monopólio e a centralização dos serviços de polícia secreta nas mãos de Himmler, no primeiro caso, e o labirinto de atividades policiais russas, aparentemente sem qualquer relação ou ligação umas com as outras, no segundo caso. […] Se considerarmos o Estado totalitário unicamente como instrumento de poder, e deixarmos de lado as questões de ciência administrativa, capacidade industrial e produtividade econômica, então o seu “amorfismo” passa a ser instrumento ideal para a realização do chamado princípio de liderança” (ARENDT, 1991, p. 347).

Para ela, “o súdito ideal do governo totalitário não é o nazista convicto nem o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe a diferença entre o fato e a ficção (isto é, a realidade da experiência) e a diferença entre o verdadeiro e o falso (isto é, os critérios do pensamento)” (ARENDT, 1991, p. 404).

Arendt definiria melhor tais conceitos em um ensaio em defesa da verdade factual, nos anos 60:

Mas quando o mundo mais precisa dele, o cinismo desaparece (o reverso também rola)

“Frequentemente, foi notado que o resultado mais seguro de longo prazo da lavagem cerebral é um tipo peculiar de cinismo — uma recusa absoluta de acreditar na verdade de qualquer coisa, não importa quanto essa verdade possa estar estabelecida. Em outras palavras, o resultado de uma substituição consistente e total de mentiras pela verdade factual não é que as mentiras agora sejam aceitas como verdade, e a verdade seja difamada como mentira, mas que o sentido pelo qual nos orientamos no mundo real — e a categoria de verdade vs. falsidade está entre os meios mentais para este fim — está sendo destruído” (ARENDT, 1967, p. 309).

Dinossauro com bazuca em um tubarão voador — seu argumento é inválido.

Aqui, a visão de Arendt era simples: as pessoas, não conseguindo mais entender o que são fatos — e quem tem o poder de defini-los — , acabavam burocratizando seu pensamento, deixando para que outra pessoa definisse o critério crítico, despolitizavam-se porque tudo era demasiadamente político ou complexo, ficava mais fácil seguir o gado, principalmente quando o poder de controlar a narrativa pelo herói perfeito faz ele voar, cuspir fogo e montar em um dinossauro.

Slavoj Zizek, com seus óculos escuros, fazendo referência ao seu documentário “O guia pervertido da ideologia”, que denuncia a sutileza com que ideologizamos tudo, por vezes nos colocando como neutros. Os óculos são uma metáfora para desmascarar a ideologia, enxergando as coisas como elas são, e que mesmo assim, ela não deixa de existir, porque nada é isento de ideologia.
BBC News Brasil: Como ‘comportamento de manada’ permite manipulação da opinião pública por fakes. Ilustração: Kako Abraham/BBC.
pô mano

É aquele seu amigo modinha que torce pro time que tá sempre ganhando

O pior não é essa incoerência em si, mas a falta de percepção a ser respeito — quando não, justificada pelo erro do outro. Essa falta de autocrítica faz uns apontar que o pano estará sempre disponível para os cidadãos de bem inimigos do PT, e vice-versa para aqueles que defendem o ódio de bem como uma bandeira pra lutar contra o ódio.

Aqui, de forma alguma, pretendo dizer como cada um deve se manifestar, a minha crítica vai para a prática transformadora por trás dessa retórica odiosa, principalmente em um ambiente que lucra com isso.

É assim que Arendt chama atenção de como corre-se o risco de cair na banalidade do mal acabando por apoiar, mediante fraude, populistas autoritários que utilizam “de distorções tidas como verdadeiras no senso comum para evitar o surgimento de um movimento formador de sujeitos políticos em si e para si” (FERNANDES, 2019, p.15–6). Esse é o maior poder que nos é tirado pelo qual Patricia Campos Mello parafraseia o ‘tecnopopulismo’, (MELLO, 2020, p. 150).

“Os populistas aproveitaram essa gama de ressentimentos. Eles zombam das elites, mesmo que eles próprios sejam ricos e poderosos; eles prosperam e nutrem raiva e divisão. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump disse a quatro congressistas progressistas para “voltarem … aos lugares destruídos e infestados de crimes de onde vieram”. Em Israel, Binyamin Netanyahu, um membro consumado, retrata investigações oficiais sobre sua suposta corrupção como parte de uma conspiração do establishment contra sua liderança”.

Na visão de Hannah Arendt, a questão da crueldade dos atos não residiria na burrice, e sim na irreflexão. Na incapacidade de questionamento próprio. Arendt chama atenção para como as palavras de ordem, a inconsciência e o pensamento burocrático eram as maiores motivações de um pensamento totalitário. “Essa distância da realidade e esse desapego podem gerar mais devastação do que todos os maus instintos juntos — talvez inerentes ao homem” (ARENDT, 1999, p. 643–4).

Basta ver, como lembra o psicólogo Wilhelm Reich, da luta de todos contra todos que movem as naturezas sádicas do homem. “Católicos alemães abençoam as armas alemãs, tal como os católicos estadunidenses abençoam as armas estadunidenses. O mesmo Deus é invocado para conduzir à vitória dois campos de batalha que travam um combate de morte” (REICH, 2001, p. 215). O que sobra do tiro pela culatra é essa guerra eterna, esse hooliganismo sem fim, e o que se conserva é o ‘mudar tudo o que está aí’ enquanto ‘tem que manter isso aí, viu?’ A falta de noção em relação aos atos e suas consequências são características disso, quando não, combustíveis.

O diagnóstico deste infocalipse de domínio total pela despolitização reside nas repetições, “é assim que se cria uma história única: mostre um povo como uma coisa, uma coisa só, sem parar, e é isso que esse povo se torna” (ADICHIE, 2019, p.11–2). A coisa piora no meio dessa replicação toda se temos robôs entre nós (e aqui não falo dos memes que zoam Zuckerberg, nem mesmo de uma conspiração)

Líderes religiosos desfilam pela Mangueira e mandam mensagem contra o preconceito
The Intercept: Por que grupos progressistas podem ser tão intolerantes quanto os reacionários

De tanto repetir, a mentira pega. Talvez isso explique um discurso da ONU onde 200 milhões de brasileiros complexos e distintos foram reduzidos a uma massa amorfa de “um país cristão e conservador e tem na família sua base”: é mais fácil controlar e fazer generalização apressada em que todo o resto além da bolha é mimimi de comunismo, ainda mais com um povo tão diverso avesso, historicamente, a aceitar complexidade de crença, e num ambiente algorítmico reducionista que estimula o pior em nós. O mesmo vale para generalizações apressadas com fascismo e racismo e que tem servido de argumento para o novo descansa militante — o ok Lumena que deslegitima qualquer pauta que cause o mínimo desconforto. Apesar da prática assimétrica e o resultado estrutural e prático diferente, na essência, o pensamento sem reflexão, e contra a complexidade, tem a mesma origem — falta de empatia e generalização apressada — coisas retroalimentadas e estimuladas por bolhas.

Testemunhe! O filme Mad Max: Estrada da Fúria (2015) se passa em 2021. Mas as coincidências do longa sobre ‘todos contra todos’ não terminam aqui.

6 — A nova República Velha tecno-autoritária

Pela metáfora de Zizek em “O guia pervertido da ideologia”, usando o óculos do longa “Eles vivem”, é possível ver a ideologia que está por trás de qualquer peça publicitária. No caso do meme, é de que a retórica de “comunismo enquanto distanciamento social” não passa da verdade de que inconveniência temporária é vista como uma conspiração que retira direitos aos que não têm nenhuma ideia do que é opressão.

Se aplicarmos os conceitos citados de tecno-autoritarismo, vazamento de dados e cibercontrole, temos um ambiente de rede social que utiliza a polarização do pensamento único pra abastecer militantes com vaidade e certezas. Também, o tanque cheio de dados nas mãos de sabe-se-lá-quem para explorar vulnerabilidades e até estimular o pensamento autoritário. Pra fechar o Mega-Pack, uma sociedade polarizada, num contexto de crise mundial onde a vulnerabilidade emocional é notável, e não faltam panos para heróis infalíveis.

A vacina pra isso?

Reconhecer a ideologia dos discursos, principalmente do mais extremista.

(Wallace Martins/Futura Press/Folhapress) Brasília, 2020.

Aqui, precisamos entender a origem desse populismo autoritário que têm ganhado o mundo — e o Brasil. Voltamos, então, à história única repetida a esmo de Chimamanda para adicionar o conceito de falta de noção da realidade em Arendt.

A filósofa alemã nos conta que noção de verdade como ideologia única é aplicada onde “tudo o que vocês são, o são através de mim, tudo o que sou, sou somente através de vocês” (ARENDT, 1991, p. 291). É, em suma, uma expressão cultural carregada de um simbolismo único heróico e nacional, dotado de “grande capacidade de envolvimento emocional e igualmente imperativo”, como disse um secretário de cultura ao se inspirar em Goebbels, “ou então não será nada”. Qualquer tipo de questionamento a fake news desse tipo pede uma reversão da história, um ‘acuse-os do que você faz’ como fez Weintraub quando da menção da Noite dos Mil Cristais. De preferência, aproveitando o discurso de combate ao politicamente correto para atacar minorias representadas, se valendo da imposição e da exploração da dor alheia como palanque, um meio e um fim:

“O jornal oficial da ss, o Schwartze Korps, disse explicitamente em 1938 que, se o mundo ainda não estava convencido de que os judeus eram o refugo da terra, iria convencer-se tão logo, transformados em mendigos sem identificação, sem nacionalidade, sem dinheiro e sem passaporte, esses judeus começassem a atormentá-los em suas fronteiras. E o fato é que esse tipo de propaganda factual funcionou melhor que a retórica de Goebbels, não apenas porque fazia dos judeus o refugo da terra, mas também porque a incrível desgraça do número crescente de pessoas inocentes demonstrava na prática que eram certas as cínicas as afirmações dos movimentos totalitários de que não existiam direitos humanos inalienáveis, enquanto as afirmações das democracias em contrário revelavam hipocrisia e covardia ante a cruel majestade de um mundo novo. A própria expressão “direitos humanos” tornou-se para todos os interessados — vítimas, opressores e espectadores — uma prova de idealismo fútil ou de tonta e leviana hipocrisia” (ARENDT, 1991, p. 238).

Após enganar Peter Parker, Mysterious faz um discurso com sua equipe: “O Tony Stark já era e uma oportunidade vai aparecer. Mas hoje em dia, você pode ser o cara mais inteligente da sala, o mais qualificado e ninguém se importa se não estiver voando de capa, disparando laser com as mãos, ninguém vai ouvir você. Eu tenho uma capa e laser, com a nossa tecnologia o Mysterious vai ser o maior super-herói da Terra”
Em Clube da Luta, o ostracismo da crise de identidade branca e masculina é explorada de forma tão fidedigna quanto atual. Não por menos, é sua estética e linguagem que é amplamente explorada por algoritmos e bolhas de ódio em grupos de alt-right espartana: “A publicidade nos mostra perseguindo carros e roupas, trabalhando em empregos que odiamos, para que possamos comprar merdas de que não precisamos. Somos os filhos do meio dos homens da história. Sem propósito ou lugar, não temos uma grande guerra, nenhuma grande depressão, nossa grande guerra é uma guerra espiritual, nossa grande depressão são nossas vidas. Todos nós fomos criados na TV para acreditar que um dia seríamos milionários e deuses do cinema e estrelas do rock. Mas não vamos ser, estamos aprendendo lentamente esse fato, e estamos muito, muito chateados”

“Onde Deus fala a apenas um pequeno número de pessoas; onde o idealismo está morto; onde a guerra civil e a violência estão se aproximando; onde políticos eleitos democraticamente não são melhores do que ditadores estrangeiros e assassinos em massa; onde a “elite” está chafurdando em decadência, desordem, morte.[…] é um lugar onde as universidades ensinam as pessoas a odiar seu país, onde as vítimas são mais celebradas do que os heróis, onde os valores mais antigos foram descartados. Qualquer preço deve ser pago, qualquer crime deve ser perdoado, qualquer ultraje deve ser ignorado se isso é o que é necessário para obter a verdadeira América, a velha América, de volta” (APPLEBAUM, 2020, p. 141–2)

Charlottesville, 2017.

Aqui, os fatos perdem significado e sentido para políticos que não falam o que o povo quer, importam aqueles que são “o que o povo quer” (NASCIMENTO et. al., 2018): uma narrativa autoritária que promete o fim do divisionismo num consenso artificial (APPLEBAUM, 2020, p. 91–7).

Nenhuma surpresa, aqui, em ver as tochas do bolsolavismo atreladas à alt-right estadunidense, uma vez que além do ponto em comum no aparelhamento de dados por motivos eleitoreiros e extremistas, há um movimento anti-negritude construindo no ambiente digital com símbolos supremacistas, quando não, camuflados em memes:

“Essa polarização, é claro, não é exclusiva do Brasil, mas parte de uma tendência mundial vista na eleição de Recep Tayyip Erdogan (Turquia), Andrzej Duda (Polônia), Viktor Orbán (Hungria), Donald Trump (Estados Unidos) e outros (Schwarcz 2019: 226–27). Todos esses políticos abraçam o antiintelectualismo; anti-jornalismo; retorno a uma sociedade patriarcal, hierarquia e ordem; um estado policial; e ataques a mulheres, gays, transexuais e quaisquer outras minorias que eles culpem pela degeneração moral de suas nações. No caso brasileiro, argumentamos esse retorno nostálgico aos “valores da terra” (nativismo), família, tradições, etc., articulado em um fundamento de anti-negritude, expresso por meio de oposição vocal a supostos direitos como ação afirmativa, conectada simbolicamente ao Nordeste e seus imaginários moradores” (SILVIA; LARKINS, 2019, p. 11–12).

Além da supremacia racial, há, também, sua ligação de divindade suprema presente no discurso fascista de ambos os movimentos alt-right e bolsonarista, também ligados ao fascismo e sua vertente brasileira, o integralismo.

“Fascismo é aquilo que acontece quando o nacionalismo quer tornar a vida fácil demais pra ele, negando todas as outras identidades e obrigações. […] Enquanto o nacionalismo me ensina que minha nação é uma só e que tenho obrigações especiais em relação a ela, o fascismo diz que minha nação é suprema, e que devo a ela obrigações exclusivas […] não importa quais sejam as circunstâncias […] a verdade não tem importância. […] Algumas pessoas não aguentam tanta liberdade e incerteza. Os movimentos totalitários modernos, como o fascismo, reagiram violentamente contra o supermercado de ideias duvidosas, e superaram até mesmo religiões tradicionais na exigência de fé absoluta numa narrativa única (HARARI, 2018, p. 358–363)”

E quem se posiciona contra esse culto (porque realmente o é)? Inimigo da história única, o ideologizado, o detrator.

“A palavra fascismo não é um insulto […]. Representa um conceito que designa uma forma muito particular de dirigir e influenciar as massas: regime autoritário, sistema de partido único, portanto totalitário, o poder diante dos interesses objetivos, distorção política dos fatos, etc.“ (REICH, 2001, p. 130–299).

Bandeira que foi retirada da fachada da Faculdade de Direito da UFF em Niterói, por ordem judicial, em 2018.

Essa construção e legitimação narrativa que apoia o aparelhamento autoritário não nasceu do dia pra noite, teve anuência de setores da mídia, do Judiciário, do Legislativo e da própria população civil, com um histórico notável na própria forma de se enxergar a política e a identidade no país. Foi assim que a retórica despolitizada foi se estabelecendo normal em um ambiente tendente a prejudicar a memória — ainda mais com fake news — , enquanto a construção do outro torna-se um fundamento do não-ser, parafraseando o doutorado da educadora Sueli Carneiro. A figura anti-intelectual ganha sua força nessa camada de ódio, enquanto o estudante é estigmatizado como vagabundo. Além disso, convoca-se as pessoas a um suposto destino heróico de luta e justiça.

Em um dos episódios de Ricky and Morty, as viagens de Ricky para tentar renascer em outro corpo sempre esbarram em realidades paralelas fascistas. O desenho dá a entender que é uma tendência, uma modinha ‘trending’.

Convocam-se cruzadas espartanas para lutarem por bizarrices de duplipensamentos — com direito à gritos por liberdade de expressão quando da manifestação de instituições contra o AI-5, ou à ditadura do politicamente correto num país contaminado pelo cisheteropatriarcado. A narrativa única existe, mas só é sustentada pela constante hipocrisia, “eles se agarram a duas narrativas contraditórias, sem pensar muito nas inconsistências. Como já observado, alguns neurônios simplesmente não estão falando uns com os outros” (ORWELL, 2017, p. 30–46)(HARARI, 2018, p. 362).

Aqui, mascara-se qualquer tipo de preconceito e discriminação enquanto uma espécie de honestidade identitária invisível — onde o outro é o identitário, o outro é ideologizado, o nutella — , desviando a autocrítica e o os críticos em si a um campo onde os insatisfeitos podem se expressar como ‘raiz’ contra a perda de sua hegemonia narrativa e com políticas sociais. Os sintomas variam desde o tal brazilsplaning — o brasileiro explica pro gringo a história da pátria dos outrosaté atacar aliados, interpretar o pior em Nietzsche, e até praticar a Novilíngua — como se viu na Alerj que vetou palavras como ‘gênero alimentício’ por causa das conspirações de ideologia de gênero (MISKOLCI; CAMPANA, 2017).

E quem discordar? Comunista — como ocorreu com a The Economist: The Communist. E olha, a lista só cresce a cada dia.

As incongruências são várias e flagrantes, mas engana-se quem pensa que não é proposital. Ao mesmo tempo que essa neutralidade já é ideologicamente vencedora por seu triunfo de controle seja pelo revisionismo histórico, seja pela pelo background de opressão positivista, ela exige o duplipensamento de estimular a guerra constante e a mobilização contra o inimigo. Os cara tem que se decidir: ou o comunismo domina tudo e é necessário combatê-lo o tempo todo, ou a ele é um fracasso absoluto. Talvez nada dessa discussão seja válida aqui para a pandemia de mitomania, apenas a necessidade de chamar a atenção, controlar o fluxo informacional da mídia — as tais curtinas de fumaça — e nos fazer tentar convencer alguém extremamente carente e vaidoso, principalmente em um ambiente digital que estimula o pior em todos nós.

“Mas cada um é um mundo e vejamos
Que olhar pro próprio umbigo é o que dá voto pro Thanos

Toca o barco e toma o leme
Pra fugir dessa tragicomédia
Onde tudo se transforma em meme
Que benefício traz (Qual?)
Lutar contra o direito de alguém que nenhum mal te faz?
A lógica de quem vende o que é seu
Por um preço baixinho e vai morrer achando
Que a folha mais verde na Amazônia do vizinho”

“O dinheiro e a tecnologia, nos tornou insanos”

Quanto tempo mais, até perceber?

Como o psicólogo Enrich Fromm observa em uma das edições de 1984, de George Orwell, o motivo da mecanização de pensamento deriva do fato de que a consciência do homem sobre sua história e sobre si ficou perdida no tempo, enquanto a mecanização avançou. Basta ver como a popularização de smartphones e aplicativos como WhatsApp acompanhou o aumento da desinformação de forma massiva — não houve um contraponto em direção a um alfabetização midiática a todos nós, sem contar com a força das Big Techs se aparelhando da internet brasileira com seus pacotes de dados ‘de internet’ (aqui, o que esperar, também, de empresas de telefonia que adoram vigiar e vazar uns dados também né não?).

A verdade é que o absurdo de um Estado paralelo com as Big Techs chega a seu suprassumo quando vemos não apenas uma campanha de queimadas (o dia do fogo) em aplicativos de mensagens de Zuckerberg, mas também parcelas de terras vendidas ilegalmente no Marketplace do Facebook.

Tomando qualquer decisão: . Vida: desculpe, migo, caminho errado.

Voltando pra reflexão de Fromm, o orwellianismo fundou a geração da ‘verdade móvel’ de sociedade de pensamento autômato — “o homem, ao se tornar cada vez mais instrumento, transforma a realidade, progressivamente, em algo relacionado a seus próprios interesses e funções […] o poder, para eles, cria a realidade, cria a verdade” (ORWELL, 2009, p. 365–79). Confiamos tanto na tecnologia que esquecemos de confiar em nós mesmos, de nos identificarmos como animais e não como máquinas, lembra Wilhelm Reich. Talvez aqui dê pra entender porque em ‘A Revolução dos Bichos’ de Orwell a esperança de mudança se tornou o lema de que ‘alguns animais são mais iguais que outros’. É a necessidade do mínimo privilégio pra se sentir parte da sociedade, seja como forma de chamar a atenção ou se sentir importante. Talvez seja só porque o celeiro de Big Techs está como uma piscina cheia de ratos.

“O interesse vigilantista torna-se ainda mais perigoso por se tratar de um poder executivo que age de forma a atacar pautas identitárias e de proteção de direitos de população minorizada. Infelizmente, não faltam exemplos. Para citar alguns, temos o desmonte da Funai e da Fundação Palmares; o recurso apresentado pela Advocacia Geral da União ao STF para questionar a decisão que criminaliza a LGBTfobia; o descaso com as invasões de terra, desmatamento e queimadas na Amazônia e Pantanal enquanto se amplia o monitoramento de populações tradicionais, ambientalistas e ONGs, inclusive pela Abin, como foi o caso da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-25), realizada em Madrid”

E vamos somando, porque a equação ainda não fechou. Quando temos esses componentes citados acompanhados de uma agenda retórica online que ataca as vacinas, o isolamento social e o protocolo de combate à Covid-19 por parte da OMS, temos um problema maior. Não se restringe somente à gravidade da invasão de hospitais e o ataque a profissionais da linha de frente do combate ao coronavírus. O pior é quando tudo isso se junta a um pensamento autoritário, aglomerado, que clama não só por AI-5, mas uma política de morte expressada com todas as letras, em nome da economia, pelo bem supremo do mercado e da manutenção de poder, todo sacrifício é válido. E já que todos estão saindo, que tal umas festas?

“O tecno-autoritarismo brasileiro tem na economia a sua pedra fundamental, passando ainda pelo esvaziamento da política. Se orienta pela ideia neoliberal de que nada se pode fazer além de se submeter à vontade dos mercados internacionais e abdicar cada vez mais de intervenções e planejamentos praticados por governos, para que — como que por encanto — as forças do mercado façam emergir o crescimento e uma justiça social com sabor de necropolítica”.

Pai de um jovem que morreu de Covid-19 recoloca cruz na areia retirada por homem contrário ao protesto organizado pela ONG Rio de Paz — Foto: Reprodução

Necropolítica. Definida por Achille Mbembe — interseccionando Foucault e Arendt — , são as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte, onde “vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o estatuto de ‘mortos-vivos’”, numa política de massacre e da burocracia, reconfigurando o poder do terror para controlar e definir as vidas de “quem importa e quem não importa. quem é ‘descartável’ e quem não é” (MBEMBE, 2011, p. 41–71).

Aplicando o que vemos durante toda a pandemia com a inépcia governamental (quando não acompanhada de desculpas para aumentar a vigilância e coleta de dados), temos a anuência com propagandas políticas assassinas, cuja masculinidade tóxica se transcreve no pensamento de que é necessário matar um homem para se sentir homem. É a morte como redenção, e quem discordar (e sobreviver) que seja devidamente (mais) vigiado e punido.

A relação da necropolítica e a desinformação que prioriza o mercado à saúde de seu povo é responsável por naturalizar as mortes da pandemia.

É desta forma que, “embora negue que o Facebook contribua significativamente para a polarização, Pablo Barberá, um cientista pesquisador da empresa, também sugeriu que a polarização política poderia ser uma coisa boa durante a apresentação de quinta-feira”. Boa pra quem? Quem lucra com uma sociedade dividida? Quem lucra com uma transição de governo caracterizada por banalizar as mortes da pandemia, estimular discurso de ódio e ameaçar de golpe como visto no Capitólio? Quem lucra com um governo que liderou o número de mortes durante a pandemia, e ajuda seus fiéis lacaios a assim repetirem o mantra positivista tecnoautoritário que flerta com o totalitarismo e o controle da verdade?

A postura negacionista como política de governo foi capaz de encarnar à perfeição a banalidade do mal:

Immortan Joe, o vilão de Mad Max, precisa do sangue de seus aliados e adversários pra continuar vivo.

“Em Mad Max, [o antagonista] Immortan Joe precisa que seus súditos encarem a morte como parte do dia-a-dia. Se ele não tem soldados dispostos a morrer gloriosamente, encarando o fim com um sorriso prateado, ele não tem poder. No reino onde Joe manda, não existem cidadãos, existem engrenagens. Todo mundo é reduzido a uma ‘função’. Ninguém é ‘alguém’ se não exercer alguma ação que mantenha Joe no trono”.

Mysterious: “Eu quero todos os drones armados, precisamos de estrago máximo”. Funcionário de Mysterious: “Mas aí vai provocar muitas mortes”. Mysterious: “Ah, é, quanto mais morte, mais cobertura, eu tenho que atravessar a estática, uma bela cidade vai sofrer, mas vai se reconstruir. Se eu vou ser o próximo Homem de Ferro tenho que salvar o mundo de uma ameaça digna dos vingadores. Mas quando o novo salvador descer, todas as mortes serão esquecidas”

Engana-se quem pensa que a pandemia tornou esse presidente necropolítico. Já com discursos autoritários e contra os direitos humanos enquanto deputado (NASCIMENTO et. al, 2018), em passeatas organizadas por neonazistas, ou em campanhas com o dedo em riste falando em fuzilar petralhada, banir oposição, chegando até as justificativas dos “80 tiros como incidente”, vemos o contrário. Pra toda essa baboseira ai, eu prefiro fazer como fez o ministro do STF Barroso:

“Me deixa de fora desses seu mal sentimento, você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Vossa Excelência não consegue articular um argumento. A vida pra Vossa Excelência é ofender as pessoas. Não tem nenhuma ideia. Nenhuma. É bílis, ódio, mal sentimento, mal secreto. Um temperamento agressivo, grosseiro, rude”

O momento da autocrítica

Mas não basta apenas apontar o dedo, precisamos ver quando acabamos por reproduzir esse tipo de erro na irreflexão que autoriza a banalidade do mal.

O primeiro passo é assumir que testemunhamos o tecno-autoritarismo necropolítico, presos no engano, há muito tempo.

Como podemos nos escandalizar com falas de AI-5 e sonhar com um resgate democrático diante de um sistema tão injusto que vive às rédeas da excessão à maioria?

Como lembra a historiadora Suzane Jardim, de que forma podemos falar de reconquistar a democracia em vertigem (dica de doc.) com uma tradição de gestão de Estado que depende da despolitização do povo? Nos acostumamos a chamar de República o Estado de ‘bestializados’ que se mantém “com base em acordos espúrios e que se apoiam em instituições que perpetuam lógicas de domínio de uns sobre outros, exclusão e morte — fatos que permanecem no campo do ‘erro’ e do ‘mal menor’ quando surge um governo disposto a fazer o mínimo” (BUENO; BURIGO; PINHEIRO-MACHADO; SOLANO, 2017, p. 198).

Entender que fazemos parte dessa equação — cada um com sua parcela de culpa, e em doses variadas — é tomar uma responsabilidade que nos faça agir para a transformação, de forma a mudar as coisas de fato, além de evitar usar o erro de X pra justificar o seguinte.

É sobre cortar o ciclo.

Esse empoderamento, principalmente com informação e pela pedagogia do exemplo são os antídotos. Não por menos, vemos a perseguição dos extremistas a Paulo Freire: sua ideia de que mudar as coisas começando por si assusta setores autoritários da esquerda e da direita, principalmente aqueles que ainda se aglomeram em plena pandemia endossando o discurso necropolítico, quando não, preferindo rondar o ódio de bolha, apontar o dedo e esquecer que às vezes agimos tão pior quanto. Talvez isso explique porque pulamos do barco depois de nós mesmos o incendiarmos, usando por vezes a desculpa autoritária para praticar o pior de nós mesmos, contra nós mesmos.

Deus escreve planos de paz, mas também nos dá a caneta
E nós, nós escrevemos a vida, iphones, a fome, a seca
Os homi, os drone, a inveja e a mágoa
O dinheiro, a disputa, o sangue, o gatilho
Sucrilhos, mansões, condomínios e guetos
Tá tudo do avesso, faiamos no berço
Nosso final feliz tem a ver com o começo
Somente o começo, somente o começo
Pro plantio ser livre a colheita é o preço
A vida é uma canção infantil, veja você mesmo
Somos Pinóquios plantando mentiras
E botando a culpa no gepeto
Precisamos voltar pra casa

“A espreita pesadelos são como desfiladeiros, chão em brasa
Nunca se esqueça o caminho de casa”

“A escolha efetiva que se tem hoje não é o mercado e o Estado, e sim entre a política e a não política. É uma escolha entre um sistema desprovido de qualquer imaginação institucional e política — no qual uma combinação de hackers, empreendedores e investidores de risco têm a resposta padrão para todos os problemas sociais — e um sistema no qual as soluções explicitamente políticas, aquelas que podem questionar quem — cidadãos, empresas e Estado deve controlar o quê, e sob quais regras continuam a fazer parte da discussão […] [É sobre] recuperar o papel da tecnologia como uma ferramenta emancipatória […] Ao mesmo tempo, precisamos delegar mais poder de decisão aos cidadãos — e a menos especialistas facilmente corrompidos e corporações venais” (MOROZOV, 2019, p. 52–186).

No meio das ilusões de Mysterious, Parker entende a sacada: respirar fundo, acalmar o jogo — usar o sentido Aranha, ou “arrepio do Spider”. É assim que ele organiza as informações e ilusões, e consegue discernir o que é real do que é projetado.

Existe luz, existe política (e feita como tal)

Está faltando um elo perdido aqui. Algum pecado original parece estar se repetindo, porque sempre esbarramos com a cena de uma cidadania esquecida em algum lugar — se é que algum dia existiu.

Como podemos falar de autonomia e soberania sem compreender o caminho que nos fez chegar a uma ideologia tão extremista que, prefere as Big Techs viciantes, ao jornalismo crítico?

Sim, o algoritmo é bem mais embaixo. Sei que todos estamos à procura de uma solução fácil. Mas não há nenhuma, mas isso não significa que não podemos tentar criar um projeto disso.

Solte um ‘sem tempo irmão’ toda vez que sentir que as redes sociais estão te controlando.

“A primeira coisa é recusar que sua mente seja usada, não participe da datamining, não participe na venda da mercadoria. Sair das redes sociais? Não. Use as redes sociais como ferramentas sob o seu controle. Não permita que eles a controlem”.

“Hoje tudo é Hitech, Wi-Fi, Internet, Bluetooth
Mil grau, calor de proximidade digital, contato virtual
Outro elo cliente, superficial e rápido

Porque com a vida ia ser diferente?
Resta nós saber se colocar,

Saber usa os meios
Sem deixar os meio usar”

Para Yuval Harari, a pandemia pode ser um marco da vigilância por meio da tecnologia, algo que faria o escândalo Cambridge Analytica-Facebook ser visto como coisa da Idade da Pedra. Com a coleta de dados biométricos, aumenta-se a capacidade de Estados e empresas privadas conseguirem conhecer os cidadãos muito melhor do que eles mesmos com uma previsibilidade alarmante.

Segundo Harari, sempre que olharmos pra capacidade exponencial de um governo de vigiar a sua população de forma tecno-autoritária, precisamos lembrar de que é possível reverter esse processo, e usar a tecnologia a favor da cidadania.

É sobre tirar de foco apenas a distopia, e inverter a questão de um Estado controlador para um mecanismo de fiscalização dos cidadãos sobre o seu governo. A cura residiria no reconhecimento de falsos dilemas como ‘saúde ou privacidade’, quando a bem da verdade poderiam andar de mãos dadas com um cidadão empoderado pelos seus próprios dados, sendo capaz de regular e entender o processo, mais do que ser apenas uma cobaia (HARARI, 2020, p. 12–20).

Epílogo: a parte good vibes — chega de desgraça, por favor, nunca te pedi nada

Será que é válido caçar culpados se não conseguimos também olhar para a forma como consumimos e fazemos parte desse ecossistema dadocêntrico?

É claro e oportuno cobrar responsabilidade de governos que cada vez mais centralizam dados e buscam espionar e controlar seus cidadãos com aparelhamento e centralização — quando não, sob anuência de Big Techs — , mas será que não podemos nos fortalecer, olhar para o outro lado da corda? Se já entendemos parte dessa dinâmica de poder, que tal partirmos para a responsabilidade que esse conhecimento, que esse poder traz? Que tal, voltarmos ao Cruzeiro, às palavras de Zizek, e reconhecermos que estamos todos no mesmo barco, no mesmo planeta, e que fake news nenhuma muda isso?

Com grandes poderes…

Não é sobre onerarmos com as responsabilidades que o Estado deve ter com nós segundo à Constituição, mas repensarmos o nosso papel a partir de um governo inapto a nos proteger e, de que maneira, podemos estimular uma reflexão que canalize essa raiva com o establishment para a mudança prática, repaginando nossas questões éticas e de privacidade integradas. Temos exemplos pra seguir. Tem aqui, e com jornalistas. Basta ver o consórcio de profissionais da imprensa que se juntou para compilar os dados da Covid-19, e de quebra ainda fizeram campanha de vacinação: na ausência da confiança sobre o Estado, tiveram de arregaçar as mangas e irem eles mesmos garantir transparência. Não é o ideal, óbvio, afinal pagamos impostos para que a máquina pública (na teoria) faça cumprir a lei. Mas se não rolar, vamos esperar cair do céu?

“Ah, a velha utopia autogestionária. Mas por que não? E, sobretudo, qual é a alternativa? […] Humanos agindo como humanos. Utilizando a capacidade de autocomunicação, deliberação e codecisão de que agora dispomos na Galáxia Internet. Pondo em prática o enorme caudal de informação e conhecimento de que dispomos para gerir nossos problemas. Resolvendo o que vai surgindo a cada instante. E reconstruindo de baixo para cima o tecido de nossas vidas, no pessoal e no social. Utópico? Utópico é pensar que o poder destrutivo das atuais instituições pode deixar de se reproduzir em novas instituições criadas a partir da mesma matriz. […] Poderíamos experimentar e ter a paciência histórica de ver como os embriões de liberdade plantados em nossa mente por nossa prática vão crescendo e se transformando. Não necessariamente para constituir uma ordem nova. Mas sim, quem sabe, para configurar um caos criativo no qual aprendamos a fluir com a vida, em vez de aprisioná-la em burocracias e programá-la em algoritmos. Dada nossa experiência histórica, aprender a viver no caos talvez não seja tão nocivo quanto conformar-se à disciplina de uma ordem” (CASTELLS, 2016, p. 125–6).

Ninguém: . Polícia de Hong Kong: Você é fascista?

Olho em 2022, mas olho, também, em como chegaremos nele, e que tipo de projeto estamos buscando para a sociedade tanto nesse próximo pleito, como na construção para os próximos.

Estamos só sendo aquele dedo que aponta e não olha para sua prática? Será que não reproduzimos, por vezes, o ciclo de generalização e ignorância sobre dados, polarização, segurança e privacidade porque nos vemos no lado do ódio do bem, do cidadão de bem, justificando o nosso erro a partir do outro? Precisamos fazer a nossa parte não só nos informando, mas colocando em prática de forma a garantir nossa privacidade (tem um textinho no fim sugerindo alguns passos importantes que podem já ser feitos para garantir uma segurança melhor). Além disso, podemos pesquisar, nos informar mais, e creio que esse texto aqui é o só começo de uma pesquisa, não é nada definitivo, de forma alguma.

Temos exemplos na gringa também. A Estônia, por exemplo. Lá, numa democracia digital, os cidadãos que autorizam o uso de dados do governo, não o contrário como tem sido feito por aqui.

“Valeu, cidadão aleatório”

“Com acesso a milhões de dados e com ferramentas capazes de cruzar milhões de informações, governos têm a chance de inovar em políticas públicas, alocar melhor os recursos e reduzir as despesas. Já tem quem faça isso. A Estônia, no Leste Europeu, apostou alto na tecnologia para reduzir a burocracia. Lá, praticamente todos os serviços públicos estão online”

Mas não se resume a apenas digitalizar tudo. A questão é como é usado, e principalmente, se a decisão está de fato na mão dos cidadãos. Na Estônia, nenhum sistema está autorizado a armazenar a mesma informação em mais de um lugar. As informações de cada pessoa — como nome, data de nascimento, gênero, endereços, cidadania ou suas relações jurídicas — estão no banco de dados da população onde cada um pode determinar quais estão disponíveis e a quem será fornecido o acesso.

“Nós somos o link que falta: as pessoas que usam essas tecnologias todos os dias. […] Primeiro, se queremos trazer o público para isso precisamos achar um jeito de explorar o conhecimento coletivo e a experiência de todos os usuários. […] Pois imagina o que descobriríamos se construíssemos uma rede global de cidadãos interessados que quisessem doar dados sociais para a ciência? […] Conseguiremos criar uma resposta coordenada e ambiciosa, que se adeque à escala e à complexidade do problema?”

“Precisamos de uma convenção sobre privacidade digital. Uma convenção global. E isso só acontecerá quando os movimentos crescerem, como o movimento para o direito ao esquecimento. Temos que encontrar novas formas criativas de liberdade, novas ações para a liberdade, novas solidariedades pela liberdade, mas só podemos evoluir se soubermos o que está acontecendo”.

Precisamos ampliar esses movimentos e enfatizar a importância deles. Conforme nos conta o criador da World Wide Web, Sir. Tim Berners-Lee:

Os cidadãos devem responsabilizar as empresas e os governos pelos compromissos que assumem e exigir que ambos respeitem a web como uma comunidade global com os cidadãos em seu coração. Se não elegermos políticos que defendem uma web livre e aberta, se não fizermos nossa parte para promover conversas saudáveis e construtivas online, se continuarmos a clicar em consentimento sem exigir que nossos direitos de dados sejam respeitados, fugimos de nossa responsabilidade colocar esses temas na agenda prioritária de nossos governos”.

A luz no fim do túnel é nóiz (aka. a arvere somos nozes)

Diante de crises, como lembra a antropóloga Lilia Schwartz, temos que tomar uma decisão. Crise, em grego, significa isso (SCHWARTZ, 2019, p. 217–8). Pode parecer que no meio de tanta desgraça tecno-autoritária isso é uma ilusão. Pois bem, precisamos sair desse luto, dessa depressão, e entrar na aceitação. Temos essa escolha. ‘Fazer a esfinge’ aqui, e ignorar a importância dos dados — além da gravidade de megavazamentos e centralizações de informações — é delegar essa escolha a quem se beneficia do tecno-autoritarismo, quem ganha poder te espionando e usando seus dados contra você mesmo, enquanto a esse circo todo é financiado por nós mesmos.

Se a ideologia que se vê neutra concorda com isso, não é por isso que precisamos seguir esse gado, você, inclusive, pode fazer com que ele lidere uma mudança efetiva, ao invés de só repetir as mesmas ladainha robóticas do Mysterious. Podemos optar por adularmos a nós mesmos, reforçarmos o que nos dá uma noção de exclusividade e supremacia, o que nos é próprio, o que é idiotia, também do grego (KON; ABUD; SILVA, 2017, p. 152).

Deixaremos essa boiada passar?

Criada em MS, campanha com frase de Temer terá outdoors no país inteiro

Podemos, do contrário, pular esse jogo de linguagem, quem sabe parar pra ouvir o que a história já nos ensinou — principalmente no tocante à centralização de poder, interseccioná-la com a tecnologia, e quem sabe, pensar como podemos começar essa transformação por nós, quem sabe, com uma cidadania digital. É o que Yuval Harari chama a atenção em seus ensaios sobre a pandemia — temos muito mais poder do que imaginamos, precisamos reconhecê-lo em nossas escolhas, e estamos diante de duas particularmente importantes: “a primeira se dá entre a vigilância totalitária e empoderamento do cidadão; a segunda entre o isolamento nacionalista e a solidariedade global”:

“A informação científica não cai do céu, nem brota na mente de gênios individuais. Ela necessita de instituições independentes e fortes, como universidades, hospitais e jornais. Instituições que não apenas pesquisem a verdade, mas que também sejam livres para dizer a verdade às pessoas, sem medo de serem punidas por governos autoritários. Leva-se anos para construir instituições dessa natureza. Mas vale a pena. Uma sociedade que equipa seus cidadãos com uma boa educação científica e que é servida por instituições independentes e fortes, pode lidar com a epidemia de forma muito mais eficaz do que uma ditadura brutal que precisa policiar constantemente uma população ignorante” (HARARI, 2020, p. 3–51).

‘Basta ter oportunidade’: indígena brasileira se junta a Mandela e Malala com principal prêmio de direitos humanos da ONU

A busca por uma cidadania empoderada é a meta que deve ser não só atingida, mas, parafraseando a ex-presidenta, dobrada se possível. É com essa premissa de ocupar espaços de poder onde ocorrem decisões que Joênia Wapichana se candidatou e se elegeu a primeira deputada federal indígena do Brasil. Será que podemos criar uma coragem semelhante para o ciberespaço? Já que não adianta sair das redes sociais pois elas continuarão influenciando a opinião pública, como podemos nos transformar e transformar os outros nesse espaço? Não podemos fazer uma pressão para que melhoremos todos ao avaliar discursos que compartilhamos e nos informando sobre política de dados? Não podemos fazer uma pressão para que nos empoderemos, de fato, sem um messias, sem positivismo?

De fato, “a mobilização da opinião pública é um elemento importante para o questionamento e para impulsionar ações que permitam controlar tanto governos quanto nas instituições privadas em termos de abusos” (BONIN, 2020, p. 207). O ideal é conseguirmos ampliar e incluir nesse processo, principalmente de olho em injustiças que podem ser amplificadas pelo tecno-autoritarismo e vieses algorítmicos, reproduzindo racismo estrutural. O empoderamento é a interseccionalidade são saídas legítimas para realizar uma cidadania de fato.

“Indivíduos empoderados formam uma coletividade empoderada e uma coletividade empoderada, consequentemente, será formada por indivíduos com alto grau de recuperação da consciência do seu eu social, de suas implicações e agravantes. […] O empoderamento individual e coletivo são duas faces indissociáveis do mesmo processo, pois o empoderamento individual está fadado ao empoderamento coletivo, uma vez que uma coletividade empoderada não pode ser formada por individualidades e subjetividades que não estejam conscientemente atuantes dentro de processos de empoderamento […] Falar em empoderamento de um grupo social é necessariamente falar sobre democracia e expansão da sua atual restrita aplicação. Empoderamento, na vida política pública, também é efetivado pelo exercício dos direitos políticos, entre os quais a participação como cidadão e cidadã na discussão pública é a principal ferramenta. Por sua vez, quando falamos de grupos oprimidos, cujas vozes muitas vezes são silenciadas, conforme vimos anteriormente, o acesso a espaços de decisões em sociedade é uma dentre tantas estratégias de resistência.” (BERTH, 2019, p. 35–53).

“Pode me chamar de cidadã do mal
Desse lado que fico
Os meus heróis tão do lado de cá
E pode pá que não ficam pagando mico
Pastor Henrique, Joice Berth
Djamila, Rúbia Fraga, Estrela D’alva
Sérgio Vaz, Conceição Evaristo
Seria apedrejado se hoje voltasse Jesus Cristo”

Nada, absolutamente nada, garante nossa proteção contra o cibercontrole e o tecno-autoritarismo, a não ser nós mesmos, se nos informarmos, nos unirmos e posicionarmos na direção de tomarmos o espaço que é nosso por direito.

Isso não é um chamado para ação antidemocrática, é o contrário, é a busca por um pensamento crítico autônomo, desrobotizado, que aceita a complexidade e o multiculturalismo, porque o mundo assim o é. Trata-se de sair da zona de conforto algorítmica para que realizemos os verdadeiros direitos de um cidadão nesse regime. E, para atuarmos de forma transformadora em algum meio, primeiro precisamos nos informar bem sobre ele:

É o que David Carroll fez quando entrou com uma ação contra a Cambridge Analytica quando do escândalo de vazamento de dados do Facebook. Foi David que, em parceria com uma jornalista do The Guardian, Carole Cadwalladr, participaram de um documentário no Netflix, ‘Democracia Hackeada’ denunciando a coleta, o vazamento e a apropriação de dados de maneira ilegal. O movimento que fundaram é simples: direito de dados faz parte dos direitos humanos, e portanto, devem ser respeitados como uma garantia de autonomia e independência dos cidadãos.

Táticas de proteção

Pra fechar, estratégias individuais. Aqui algumas dicas do The Intercept pra se blindar melhor contra o vazamento de dados:

“Fique mais desconfiado — sua segurança depende disso. Informações que você achava que eram privadas não são mais. Seu CPF, por exemplo. Fique atento com contatos comerciais, mesmo que eles usem seus dados para confirmar sua suposta idoneidade.

Cuide de suas senhas — especialmente as que estão atreladas ao seu CPF. Procure os sites onde você informou esses dados, porque eles agora podem ser públicos, e troque todas as senhas.

Coloque autenticação de dois fatores em suas contas — no WhatsApp, por exemplo. Com isso, mesmo com sua senha ou CPF, é preciso digitar um código gerado no seu celular para acessar o serviço. Só isso não garante a segurança, mas é mais uma barreira para evitar ataques.

Esses cuidados devem ser mantidos por muito tempo — talvez anos. Uma vez cedidos, os dados não podem ser recuperados. E não se sabe quem teve acesso a essas informações”.

Confira outras ações fundamentais, indicadas por uma especialista à Jovem Pan, para proteger-se contra futuros ataques:

É preciso ler a política de privacidade da plataforma ou empresa onde os dados foram registrados, prestando atenção, sobretudo, em quais são as medidas de segurança da informação adotadas e com quem a instituição compartilha dados;

Antes de preencher algum cadastro, questionar se todos os dados solicitados pela plataforma são realmente necessários para que a função do aplicativo ou site seja realizada, evitando assim fornecer dados desnecessários;

Conferir as permissões de uso dos aplicativos de celular, verificando se determinadas informações — como a localização, por exemplo, são coletadas a todo tempo ou só quando o aplicativo está em uso. Após a verificação, se necessário, alterar as configurações e selecionar as opções em que essas permissões funcionam “apenas durante o uso do app” ou “nunca;

Não utilizar a mesma senha para todos os serviços e contas digitais é uma importante estratégia. Caso contrário, as contas ficam mais suscetíveis a crimes e torna-se mais difícil identificar qual conta está sendo alvo de vazamentos.

Por fim, vamo de rap:

“Mentes fechadas não enxergam as portas abertas
A horda cega segue o vento a este bordo
Eu não concordo e sigo deste modo

[…]

Sem riso forçado, no entorno o estado é de calamidade
Cala na bala quem pôs cara pra falar verdade
Máscaras caíram e cairão
Neste safári, se o bicho pegar, brincar irão?
Creio que não, feio ver quem não enxerga fatos
Faz o Pilatos por quem peca na fala e nos atos
Arrepender-se-ão
Não vim pra dar sermão, mas sei bem que não desço em vão”

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