Transbordando as Vozes que nos Pariram

Como a música popular pode nos fazer voltar pra casa

Juão Rodriguez Kyntyno
37 min readOct 8, 2022

"Uma canoa-cobra, extraterrestre, chegou à Terra. Para povos do Rio Negro, narradores dessa memória sobre a origem da vida, a cobra-canoa entrou pelas águas, navegou por mares e rios, tripulada por gente-peixe, liderada pelo Deus da Terra. A cobra-canoa veio de algum lugar desconhecido para um lugar que nem existia"

O Velho do Rio, espírito do rio, assume a forma de sucuri em Pantanal. Foto: Reprodução/Globo. (Diário 24h: Sucuri navega em canoa e intriga José Leôncio em Pantanal)

Em 2019, o presidente genocida, ao ser questionado por jornalistas sobre o nepotismo na possível nomeação de seu filho a uma nova embaixada, reproduziu mais um de seus discursos de desinformação. Disse, que o trabalho da imprensa é “‘excelente’, mas que tem que entender que a eleição acabou. […] Eu, Johnny Bravo, Jair Bolsonaro, ganhou, p…! Vamos entender isso’”, afirmou ele, elevando o tom da voz.

O discurso do executivo simboliza, entre outras coisas, de como a ideologia bolsonarista se materializa na linguagem ecossistêmica da política institucional colonial. A influência do desenho estadunidense, — com um personagem falocêntrico de masculinidades tóxicas narcisistas, assediadoras e ignorantes, marcado pela falta de noção e a inépcia em lidar com críticas — se apresenta às práticas institucionais de branquitude narcísica antropocêntrica, nepotismo e conspirações sobre uma suposta campanha eleitoral da imprensa com elementos da desinformação como antipolítica pública.

A desinformação, como observa a pedagoga bell hooks ao lembrar de Martin Luther King, nos impede de mudar circunstâncias de injustiça. Em última instância, ela traz a falha espiritual humana, nos fazendo naufragar pela falta de acesso à verdades emancipatórias e transformadoras, acentuados pelos trigêmeos do racismo, materialismo e militarismo da supremacia monocultural. Entretanto, como hooks também nos lembra, a música, em especial, o gênero rap, dentro da cultura hip hop, tem o poder de “convidar a cultura dominante a ouvir — a escutar — e, em certa medida, a ser transformada” com saberes e olhares de mundo contra-hegemônicos (HOOKS, 2017, p. 42–228).

Conforme bell hooks, a luta para combater os donos do poder, que o próprio rap ‘Fight The Power’ de Public Enemy sugere, exige o torna-se sujeito pela conscientização da luta coletiva organizada e apta a mudar paradigmas de identificação e reconhecimento que a supremacia impõe estruturalmente. Assim, pelo lugar de resistência discursiva-interpretativa os sentidos se transformam, porque, convocando olhares ancestrais, “eu não vou só olhar, eu quero que meu olhar mude a realidade”. Dando a dimensão de que a voz é usada para dizer o que se cala (conforme Elza Soares), a poética do velho espírito disse a Cunhataí, “vai ave-menina e mulher! Cria asas e enxergue; um dia, quem sabe, seremos livres! […] vê teu corpo forte florescer/ […] liberta teu coração amante/ procura a ti mesma e grita:/ sou uma mulher guerreira/ sou uma mulher consciente” (HOOKS, 2019, p. 74–250; POTIGUARA, 2019, p. 73–83).

É o caso de um dos trechos de um rap de Drik Barbosa:

Vim pra baixar o ego inflado desses Johnny Bravo/ Pre trá trá trá, como disse a Linn da Quebrada/ Represento na cena minha linda quebrada/ De quebra, puro groove/ Igual Gloria Groove/ Sobrevivendo no inferno pra alcançar as nuvens/ Rafael Braga, preso por ser preto/ Tratado como se preto não tivesse alma/ Eles nos matam todo dia, chacina nos gueto/ Imagina então se o racismo não tivesse em pauta/ 2017, os nazi tão em festa/ É tipo The Walking Dead, as mente já não presta/ Se a gente não bate de frente, as cobra cria asa/ Racista aqui não passa e cairão em massa/ Hipocrisia é mato, homofobia mata/ Ignorância é fato/ Cês matam em nome de Jesus/ Bando de Bolsonaro/ Enquanto jorra sangue nas metrópoles/ Os ladrão mesmo tão em Paris, gastando nosso din’ suado

Como Drik nos ensina, a ascensão do obscurantismo à posição central e executiva das estruturas opressoras da colonialidade demanda contrainformações policulturais interseccionais. Nesse contexto, destaca-se o álbum “Será Só Aos Ares” da banda de rock e MPB transfeminista e curitibana, Mulamba. São 12 faixas com propostas de cura.

Elas abrem com a liberdade dos corpos e corpas contra quem “poda”; se geopolitizam no hemisfério, germinando as sementes de um sorriso raro e presente na declaração da “alma, desculpa, as manobra’ / É que é tempo de ópio e de cólera / E a aura é quem paga o que a consciência traga / Memo’ que apagada a memória”; a reconexão, a (re)ligião, no amor em estar aos ares, leve, à luz da Lua; o entender sobre voar no Patuá do candomblé e nas manas e mães do corre me vendo rimar “Pra não passem fome/ Pra que não tenham medo / Pra que não tomem tiro / Nem usem coletes ou acendam foguetes / Pra que tenham escolhas/ Pra que tenham histórias” (MULAMBA OFICIAL, 2022, s/p.).

Em "Bagatela", a multiplicidades de saberes e biomas denunciam o fogo na mata que escurece o céu do meio-dia, referência ao Dia do Fogo, quando a cidade de São Paulo teve o céu escurecido em plena luz do dia pelas queimadas criminosas na Floresta Amazônica. Semelhante ecocídio ocorreu no bioma Pantanal durante a pandemia. Em 2022, até agosto, a destruição na Amazônia brasileira superou os números de 2007;

"A pauta dessa mesa Coroné manda anotar
Esse ano tem massacre pior que de Carajá
Ponto 40 rasga aço de arrombar
Só não mata mais que a frieza do teu olhar
Feito rosa de sal topázio
És minha flecha de cravo
Um coração que cai rasgado nas duna do Ceará
Albert Camus, Dalai Lama
A nós ração humana, Spock, pinça vulcana
Clarice já disse, o verbo é falha e a discrepância
É que o diamante de Miami vem com sangue de Ruanda. Poder economicon, cocaine no helicopteron
Salário de um professor: microscopicon
Feito papito de papel próprio
Letra com sangue do olho de Hórus
É que a industria da desgraça pro governo é um bom negócio
Vende mais remédio, vende mais consórcio
Vende até a mãe, dependendo do negócio
Montesquieu padece, lotearam a sua fé
Rap não é um prato aonde cê estica que cê qué’
É a caspa do capeta, é o medo que alimenta a besta
Se três poder vira balcão, governo vira biqueira
Olhe, essa é a máquina de matar pobre
No Brasil, quem tem opinião, morre"

A música evidencia as destruições das chacinas mineradoras imposta aos Yanomamis, Mundurukus e Carajás, destaque para as atividades de invasão e mineração nos territórios demarcados dos povos Yanomami e Munduruku. O povo Carajá é outra a sofrer com a colonialidade, principalmente com a alta taxa de suicídio em sua população jovem e a maior mina de minério de ferro a céu aberto do mundo. O massacre de Eldorado dos Carajás é outro episódio recente da dominação colonial que também aborda a emergência da reforma agrária.

A maldita “fome do ouro”, abordada pelas rappers Don L e Tasha & Tracie, é uma doença altamente viral. Mas, ao resgatar a memória em Chico Rei e assumir a aliança pela retomada contra os mercenários, as vozes nos lembram o “ouro afunda no mar, madeira fica por cima, ostra nasce do lodo, gerando pérolas finas”.

As artistas pagam a bagatela do ar que tá na janela sendo cobrado pela natureza aos seres gafanhotos da “fome eterna” da febre do ouro. Também na música ‘Bagatela’, os seres gafanhotos, humanos como peste, tomam uma dimensão de denúncia nas palavras de BNegão, rapper que sofreu com a censura e a intimidação fascista em um de seus shows.

O álbum também evidencia a revolução das visibilidades transvestigeneres, lésbicas, bi e pansexuais; a superação do luto na importância de manter e ressignificar o esperançar infantil nas potências dos saberes e nos rituais das mulheres originárias e benzedeiras, as kuña-tã; além da resistência na retomada dos usos das ervas de hortas e medicinas curandeiras. São incontáveis as ressignificações das potências sincréticas, transformadoras e de política de memória nacional neste álbum que, pelo seu áudio, nos transporta do ver para o enxergar, não fenotipicamente, mas como as artistas ensinam, pela “(c)alma”. Mesmo que ainda seja um privilégio, é um imperativo para que os sentidos sejam profundamente transformados para a criticidade das alteridades disruptivas e subversivas às estruturas da supremacia do olhar (MULAMBA OFICIAL, 2022, s/p.; HOOKS, 2019).

"Será Só Aos Ares é um respiro. O segundo álbum de inéditas da Mulamba expressa fluxos internos, num gesto de mergulhar em si, redescobrir as próprias raízes e se acolher ao descansar. 'É a música feita com tempo, quando olhamos para dentro e nos permitimos ouvir o silêncio enquanto esperam o nosso grito', como definem as artistas. As 12 faixas refletem o amadurecimento da banda e apresentam uma atmosfera mais sutil, ao contrário do tom explosivo que conduziu seu trabalho de estreia. O novo ciclo também abre espaço para outra identidade musical, com a presença de ritmos brasileiros, influências pop dos anos 2000 e texturas eletrônicas contemporâneas. O disco traz feats com Luedji Luna, Kaê Guajajara e BNegão; e a produção musical é assinada por Érica Silva e Leo Gumiero. Cheia de groove, Será Só Aos Ares é uma obra para se degustar com (c)alma, afeto e coragem"

Na nona música do álbum Será Só Aos Ares, há nova demarcação que intersecciona a (re)xistência política. ‘Barriga de Peixe’ é uma parceria com a rapper “filha da terra”, não binária, pansexual e cria da favela carioca da Maré, Kaê Guajajara.

"É mulher ou homem? É Kaê ou Kauê? Mas Kaê é nome de homem, nunca ouvi esse nome, e você é o que? Você é meio diferente, exótica, maneira essa flor, mas tu é mulher então? Ou homem? Mas tem que ser um ou outro, outra coisa não dá, isso aí já é viagem, de onde você tirou isso? E tu pega mulher ainda? Pq vi você com um garoto, depois vi você beijando uma garota, você não se decide né, quer ser tudo e pegar tudo que tiver disponível, vai sapatão, vai homem, vai trans, cruzes, um dia você vai crescer, ter filho e ai vai entender, rapidinho vai sair da tua dúvida.” Sigo sendo Tybyra, um corpo perseguido por não se encaixar em vários padrões, enquanto a realidade segue não sendo acolhedora com corpos indígenas (principalmente se fugir dos estereótipos da colônia), nós seguimos existindo, sobrevivendo, entra governo e sai governo e continuamos sendo mortos pelo mesmo motivo pelos colonizadores até hoje.
Ser bissexual, não binária, não monogâmica foram palavras que criaram pra colocar em caixinhas o que é ser orgânica nesse corpo território, ser livre de rótulos e definições deveria ser “normal”, mas a sociedade sempre impõe que a gente se defina dentro dos padrões aceitos por eles. Corpos Tybyra resistem!
Corpos LGBTQIA+ resistem!
#diadoorgulholgbt 🏳️‍🌈
"Quando você se descobriu Cis? 😱 Bora categorizar a Cisgeneridade e transformar a autointitulada normalidade em objeto de análise, sim! 🗣️🗣️🗣️ Como se constrói uma pessoa Cis? E por que achamos que a cisgeneridade é um dado, um ponto de partida, enquanto a transgeneridade seria um caminho artificial, autoproduzido?" O conceito de não binariedade é um termo guarda-chuva que cabe a variadas identidades de gênero que transbordam as identificações normativas do CIStema. A transfeminista Letícia Nascimento ressignifica em “e não posso eu ser uma mulher?” a inclusão da radicalidade feminista em bell hooks, porque considera uma estratégia política crucial a participação das populações Ts e da não binariedade como uma forma de superar a colonialidade de gênero do CIStema e abrir portas para o poder da autodefinição nas negociações culturais, no acolhimento de divergências e nos pontos em comum de radicalidades transformadoras no movimento. A inclusão dos variados marcadores interseccionais de feminilidades, colorismos e transvestigeneridades ajudam a construir feminismos plurais para além das verdades universais sobre as corpas, determinadas historicamente pela mulher nortista, cristã monoteísta, cis, heterossexual, branca, de classe média, magra e sem deficiências. Não existindo um gênero original e universal, o transfeminismo é lugar de coalizão, luta política e produção intelectual de mulheres, queers, mulheres travestis, mulheres transgêneras, mulheres transexuais, pessoas não binárias, travestis, bixas travestis, transviadas e demais populações que não se sinta parte do modelo (cis)sexista socialmente vigente. (NASCIMENTO, 2021).

Barriga de Peixe faz referência a um processo de superação do terrorismo antropocêntrico. É comum que, após caçar, a pesca seja limpada, em especial a ‘barriga’, para não se comer as tripas e fezes do peixe. Outro termo que é associado à “barriga de peixe” é a doença hidropsia, que remete à uma infecção causada pela queda do sistema imunológico do bicho-ambiente. Uma terceira interpretação adicional ao contexto da obra também remete à intoxicação dos peixes pela sujeira dos rios empesteados pela atividade criminosa mineradora-industrial, fato que até hoje assassina também as vidas de populações indígenas e ribeirinhas, como é o caso do garimpo e dos crimes ambientais em Brumadinho e Mariana.

Conforme a letra: “O caso tá no descaso, do acaso que dá na ideia / Já que com ou sem platéia esse rumo tem que mudar / Que finde a espécie humana pra dos bicho prosperá. / Se levante a Amazônia pra lutar com o Pantanal / Eu que nem rezo direito peço por cada animal, por cada nascente d’água e por cada pé de pau” (MULAMBA OFICIAL, 2022, s/p.).

Nesse processo educomunicativo de olhares e vozes, ao som de um pandeiro, as autoras propõem o fim das fronteiras geográficas do especismo na interespiritualidade, compaixão e o quilombismo. Os atravessamentos e confluências entre biomas, cosmovisões, elementos, faunas e floras — em sinfonias conjuntas à Hipótese de Gaia — se encontram nos ecos da multiplataforma democratizadora da alma dos bichos no elo do amor, AmarElo.

A Hipótese de Gaia é parte das “interconexões entre todos os elementos da natureza, incluindo a humanidade: ‘as pessoas, a natureza, o meio físico e biológico, a cultura e a sociedade estão umbilicalmente conectados’” para afirmar que o Planeta Terra é um organismo vivo. Para o diplomata cósmico Ailton Krenak, essa teoria é uma leitura das práticas intersubjetivas que vivem os povos indígenas como parte da natureza, apesar do vício que o mundo ocidental possui na modernidade que nos dá sensação de poder e ilusões. “Estamos a tal ponto dopados por essa realidade nefasta de consumo e entretenimento que nos desconectamos do organismo vivo da Terra. Com todas as evidências, as geleiras derretendo, os oceanos cheios de lixo, as listas de espécies em extinção aumentando, será que a única maneira de mostrar para os negacionistas que a Terra é um organismo vivo é esquartejá-la?”. Para Krenak, assim como para o também filósofo Byung-Chul Han, a ideia de ser útil no acúmulo mercadológico da sociedade da mercadoria e do consumo interrompe a transcendência interpretativa de viver dos corpos dos bichos humanos com o lúdico, as linguagens e as infâncias que entram em contato com a divindade própria, intersubjetiva, seu contexto, outros planos e sua própria casa em comum com outros bichos: o planeta. Os rituais ancestrais acabam esquecidos, e o narcisismo antropocêntrico da espécie humana se aflora em dados calculados e processados pelas empresa que nos governam, ou melhor exercem uma gestão de corpos. Assim, para se evitar a morte, paradoxalmente, torna-se imperativo a própria extinção física e metafísica (PEDRINI; ALMEIDA; PEDRINI, 2022, p. 172; LONGHINI, 2022, p. 100–1; KRENAK, 2021, p. 5–18; HAN, 2021).

Na obra, são múltiplas as geoecologias éticas que redefinem os prismas pelos quais podemos repensar verdadeiras independências revolucionárias, apesar e por causa de nossas interdependências.

Como escreveu Emicida em seu Twitter após a passagem de bell hooks, as epistemologias de “luz” da autora inspiraram o álbum interreligioso AmarElo. Em “Eminência Parda”, Emicida narra: “Eram rancores abissais (mas)/ Fiz a fé ecoar como catedrais […]/ Meu cântico fez do Atlântico um detalhe quântico/ Busque-me nos temporais (vozes ancestrais)/ Num se mede coragem em tempo de paz/ […] Sou eu mirando e matando a Klu/ Só quem driblou a morte pela Norte saca/ Que nunca foi sorte, sempre foi Exu”.

No levante das florestas, é possível desconstruir o etarismo e redefinir a ‘espécie humana’ no seu próprio fim não-necrolítico e autodestrutivo, a partir do momento em que sapiens se reconhecem como bichos que são, e portanto, também parte de um sistema muito maior. Assim, “com a floresta aprendemos a ludicidade de arvorecer e atingimos uma infância dos corpos, materiais e mundos, entramos em relação com o bicho que somos” (DIAS; VILELA, 2021, p. 209).

“Fico pensando comigo como isso vai acabar?/ Querem ver o seu cair para não mais sobrar ninguém/ Colonizar outro planeta, come terra, compra estrela, paga água, suja o rio, seca o rio, caga em casa, come a morte, vive na vida do ouro, roubando história dos outros”. Kaê Guajajara explicita as problemáticas da natureza apropriada como mercadorias e recursos pela espécie humana.

Como lembra um xamã Yanomami, Davi Kopenawa, “há apenas um único e mesmo céu acima de nós. Só há um sol, uma lua apenas. Moramos em cima da mesma terra. Os brancos não foram criados por seus governos”. Esse pensamento de coexistência em uma terra em comum, onde, de acordo com Emicida em “Casa”. o céu é meu pai, a terra mamãe e o mundo interio é tipo a minha casa — atravessada fortemente pelo guarani, no conceito Yvyrupa — não anula a nacionalidade, a bem da verdade é mais um passo importante para realizá-la longe das divisões fabricadas por platéias algorítmicas que ameaçam o equilíbrio socioambiental e cosmotécnico do planeta em nome de dependências unilaterais movidas pela autodestruição que suscita o complexo atômico-militar-industrial-bélico da supremacia eurocristã, monoteísta, branca e cisheteropatriarcal, e seus mitos de democracia racial. Com a Barriga de Peixe, há o desejo do fim dessa espécie humana para realizar os sonhos de cosmogêneses múltiplas, “o desejo da proliferação de gestos cosmopolíticos e cosmopoéticos, de gestos criativos que sempre são aberturas para novas ecologias de práticas e relações impensadas onde a vida pode germinar, onde a vida-cosmo re-nasce toda viva sem receio de extinção” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 231; DIAS, 2017, p. 5).

Kaê denuncia a invasão e o roubo que a colonialidade antropocêntrica trouxeram e trazem às terras indígenas, e demais territórios, os impactos do racismo ambiental. Terra é tanto o planeta como a desconstrução do limite fundiário porque “reúne um conjunto de elementos naturais e sobrenaturais reconhecidos como próprios de uma territorialidade indígena cosmológica e historicamente construída”. Na grande maioria das cosmovisões dos variados povos indígenas (que no Brasil compreendem 375 nações e 275 línguas), o direito ao território e suas alteridades é direito à vida, direito à “história escrita no coração de nossos povos” como memória e (sobre)vivência, a prática da cosmovisão — o nhandereko. A demarcação das terras originárias no Brasil são reduções de danos, prioridades para o equilíbrio alimentar, socioambiental e até econômico. A prática de manter sua integridade são as garantias que vão evitar uma extinção em massa pela proliferação das xawara, as doenças espirituais da fumaça que a ganância dos homens brancos da cidade trazem aos encantados povos originários e suas concidadãs aldeadas que habitam a floresta e caminham pelas cidades (KAINGANG, 2022, p. 31; HOOKS, 2019, p. 303–17; LONGHINI, 2022, p.71; KOPENAWA; ALBERT, 2015).

Kaê também não se esquece da insaciedade das elites necropolíticas que buscam outros mundos para explorar, vender, comer e descartar.

De acordo com Ailton Krenak, precisamos ser radicalmente vivos, não negociando nossas sobrevivências. É por isso que ele deseja mundos plurais em dinâmicas interdependentes, plurinacionais. A ideia que adia o fim do mundo porque outro mundo é possível junto aos sentidos de outros mundos. “A gente não precisa ter uma única observação sobre a vida e o mundo. Esse é o problema dos totalitarismo. O totalitarismo não suporta muitos mundos. Ele não suporta muitos gêneros. Ele não suporta muitas espécies. Então tem uma espécie, a humana. A espécie humana manda no mundo. O mundo é um. Isso pode ser uma rima né? (risadas)”. Esse pensamento de convivência entende que é uma obsessão estúpida explodir e comer montanhas com a predação mineradora, “um mundo que eu vou comer, e depois vou buscar outro. Esse mundo fast-food. Essa ontologia fast-food, você come o mundo, come o mundo, come o mundo”.

Em tempos onde a desinformação das políticas de identidade supremacistas normalizam a continuidade dos sigilos centenários das práticas de invasão, corrupção e etnogenocídio na estrutura política nacional, a obra ‘Barriga de Peixe’ (confome a música, “pra esconder tanta sujeira/ minha gente, a tal maneira/ ondé quisso vai parar?”) traz profundas críticas ao passar das boiadas cujas noções de (des)envolvimento, progresso, lei e ordem que a modernidade colonial e antropocêntrica tem se firmado para inventar uma identidade patriótica que concilia com a invasão exploratória.

Entendendo a Terra, e toda a biodiversidade cósmica que a atravessa, como parte de nossas corpas, a prática do etnocídio — que interrompe a conexão de humanes com suas raízes — é um extermínio físico, metafilosófico e espiritual. Daí, a demarcação etnogenocídio qualificada por Geni Guarani (LONGHINI, 2022).

Pela desinformação estrutural, todos os bichos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros, principalmente aqueles que detêm o discurso universal da branquitude falocêntrica, terrorista, nuclear, moderadora, normativa e supremacista do CIStema de tutela, dito cristão, mas que destrói famílias, viola mátrias e decreta canetadas de desterritorialização etnogenocida.

“É a consequência do roubo da Terra/ A gente lutando pra sobreviver / Ostenta esse ouro/ Mas de olhos fechados/ Que de onde vêm/ Você não quer saber”. Como na COP-26, há uma convocação para a autonomia no combate às necropolíticas pela vertente antirracista e feminista[16], principalmente repensando o consumismo e incorporando sentimentos e afetos, entre eles, a indignação, como motor de mudança racional.

Nesta edição da COP 26, pela primeira vez, uma indígena abriu a conferência falando e simbolizando como os povos originários estão na linha de frente das mudanças climáticas com “ideias para adiar o fim do mundo” e, portanto, devem ocupar os espaços de decisão não apenas referente à emergência, mas para reinventar a forma dos bichos humanos entenderem suas próprias casas, o planeta. Txai Suruí denunciou os crimes e perseguições contra os povos da floresta, e que vitimou um de seus amigos de infância, Ari Uru-Eu-Wau-Wau. “Hoje o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo, os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo. Uma companheira disse: ‘vamos continuar pensando que com pomadas e analgésicos os golpes de hoje se resolvem, embora saibamos que amanhã a ferida será maior e mais profunda?’ Precisamos tomar outro caminho com mudanças corajosas e globais. Não é 2030 ou 2050, é agora!”.

Kaê, com sua corpa, canta não para ninar a boiada, mas para despertar quem luta pra sobreviver, se vendo como a-gente. A voz de cura denuncia a invisibilização que os povos indígenas sofrem nos debates binários, étnico-raciais, de gênero, (cis)sexistas, classe e território ao serem contraditados nos planos de des-envolvimento como objetos do passado, isso quando lembrados na condição de objetos socioacênticos em um CIStema-mundo político que se ausenta de garantir o direito territorial dos povos indígenas e demais bichos, a preservação cultural, sua dignidade e seu protagonismo político e ministerial amplo e (alter)nativo na construção da identidade nacional. “Entra governo e sai governo e as terras indígenas não são priorizadas”, tampouco são considerados seus direitos constitucionais e imemoriais que exigem Terra e o direito de existir como somos, em paz. “Há séculos, sobrevivem em um clima constante de insegurança, não se sabendo se aquele local em que estão enterrados seus mortos será o território de seus filhos” (POTIGUARA, 2019, p. 31).

A invisibilização e desterro dos debates indígenas estão intimamente ligados com o imperialismo e a hegemonia nortista "americana". Um exemplo desse apagamento ocorreu, por exemplo, na canção de Gambino, ‘This is America’. A obra faz importantes críticas à supremacia branca estadunidense, mas ignora demais clivagens étnico-raciais e de gênero, e também que América “no és solo US, papá / Es de la Tierra de Fuego hasta Canadá”. O clipe de Residente também mostra um presidente brasileiro comendo carne e limpando a boca na bandeira nacional
A categoria étnico-racial, quando utilizada de maneira genérica, antropocêntrica e/ou pelo essencialismo biológico da branquitude que não enxerga sua étnia e racialidade, por vezes gera binariedade, apagamento e homogeneização cosmogônicas, principalmente pela tutela intelectual que reforça estruturas coloniais. Isso também ocorre nos debates binários antirracistas, em que populações amarelas e indígenas são esquecidas, por mais bem intencionada que se ponha. Os variados povos indígenas e seus distintos fenótipos e expressões culturais, num país continental e miscigenado como o Brasil, configuram raça, assim como etnia, em construções sócio-históricas, que quando não bem posicionadas em povos que sofrem as imbricações do colorismo despolitizante, reforçam as intersecções monoculturais da terra, da fé, da sexualidade e do pensamento colonial. Nessa pesquisa a categoria étnico-racial, visa dar visibilidade às variadas lutas antirracistas e específicas (trans)formas de a-parentar, viver, e estar das populações socioacêntricas (r)existentes ao CIStema mundo, o que sugere a desconstrução das ferramentas coloniais racistas, fenotípicas e binárias que excluem múltiplas dimensionalidades das corpas originárias e transformadoras (KAINGANG, 2022, p. 17; LONGHINI, 2022, p. 112–4; DEVULSKY, 2021).

Por fim, genialmente, ao vocalizar um pretérito na subjetificação revolucionária, a rapper retoma-o como potência no presente tecnodiverso. Ela traz um futuro que não é idílico ao século XX, é ancestral, pré-cabralino e paradoxalmente contemporâneo. Não é ‘somente’ sua voz que se comunica para nos ensinar, é a conjuntura da obra, seu contexto e suas potências que rompem com o capacitismo da recepção fenóptica de ouvir vozes e ver as cores opacas das antiéticas tecnoautoritárias. Com o espírito, ela canta a cura que desconstrói olhares dóceis — normatizados com imagens políticas imbricadas na matriz colonial e suas indústrias culturais. Kaê reapresenta poderes, devires, narrativas e resistências transformadoras, que reimaginam e retomam futuros-passados de culturas visuais respiráveis: “Inventa um Brasil/ Em cima de um plano/ Pra depois dizer que a gente nunca existiu/ (R)existimos-’stamos/ Em todos os planos/ Porque somos as vozes que te pariu” (BEIGUELMAN, 2022; MULAMBA OFICIAL, 2022, s/p.).

As vozes que nos pariram

Romper o silêncio imposto por uma sociedade supremacista e levantar a voz — erguendo-a com intervenções pela educação libertadora — é um processo corajoso de transcendência da consciência crítica. É um ritual de estranhamento que nos descentra e questiona a norma vigente, “norma que está assentada em relações de poder e dominações simbólicas, mesmo quando, discursivamente, abraçamos a perspectiva da inclusão do diferente, do Outro” (LAGO; NONATO, MARTINS, 2019, p. 62).

"O bonito e indispensável trabalho de Djamila Ribeiro na rota de uma pedagogia nacional sobre o racismo nos ensina que o 'lugar de fala' é menos interdito e mais libertação da voz daqueles a quem nunca permi­timos falar. Entretanto, quando superadas as barreiras iniciais do discurso e dos guardiões dos espaços de poder, enfrentam-se ouvidos moucos, corações impermeáveis e mentes reacionárias curricularmente pelo epistemicídio. Quando Lélia Gonzalez admite o pretuguês, e assevera que precisamos assumir 'nossa própria fala', avisando que nossos trabalhos darão vazão às perspectivas daquelas e daqueles considerados ralé, que são tratados como escória, isso também significa dizer que negros mestiços precisam reconhecer suas vanta­gens e fazer delas trampolim para todos os outros, sejam eles mais claros ou mais escuros, sejam eles indí­genas ou mestiços. Além da importância da solidariedade social, do compromisso com a comunidade, da ética com os seus pares e da responsabilidade com as próximas gerações e com aqueles que pavimentaram nossos saberes em direção à emancipação, trata-se de assumir que essas experiências pendulares entre o 'não branco' e o 'não suficientemente escuro' criam um espaço — curiosamente construído, a princípio, a partir de um 'não lugar'— de criação de novos saberes e de experimentações políticas. As transformações do mundo, ao menos aquelas que verossimilmente permitiram os avanços necessários para que nos tornássemos sujeitos e, depois, cidadãos votantes, têm nas experimentações o seu grande dínamo, cuja força permite que a história da libertação negra seja essa sucessão de resistências, guerras, revoltas e estratégias políticas de sobrevivência que pemitiram alavancar mais espaços e mais conquistas, apesar dos retrocessos que diuturnamente nos assolam" (DEVULSKY, 2021, p. 102–8).

Como nos ensina Devulsky, incorporar as vozes é retomar-se de um não-lugar para o movimento de tornar-se sujeita coletivamente. É o comprometimento de sujeitas socioacêntricas em luta comunitária pelo exercício da sobrevivência cidadã, aldeada e de tantas outras formas de vida, se movendo contra as várias e distintas formas de objetificação que suas corpas são atravessadas. Tais ações afirmativas, que também dão centralidade às variadas vozes de nossas vidas e contextos, compõem responsabilidades que enfrentam nosso opressor estruturante e potencial, para resgatar a oprimida revolucionária e potencial em nós. Assim, distinguimos “entre a mera fala de autoexaltação, de exploração do exótico ‘outro’, e aquele encontro da voz que é um gesto de resistência, uma afirmação de luta”. Nesse processo de subjetificação na comunicação cultural, começamos a reagir contra a opressão, o racismo e a (auto)destruição causada à nossa persona coletiva e nossa manifestação além do corpo físico, na “anima”, nossa alma, essência da matéria (HOOKS, 2019, p. 13–62; POTIGUARA, 2019, p. 89).

“A ausência do lugar de fala não é apenas a perda do direito à palavra, mas, sobretudo, o lugar marginal que nossa existência ocupa dentro da hierarquização social das diferenças. Nesse sentido, como transfeministas, e feministas por extensão, devemos nos apropriar da fala, da escrita, da linguagem, rachar o mundo com nossas palavras, construindo pontes de sororidade e redes de denúncia. Quanto mais lemos, ouvimos e compartilhamos nossas histórias, mais proporcionamos um cruzamento potente de vozes, que nos permite uma autoidentificação potente e rompe com nosso silenciamento, perpassando um reconhecimento coletivo de nossas experiências. Acredito que essas escrevivências, como aborda Conceição Evaristo, têm o poder de nos atravessar de modo singular e coletivo” (NASCIMENTO, 2021, p. 66–9).

Ensinando com o rap, bell hooks evidencia os anseios que fluem “no coração e na mente das pessoas silenciadas” desejosas de uma voz crítica para sobreviverem como sujeitas. É na poética revolucionária que há uma vertente das políticas culturais da negritude que se reafirmam nas transformações intercomunicativas antirracistas, metafísicas e metafilosóficas. São sociologias das emergências que intervêm nos espaços discursivos pós-modernos contra as linguagens engessadas, contatos superficiais e conteúdos que não aprofundam a multiplicidade de vivências de povos, etnias e raças, de classe e de gênero na contemporaneidade, nem apresenta as interpretações revolucionárias do passado-presente anti-colonial. O rap, porque testemunho popular de voz e comunicação de base para a base, é essa “alfabetização comum” que continua a centralizar sujeitas-coletivas, porque instrumenta a ressonância da pós-modernidade radical, disposta a valorizar perspectivas libertadoras pelo ritmo e pela poesia, “porque a voz dos oprimidos ecoa igualmente em qualquer parte do mundo. E temos de ouvi-la para que a justiça se faça a qualquer momento da história” (HOOKS, 2019, p. 51–63; POTIGUARA, 2019, p. 47).

Educomunicação — Da resistência oral às flores que rompem o asfalto

É possível encontrar ecos e pontes do rap, e sua expressão popular própria no Brasil, com a prática educomunicativa emergente. A chamada media literacy, ou alfabetização midiática, se transcreve no processo de tornar-se sujeito pelas estratégias de contranarração cultural, do combate à desinformação e na construção ecológica de cidadanias e florestanias no ciberespaço. A educomunicação, enquanto interface freireana de educação e comunicação, surge como parte do direito à voz educativa em mais de 500 anos contra a exploração e o imperialismo, na busca por soberania cultural e identidade plurinacional (CITELLI; SOARES; LOPES, 2019, p. 13).

A educomunicação é um campo emergente de manifestação ampla, natureza sociocultural e cosmotécnica, que exige a compreensão do lugar da comunicação cultural no interior de um ecossistema complexo e em discussão aberta, que flui com inconstantes fenômenos educativos que se contrapõem aos planos doutrinadores. “Assim, trata-se de promover, por meio de estratégias multi-inter-transdisciplinares, diálogos e encontros (e possíveis desencontros) da comunicação, uma dimensão social estratégica no mundo hodierno”. Encontros esses, não pela transferência bancária de saber, mas de significações entre sujeitas interlocutoras, cujos exercícios da voz são relevos ativo-reflexivos das “lutas contra a opressão dos excluídos efetivada pelos movimentos sociais”, em debates qualificados na contemporaneidade, que ressignificam construções sociais, denunciam ensinamentos ancestrais do passado, contextos emergenciais do presente e projetam sonhos para o futuro (CITELLI; SOARES; LOPES, 2019, p. 14–8; LAGO; NONATO; MARTINS, 2019, p. 60).

Aprofundando a educomunicação freireana pelas ferramentas da espiritualidade e consciência corporal, bell hooks ressignifica elementos concretos “em direção à práxis, isto é, nos aponta caminhos para que efetivamente passemos a agir em busca de uma transformação social, com vistas a mitigar desigualdades sociais históricas”. Eliane Potiguara, considerada uma das primeiras escritoras indígenas do país, dialoga com tais pedagogias pelo retorno ao inconsciente coletivo indigenista e pela reconstrução da imagem de nóiz mesmos com a desconstrução de imposições e discursos supremacistas que influenciam nossos olhares. Por fim, ela clama aos governantes e empresários: “Reconheçam os povos indígenas como os primeiros povos desta terra e sem paternalismos, entreguem as terras que são de seus ancestrais, numa medida de reconhecimento, de compensação e restauração da dignidade indígena deste país” (THAMANI, 2020, p. 92–4; POTIGUARA, 2019, p. 27–106).

São intervenções comunicativas para sobreviver educando-se mutuamente, de forma a conscientizar para o perigo colonial, hoje simbolizado pela expansão da base epistemológica-técnica dos dispositivos tecnoautoritários da indústria cultural, que enfraquecem rituais, reforçam as cisões da mente e do corpo, aprofundam desiguldades estruturais e corroem a memória da identidade originária nacional.

Aproveitando as distopias que têm marcado a chegada de um fim de mundo da espécie humana ocidental no seu CIStema-mundo neoliberal racista, misógino e ecocida das empresas-governo, o artivismo presente em Barriga de Peixe, principalmente no rap vocalizado por Kaê, retoma poéticas plurinacionais para sobre(com)viver, adiar, e evitar, o extermínio dos bichos e das bichas, e de suas concidadãs aldeadas que ajudam a cofluir heranças ancestrais de nossas famílias, culturas e sonhos selvagens, sagrados e matrióticos da natureza, “desprovida de vícios de uma sociedade dominante, […] um espírito em harmonia, uma mulher intuitiva em evolução para com sua sociedade e para o bem-estar do planeta Terra” (POTIGUARA, 2019, p. 46–89).

Não se trata dos filhos desse solo serem de mãe gentil e passiva como supõem hinos idílicos. É sobre “construir uma alteridade em que o lugar do Outro não seja o do medo e da ameaça ou o do exótico, inferior”. As vozes das mães fundadoras, em cânticos, se juntam em gritos, urros e cobranças (re)florestais, exigindo — para além dos sentimentos, estratégias, normas e categorias sociais em corpas, seja por feminilidades, mulheridades e/ou maternidades — a emergência da mudança do rumo antropocêntrico, com ou sem platéia, para reconhecer politicamente, conforme a rapper guarani Katu Mirim, que “nóiz somos original, atemporal, imortal”, porque experimentamos o tempo em vivências distintas do marcos temporais, longe da “aceleração psicossocial, na exploração da terra, na percepção de que os demais seres são produtos, objetos, recursos e/ou propriedades” (LAGO; NONATO; MARTINS, 2019, p. 62; FURTADO; CORRÊA, 2018; KRENAK, 2019; MIRIM, 2022, s/p; LONGHINI, 2022, p. 114).

Com os conceitos de pretoguês e da filosofia Ubuntu, Emicida elaborou o termo “Nóiz” como referência às coletividades dos sujeitas coletivas, em conexão pan-africanista e afrocentrada, para combater o colonialismo e o racismo pelas mobilizações populares e amorosas. Em ‘8’, o rapper nos conta: “Há trinta ano, todo ano é ano da serpente/ Não era amor, não, era cilada/ A voz que não era nóiz levou multidões pro nada/ […] Salve quebrada, século XXI, chegamos/ Mas quem diria?/ Na era da informação, a burrice dando as carta, a ignorância dando as carta/ Vamo buscá se informá, mano/ Acalmá o jogo/ Entender o que tá acontecendo ao nosso redor, tá ligado, mano?/ Unido a gente fica em pé, nunca se esqueça disso, entendeu?/ A rua é nóiz”. A rapper Katu Mirim retoma o termo em referência aos povos originários tanto em seu álbum mais recente como em seus trabalhos anteriores de forma interseccional “Agora nóiz vamos falar/ E se tiver que gritar, nós vamos gritar/ e chega de boas maneiras, senta aí que você vai escutar/ […] Racistas não passarão, homofóbicos não passarão/ vocês falam tanto de inferno porque é para lá que vocês vão/ Nossa luta não é em vão, e ouve essa verdade então/ Jesus é índio, negro, viado, trans e sapatão” (JACKS; LIBARDI; FUEL, 2022, p. 167).
Ponto Jornalismo — foto: André Arroyo. Indígenas Guarani realizam ato contra marco temporal e cobram justiça para Dom e Bruno em SP. Protesto ocupou Monumento às Bandeiras e seguiu para a Avenida Paulista para reivindicar os direitos dos povos indígenas; lideranças feministas também protestaram pelo direito ao aborto, porque corpo é território. O marco temporal é uma conspiração inconstitucional e criminosa, que vira retirar direitos impondo a existência dos povos originários à letra da modernidade cisheteropatriarcal racista da conciliação de classes. Nela, “os povos indígenas só teriam direitos às terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A data valeria até mesmo para os povos que foram expulsos sob mira de armas” (KAMBIWÁ; 2017, p. 242).

Essa justiça cognitiva e climática desconstrói imagens de controle, mudando paradigmas e perspectivas com consciências responsivas, que se movimentam para apagar o fogo destruidor da colonialidade imperialista, retomando o território-memória em constante disputa e formação. É uma intervenção para reativar sentidos que se intercomunicam de maneiras transformadoras e coletivas, como educação, é um modo de plantar árvores, combatendo o capitalismo, e enfrentando os desafios que o antropoceno nos impõe como coconspiradores para “reconstituir os refúgios, de criar climas-mundos vivíveis, respiráveis, de gerar pensamento e vida multiespécie”, longe da privatização das vivências narcisistas e do consumo de emoções e valores na modernidade que nos aliena da atenção à diversidade de mundos que nos compõem e estão ao nosso redor (DIAS, 2021, s/p; HAN, 2021).

"Militante da luta
Guarani Kaiowá
ka’àguyreregua,
é nóis na fita pode pá
demarcação já!
Che rente guera õ sofrer ko yvyrere
enquanto vocês comemora,
meu povo largado na beira da estrada,
comendo farelo, bebendo saloba,
dentro de um barraco com cheiro da mata,
Ko apê aporareì a mombeu raetegua
ava, mitã, ko jeguá
koyvyre rasé
enganado pelo sistema,
abandono cultural.
Não ao marco temporal (2x)
NÃO!"

Quando os povos indígenas falam: ‘A Terra é nossa Mãe’, falam do respeito mútuo de nossa vida interdependente, coletiva, aldeada, aquilombada, ou seja, a sobrevivência do equilíbrio com a vida e os demais planos espirituais dela — respeito à vida e à morte longe da modernidade citadina. “Estamos colados no corpo da Terra, quando alguém a fura, machuca ou arranha, desorganiza nosso mundo”. Podemos observar esses movimentos como um processo de arvorecimento na “sensibilidade feminina, da percepção do poder das artes e ciências das linhas para se abrirem a novas relações de risco, capazes de reconstituir os fluxos de vida que foram tristemente interrompido com o Antropoceno”. A Terra é a Mãe que interliga a existência, material e imaterial que é a tecnologia político-cultural-ancestral porque é parte da natureza, de sua progressão ritual e ressignificações transformadoras, de forma que intervém na binariedade escravizadora, transfóbica e misógina da colonialidade antropocêntrica da branquitude dos juruá e seus estados normativos e corrompidos de espírito (KRENAK, 2021, p. 114; DIAS, 2022, p. 14; KAMBIWÁ, 2017, p. 243–4).

O povo guarani (multinação entre os mbyá, nhandeva, kaiowá e avá) chamam os brancos de juruá, boca com cabelo, em referência às barbas dos homens brancos. O termo pode ser tanto uma descrição étnico-racial como uma ofensa, visto que também tem sido demarcado por demais povos indígenas em referência às populações não-indígenas que não experimentam a conexão íntima com a Mãe Terra étnica-culturalmente, “Para nós, branco não é uma descrição limitada ao fenótipo, mas uma sinalização que diz respeito sobretudo ao modo de pensar do branco/da branquitude”, uma vez que o racismo é um CIStema de poder que vai além da genética e do fenótipo, perpassando também a religiosidade e as crenças que ‘legitimam’ as opressões do Estado e do comportamento intersubjetivo. Como explica o historiador Djonga “Mas Djonga não gosta de branco?/ O bang não é apenas cor, interpretem, parece que ainda estão no ano lírico/ Pela cor cê só não sente o que eu sinto/ Mas pela boca e pelas atitudes/ Branco é seu estado de espírito”

O Brasil nasce e é nutrido das mulheres indígenas e das violências existenciais, físicas, materiais e simbólicas que as corpas indígenas — muitas, mãe solo — sofreram na invasão e invenção do país, incluindo “os ventres nos quais engendraram uma vasta prole mestiça que viria a ser, depois, o grosso da gente da terra: os brasileiros” (RIBEIRO, 2015, p. 42).

O Brasil nasce e é nutrido das mulheres indígenas e das violências existenciais, físicas, materiais e simbólicas que as corpas indígenas — muitas, mãe solo — sofreram e sofrem na invasão e invenção colonial que persiste até hoje. Uma vez que “perder o território é, na narrativa indígena, o equivalente a perder a mãe”, defender a mátria originária é defender seus territórios. “Defender o território é defender a existência coletiva e refazer o mundo”, porque “o território é o corpo indígena, especialmente o corpo das mulheres indígenas”. Tais consciências, para as plurinacionalidades — de povos indígenas, povos ressurgidos, emergentes, descendentes de originários, indígenas desaldeados, deslocados migrantes grupais ou migrantes individuais — demarcam planos de transformação das análises de mundo “burguesas, insensíveis e intolerantes de governos racistas, preconceituosos e autoritários, seja este, seja aquele” (KAINGANG, 2022, p. 14–27).

Os povos indígenas não são pardos da terra, como os colonizadores racistas chamavam, e ainda objetificam, em almas racionais “transviadas, postas em corpos livres, mas carentes de resguardo e vigilância” para a suposta salvação pela escravização e/ou etnogenocídio da desterritorialização. “Nóiz somos a Terra”, e suas guardiãs-filhas, para que sobrevivamos todes pelo envolvimento libertador, concomitante, pertencente, convivente. “Nós fazemos parte do território, com nossos corpos, nossas cosmologias, nós o somos. Quem se esforça para separar-se de si mesmo, para apartar-se daquilo que é, ou seja, da natureza, é o pensamento colonial” (RIBEIRO, 2015, p. 42–7; LONGHINI, 2022, p. 22–90).

"JDAETXAUKA NHANDEREKO (VAMOS O MOSTRAR NOSSO MODO) TAMO AÍ PRA SOMAR NASCI PRA VOAR COM ATITUDE VOU VENCER PÃWEN JDAJDAPO (VAMOS CONSTRUIR JUNTOS) PECOLA OREREWE (VENHAM COM A GENTE) (PECOLA: GIRIA GUARANI “VENHAM” / OREREWE COM AGENTE) JDUPIWE MÃ JDAWY’A (JUNTOS SOMOS ALEGRES) EM QUALQUER LUGAR JDAKUATA TEKOA RUPI JDAIKO (ANDAR PELA ALDEIA E VIVER) CAMINHANDO TXEIRUN KUERY REWE (COM OS MEUS AMIGOS) DEMARCAÇÃO ORE ROIPOTA (EXIGIMOS) UNIÃO MÃ ANHENTEN (É VERDADE) JDA PREVALECER (É PREVALECER) COMUNIDADE JDAIKUAA (SABEMOS) CENA JDA ROUBAR (ROUBANDO A CENA) DEUS É NOSSA FORÇA NÃO IMPORTA SE A BATALHA É INTENSA (OU É TENSA?) FAMÍLIA VAI NA FÉ QUE ESSE DIA VAI CHEGAR DOA A QUEM DOER JARAGUÁ É GUARANI NOSSO SONHO NÃO TEM DONO NOSSA TERRA NÃO TEM PREÇO FAVELA E ALDEIA A MISTURA PERFEITA COMBATENDO AS MENTIRAS QUE DESTRÓI NOSSA CIÊNCIA APY TEKOA PYAL KUNHA, ‘AVA OVY’A (AQUI É TERRA INDÍGENA TEKOA PYAU (T.I JARAGUÁ) XONDARO RUVIJA OXAUKA AYVU MBARAETE, MBARAETE ORE ROIPOTA (MULHERES E HOMENS FELIZES MOSTRAM PALAVRAS DE FORÇA. PEDIMOS FORÇAS!) YVY PORÃ ROIKO PORÃ HAVÃ (ALDEIAS DEMARCADAS PRA VIVERMOS EM PAZ) JOVENS LIDERANÇA APY ROVY’A (JOVENS LIDERANÇAS FELIZES POR AQUI) TEKOA PORÃ KARAI DJEKUPE APY NDAEDJAI (ALDEIAS SAGRADAS, KARAI E DJEKUPE (DEUSES GUARANI) JURUA XEREKO IMONDA HAVÃ (AQUI NÃO É PERMITIDO ENTREGAR NOSSA CULTURA DE BANDEJA) EJU XEREVE (VENHA COMIGO!) JARAGUÁ É GUARANI DOA A QUEM DOER JARAGUÁ É GUARANI FAVELA E ALDEIA UNIAO QUE NAO TEM FIM SOMOS A AFRONTA CHEGAMOS PRA LUTAR NHANDE KUERY OÚ JDOGUERO’A (ELAINE ALVES) VIDA SAGRADA É HABITADA PELO MORADOR DA FLORESTA DEMARCAÇÃO, TERRITÓRIO É BALELA NINGUÉM É DONO DA TERRA DESCOBRIMENTO JAMAIS EXISTIU A INVASÃO NUNCA ACABOU PACHAMAMA CLAMA! CADA PEDAÇO, CONCRETO E AÇO LAVADA DE SANGUE ELA CHORA QUANDO VOCÊS VÃO ENTENDER? QUANDO VOCÊS VÃO RECONHECER? NÓS SOMOS A TERRA ESTAMOS EM GUERRA GUARANI É JARAGUÁ JARAGUÁ É GUARANI POVO DE ORIGEM DA TERRA JÁ ESTAVA AQUI QUANDO VOCÊS VÃO ENTENDER? NÓS SOMOS A TERRA QUANDO VOCÊS VÃO ENTENDER? NÓS SOMOS A TERRA ESTAMOS EM GUERRA NHANDERU ESTÁ NO COMANDO O CERCO DO ESTADO NÃO VAI NOS DERRUBAR (ELAINE ALVES) QUEIXADAS, INDÍGENAS FIRMEZA PERMANENTE EXISTE É RESISTIR DOA A QUEM DOER JARAGUÁ É GUARANI"

O problema é quando o pensamento (des)envolvimentista acredita que continuar o plano necropolítico, silenciar a floresta pelo maquinário, minerar, explodir dinamites, comer terra, roubar sua constituição, envenenar rios e sequestrar montanhas para exportá-la para outros continentes parece ser uma estratégia eficaz de Brasil do futuro.

Futuro pra quem?

Entender que combater esse pensamento colonial de apartheid automutilador, em nome de um controle ilusório que corta mais profundo as populações vulnerabilizadas, é uma retomada para reafirmar-se em ritual como sujeito.

Ver nessa reafirmação uma supremacia é ignorar que que aliás esse sonho de domínio é coisa dos juruá, principalmente dado o atual CIStema-mundo que só nos relega à objetos da periferia nacional em ampla degradação por um bem maior de progresso que inexiste, reserva de exército de mão de obra faminta, explorada e controlada pelos lacaios do papel moeda latifundiário, alvo da cooptação etnogenocida e/ou apagamento cruel na invisibilidade do retrato censor dos olhares libertadores.

O avanço das corpas oprimidas não faz com que o corpo de ninguém retroceda, desde que o opressor entenda que sua própria condição é também de um corpo explorado, mas pela distinção de condições de privilégios que precisam ser abandonados.

Aliás, é interessante refletir sobre o privilégio de negar seu corpo, de se separar do próprio corpo da terra pela ilusão de controle no acúmulo de papel em um planeta à beira da extinção em massa. Ingenuidade “é quem acredita que abundância de água, terra e alimento é pobreza e não fartura. Nunca precisamos de espelho de vidro, pois tendo o espelho das águas, vivo e em constante transformação, nosso reconhecimento de nós mesmos sempre seguiu a saúde dos ciclos da natureza da qual somos parte”. No contexto de uma Terra só, é política de saúde mental reconhecer a importância de estar na luta pela sobrevivência de nóiz mesmos, que é tudo que nóiz temos, porque na luta coletiva a-gente se encontra, para reivindicar bandeiras, territorialidades e cores de frentes radicais de curas do corpo, da mente e da alma social e política, onde “a minha transcendência é maior que a minha ascendência”. Nossa espiritualidade é maior que nosso ego (LONGHINI, 2022, p. 84; POTIGUARA, 2019, p. 101–20).

"Abraçar uma ética amorosa significa utilizar todas as dimensões do amor — 'cuidado, compromisso, confiança, responsabilidade, respeito e conhecimento' — em nosso cotidiano. Só podemos fazer isso de modo bem-sucedido ao cultivar a consciência. Estar consciente permite que examinemos nossas ações criticamente para ver o que é necessário para que possamos dar carinho, ser responsáveis, demonstrar respeito e manifestar disposição de aprender. Entender o conhecimento como um elemento essencial do amor é vital, pois somos diariamente bombardeados com mensagens que nos dizem que o amor está relacionado ao mistério, ao que não podemos conhecer […] 'Viver conscientemente significa buscar estar consciente de tudo o que sustenta nossas ações, propósitos, valores e objetivos — para melhorar nossa habilidade, seja ela qual for — e nos comportarmos de acordo com o que vemos e sabemos'. Para viver conscientemente, temos que nos engajar em uma reflexão crítica a respeito do mundo em que vivemos e conhecê-lo mais intimamente […] Quando a prática do amor nos convida a entrar num espaço de felicidade potencial, que é ao mesmo tempo um espaço de despertar crítico e dor, muitos de nós viramos as costas para o amor. […] Para viver conscientemente, temos que nos engajar em uma reflexão crítica a respeito do mundo em que vivemos e conhecê-lo mais intimamente. Com frequência é por meio da reflexão que indivíduos que não se aceitavam tomam a decisão de parar de ouvir as vozes negativas, dentro e fora de si, que os rejeitam e os desvalorizam constantemente. Na escritura bíblica, a voz divina declara: 'Eu vos coloquei diante da vida e da morte, portanto, escolham a vida'. Acolher o espírito que vive além do corpo é uma maneira de escolher a vida. Abraçamos esse espírito por meio de rituais de rememoração, por meio de cerimônias em que invocamos a presença espiritual de nossos mortos, e por meio de rituais comuns na vida diária, em que mantemos por perto os espíritos daqueles que perdemos. Às vezes evocamos os mortos ao permitir que a sabedoria que eles compartilharam conosco guie nossas ações no presente. Ou os evocamos reencenando um de seus hábitos. E o luto, que talvez nunca nos deixe, mesmo quando não permitimos que ele nos tome, também é uma maneira de homenagear nossos mortos, de mantê-los por perto […] O amor nos ajuda a encarar a traição sem perder nosso coração. E isso renova nosso espírito, para que possamos amar novamente. Não importa quão dura ou terrível seja nossa vida, ao rejeitar o desamor — ao escolher o amor — podemos ouvir as vozes da esperança que falam ao nosso coração — as vozes dos anjos. Quando os anjos falam de amor, eles nos falam que apenas amando adentramos um paraíso terreno. Eles nos dizem que o paraíso terreno é nosso lar, e o amor, nosso verdadeiro destino. […] Escutar não significa simplesmente ouvir outras vozes quando elas falam conosco, mas aprender a ouvir a voz de nosso próprio coração, assim como nossa voz interior"

"Pensadores fundamentalistas usam a religião para justificar o apoio ao imperialismo, ao militarismo, ao machismo, ao racismo e à homofobia. Eles negam a mensagem unificadora de amor que está no coração de todas as principais tradições religiosas […] Conforme se intensifica nossa consciência cultural em relação às formas como somos seduzidos para nos afastarmos do amor, para nos afastarmos de saber que o amor cura, nossa angústia se intensifica. Mas o mesmo acontece com nossos anseios. O espaço de nossa falta também é o espaço da possibilidade. Conforme ansiamos, nos preparamos para receber o amor que está vindo para nós como um presente, uma promessa, um paraíso terreno. […] Em comunhão com o espírito divino, podemos reivindicar o espaço da responsabilidade e renovar nosso compromisso com aquela transformação do espírito que abre o coração e nos prepara para o amor. Depois que fazemos a escolha de sermos curados pelo amor, a fé de que essa transformação virá nos dá a paz na mente e no coração que é necessária para a alma que busca uma revolução" (HOOKS, 2020, p. 77–223).

A reoxigenação da esquerda, e do próprio planeta, ocorre nesses atos de reconhecimento das vozes de lutas pela retomada das energias sagradas, — intercomunicadas porque relacionais — em contrarrevoluções agrárias de centralidades indígenas transfeministas que sempre foram linha de frente, base e topo das movimentações sociais (em Pindorama, Xica Manicongo e Tybyra; nos EUA, Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera), e cujas resistências se potencializam com saberes críticos do presente para pensar novos futuros. São práticas do amor, porque radical e ancestral— presente em semear construções coletivas da anima do bem viver -, e não algo dado ao consumo capital, porque reconhece integrantes com alto grau de recuperação da consciência do seu sujeito político-social crítico, porque coletivo e transgressor das imagéticas coloniais de vigiar e punir corpas e corpos (HOOKS, 2021; POTIGUARA, 2019, p. 59–61)

O conceito de retomada é conduta territorial dos “sentidos que enlaçam as mobilizações e reflexões coletivas de luta pela terra”, seja na “retomada de terra, como um gesto contracolonial diante da invasão que nunca parou de acontecer, seja também pela dimensão epistêmica, psicossocial e espiritual que esse movimento de retomar evoca”. Assim, retomada é o processo de transformação consciente por acessar a memória coletiva, onde os sentidos se conjugam no reposicionamento descolonizador para reaver os fluxos de vida cosmológicas, buscando o restabelecimento da imaginação e memórias ancestrais. Também, “expressa o retorno dos corpos e pensamentos indígenas ao conjunto de outras alteridades que, assim como os povos indígenas, foram subjugadas ao longo dos últimos cinco séculos”, servindo, por fim, como “contraponto às crises so- cioambientais em curso, na forma de aquecimento global e crises climáticas. Talvez seja a retomada do território (terras, corpos, espíritos, alteridades, vidas)" a última chance de evitar a 6ª extinção em massa na Terra (KAINGANG, 2022, p. 31–3; LONGHINI, 2022, p. 22).
Segundo Eliane Potiguara, o amor é o vínculo afetivo da natureza cuja conexão é “o mais sagrado plano e esferas do poder da criação, o espaço divino. Quando se ama, se atinge a Deus. […] Seres humanos amantes, amados são Deuses”. Porque nos deixar amar é sobre nos mover além das cicatrizes coloniais e seus planos e superfícies políticas de objetificação sobre corpas e corpos. A ação do amor, transbordando do pensamento de bell hooks como uma política revolucionária de sobrevivência antiego — porque reconexão, (re)ligião, enraizada à diversidade e a atenção — encontra diferentes pontos de vista africanos apresentados pela filósofa Katiúscia Ribeiro, onde “a vida impõe a vontade de amar”. Há uma dimensão espiritual em todos os relacionamentos, reconhecidos ou não, porque as pessoas se unem e se movimentam a partir das orientações espirituais conectadas às comunidades e suas territorialidades ancestrais de intercomunicação. Não é sobre buscar a completude, e sim para fazer travessias nas buscas por várias linguagens, performances e identidades em quem fomos, somos e vamos ser. São nas unidades espirituais compreensivas que conseguimos corresponder missões, simbioses, e compartilhamentos múltiplos, para além da (sobre)vivência, reinventando-a. Para as vozes que cortam “a noite igual rouxinol” de Emicida, Priscilla Alcantara e o pastor Henrique Vieira, o amor cuida, é segredo de tudo, carinho e elo, é um agir que vai além do ato de falar, onde “meu olho busca o sol”, porque crer que o ódio é solução, é ser “sommelier de anzol” (POTIGUARA, 2019, p. 107; HOOKS, 2021).

Conforme a deputada eleita Célia Xakriabá: antes do ‘brasil da coroa’, existiu e existem as brasilidades plurinacionais do Cocar, e suas bases originárias. Essa ecologia da jornada — em que aprendemos mais com as árvores vivas do que com um papel morto — incorpora memÓRÍas de solidariedades afetivas; travessias de cosmosensações políticas; movimentos sociais fortalecidos em comunidades simbólicas e um museu nacional de sonhos e vivências no aldeamento da (poeti)cidade que transcodifica o adinkra Sankofa. Como nos conta bell hooks, é sobre (re)conhecer “o passado, simbolizado pelo corpo da mãe — a língua mãe, a mãe terra”, porque “não se trata de ‘hackear’ pura e simplesmente um sistema, mas acoplar-se para criar plataformas comuns”, planos comuns, medidas emergenciais e demarcantes no pensamento contemporâneo do Sul Global contra as dimensões políticas incontestes do determinismo das imagens doutrinadoras (KAINGANG, 2022, p. 21; THAMANI, 2020, p. 76–81; FRANCISCO; CORRÊA; FERNANDES, 2021; HOOKS, 2019, p. 270–339; BEIGUELMAN, 2022, p. 50–61).

Considerando que as florestas e seus habitantes existem e resistem a muito mais tempo que a modernidade e suas cidades — o céu e os rios são caminhos dessa confluência — o rapper indígena tupinambá wescritor, em referência a um trecho da obra ‘Passarinhos’, de Emicida, nos lembra: “Cidades são aldeias mortas? / Não / Cidades são cimentos que nunca prosperarão / Anotem que verão / Aldeias nunca morrerão / Eu digo isso porque eu sou a continuidade dos que nunca viveram em vão”. Sendo assim, a demarcação dos territórios deveria ser feita ao juruá para ele respeitar e ser de fato um conservador pelo progresso, visto que ele ‘chegou’ depois das aldeias e das florestas com suas ideias de cidade. O Brasil inteiro, e pra além dele, é aldeia e terra indígena (WESCRITOR, 2020, s/p.; LONGHINI, 2022, p. 59).

Dessa forma, a obra tece necessárias políticas públicas intercomunicativas críticas às ações predatórias que banalizam a vida e a morte no território ladino-amefricano, terras originariamente indígenas, não como posse, mas como aldeias guardiãs da saúde reprodutiva pública global. Aldeia aqui como teko’a, onde teko é casa. Nessa perspectiva de yvyrupa, nosso planeta como nossa casa entende que toda a Terra é nossa casa, o lugar onde se faz o bem viver guarani, tekoá porã (KAINGANG, 2022, p. 31).

Uma Terra onde se construiu um país de emboabas que continuam a pisar no sangue retinto e no suor das populações sequestradas, racializadas, olhadas e construídas socialmente como outras pelo terrorismo do cisheteropatriarcado supremacista — populações essas, pretas, pobres, LGBTQIAPN+, indígenas e mulheres, que são maioria numérica e epistêmica até hoje, apesar de continuarem a ser marginalizadas do debate institucional-representativo e exploradas estruturalmente pela casta 1% — assim como o planeta continua sendo consumido e predado pela sociedade da mercadoria que beneficia largamente essas mesmas elites em detrimento dos impactos do racismo ambiental.

A categoria político-histórico-cultural da ladine-amefricanidade foi proposta pela historiadora e filósofa Lélia Gonzalez como um olhar novo e criativo no enfoque da formação do Brasil no resgate da identidade nacional pan-afropindorâmica e colorista, porque reconhece suas raízes e contribuições étnico-raciais por completo, admitindo que não é um país cujas formações do inconsciente são exclusivamente europeias e brancas. “Ao contrário, ele é uma América Africana cuja latinidade, por inexistente, teve trocado o T pelo D para, aí sim, ter o seu nome assumido com todas as letras: Améfrica Ladina (não é por acaso que a neurose cultural brasileira tem no racismo o seu sintoma por excelência). Nesse contexto, todos os brasileiros (e não apenas os ‘pretos’ e os ‘pardos’ do IBGE ) são ladino-amefricanos” Conforme alinha Alessandra Devulsky, ao refletir as ressignificações do colorismo pela falha do embranquecimento da população, é importante compreender que a integração da população negra e indígena nas esferas de poder são imperativos para a realização de uma democracia étnicorracial. Porque nunca se tratou só de representatividade. “Trata-se de conhecimento de causa. Supor que quem sangra não sabe avaliar a ferida não faz sentido quando quem estanca o ferimento é quem rasga a carne. Como tão bem diz nosso iluminado poeta-músico Emicida na letra de ‘Principia’: ‘Tudo, tudo, tudo que nóiz tem é nóiz’”. (A categoria político-histórico-cultural da ladine-amefricanidade foi proposta pela historiadora e filósofa Lélia Gonzalez como um olhar novo e criativo no enfoque da formação do Brasil no resgate da identidade nacional pan-afropindorâmica e colorista, porque reconhece suas raízes e contribuições étnico-raciais por completo, admitindo que não é um país cujas formações do inconsciente são exclusivamente europeias e brancas. "Ao contrário, ele é uma América Africana cuja latinidade, por inexistente, teve trocado o T pelo D para, aí sim, ter o seu nome assumido com todas as letras: Améfrica Ladina (não é por acaso que a neurose cultural brasileira tem no racismo o seu sintoma por excelência). Nesse contexto, todos os brasileiros (e não apenas os 'pretos' e os 'pardos' do IBGE ) são ladino-amefricanos” Conforme alinha Alessandra Devulsky, ao refletir as ressignificações do colorismo pela falha do embranquecimento da população, é importante compreender que a integração da população negra e indígena nas esferas de poder são imperativos para a realização de uma democracia étnicorracial. Porque nunca se tratou só de representatividade. "Trata-se de conhecimento de causa. Supor que quem sangra não sabe avaliar a ferida não faz sentido quando quem estanca o ferimento é quem rasga a carne. Como tão bem diz nosso iluminado poeta-músico Emicida na letra de 'Principia': 'Tudo, tudo, tudo que nóiz tem é nóiz'”. (GONZALEZ, 2020, p. 162-198; DEVULSKY, 2021, p. 80–91).

As predações colonialistas aprofundam vulnerabilidades assimétricas de impacto socioambiental sobre as populações socioacêntricas e acelera (auto)extinções em massa, enquanto o debate sobre meio ambiente existe sem meios e sem ambientes, porque a preocupação burguesa não tem sido de salvar a vida dos bichos, e sim salvar os recursos que geram os lucros de sua casta ‘humana’ supremacista, continuando a adoçar os seus cafés brancos com o suor dos oprimidos pretos, garantindo a luz em suas cidades faróis do Norte e ignorando o azedo breu terrorista onde não há justiça climática, porque permanecemos sem justiça cognitiva, sem justiça étnico-racial e sem justiça de gênero.

A injustiça é a norma no fazer (anti)político do Sul Global e seus planos de violências CIStemáricas de caráter missionário-etnocida jesuíticos e do capitalismo suicidário genocida dos bandeirantinos de trazer desenvolvimento com mais massacres em nome da meritocracia etnogenocida de desterro. Daí que no Brasil de Candangos, Tamoios e Cariris, continuamos sem o saneamento básico de reconhecer e reparar os incêndios do presente-passado, exaltando borba gatos e os palácios dos bandeirantes e pavimentando mais injustiças cumulativas e concretas ao futuro.

"Trata-se de um período histórico no qual se ampliam várias desigualdades, principalmente, as determinadas pelas retiradas de direitos e as que são produto da ampliação da discriminação e da criminalização de jovens pobres e das mulheres, sobretudo as negras e pobres. Este é um momento que asfixia o processo de democratização […] É preciso evidenciar como essas mulheres [negras, faveladas e pobres] viveram as consequências da imposição do Estado por menos direitos e o predomínio de políticas do Estado para a interdição e a dominação. Momentos de 'bem-estar' social foram passagens da história do País, mas marcam-se, fundamentalmente, por conquistas e não por concessões do poder dominante. […] De um lado, são as que vivem maiores consequências do impacto do poder dominante, principalmente na formação social brasileira, mas são também as que produzem meios que alteram condições de vida para ampliação da mobilidade em todas as suas dimensões. Nesse sentido, elas serão as mais penalizadas nesse contexto atual de um golpe de Estado, ao mesmo tempo que ocupam centralidade como personagens na ação para superação das condições impostas" (FRANCO, 2017, p. 90–2)

Permita que eu fale, não (só) as minhas cicatrizes

Mas há (r)existências históricas em todo o país, ecoando culturas por justiças, memórias e ciências, e que hoje se incorporam em variadas tecnologias e linguagens audiovisuais para demarcar cartografias de inteligências coletivas e ecossistemas populares de educomunicação: “balizas da resistência de seus habitantes”, porque não olham só com os olhos, olham com o corpo todo, e todos seus transbordamentos para além de fronteiras geográficas (LUIZ, SATO, 2022, p. 63–70).

Em ‘Barriga de Peixe’, a retomada-ruptura nos matriarcados conta as histórias que a história dos vencedores não conta. A bem da verdade, o plano colonialista de necropolítica etnogenocida sequer venceu. Não fomos vencidas porque somos milenares. Como poderíamos ter sido vencidas se estamos preservando e incorporando memórias ancestrais e nos comunicando com nossa própria linguagem, com variados signos e conteúdos transgressores que nos configuram como sujeitas e criadoras?

As brasileiras que sobreviveram ao extermínio precisam honrar suas ancestrais que nos legaram essas tecnologias de sobrevivência das múltiplas manifestações de vida para cobrar a justiça cognitiva às nossas professoras.

A demarcação “parente”, é linguagem pajubariana dentro das cosmologias indígenas no Brasil, possuem o caráter de corresponsabilidade e ajuda mútua, nas estratégias de sobrevivência mutibicho pelas gramáticas de Bem Viver. O princípio corresponde à ideia de que a Terra é uma só, portanto, “nós temos entre todos os seres algum grau de parentesco. Por isso, no povo guarani, também estendemos a noção de parentesco a rios, matas, demais animais e seres encantados” (LONGHINI, 2022, p. 9).

Se nos movemos além da dor da assimilação supremacista da desinformação colonial, o simples ato de respirar é a reconversão de que os povos indígenas não morreram, e mesmo após morrerem ou serem assassinados em etnogenocídios estruturantes, seus saberes são imortais, porque são semeados e povoam infinitos planos em continuidades pelo parentesco, obras orais, bibliográficas, conteúdos e contatos audiovisuais, espirituais e ancestrais. Em oração pela libertação dos povos indígenas, Eliane Potiguara nos convoca à poética: “Chega de matar minhas cantigas e calar a minha voz/ Não se seca a raiz de quem tem sementes/ Espalhadas pela terra pra brotar”. Queremos um país que não está no retrato? Não. Já estamos no retrato. Não somos a periferia de uma história, somos os centros de várias narrativas, inclusive parimos a brasilidade e suas riquezas, e em linhas de vários movimentos, em um planeta comum, pela vertente do Chthuluceno (POTIGUARA, 2019, p. 33).

Essa (re)existências reconstroem várias esferas para transcender o presente através do Bem Viver Democrático de Direito em Pachamama, na própria identidade matriótica de Pindorama e no berço originário das guardiãs-filhas da Terra: o continente Africano. Não é uma questão ‘só’ de cuidado e origem da vida, é a reafirmação e retomada afro-pindorâmica de um poder político constituinte, fundador, que resiste pelas vidas de todes apesar das opressões coloniais etnogenocidas e seus discursos opressores. É a consciência da primeira República livre de Abya Yala: Palmares, e não da supremacia dos saqueadores founding fathers da ‘Amerikkka’. É sobre alternar o retrato hegemônico do poder e seus caminhos de olhar, para interceder nos problemas reais que nos afetam, com as vozes que representam nossas lutas e nossos potenciais étnicos criativos e criadores, para que o sonho da emancipação coletiva se consolide em um real modelo de inspiração de sociabilidade e política mobilizada para a vida em nossa casa comum, a Terra.

Conforme explica a socióloga Avelin Buniacá Kambiwá: “a crítica da sociedade existente não pode ser feita sem a crítica da economia política. Para tanto, é preciso buscar fontes alternativas de organização social em uma radicalização total da democracia como na filosofia ameríndia Sumak Kawsay”. O Bem Viver é sobre uma forma anticapitalista biocentrada que respeita os direitos do Estado da Natureza, a Mãe Terra. No Brasil, trata-se de reconhecer sua imagem como país colonizado e explorado, “órfão de uma mãe indígena”. Tais reivindicações perpassam o enfrentamento das várias formas de violência pela luta contra a “exigência de habitação em terra demarcada; b) da exigência do falar a língua indígena; c) da exigência da aparência física correspondente ao estereótipo colonial da ‘cara de índio’ e d) do paradoxo da descendência e a produção do pardo”; o empoderamento participativo-representativo na política e economia; direito à saúde, educação e segurança; direito ao corpo-território e à floresta e seus habitantes de pé pela manutenção do útero da Terra com seus processos de retomada nas feminilidades e mulheridades; o fortalecimento de interconhecimentos tradicionais e do diálogo intergeracional pela demarcação, aldeamento e indigenização da política, porque “há resistência! Ao lado de inúmeros setores oprimidos, os povos indígenas têm se colocado na linha de frente do combate a esse modelo insustentável. No ritmo do maracá, travam com seus corpos e espiritualidade uma batalha épica e ancestral para não deixar que o céu caia!” (LONGHINI, 2022, p. 113; KAMBIWÁ; 2017, p. 244–6)
"Amerikkka. Pesadelo é isso que eu sou
Pesadelo da Amérikkka
Eu sou o que você me fez
O ódio e o mal que você me deu
Eu brilho como um lembrete do que você fez ao meu povo
Por mais de quatrocentos anos
Você deveria estar com medo
Você deveria estar correndo
Você deveria estar tentando me silenciar

Mas você não pode escapar do destino
Pois é minha vez de vir
Assim como você se levantou, você deve cair
pelas minhas mãos
Amérikkka (tsk tsk)
Você colhe o que planta
2pacalypse, Pesadelo da Amérikkka
Ice Cube e Da Lench Mob, o pesadelo da Amérikkka
Above The Law, Pesadelo da Amérikkka
Paris, o pesadelo da Amérikkka
Public Enemy, Pesadelo da Amérikkka
Krs-one, Pesadelo da Amérikkka
New African Panthers, Pesadelo da Amérikkka
Mutulu Shakur, o pesadelo da Amérikkka
Geronimo Pratt, Pesadelo da Amérikkka
Shakur Roast, Pesadelo da Amérikkka". "Amerikkka" é referência do rapper Tupac Shakur ao ambiente político racista e estruturante dos Estados Unidos. Considerado uma das lendas do rap por suas obras de autodefesa anticolonial, Tupac tem seu nome inspirado em uma resistência indígena do Peru, Tupac Amaru, e no sobrenome Shakur, de grande prestígio entre os Panteras Negras.

A Mãe Terra continua, ela gera e baliza a vida a todes, independente de quantidade de melanina na pele, corporalidades e identidades de gênero, sexualidade, posse de papel-moeda, pertencimento a fronteiras e bordas fechadas, e demais interseccionalidades. Entretanto, o planeta é finito, e está falando conosco: precisamos mudar o rumo, transformar a sociedade, aprender a ritualizar o amor ancestral ao outro como a nóiz mesmos, antes que a progressão técnica se consolide um ponto de exclusão e não retorno, onde só se ‘salvarão’ aqueles que embarcarem nas castas do tecnodeterminismo da suposta colonização espacial elitista e/ou seu discurso que tem servido para manter a roda de exploração girando sob a desinformação terrorista das minorias supremacistas. Por isso, a música retoma, demarca e aterra, na presença do pretuguês (pros bicho prosperá), — conforme Sonia Guajajara -, que “a luta pela Mãe Terra é a Mãe de todas as lutas”

O ato de escrever como se fala e trazer os vernáculos e dialetos africanos que pariram e formaram a linguagem brasileira, emancipada do português de Portugal, é outra contribuição intelectual de Lélia Gonzalez no fortalecimento da identidade ladina-amefricana. O pretuguês, como uma revolução do nheengatu, estabelece códigos de diálogos únicos na imersão dos brasileiros como interagentes discursivos produtores de saberes científicos, afetivos e intersubjetivos emancipatórios, pajubarianos. O próprio “Nóiz”, construído por Emicida, é um exemplo dessa transformação, agora, também, “pintada de jenipapo e urucum” (LONGHINI, 2022, p. 67).

É o que foi a Conferência de Bandungue: a reunião e o acolhimento na decolonialidade diplomática, onde o diálogo se realiza pelo reconhecimento político, autônomo e intersubjetivo dos participantes para além de polaridades ineficazes e discursos ditos horizontais, liberais e sociais mas que reproduzem opressões estruturais. É, portanto urgente um aprofundamento consciente de perspectivas também caras ao campo educomunicativo em setores ditos progressitas, onde exista “a reflexividade artística como crítica sobre a práxis cotidiana e o diálogo em uma versão radical, calcado na escuta atenta e desarmada do outro (seja ele/a quem for)” (NUÑEZ, 2021, p. 3–4; MIGNOLO, 2017, p. 19; LAGO; NONATO, MARTINS, 2019, p. 63).

A partir da descrição-reflexão do artefato cultural ‘Barriga de Peixe’ é possível encontrar transmetodologias educomunicativas decoloniais, que se movem além da dor colonial, porque retoma sua origem “parida nesses ambientes de luta e resistência popular [contra a injustiça, a opressão e a destruição causada pelo capitalismo, o colonialismo e o patriarcado]”. Ao assumir o fazer intelectual como um processo artesanal único, terapêutico e contextualizado, é possível desestabilizar pensamentos canônicos em prol da mudança, onde “a complexidade desta relação que nos descentra e transforma, portanto, que nos permite mudar, mas, ao fazer isso, também nos aterroriza, pois tem a potencialidade de solapar nossas certezas” (ROSA, 2020, p. 24; ALMEIDA; TORRE, 2020, p.94; LAGO; NONATO; MARTINS, 2019 p. 55).

"Mover-se além da dor" é referência à crítica cultural de bell hooks ao álbum Lemonade, de Beyoncé. hooks critica a visão de mundo simplista onde mulheres reforçam olhares opressores para ganhar a liberdade de agir como homens dominadores, perpetuando hierarquias de opressão, apesar de serem vistas como poderosas pela opinião pública que romantiza o patriarcado. Para hooks, a libertação está não em escolher sobreviver à adversidade e suportar a dor, e sim de ousarmos criar vidas sustentadas no bem-estar, na alegria de nossa habilidade de nos movermos além da dor, repetindo o mantra da canção AmarElo, de Emicida, Pabllo Vittar e Majur: permitir que falemos, e não as nossas cicatrizes, porque se essa fala é sobre vivência, me resumir à sobrevivência é roubar o pouco de bom que vivi. Para Geni Guarani, quando falamos de dor, precisamos pensar sobre qual é seu efeito, ”como, a quem, quando e onde essa visibilidade se constrói”, sendo importante se autoperceber descentrando o racismo, o sofrimento e a colonização apesar de reconhecer o impacto dessas opressões, sem endossar o mito da democracia racial, usando de epistemologias guarani para “identificar as características da branquitude sem que precisemos tomá-las como bússola das nossas próprias identidades”. A presente pesquisa compreende a necessidade de equilibrar a denúncia com um conteúdo de prática e intervenção propositiva, florescendo entre o esperançar. Assim, por mais que o diagnóstico seja necessário no processo de cura, a superação do Antropoceno e sua desinformação estrutural exige a capacidade de não dar ao algoz e nem a suas estratégias de dominação a centralidade da movimentação social sem antes um trabalho de contrainformação que desconstrua universalidades e fortaleça as múltiplas resistências contra-hegemônicas (LONGHINI, 2022, p. 23–115)

Como nos lembra Audre Lorde, o processo de decolonialidade começa com nóiz mesmos, porque, conforme Marielle Franco, eu sou porque nóiz somos, inclusive nas diferenças.

Por mais que seja difícil e por tantas vezes impossível diante das injustiças, é preciso encarar o luto para canalizá-lo à luta, ao acolhimento e à abertura às interseccionalidades e divergências dentro das perspectivas progressistas, revolucionárias, transformadoras e conscientizadoras. Isso porque, conforme Audre Lorde, “as ferramentas do senhor de engenho não vão desmantelar a casa grande”, uma vez que a diversidade não deve nos dividir nem reforçar hierarquias, justamente porque esse é o caminho do colonizador. Precisamos encontrar espaços seguros para lidar com diferenças e incompletudes começando por enfrentar o opressor estruturado em nóiz, porque “somos incompletas, pois performamos a diferença. Sendo seres incompletos, precisamos, como nos ensina o educador brasileiro Paulo Freire, persistir continuamente nas aprendizagens. Um diálogo autêntico deve nos conduzir ao respeito às diferenças. Dessa forma, pluralizar as sujeitas do feminismo é um reconhecimento e valorização das diferenças entre nós, mulheres, travestis e além” (LORDE, 200?, p. 26; NASCIMENTO, 2021, p. 49–87).

A conscientização é justamente parte desse processo de transformação que a priori pode parecer muito difícil e desconfortável. A permeabilidade na retomada dos olhares múltiplos sobre a realidade das sujeitas torna elas mais maleáveis e abertas a diferentes visões de mundo e, portanto, mais inclinadas “a lidar com contradições impostas na sociedade”. É onde temos a escolha de nos movermos por lentes que enxergam o conflito como constituinte democrático — desde que responsável, justo e qualificado — por evidenciar um campo da incerteza em que nos emancipamos das ansiedades egóicas competitivas, nos abrimos para DNAs de comunicação autêntica e educativa, e reflorestamos as presenças e reconhecimentos, das construções das tessituras e florescimentos das corpas das sujeitas, nos diálogos interculturais das múltiplas demarcações sociais. A formação além da norma anterior se dá quando há a construção de identidades por meio de uma trajetória de conscientização que transforma perspectivas de passado ancestral e futurista, onde a autodeterminação constante no presente empodera nossos corpas e como vemos elas longe das instituições privadas, médicas, jurídicas, religiosas, midiáticas e estatais que nos delimitam e demarcam em condições fragilizadas, histéricas, lascivas, pecadoras, perigosas, subversivas, subalternas, patológicas, criminosas e imorais para legitimar a tutela do arcabouço binário teórico, teleológico, jurídico, psicológico e econômico não indígena que nos nomeia silenciando nossas vozes que precisam provar que existem no (re)fazer gênero-território diante da estrutura imposta pelo CIStema-mundo supremacista que nutre profunda misoginia na impunidade por exaltar o etnogenocídio, o transfeminicídio e o feminicídio (THAMANI, 2020, p. 95; NASCIMENTO, 2021, p. 136–42; LONGHINI, 2022, p. 93–7).

Nessas vozes transformadoras e conscientes, não se trata de ganhar de Johnny Bravos, é sobre reconhecer ancestralmente que temos a potência de vencer planos de civilização e humanidade. Como amazonou Txai: “Vamos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis; vamos acabar com a poluição das palavras vazias, e vamos lutar por um futuro e um presente habitáveis. É necessário sempre acreditar que o sonho é possível. Que a nossa utopia seja um futuro na Terra”

"Nessa conjuntura, com condições favoráveis para ambientes bonapartistas e crescimento em progressão máxima do autoritarismo e das várias dimensões do conservadorismo, questões fundamentais se colocam para a esquerda construir uma visão contemporânea no século XXI:

a) avançar em ações contundentes imediatas, ampliando forças para bandeiras que emergem nesse momento, como as 'diretas já' e 'nem um direito a menos';

b) defender a vida, com momentos contra a violência letal e pela ampliação da dignidade humana;

c) construir proposições de políticas públicas, para enfraquecer as estratégias do capital no Brasil;

d) fortalecer a narrativa pela convivência plena na cidade, com as múltiplas diferenças, para conquistar no imaginário predominante o desafio fundamental de superar as desigualdades como eixo fundamental de luta;

e) ampliar a centralidade dos corpos da periferia como atores centrais das ações sociais, entre os quais destacam-se as mulheres negras e mais pobres, com ênfase as faveladas em todo o território nacional.

Construir insumos que contribuam para potencializar que mulheres, negra, pobres assumam o papel de sujeitos para uma cidadania ativa com vistas a conquistar uma cidade de direitos é ação fundamental para a revolução no contemporâneo" (FRANCO, 2017, p. 95)

"Eu não tenho minha aldeia

Minha aldeia é minha casa espiritual

Deixada pelas minhas mães e avós

A maior herança indígena.

Essa casa espiritual

É onde vivo desde tenra idade

Ela me ensinou os verdadeiros valores

Da espiritualidade

Do amor

Da solidariedade

E do verdadeiro significado

Da tolerância.

Mas eu não tenho minha aldeia

E a sociedade intolerante me cobra

Algo físico que não tenho

Não porque queira

Mas porque de minha família foi tirada

Sem dó, nem piedade.

Eu não tenho minha aldeia

Mas tenho essa casa iluminada

Deixada como herança

Pelas mulheres guerreiras

Verdadeiras mulheres indígenas

Sem medo e que não calam sua voz.

Eu não tenho minha aldeia

Mas tenho o fogo interno

Da ancestralidade que queima

Que não deixa mentir

Que mostra o caminho

Porque a força interior

É mais forte que fortaleza dos preconceitos.

Ah! Já tenho minha aldeia

Minha aldeia é Meu Coração ardente

É a casa de meus antepassados

E do topo dela eu vejo o mundo

Com o olhar mais solidário que nunca

Onde eu possa jorrar

Milhares de luzes

Que brotarão mentes

Despossuidas de racismo e preconceito" (POTIGUARA, 2019, p. 152).

Referências Bibliofonográficas

ALCANTARA, Priscilla. Priscilla Alcantara — Você Aprendeu A Amar? (Clipe Oficial) ft. Emicida. Youtube. 29 jun. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=j_9g0MsWRRQ> Acesso 15 ago. 2022.

ALMEIDA, Renata Cardoso de; TORRE, Alberto Efendy Maldonado Gomez de la. Transmetodologia como identidade: uma epistemologia transformadora na pesquisa em comunicação. Revista Comunicação & Educação. Ano XXV. número 2. jul/dez 2020. pp 94–103.

APIB. Episódio 1 — Plano de Cura | Maracá. Youtube. 26 ago. 2020. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=9lARwM_0hkg&list=PLchh9Eb_8lo4lrdvqy3pZW6kkN7LOOAqR&index=2> Acesso 30 set. 2022.

APIB. Nossas Vozes Ancestrais Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política. Youtube. 8 abr. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=-qmX-2HHviE&t=2568s> Acesso 3 ago. 2022.

AZURUHU. Kaê — Minha Voz (prod. patrickzaun/ Clipe Oficial). Youtube. 2 set. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=gIS8Ca7sXZg&list=OLAK5uy_kCtlrNnRf5hFv8fsD4Rqxi2KtApwNVidw&index=8> Acesso 12 set. 2022.

BEIGUELMAN, Giselle. Políticas da Imagem: Vigilância e Resistências na Dadosfera. São Paulo: Ubu Editora, 2021.

CANAL GNT. Katiúscia Ribeiro apresenta diferentes pontos de vista africanos sobre o amor | O Futuro é Ancestral. Youtube. 5 mai. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=YMW8xIUMPnw&t=256s> Acesso 13 ago. 2022.

CITELLI, Adilson; SOARES, Ismar de Oliveira; LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Educomunicação: Referências para uma Construção Metodológica. Revista Comunicação & Educação. Ano XXIV. número 2. jul/dez 2019. pp. 12–25.

DEVULSKY, Alessandra. Colorismo: Feminismos Plurais. São Paulo: Jandaíra, 2021.

DIAS, Susana Oliveira. Modos de atención a la Tierra: materiales y prácticas artísticas frente al Antropoceno. Revista digital FILHA. Julio-diciembre. Número 27. Publicación semestral. Zacatecas, México: Universidad Autónoma de Zacatecas, p. 1–20, 2022.

DIAS, Susana Oliveira. NOTAS DE UM ENCONTRO: “ALIAR-SE ÀS NUVENS PARA QUE O CÉU NÃO CAIA”. ClimaCom Cultura Científica — pesquisa, jornalismo e arte. Ano 4 — N. 10 / Dezembro de 2017. p. 307–26.

DIAS, Susana Oliveira. Perceber-fazer floresta: a aventura de entrar em comunicação com um mundo inteiro vivo. Revista ClimaCom, Dossiê Florestas | pesquisa — artigo | Ano 7, №17, 2020.

DIAS, Susana Oliveira. Uma árvore já é um rizoma: Antropoceno, clima e vida multiespécie | Susana Oliveira Dias. Revista Incomunidade. Out. 2021. Disponível em <https://www.incomunidade.com/uma-arvore-ja-e-um-rizoma-antropoceno-clima-e-vida-multiespecie-susana-oliveira-dias/>

DIAS, Susana Oliveira; VILELA, Mariana. Experiências de arvorecer. Campinas, SP: UNICAMP, 2021.

DJONGA. 8 . Djonga — Voz pt. Doug Now & Chris MC. 13 mar. 2019. Youtube. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=4JT4hY5m0EI> Acesso 12 set. 2022.

DONL MUSIC. 11. Don L — auri sacra fames (part. Tasha & Tracie) — Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 2. Youtube. 26 nov. 2021. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=IQYjoIQuQ1Q> Acesso 13 ago. 2022.

EMICIDA. AmarElo Prisma — Movimento 3: Compaixão/Alma. Youtube. 17 jun. 2020. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=4IRCC30DIdM&list=PL_N6VL1gm0aJ3z35IScHEkjLLh_24xk3A&index=5> Acesso 3 ago. 2022.

EMICIDA. Emicida — 8 (Pseudo Video). Youtube. 11 dez. 2015. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=epKoOTWruV4> Acesso 12 set. 2022.

EMICIDA. Emicida — Eminência Parda part. Dona Onete, Jé Santiago e Papillon. Youtube. 9 mai. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=fXHpmuPJ4Ks> Acesso 12 set. 2022.

EMICIDA. Emicida — Principia part. Pastor Henrique Vieira, Fabiana Cozza, Pastoras do Rosário. Youtube. 23 jun. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=j_9g0MsWRRQ> Acesso 15 ago. 2022.

FRANCISCO, Rafael Pereira; CORRÊA, Laura Guimarães; FERNANDES, Pablo Moreno. VOLTAR E RECOLHER O QUE FICOU PARA TRÁS: BLACK IS KING E A NÃO PRECARIEDADE NAS IMAGENS DA NEGRITUDE. UFBA Contemporanea | Comunicação e Cultura — v.19 — n.03 — set-dez 2021 — p. 179–200.

FRANCO, Marielle. A emergência da vida para superar o anestesiamento social frente à retirada de direitos: o momento pós-golpe pelo olhar de uma feminista negra favelada. In: BUENO, Winnie. Tem Saída? Olhares Críticos Sobre o Brasil. Porto Alegre: Zouk. p. 89–96, 2017.

FURTADO, Lucianna; CORRÊA, Laura Guimarães. MANDUME: O RAP COMO MOVIMENTO DE RETOMADA E CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA COLETIVA NEGRA. UFBA Contemporanea | Comunicação e Cultura — v.16 — n.01 — jan-abr 2018 — p. 111–132 .

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. São Paulo: Zahar, 2020.

GUAJAJARA, Sonia; XAKRIABÁ, Célia; KEREXU, Eunice; WAPICHANA, Joênia; ELOY, Val. Nosso Chamado Pela Terra: Mulheres Indígenas no Poder — Movimento de Retomada Política. Disponível em <https://chamadopelaterra.org/> Acesso 15 ago. 2022.

HAN, Byung-Chul. O desaparecimento dos rituais — uma topologia do presente. Petrópolis: Vozes, 2021

HOOKS, bell. Anseios: Raça, Gênero e Políticas Culturais. São Paulo: Elefante: 2019.

HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.

HOOKS, bell. Erguer a Voz: Pensar como Feminista. Pensar como Negra. São Paulo: Elefante, 2019.

HOOKS, bell. Olhares Negros: Raça e Representação. São Paulo: Elefante, 2019.

HOOKS, bell. Tudo Sobre o Amor: Novas Perspectivas. São Paulo: Elefante, 2021.

INDAIZ. Indaíz Jaraguá é Guarani Part: Elaine Alves & Oz Guarani (2020). Youtube. 19 abr. 2020. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=ACkfekvLOM4> Acesso 29 set. 2022.

JACKS, Nilda; LIBARDI, Guilherme; FUEL, Isaias. Estudos Culturais Africanos e Latino- Americanos: Perspectivas do Sul-Global. Revista MATRIZes. V.16 — No 1 Jan./abr. 2022. São Paulo. p. 161–180

JARAGUÁ É GUARANI. Guardiões da Floresta | Terra Indígena Jaraguá | Documentário | 2022. Youtube. Jan. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=KTZliObSAdQ&t=3s> Acesso 29 set. 2022.

KAINGANG, Douglas; SCHWINGEL, Kassiane. Caderno da Semana dos Povos Indígenas 2022: Direito ao Território, Direito à Vida. Porto Alegre: COMIN, 2022.

KAMBIWÁ, Avelin Buniacá. Crise, democracia e a esquerda no século XXI: um olhar de uma mulher indígena. In: BUENO, Winnie et al. Tem Saída? Ensaios críticos sobre o Brasil, Porto Alegre: Zouk, 2017. p. 241–7.

KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

KRENAK, Ailton. A Vida Não É Útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

KRENAK, Ailton. Ideias Para Adiar o Fim do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

LAGO, Cláudia; NONATO, Cláudia; MARTINS, Ferdinando. A alteridade na educomunicação: estudos de gênero, interseccionalidade e performance. Comunicação & Educação, 24(2), p. 54–65, 2019.

LAGO, Cláudia. Antropologia e Jornalismo: uma questão de método. In LAGO, Cláudia; BENETTI, Marcia (org). Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes. 2007. p. 48–66.

LONGHINI, Geni Daniela Nuñez. Nhande ayvu é da cor da terra: perspectivas indígenas guarani sobre etnogenocídio, raça, etnia e branquitude. Tese (Doutorado Interdisciplinar de Ciências Humanas) — Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, p. 132. 2022.

LORDE, Audre. As ferramentas do senhor nunca vão desmantelar a casa grande. In: Audre Lorde — Textos Escolhidos. Herética Difusão Lesbofeminista Independente. 200? p. 26–32.

LUIZ, Thiago Cury; SATO, Michèle. Educomunicação socioambiental no quilombo Mata Cavalo: narrativas e resistências de uma comunidade tradicional mato-grossense. Revista Comunicação & Educação. Ano XXVII. número 1. jan/jun 2022. p. 61–72

MIRIM, Katu. Katú Mirim Part. Marina Peralta & Afrojess — Retomada. Youtube. 20 jan. 2019. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=2nAcrv4Xtig> Acesso 14 ago. 2022.

MIRIM, Katu. REVOLTA — KATU MIRIM (álbum). Youtube. 22 jan. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=mxLKaNkiXQw&t=1132s> Acesso 15 ago. 2022.

MENDES, Francielle Maria Modesto; QUEIRÓS, Francisco Aquinei Timóteo; SILVA, Wagner da Costa (org.). Pesquisa em comunicação: jornalismo, raça e gênero. Rio Branco: Nepan, 2021.

MIGNOLO, Walter. Desafios decoloniais hoje. Epistemologias do Sul. Foz do Iguaçu: Paraná, 2017. pp 12–32.

MULAMBA OFICIAL. Barriga de Peixe. Youtube. 22 de jun. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=xibSuPRZ8cA> Acesso 3 ago. 2022.

MULAMBA OFICIAL. Será Só Aos Ares — Full Album. Youtube. 22 de jun. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=dK0Ee2Milho> Acesso 3 ago. 2022.

NASCIMENTO, Letícia. Transfeminismo: Feminismos Plurais. São Paulo: Jandaíra, 2021.

NUÑEZ, Geni. Monoculturas do pensamento e a importância do reflorestamento do imaginário. Revista ClimaCom, Diante dos Negacionismos | pesquisa — ensaios | ano 8, no. 21, 2021.

PINEAPPLESTORMTV. Poetisas no Topo — Mariana Mello | Nabrisa | Karol de Souza | Azzy | Souto | Bivolt | Drik Barbosa. Youtube. 31 dez. 2017. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=oZYIIPPLfjY> Acesso 5 ago. 2022.

POTIGUARA, Eliane. Metade cara, metade máscara. 3.ed. Rio de Janeiro: Grumin Edições, 2019.

ROSA, Rosane. Epistemologias do Sul: Desafios teórico-metodológicos da educomunicação. Revista Comunicação & Educação • Ano XXV • número 2 • jul/dez 2020. pp. 20–30.

QUYNTYNO, Juão Rodriguez. Consciências — Ato 1: Caminhos. Youtube. 19 fev. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=ab8oAqHeZuk&list=PLPxJLh2aRQauekJMSrZjsenIrQyH3V0O6> Acesso 12 set. 2022.

TROCAR POR TEXTO MEDIUM COM VÍDEO EMBED

RESIDENTE. Residente — This is Not America (Official Video) ft. Ibeyi. Youtube. 17 mar. 2022. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=GK87AKIPyZY> Acesso 15 ago. 2022.

RIBEIRO, Darcy. O Povo Basileiro: A Formação e o Sentido do Brasil. São Paulo: Global, 2015.

ROCK, Edi. Edi Rock — A Vida é Desafio (Ao Vivo). Youtube. 28 set. 2016. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=axKc2Xqf7Tg> Acesso 14 ago. 2022.

RODA VIVA. Roda Viva | Ailton Krenak | 19/04/2021. Youtube. 19 abr. 2021. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=BtpbCuPKTq4> Acesso 13 ago. 2022.

ROSA, Rosane. Epistemologias do Sul: desafios teórico-metodológicos da educomunicação. Comunicação & Educação, 25(2), p. 20–30, 2020.

SETOR PROIBIDO. Primavera Fascista 2 — Bocaum, Noventa, Mary Jane, Souto, Axant, DK, VK, Akilla, Dudu (Prod. Tibery). Youtube. 23 out. 2020. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=foqolD8GXUU> Acesso 12 set. 2022.

SELVAGEM CICLO DE ESTUDOS SOBRE A VIDA. FLECHA 2 — O SOL E A FLOR. Youtube. 28 jul. 2021. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=_jVxOs70hpQ&list=PLYysvnBmz4S32JaJupR9X815Kp5OkK3YE&index=5> Acesso 30 set.

THAMANI, Manuela. “Futuro se faz com História, e História com o Povo Dentro”: Movimentos Negros na Interface Comunicação e Educação. Tese (Mestrado em Ciências da Comunicação) — Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, p.154. 2020.

WESCRITOR. EXEMPLO. Youtube. 30 nov. 2020. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=BcM19JGZmvo> Acesso 5 ago. 2022

WWF. Txai Suruí, jovem indígena brasileira, acaba de discursar na abertura da COP26. 1 nov. 2021. Disponível em <https://www.wwf.org.br/?80429/Txai-Surui-jovem-indigena-brasileira-acaba-de-discursar-na-abertura-da-COP26> Acesso 4 ago. 2022.

--

--