O que é fascismo? Ele existe no Brasil? É de esquerda ou direita?

Juão Rodriguez Kyntyno
8 min readOct 2, 2018

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Como George Orwell pode trazer luz para o neofascismo crescente no mundo.

“Você verá que não existe quase nenhum grupo de pessoas — certamente não um partido político nem um corpo organizado de nenhum tipo — que não tenha sido denunciado como fascista nos últimos 10 anos.”

A citação parece nova, mas é de 1944, escrito por George Orwell, um dos jornalistas mais respeitados do último século. O britânico chamava a atenção para a banalização da palavra ‘fascista’ e tentou durante toda sua vida como escritor, destrinchar o que é e como se estruturava essa forma de pensamento. De fato o termo se tornou banal, mas é possível redefini-lo nos tempos de hoje.

George Orwell

Guerra é paz

Escravidão é liberdade

Ignorância é força

Esse lema escrito por Orwell seria o que mais se aproxima da ideologia fascista e totalitária. ‘1984’ foi um livro que descrevia uma sociedade futura sob uma ditadura brutal, cercada pela idolatria de um ditador, o “Big Brother”, os cidadãos eram manipulados pela mídia, eram incentivados a destilar ódio a outros regimes como uma forma de unir a população em torno do medo e do desprezo ao outro lado. Quem contestasse o Big Brother simplesmente sumia, era delatado pelos amigos até mais íntimos, quando não era pego pela espionagem.

Orwell chamava a atenção não só para uma sociedade fascista — ligada a um forte apelo bélico, nacionalismo, uso de violência, imperialismo e apelos à autoridades, como também para um Estado totalitário, capaz de controlar a verdade por meio de um caminho alternativo da mídia e dessa forma alterar tanto o passado como garantir o regime do futuro. A propaganda mentirosa era a alma do negócio.

“Por períodos bem longos, pessoas podem permanecer imperturbáveis ante evidentes mentiras, porque simplesmente se esquecem de um dia para o outro o que foi dito, ou porque estão sob um bombardeio tão constante de propaganda que ficam anestesiadas para tudo que acontece”

Os líderes fascistas se aproveitam das crises para apresentar soluções fáceis, brincar e manipular com os sonhos das massas, ou seja, o fascista é extremamente populista, pois precisa de apoio popular para se legitimar como representante do povo. Vale lembrar que populismo pode ser tanto de direita quanto esquerda, basta que seu líder diga o que o povo quer ouvir.

Tanto no nazismo de Hitler, no fascismo de Mussolini ou até no stalinismo, os ditadores criavam um ambiente de medo — seja do regime quanto do inimigo, esse medo forjado pelos discursos fascistas era transformado em uma forte propaganda da mídia que convencia o povo a aceitar tudo o que era proposto, em troca de um bem maior e a garantia de morte dos inimigos que assustavam a nação. A pura luta do ‘bem’ contra o ‘mal’. Foi assim que muito alemão apoiou o holocausto.

Para trazer o povo ao seu lado, o líder pregava a “maior felicidade para um número maior de pessoas” e pra unir todos nada melhor do que o ódio à oposição e à política tradicional. O líder carismático tem que ser capaz de passar por cima de leis, seja quais for, se isso significa dar mais conforto a uma maioria de sua população.

Pilares para a intolerância e combustível para o fascismo: Medo, Ignorância e Ódio

Para entender ainda mais sobre o fascismo, precisamos voltar no tempo:

Surgimento do Fascismo

O fascismo surge com Mussolini na Itália, que subiu seu Partido Republicano Fascista ao poder ainda em 1922, no contexto do pós-guerra e o começo da crise na Europa. O nome tem origem na palavra em latim fasces que designava um feixe de varas amarradas em volta de um machado e que foi um símbolo do poder conferido aos magistrados na República Romana de flagelar e decapitar cidadãos desobedientes.

Enquanto muitos candidatos democratas faziam poucas promessas, através do ódio e da pressão sob a monarquia italiana, Mussolini pregou uma recuperação da moral e crise a partir da guerra, ele investiu em discursos e propagandas inflamadas, de viés antidemocrático dentro de uma democracia, buscando a revanche e o ódio às potencias que haviam ganhado do país.

Mussolini é eleito em um ambiente eleitoral considerado fraudulento, ele logo centraliza o poder, prende, mata e tortura opositores, controla a mídia e dá início a uma corrida armamentista.

A ideia central do fascismo não é “praticar um mal” ou “comer criancinhas”, seu raciocínio é compreensível quando se leva em conta o fanatismo nacionalista, ainda que muito higienista e antidemocrático.

Não se aceitava qualquer crítica, porque ora, o fascista representa o povo, se eu tenho o povo como aliado, quem critica o fascista critica o povo e então não é nacionalista, logo merece morrer ou sair do país.

Hitler e o Nazifascismo

E é assim que Hitler também subiu ao poder, pressionando a recém inaugurada República de Weimar, que durante o crash na bolsa de valores em 1929 se viu obrigada a ceder o cargo de chanceler à Hitler. Na época, o partido nazista tinha grande popularidade e vendendo um discurso patriota de “Alemanha para os Alemães” trazia ódio aos comunistas, judeus e não-arianos.

Enquanto o socialismo, e mesmo o capitalismo, de uma forma relutante, dizia às pessoas: “Eu lhes ofereço uma vida boa”, Hitler lhes dizia: “Eu lhes ofereço luta, perigo e morte” e como resultado uma nação inteira se atirava aos seus pés

E você achou que não rolou fascismo no Brasil?

Durante o governo Vargas, o Brasil enfrentou a efervescência de novas ideologias entre os moradores das cidades:

De um lado, parte da nova mão de obra urbana optava pela ideologia socialista tendo em vista melhores condições de trabalho e pegando carona na febre comunista que atingiu o mundo desde a Revolução Russa, um pouco mais de 10 anos antes, Vargas quase chegou a ser derrubado pela Intentona Comunista nos anos 30.

Do outro, Plínio Salgado — um político normal até então, volta de viagem à Itália cheio de novas ideias, destinado a montar um movimento nacionalista que não só batesse de frente com o medo que o comunismo representava, como também garantisse estabilidade. Em fevereiro de 1934 ele fundou a Ação Integralista Brasileira junto à simpatizantes do fascismo, o movimento propunha um banho de moral e bons costumes ao povo, a partir do nacionalismo tanto em seus gestos — cumprimentavam-se gritando em tupi “Anauê”(Eis-me aqui), como em suas vestimentas verdes, de braçadeiras com letra do alfabeto grego sigma (Σ) que significa “soma".

Plínio Salgado e um cartaz integralista alertando para o perigo dos comunistas atacarem o Brasil — retratado pelo índio, um símbolo nacional

Adendos

É importante frisar aqui, o fascismo possui várias características, mas nem todas elas precisam estar presentes para definir um fascista. O que é fundamental entender é que o fascista é nada mais que um ditador com simpatia, ou seja, ele manipula os sentimentos das pessoas e cria uma noção de identidade na qual não há outra chance para a sociedade se não confiar em suas palavras mágicas.

O fascista não trabalha com a democracia, ele usa dela ao máximo para tirar proveito e subir ao poder, ele não tem compromisso com o que fala, ele usa a mentira e o ódio para dominar seu povo.

Existe fascismo hoje no Brasil?

Difícil de responder. Não existem hoje fascistas que pensam igual aos anos 30, isso porque a ideologia se transforma e ganha novas interpretações com o tempo, além é claro de ganhar novo sentidos em outros países. Mas não acho que o mundo está seguro contra um possível retorno de neofascistas principalmente aqui no Brasil, afinal — o nacionalismo e o populismo estão na moda.

De fato, a crescente presença do militarismo nos postos de comando de segurança no país, a divulgação de revisionismos sobre Nazismo ser de esquerda, a ditadura só ter matado comunista, etc. Até mesmo líderes de grandes partidos de esquerda apoiando regimes autoritários — como o de Maduro, tudo isso pode representar perigo para a democracia e a possibilidade de um fascista subir ao poder.

Não temos sequer mais de 30 anos de um governo representativo, apesar de boa parte do país não se sentir representado. Isso não significa que em tempos de crise temos que ser menos seletivos ou apostar no ódio pra votar. A história nos mostra que não existe nada pior do que uma sociedade cega pela raiva, porque isso a faz votar em candidatos que não estão de acordo com os princípios democráticos, ou se estão — vão até onde convém, porque sabem que o povo vai legitimar tudo o que eles fizerem no fim.

Estamos a poucos dias da eleição e nossa democracia já foi atacada diversas vezes em atitudes fascistas: Seja por atentados a faca, seja por promessas de auto-golpe, seja por revisionismos baratos, seja por tiros em caravana de ex-presidente, seja pela morte brutal de uma vereadora que lutava pelos direitos humanos, pela contestação da urna, seja pela divulgação de montagens e mentiras pra ganhar voto, seja pelo atentado ao Estado Laico.

Paz é não ter guerra.

Liberdade é não ser escravo.

Força é saber da história do seu povo.

Que Orwell e sua razão nunca sumam.

Que a história nunca se apague.

Que o Big Brother nunca suba ao poder aqui.

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