Um ano de Consciências

Estratégias e álbuns do aniversário de um processo

Juão Rodriguez Kyntyno
55 min readFeb 6, 2023

2023 será o que fizermos com nossas consciências, o que fazemos no coletivo enquanto sujeitas. Por isso, sou grato a todes que me ajudaram, ajudam e ajudarão nas jornadas com suplementos e insumos intelectuais que elaboramos antes, durante e que ainda se desdobrarão a partir das línguas d'água.

Dessa forma, compreendemos que superamos em parte a tentativa de instalação do retrocesso. Muitos diálogos e pontes precisam ser tecidos na repação e na politização constante e alerta contra golpes. Entretanto, entendemos que a condição fundante de um país ampliou capilarizações nas intitucionalidades com projetos de poder pela vida, o que pretendemos valorizar e utilizar como ferramenta de educação pública reeducadora.

Em interface de exemplo contra-colonial, temos as posses de Sonia Guajajara, Joênia Wapichana, Anielle Franco e Célia Xakriabá na bancada do cocar legislativo e executivo, a posse da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e as de rituais da primeira ministra dos Povos Originários e da ministra da Igualdade Racial. O que preferimos falar, consumir e debater? O que fazemos com as dores delas? As felicidades e a vida tomaram posse, ainda que o judiciário permaneça sempre em espera, isso quando não é pivô cooptado dos expurgos do terrorismo supremacista militarista.

Entretanto, há um fato: dentro e fora dos camarins, o paternalismo de 522 anos, em pleno bicenteneario da independência de condição colonial portuguesa para condição colonial franco-inglesa-estadunidense que regeu as ideologias de democracia racial e meritocracia da branquitude que aqui se instalou em terras ladina, latinas, pindorâmicas e de Abya Yala, foi desbaratinado pelas mulheres negras e indígenas, não apenas na conjuntura eleitoral, mas na avaliação e narração de uma história própria a partir das culturas populares para além do rap e do samba, no cultivo resistente da paisagem nacional e transnacional que influenciam os pleitos, apesar das apropriações e cooptações de movimentos que vêm da incansável máquina de morte e lucro capital na periferia.

Assim, não pode ficar marcado na história como o ano em que importamos o terrorismo estadunidense para as comunicações de institucionalidades do dito quarto período democrático-republicano de retomada pós-golpe, nem nos micro territórios cooptados pelo crescente milicianismo sudestino bandeirantista, nem nos planos de governos coletivos macro.

Viver no Brasil é tomar consciência política das experiências próprias e compartilhadas no reconhecimentos sobreviventes da bionecropolítica de gênero, do memoricídio, do alterocídio e do etnogenocídio transfeminicida da indústria bélica das periferias do capital médio, se equilibrando nas lembranças de, além da dor, transgredir estratégias de sobrevivências epistêmicas. Se há poder, há resistência, e essa resistência deve ser exercida constantemente sejam quem for os donos do poder, de forma a democrátizá-lo pelo reconhecimento e esforço coletivo de irradicação de opressões interseccionadas.

No cotidiano, não tomamos isso como bússola privilegiada de consciência, mas nunca é demais relembrar, já estamos, podemos e devemos transformar e transformando a história enquanto ainda há tempo, valorizando nossa sobrevivência, não pelas migalhas mínimas, mas porque já passamos muito tempo só mastigando luto sem direito a sorrir e tentar viver a vida além de nossas dores e preocupações adultas demais para a infância reflorestante dos cultivos e jardins de si.

Há 5 anos, o mundo era diferente, tão ruim quanto hoje deveria ser para quem vive nas timelines repetidas e de querendo mais do que biscoito. Para mim, em tempos de fim de curso de graduação em jornalismo, as aulas mais relevantes e práticas de cybercultura que tinha erma nas interações e engajamentos nos grupos de bolha feministas trans includentes do LDRV e do Black Twitter, mas ainda vivíamos em um golpe, me informava daquele jeito padrãozinho do jornalismo objetivo eurocentrado, muito do que o pink money inclusive gosta de beber e esquecer de politizar.

O coisa ruim do amarrado no cipó assume. Xawara, literalmente, define. Há 4 anos, caminhava no 15M e nos atos por justiça à memória de Marielle Franco, lia e ouvia bell hooks, Yuval Noah Harari e Djamila Ribeiro. Há 3, lia afrocentricidade, empoderamento e Sankofa, sentia na pele a xawara ceifar meu povo para empatias além só de relatos e narrações. Há 2, Chavoso da Usp, Judith Butler, Steve Biko, Vandana Shiva, Eliane Potiguara, Carla Akotirene e Silvio Almeida me trouxeram curas presentes. Há 1 ano, Sonia Guajajara, Davi Kopenawa, Bianca Santana, Francia Marquez, Ailton Krenak, Monja Coen, Anielle Franco, Juão Nyn, Jones Manoel, Eliane Portiguara, Léo Péricles e Vera Lúcia me mostraram redemocracias em anos de independências interdependentes, pelo poder popular de fato, o poder contra a branquitude. Se o neoliberalismo etnogenocida me legou tanto sofrimento e lutos, ao menos eu retomei nomes que honram minha ancestralidade para me situar, me contextualizar e me a(r)mar epistemicamente, porque é por muitas que nos movemos. Tá Repreendido.

Há um ano, o mundo era bem diferente. Estávamos numa época de transição pandêmica — ainda como agora — , mas ao menos em um estágio global pré-guerra. Hoje, vivemos e temos consciência mesma da existência de não apenas uma, mas várias guerras, não só na América, Europa no Oriente Médio e/ou em África, mas nos territórios de Abya Yala toda, principalmente em Pindorama, e que essas guerras tem acontecido pelos mesmos motivos viciados há pelo menos 500 anos, e tem sido o maior genocídio transfronteiriço de exploração ecocida da história. A dívida escravizadora e do etnogenocídio contra a Mãe Terra de pelo menos 70 milhões de originários, incluindo aí as escravizações que aconteceram no tráfico transatlântico e que deveriam ter ido para tribunal de Nuremberg, Tribunal de Contas e uma verdadeira CPI de justiça climática, histórica, cognitiva e reparativa para limpar as manchas de sangue colonial dos mesmos ecos metálicos das armas nos territórios de ocupações nazistas e sanguinárias de supostas guerras mundiais que invadem a casa dos outros e recrutam soldados para um suposto patriotismo de guerra autodestrutiva, genocida e coletiva.

É chocante, tragicômico e desapontador tomar conhecimento de que nossa espécie ainda habita esse planeta performando guerras contra populações de si e ao que foi doutrinado a tratar como outros, imagina então com seus outros companheiros bichos, plantas, montanhas, pedras e rios? Tudo não foi em nome de Nhanderu, e sim em nome de cooptações ideológicas da branquitude dos extrativismos, preconceitos e racismos do lucro dos deuses mortais eugênicos, religiões e crenças falsamente originárias em suas consciências na transformação negativa de seus próprios deuses miscigenados mas embranquecidos de neuroses e mitos meritocráticos integralistas, eugênicos e delirantes.

Bizarro que, após pelo menos dois eventos de semi-autodestruição completa e nuclear da espécie dita humana, ainda existem culturas memoriais nazistas, neonazistas e do sinal trocado maniqueísta que adora aplaudir uma chacina, sorri quando vê outras espécies que não a doutrinada para ele como dele, que treina e se exercita matando não para caçar, coletar e sobreviver em harmonia, mas para destruir, extinguir, e se matar com troféus dourados, falocêntricos e broxantes para a coletividade. Saudade de falar em sorria e goze, e não ter de viver com um guia de fact checking teórico na mente pra tentar desmentir as ladainhas montadas para dividir e minar nossos poderes de ação coletiva crítica.

Nessa terra de posse bandeirantista mas de vivência cabocla, viver em torno do metal crucifixo armado é pra se autodefender sozinho, é a única forma de conceber a existência linguística, porque viver é sobreviver, mas sobreviver aos terrores que alimentamos e fazemos com nóiz mesmos e com as alteridades que fomos doutrinados a ver como inimigas, como símbolos de medo, atrelado a delírios falocentristas, racistas, supremacistas e terroristas de alcolismo toxígêno do patriarcado violento e transfeminicida.

O que devem sentir os demais seres que compartilham a infeliz coexistência com supostas espécies de humanos tão cheios de si, tão achadores do controle do mundo em sua falta de consciência de classe viva na Terra, mediocremente burgueses, boys, juruá, anti-democráticos, binários e ecocidas? Será que por ter um metal tirado da Terra em mãos já se acreditam os camisas 10 e faixa? Chegaram agora, querem sentar na janelinha e ver o meteoro que vocês mesmos fabricam explodir no colo de vocês durante o show da vida?

O que pensam os cavalos marinhos, que desempenham o papel de gênero em gestar seus filhos e têm de aturar um bando de macho branco babão vindo de barcos carregados de plásticos de países nortistas para despejar e poluir os oceanos como se fossem uma compostagem de lixo industrializado? Acha mesmo que ficam felizes? E as ondas? Será que gostam de tremular aquele lixo todo? Ou não preferem jogar de volta as 'oferendas' com uma bela de uma ogiva oceânica, ou bolar um maremoto junto de Nhanderu pra mandar vocês de volta pro mar, oferenda.

É nessa ambiência de tráfego atlântico reconstituído nas línguas d'água que me pegavam no privilégio desprivilegiado de tudo que consumia nas mídias até aquele momento, cercado de vivências de aniversários institucionais e libertadores da cidade de Pyratynynga (São Paulo, o apóstolo hater que depois virou fã de Jesus) e dos dias da Consciência Negra e Indígena no Brasil (20 de Novembro Negro, e 19 de Janeiro da Visibilidade Trans, dia 29). Desempregado na informalidade, vinha de um ano pandêmico de lutos, frustrações de identidades, religiões, crenças e gêneros, brigas, desentendimentos, dificuldades de contato e relação pandêmica com amizades, pessoas de confiança e a própria pessoa que acreditava ser, reprovações no processos seletivos do mestrado, e buscava alguma conformidade em uma revisão autocrítica de minhas teorias, que sempre atravessaram e transversalizaram minhas vivências como sujeita.

Naquele período, tinhamos recomendado, e ainda recomendamos, a leitura da seguinte bibliografia indicada:

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade.

ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural.

BERTH, Joice. Empoderamento.

BUENO, Winnie (org.). Tem saída? Ensaios críticos sobre o Brasil hoje.

DEVULSKY, Alessandra. Colorismo.

FANON, Frantz. Os condenados da terra.

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas.

GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador.

GONZÁLEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano.

hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade hooks, bell. Feminist theory: from margins to center.

hooks, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas.

HUI, Yuk. Tecnodiversidade.

KAINGANG, Douglas (org.). Caderno da Semana dos Povos Indígenas — Direito ao Território, Direito à Vida. COMIN

KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã Yanomami.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo.

LAMA, Dalai; TUTU, Desmond; ABRAMS, Douglas. The Book of Joy: Lasting Happiness in a Changing World.

LORDE, Audre. A transformação do silêncio em linguagem e ação.

LORDE, Audre. As ferramentas do senhor não desmantelam a casa-grande.

LORDE, Audre. Não há hierarquias de opressão.

MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra.

NASCIMENTO, Abdias do. Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista.

NASCIMENTO, Leticia. Transfeminismo.

POTIGUARA, Eliane. Metade cara, metade máscara.

RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?

SANTOS, Ale. Rastros de Resistência: histórias de luta e liberdade do povo negro.

SHIVA, Vandana. Oneness vs. The 1%: shattering illusions, seeding freedom.

SILVA, Silvane (org.). Narrativas quilombolas: dialogar — conhecer — comunicar.

SODRÉ, Muniz. Pensar Nagô.

THAMANI, Manuela. Futuro se faz com a história, e história com o povo dentro.

A educomunicação socioambiental, documentada nos processos audiovisuais etnografados na cidade de Pyratynynga com o nome "Consciências", se divide em dois momentos principais constantes e afluentes de um terceiro: um primeiro com as expansões teórico-prática expositiva de bibliofonia artística das expressões do hip hop paulistano e paulista como ferramenta contemporânea de linguística implicada na reivindicações, movimentos e agendas por reeducar nossos direitos, coalizões, lutas e articulações originárias e ancestrais que a cultura MC do rap suscita.

Num segundo momento, presamos pelos métodos da bandeirada anti-bandeirantista de expor identidades visuais coloridas, múltiplas, plurais, divergentes e não-bináries de bem-viver democrata étnico-racial tecnodiversa nas suas práxis linguísticas sudestinas, mas não só. Era fevereiro, o mundo vivia as manchetes jornalísticas da pré-guerra europeia com a Rússia na Ucrânia no Jornal Nacional, feeds de Twitter falavam de BBB e das preparações para a eleição presidencial de 2022 no Brasil. Os esportes mundiais viviam o gelo dos jogos de inverno.

Acompanhei o evento como uma nostalgia dos jogos olímpicos e paralímpicos de Tóquio, resquício de resistências comunitárias e corporais do ano anterior. Entre exercícios da mente, do corpo e das vulnerabilidades de risco, vivia engaiolado em casa, com medo de tudo e com traumas pandêmicos eventuais regados às crises de drogas de pânico alcóolatra e as danças nos dias de festa do BBB. Imagina como era a Timeline, realmente sou inapto a entender a dimensão tóxica que o Brasil viveu em toda sua extensão durante os anos sombrios do retorno breve da monarquia feudal euro-americana colonizadora e pandêmica.

Faz um ano, mas a ideia do Consciências havia sido semeado fazia muito antes. Quando saí de casa no dia 20 de novembro de 2021, com uma câmera de mão de 720p HD, para gravar, não foi com o mesmo espírito que então empunhava aquela ferramenta de trabalho jornalístico, acadêmico e epistemológico nos últimos anos em que usava a ferramenta audiovisual apenas para ganhar dinheiro ou likes de forma unidimensional.

A primeira vez que frequentei atos de rua foi na época das jornadas de junho. Sinto vergonha do que o movimento se transformou, porque ele não tinha de fato liderança, era uma horizontalidade tão linda de se ver, uma ideia de primavera, renascimento, retomada e recolocação de nossos papéis cidadãos nos territórios das grandes metrópoles. Sei que nutro um sentimento idealista e tons de idilismo nostalgista, mas sei bem, estando nas ruas naquele momento, que a intenção foi realmente ter um levante cultural, e foi exatamente isso que aconteceu, mas não para a direção que eu esperava, que nós esperávamos, que a população brasileira diversa e sofrida merecia.

Que luxo pensar em 2013 como o que poderia ter sido o início de uma reforma executiva liderada por uma presidenta até impactar o legislativo com leis-anticorrupção e referendo constituintes progressitas. Não era a situação do congresso controlado por um golpista que hoje marioneta entre os vândalos de resorts dos gringo. Em pleno governo petista nacional e tucano estadual, sonhávamos que sair nas ruas, gritar e demonstrar insatisfação, vimos os black blocs depredarem nossos anseios como forma de expressão anti-bancária compreensiva, e destilar maniqueísmos nos tornava mais fortes, mais unidos, o que é diferente de ver vândalos, os bárbaros, termo racista dos romanos, quebrando as casas dos 3 poderes, teoricamente, do povo, e práticamente, financiado por ele. Quem banca essa?

O turning point das jornadas de junho na esteira do 7 a 1 na eleição de 2014, a prisão dos empreiteiros, o diálogo pelo golpe lavajatista, a explanação do quadrilhão do PMDB, ecos e gravações de presidentes, Trump, Bannon, manipulação de máquinas de ódio, pandemia e os crimes ambientais de Mariana, Brumadinho, na Floresta Amazônica, no Pantanal e nos outros 4 biomas do país. A vertigem da democracia brasileira trouxe a vertigem da vida da espécie humana planeta, de tal forma que se alimentam. Que não se esqueçam disso. Se 2013 nasce como esperança, é pra ser enterrada com um pronto contra-golpe de nossos eternos algozes elitistas históricos. Acontecia bem o contrário de esperançar coletivo, fomos colonizados e ainda somos pelas bolhas de timelines e interações mecanicistas, viciadas e corrompidas nos formatos individualistas, despreparados, não-planejados, cooptados e desvirtualizados de mapear o mundo por uma linha de algoritmos que só querem sua atenção e te dão em troca ansiedade. Isso tudo me compunha e me compõe nos adubos de minha memória. Das politizações de Wikileaks a Occuppy, vimos Trump. Fui nos atos contra o golpe. Fui no Fora Temer. Xamanzei nos atos do 8M e pela memória de Marielle, mas não tinha ido em atos fixos, nas datas do calendário militante tradicional. Minha expectativa era ver uma virada total das forças tão oprimidas durante tanto tempo. Vi o fogo no BorbaGato, vi a resposta contra-revolucionária no racismo religioso contra a Mãe Stella de Oxóssi. Vi a pandemia, a morte e o medo constante de morrer de perto, até que uma parte de mim morreu para outra renascer.

Esse florescimento vinha sendo repreendido, colonizado e violentado pelos meus vícios de consumo imagético. Foi preciso um trânsito nas línguas das águas para acalmar esse ímpeto autodestrutivo que a branquitude nos norteia. Sentir essas mudanças introspectivas às vezes demora, porque os fenômenos se dão de forma inesperada, e as suas leituras também.
Depois de tanto temp afastado das ruas, senti que precisava arriscar, meus medos em grande parte tinham sido anestesiados.

No dia 20 de novembro de 2021, tinha em minha mente que passaria no mestrado, mas que tinha que estudar muito para exercê-lo de forma digna. Após tanto tempo estudando o que havia estudado, me sentia amordaçado, esperando os resultados dos processos seletivos (que seriam um desastre, digasse de passage by the way) e passava por aquela fase periódica dos isolamentos da pandemia de depois de tanto me encapsular, sentia que precisava voar dos casulos.

Em 2021, como havia sido em 2020 com a onda George Floyd, o Brasil experienciou mudanças radicais nos olhares a respeito das negritudes e indigenitudes. A indústria cultural da branquitude que tinha acesso abria mão de sua hegemonia de branqueamento, ao menos, para dar visibilidade aos episódios do Carrefour, às palestras sobre Racismo Estrutural, e era possível notar algum empenho, ainda que engessado e concretado, em mudar alguma coisa. Sequer tinham escolha de dizer não, as vozes antirracistas estadunidenses também se irmanaram em solidariedade pan continental, num período muito difícil da pandemia, e ficou claro como os brancos têm o dever de ajudar na luta, principalmente em espaços onde a negritude se faz minoria por causa da ideologia supremacista.

Nesse contexto, progredi meu processo de estudo nas revisões que fazíamos com os Roda Viva antirracistas com Emicida, Ailton Krenak, Djamila Ribeiro, Chimamanda e Erika Hilton nas plataformas de vídeo. Aquele conteúdo todo mexeu com minhas visões de mundo narcísicas, que não reconhecia ainda como parte dos tentáculos da branquitude local. hooks me ensinou muito durante todo esse tempo, sendo uma companheira para quando me desanimava de trazer informação para mim mesmo em primeira mão.

Buscando ressignificar minha branquitude e compartilhar de vivências para além do que aprisionaram e encapsularam de meu próprio corpo, quis ir para o ato do 20 N. Tanto tempo sem ir às ruas, 2 anos, não podia resistir. Já havia voltado às redes sociais, ainda antes de ser censurado (inclusive, suspeito até hoje que tenha sido por causa das mobilizações que fiz do novembro negro, na rede de supremacia branca dos outros 364 dias). Meu lado jornalista me reequilibrava me lembrando que seria literalmente, também, um trampo mais constante, um trampo que já vinha ensaiando em montar como gesto de luta e reabertura lenta, gradual, segura e imersiva em tempos de desempregos, falências e especulações imobiliárias. Lembrava de quem tinha pra honrar, das brigas e famílias. Até aí, foi o ato de simplesmente colar, pegar a mochila e catar mais um metrô.

Toda a experiência do ato foi transcedental, em plena lua cheia, e ressignificou a minha forma cosmológica e cosmogônica de visões de mundos. Não me gastou nada, foi de graça e de graças que pude ter a chance de testemunhar uma reviravolta das retomadas em São Paulo. Por isso sou muito grato. Apenas, mais próximo do que posso narrar disso são os vídeos mesmo:

Nosso objetivo primário é nos conscientizarmos de que não precisamos contar histórias usando as modalidades técnicas de produção cultural industrial durante esse processo de corporalidade territoriais em Pyratynynga. O artesanato é arte, da voz linguística e de ser, e ser artístico é articular a língua nos campos das consciências de resistências, atravessando cicatrizes coloniais para cumprir demandas e compromisso de luta ancestral ritualística, bem como é o Kwanzaa que Audre Lorde me ensinou.

Em 2022, fomos para o 20N em clima de vitória, apenas ofuscada pela abertuda da Copa do Mundo no Catar. Além de fora de hora, nos tirou a visibilidade da hora, e foram muitos os veículos midiáticos que se aproveitaram do shade para não assumir a responsa de falar do dia histórico de zumbi, o que esperar dessa mídia que não fala do 19 de janeiro, dia das Consciências Indígenas, de Oxóssi e de São Sebastião?! Cartas para minha avó! Não esquecemos de lançar nossas reflexões sobre as perspectivas do Brasil do futuro em transição nas ancestralidades e nas retomadas das independências imagéticas interdependentes.

O artigo de inspiração que deu o chute pro gol nesse interposto de acontecimentos e interconhecimentos foi um de janeiro de 2021, em Matrizes.

O que são, foram, tem sido e serão Consciências (e/ou não)

Entendemos os processos linguísticos de ensino aprendizagem a partir de matrizes interseccionais de lutas analíticas e críticas para as liberdades transgressoras contemporâneas. A partir de disputas de narrativas, lugares de fala, representatividades e escrevivências, as sujeitas se transformam em corpas território de resistência a partir da narrativa oral de resistência memorial e monumental nos espaços públicos de circulação e visibilidade de ideias, conceitos e crenças geolocalizadas e em constante vigilância.

Trata-se de um trabalho artístico de memória feito em período pandêmico, na não-binariedadde pré e pós-pandêmica de constituição histórica e ancestralidade futura originária.

A seguir para a análise passo a passo, propomos e apoiamos mais uma dinâmica em construção afirmativa, onde o Estado faça cumprir seus compromissos constitucionais originários. Conforme o ano passa, gostaríamos de rever toda a obra, que é extensa em minutagem e demanda tempo, atenção e escuta para relembrar memórias afetivas de resistência linguística a serem aqui adicionadas como complemento de silêncios como veículo ancestral futurista de produção reflexiva como corpus analítico transmetodológico antirracista para todes.

Ler a bibliografia é fundamental para entender conceitos básicos dessas linguísticas, mas é compreensível as demandas de tempo nas sociedades das margens do capital ao Sul Global. Isso não se aplica para os nortistas, que devem ter acesso a essas obras para refletirem conosco na caminhada de empoderamento político literário contemporâneo de justiça climática básica.

Ser Indígena é ter compromisso com e para além das cicatrizes e dores coloniais. É ser rayz.

Juão Nyn,

Consideramos o vídeo conforme o link da seguinte playlist como norteadora de nossas análises:

A thumb tem inspiração na árvore da Semana de Arte Moderna de 22 com as cores não-binárie, fonte Futura que intercala amarelo e preto, o ícone do canal em lilás e a fotografia do Theatro Municipal ocupada pelos dizeres de que vidas negras e indígenas importam, dividido com o simbolismo reflorestante dos girassóis.

A primeira vez que ouvi a aula espetáculo das calmas de Ailton Krenak estava no período dos processos seletivos de mestrado no Labjor e na ECA. Antes mesmo do novembro negro, vinha desse movimento de autocritizar democratizando os meses de acordo com as aspirações progressistas realistas e desconcretadas da contemporaneidade. A aula amazônida de Ailton foi um baile epistemológico. Ouvi por dias e dias. Na minha cabeça, as ideias de um podcast se formavam e até desenvolveram logos. Mas não ia adiante, queria mostrar mais do que só a voz, ou projetar muito mais a partir das vozes. As poesias fluídas de Ailton Krenak e Eliane Potiguara me banharam nos piores momentos da pandemia para me consolar. Tudo isso até aquele carro de som com as bandeiras da Coalizão Negra por Direitos, do Movimento Negro Unficado, da CONAQ, da CONEN, da UNEafro, UNEGRO, Afronte e São Paulo é Terra Indígena aparecer na Avenida Paulista no dia 20 de novembro de 2021.

Álbuns de fotos retrospectivos

As gravações feitas no copiloto de um carro vermelho no centro da cidade acompanhou o passeio a pé necessário na casa das Rosas, no início da Avenida Paulista. A região da Liberdade e sua simbologia de Chaguinhas é rememorada, até que a artista sul-africana zulu Nduduzo Godensia, que encanta conforme atravessamos com os carros da paulista e nas caminhadas da Capela dos Aflitos. Passamos por corpos, bandeiras, corpas, estalares demarcatórios do vento, o silêncio do luto, a cantoria emocionada e emocionante. Falar sobre consciência negra "é falar sobre as nossas próprias histórias", estilhaçar as máscaras do silenciamento na diáspora através das línguas ancestrais como gesto de superação e catarse de lutos. As falas de Ailton Krenak sobre os cemitérios do samba nos despertam para a urgência de reflorestamentes em um 2022 desafiador.

Uma das primeiras músicas que ouvi de Emicida, além do lendário 'Triunfo', foi a "Rua é Nóiz". E nunca vai deixar de ser, completa o refrão. Ouço rap desde os 10 anos, quando entrei como muito fã do meio hipster, estadunidense e normativo, apesar das vivências que colecionava com as músicas populares em casa, com o samba nos carnavais e playlists do LimeWire baixado na pirataria pré-streaming. Emicida foi referência de uma prima, amiga e jornalista que não apenas me inspirou em minha carreira, fez parte de tecidos artísticos amorosos que me fizeram me reconhecer identitariamente.

O conceito de Nóiz em Emicida é Ubuntu, e encontra nas epistemologias afro-indígenas, o pretuguês de Lélia González na lingua brasileira. Toda a cosmovisão, cosmologia e cosmogonia de um termo tão curto é impossível de ser explicado e etnografado se não pela vivência de levantar e caminharmos para a luta que é toda pra ontem, pelas coletividades não-narcísicas e antirracistas. A inspiração documental vem já repleta de simbologias, na tumbnail, escolhemos a camisa quilombista em um homem branco e provavelmente de classe média para conscientizar raça, classe, gênero e identidades nos territórios sudestinos a partir das agendas de paz amor, união, e diversão dos movimentos negros reeducadores.

Nunca mais um Brasil sem nóiz. Essa foi a sensação que tive marchando com aquele coletivo. Como trabalho de formiguinha que nos conta a primeira deputada mulher indígena da história, Joênia Wapichana, o dia fica mais bonito quando resistimos, escrevendo a própria história. Defendemos as cotas e ações afirmativas de acesso universitário e econômico longe do genocídio de nossa juventude. Aurea Carolina reflete os valores das terras e alimentações saudáveis para manutenção da vida nos terrenos, territórios e terreiros.

A passagem da minutagem 8 me emociona. Em um take, capitei a mobilização de luta, as precarizações do trabalho sustentador durante a pandemia, e a mobilização de maracás indígenas (a primeira vez que tive contato com eles nos atos) logo em sequência, na frente da ciclofaixa que jorra uma árvore ao fundo. A crítica aos Borba Gatos e bandeirantismos tem como pano de fundo os atos antirracistas por descolonizações memoriais e monumentais, e foram respondidas pelos racistas com ataques à Mãe Stella de Oxóssi na Bahia, após a derrota eleitoral do neonazismo, e não foi tratada como terrorismo na mídia com o mesmo escândalo que foi a intervenção memorial dos entregadores antifascistas. “São Paulo é solo preto, aqui é solo indígena, fora Bozo e todos os racistas”.

O nóiz se encerra na educomunicação da convocação para a luta nas ruas, a partir das vertentes interseccionais do feminismo negro ladino-amefricano de Lélia González na ancestralidade do MNU com a tela preta e os sons do silêncio enlutador da fonte Futura. Com-ciências até que nos chamem de colonização reversa. A rua é nóiz, retomada nos ensinamentos de 8 em Emicida. Conforme encerra Ailton: Eu sou água viva. Podemos sujar a água, mas não vamos acabar com ela. Nós vamos acabar com nós mesmos. Não transforme rios em esgoto, se não acabaremos secos. Precisamos de água. Respeitem a água viva. Vamos aprender a língua da água, vamos escutar a voz do rio. Os rios falam. Viva os rios vivos.

O ato 3 veio de uma forma surpreendentemente descepcionante em minha vida. Após a estreia do processo, com os dois episódios, não observei tanto engajamento, e ainda fui recebido por vezes com racismo cultural, descréditos, ironias e deboches inclusive de pessoas próximas. As tretas, desentendimentos e desconexões linguísticas e transtemporais me fizeram refletir e me reempoderar no processo amoroso e radical introspectivo da coletividade. Foi nesse ritmo, em reabertura que elaborei o ato 3, inspirado no Brasil do Carnaval da Mangueira em 2019, o Brasil do Rio sem misérias. O Brasil do futuro ancestral que sonhamos e caminhamos por.

Embalados por Teresa Cristina no Greg News e Leandro Vieira na Globo News, caminhamos nos encontrando na luta da cultura popular, nas avenidas e cruzamentos que nos recebem para abrir caminhos. Deus e o Diabo na Terra do Céu. Zinho Trindade coloca ritmos e países na linguagem das transcendências do funk e de suas batidas macumbeiras de terreiro hip hop. Voltando com tarefa política organiztiva estratégia, o antirracismo transpõe espectros ideológicos modernos, empurrando a esquerda para a esquerda pra não negociarmos bugigangas para continuarmos vivos, e sim pelo axé do bem-viver de Luiz Gama e Carolina Maria de Jesus. Assim eu encerro o clipe, pouco antes dos interlúdios do fogo e dos atos pela Terra.

É Ricardo Boechat que surge para nos lembrar das anestesias das tragédias, e como nos mover contra a dor é sair da imobilidade objetificadora para os locais de resistências intersubjetivas. Não queremos a democracia de encomenda por meio das armas e das asfixias dos processos democráticos. Minha voz aparece reconhecida na primeira vez, logo depois de captar o escadão Marielle Franco.

Quarta-feira de cinzas. O fogo nos modernismos contemporâneos surge nas intervenções artísticas da semana mundana de 22, nas galerias de arte do museu da imigração japonesa e das estéticas de retomada memorial pelas linguísticas das ruas da Vila Madalena, reeditadas no colorido pós-genocida e nos atos pela memória de Moise e de Renato Freitas. Revisitamos a educomunicação no exercício memorial político do racismo estrutural, institucional e estruturante das corrupções brasileiras em territórios amefricanos. O fogo no pantanal, na amazônia, no museu e nos demais biomas me apresentou o duplipensamento das cinzas artísticas de Vik Muniz e Mundano não mais como problemática ocidental, mas como solução das tecnologias não-binárias ancestrais que afrontam a branquitude nortista. Da tragédia não romantizada, se fez as resistências, inclusive com funk que taxa grandes fortunas, porque o clima não tem fronteiras.

Os áudios do caso Lava Jato, as delações de vazamento de áduo de Joesley e Sérgio Machado, as explicitações e problemáticas de golpe e de resistência parlamentar pós-golpe com Joênia Wapichana e as homenagens aos povos indígenas na esteira dos dias do fogo e do desrespeito a Raoni Metuktire Kayapó. Prezamos por desacelerar o tempo com um vídeo maior com poéticas narrativas da linearidade de Mundano, nas poesias em áudio da justiça de Xangô. Simboliza bem o escadão Marielle Franco, com a bandeira de "com o supremo, com tudo" da sangria militarista de Sérgio Machado, da reunião vazada dos ministérios da morte em abril de 2020, e do milicianismo de desvio de dinheiro público por rachadinhas presas na casa do advogado do omi da casa de vidro. Garimpo em terra indígena é vírus. As tragédias são evitáveis.

Obra "O Voto Secreto" de Takada de 2019, no Museu da Imigração Japonesa, SP, em 2022.
Escadão Marielle Franco "com o Supremo, com tudo"

Ao mesmo tempo que abordei a dor, fizemos questão de transbordar poéticas de resistência nos atos de 20N e também do 8M, dia internacional das mulheres. Feito em 18 de março, trouxemos os anseios da luta por justiça e memória das representantes do povo legalmente empossadas que passaram por tentativas de silenciamento. Destacamos os manifestantes vestido de bichos segurando placas em volta da caixa de som com sons da floresta me trouxeram acalanto, e me acompanhariam até o dia da carta pela democracia, e voltariam assim documentados à Consciências contra-desertificadoras cuidando da água e dos corredores fluviais pantaneros para maloqueires da ocasião. Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão.

Terra vem na esteira da denúncia zombeteira, zueira e não menos engajada e revolucionária. Saindo dos casulos engessados na formatação dos 4 primeiros elementos, estreamos o quinto com o elemento primordial da cosmologia oral indígena: A Mãe Terra. Temos como pano de fundo as manifestações do 8M, as artes de rua da Vila Madalena e o Ato pela Terra de artistas e lideranças de movimentos sociais e de juentudes antirracistas. Falamos da boiada, ainda de forma antropocêntrica, para chamar atenção para coletividades de bichos e bichas empoderadas pelas ideologias anti-guerra. Sonia Guajajara representou. A UNE também. Viva a luta do povo brasileiro pelo que é nosso.

Mundano é o mundo da visibilidade e das visualizações quando temos quem filtra e julga nossos conteúdos em hankings bancários. E a mãe preta solo? E a mãe? E a mãe Terra? Defender a Terra é defender a educação afirmativa originária das classes estudantis organizadas por teoria contemporâneas progressistas. Erika Hilton citando Elza Soares (minuto 11) que o diga: "Resistência e resiliência é a chave da luta do povo negro. Axé. Axé! Axé!!!

"Eu espero que quem tá aqui, e quem está escutando isso, faça valer, que não tenha vindo aqui só pra ver os artistas, que de fato, se comprometa com essa pauta que é cara pra nóiz, é muito cara pra nóiz. Então, nóiz não tamo de chapéu, nóiz não tamo passiano, nóiz tamo brigano, porque a gente briga no chão, todos os dias! Respeita! Respeita quem vem de longe! Respeita quem já tá há muito tempo fazeno isso! Firmeza permanente!"

~Tata, comunidade cultural quilombaque, Ato pela Terra, março de 2022.

Contra os definhamentos do Jornal Nacional, nas falas de Vivian Mendes, então pré-candidata a senadora no partido Unidade Popular, da autodeterminação das mulheres ucranianas antifascistas contra o imperialismo das burguesias estadunidenses, russas e chinesas. Parem de roubar o nosso futuro. A fome e a miséria das guerras são as que mais impactam as mulheres, das quais são as mulheres as maiores resistentes e resilientes na luta espiritual transgressora contra os óleos nas praias, os fogos nas matas, os plásticos no ar e as lamas nas águas dos projetos de lei que querem legalizar a mineração em terra indígena e mudar regramentos demarcatórios com temporalidades genocidas, gananciosas e suicidas.

As águas de Eliete Paraguassu trouxeram os afrontes às PEC 39 de 2011, contra as comunidades pesqueiras e quilombolas dos povos das águas diversas que alimentam o povo com justiça climática. "Viva nóiz. Viva às águas. Viva às mulheres. E fora bozo. Fora genocida. Fora psicopatas, você é um atraso de vida para a sociedade brasileira. Axé!"

Mãe Baiana fala de ubuntu, com o comando das mulheres espirituais, esse ano Iansã diz que está no comando.

"Esse ano, Nãnã diz que está no comando, esse ano Oxum diz que está no comando, Iemanjá disse que está no comando, disse que nossa saúde mental, ela que é dona de nossos ori, ela vai limpar. Essas mulheres todas que estão aqui, as nossas mulheres, nosso povo, todo o nosso povo, povos de comunidades tradicionais, de matriz africana, povo de terreiro, e nisso, nossos indígena. Nossas quilombolas, todas essas mulheres, essas mulheres guerreiras, essas mulheres que foram afetada por um irresponsáví que diz que está comandando o Brasil, é mentira! É mentira! Ele não está comandando o Brasil, nóiz não queremos esse pacote de destruição, nóiz vamos botar, ele e a corja dele, dentro desse pacote de destruição, nóiz queremos uma alimentação boa para o nosso povo! Nossos indígena quer plantar, nossos quilombolas também quer, pra acolher um alimento sadio, um alimento bom. Portanto, mulheres do Brasil, quero agradecer às mulheres artistas, que largaram seus que fazeres no Rio de Janeiro e em todos os lugares e estão aqui hoje dando apoio, dando apoio para os povos dessa terra. Estas terras pertencem aos povos indígenas e ninguém pode tirar, ninguém pode arrancar deste povo salve o caboclo tupinambá, salve a cabocla Jurema, salve a cabocla Jupira, Salve a cabocla Yracema, Salve o caboclo sete flechas, salve o caboclo ranca toco, salve nossos caboclos, salve nossos velhos, salve as nossas benzedeiras, que aprenderam com nosso povo indígena"

Contra os negacionistas de direitos e vidas, o desgoverno dava sinais de desgastes e declínios, apesar do jogo sujo eleitoral. E qual é sua divida? Quem vai pagar a conta coletiva? Quem vai pagar mais? A conta vai chegar pra quem? Porque? E os bandidos que envenenam os rios? Vocês querem que vivamos em um cemitério? Vocês roubaram o nosso futuro!

Memória, consciência e justiça se articulam em coalizão por futuros ancestrais. A luta anticapacitista, antirracista, transfeminista e anti-colonial se transforma em participação a partir das transversalidades interseccionais das corpas transvestigeneres em contato com suas corporalidades nos territórios em retomada. A benção da prosperidade dos diálogos é intergeracional, ancestral e futurista nas favelas, aldeias, periferias, guetos, bolhas, cultivos e radicalidades de lugares de fala e representatividades de matriz tradicional das cosmologias orais. Reconhecemos identidades, porque identidade é processo que todo mundo passa, flui e se transforma continuamente através da língua.

As danças que me levaram ao escadão e aos atos de 8 M, onde testemunhei o bloco feminista, me fizeram sonhar com a possibilidade de existência e florescimento em algum futuro esperançável, possível, atingível. Nos anseios das marcas coloniais, falar e estilhaçar a máscara do silêncio é processo que reconhecemos como fundamental para saneamentos básicos, interlúdios médios e espiritualidades superiores na coletividade à Audre Lorde. Os gritos se espalham feito os das etnias que tentaram apagar nas fogueiras da história única positivista do desamor.

Não é e nunca foi privilégio fúnebre. É sobre a democracia em vertigem. As narrativas da favela que romperam o asfalto fluem com sementes de novos pensares e repensares para o futuro. A luta pela vida é a mãe de todas as lutas. Reviravolta de Gaya. Não esqueço do texto de Marinete durante o dia dos finados. Ancestral não morre. "Minha solidariedade a todas as famílias que não tiveram a graça de velar seus mortos nessa pandemia".

arte de H. Locatelli, na Vila Madalena

A fé não se perde de mim porque sou sagrada, você percebe que coisas gigantes iniciam em faíscas? Não serei interrompida. Quantos mais tem que morrer pra essa guerra acabar? Produtores da riqueza, gente não é pra morrer de fome. Das entranhas, sou encruzilhadas. Sou porque nóiz somos, elas foram, muitas virão, inclusive nas diferenças não-narcísicas e do anel de tucum e do transfeminismo negro e favelado das retomadas e florescimentos das falas de Ediane Maria, deputada eleita.

Mata gente e Mata rio. Corria um rio dentro de mim. Pagamos por vidas em economias e ecologias do desastre para reconstruir lugares bombardeados em destruição e ruína, comendo em lata e bebendo em caixinhas nas eras de isolamento. O 20 de Novembro existe porque o 13 de maio é uma farsa.

Carrefour 24h da Av. Paulista na altura da Consolação que fechou as portas pra passar em branco nos atos de 20 de novembro de 2021 em São Paulo que relembraram da memória de João Alberto, em Porto Alegre, ocorrido um anos antes

As rosas da resistência nascem do asfalto. As saídas para o Brasil. Luta por memória, verdade e justiça. Não é possível a gente fazer valer a justiça sem memória, porque a memória é a possibilidade de produzir verdade, e a verdade é a possibilidade de fazer justiça por tantos antes que vieram antes de nós carregando dor e resitência. KYLOMBO E ALDEYA.

Na época de Denilson Baniwá e mulheres que viram onça como Juma Marruá para defender os seus do Velho do Rio. Larga mão, Joventino! Peço perdão à mulher cuja voz na abertura ecoou do ATL 2022. Agradecemos à presença da depuada eleita Leci Brandão e sua filha, que ritmou um "erque essa cabeça mete o pé vai na fé, manda o bozo embora, pode acreditar que esse dia vai raiar, nossa hora vai chagar". Falamos ainda dos lutos de injustiça invasores e golpistas em épocas antidemocráticas dentro da própria estrutura executiva. Como sobrevivemos a tudo isso? Não sei. Kylombo e Aldeya, que vi pela primeira vez em Ribs, volta à cena. Justiça climática e de memória andam e caminham juntas da luta. Nosso luto é luta, nos levantando das cinzas do carnaval. Optamos, a partir daqui, por uma exposição em álbum fotográfico.

Fonte: Ribs.

Abril indígena com 8M ecoando. Matriarcados, o que seriam? O que são? São repetições de outros? São justiças ou vinganças? São estratégias ou intuições? E/ou? Pastor Henrique Vieira, deputado eleito, nos mostrou as religiões que percorrem as lutas cristãs e macumbeiras de verdade, de Chico Mendes, Luther King, Palmares e Jesus. Dandara, Maria. Combater a violência política de gênero entendendo gênero de forma inclusiva, estimulamos as candidaturas de mulheres negras, trans e indígenas com as pautas dos movimentos, articulações e coalizões de base e rayz, sustentáculos de fotossíntese artística de luta política e de intersubjetificação. Nóiz queremos o nosso, não tamo pedindo nada de vocês.

Profissionais da saúde da linha de frente médica do Brasil, das pluralidades de vivências de mulheres negras e populações racializadas, como as mulheres indígenas, resistiram durante toda a pandemia, adoecidas fisica e mentalmente por novos pactos civilizatórios de poder e decisão brasileiros e estrangeiras. Façam algo a mais do que já fazem para que não sejamos todas movidas aos perigos de extinção da onça, onde viramos notas de papel aprisionadas em carteiras corruptas de racistas religiosos e climáticos.

Miss Beleza Universal. Doralyce. Privilégio fúnebre é de quem? De quem são as balas que mataram Marielle? PF, armas da PC, e os presoso foram homens ex-policiais. Bicho. Lixo. Bicho. Lixo. Que eu não sou! E temos que andar de blindado no Rio, mesmo eleitas, porque o presidente é miliciano. Invoca orixá, buda, jesus e chega quem você chamar. Os tambores não param, as cantigas também. O violão é ressignificado. Ancestral não morre, mesmo quando tentam cancelar nossas infâncias.

Carolina Iara deu o papo contra transfobia e racismo contra a banalidade do mal racista e necropolítico da violência antipolítica de gênero misógina, porque vidas negras, trans, intersexo e indígenas importam. Rosas companheiras.

Sabemos o que é liberdade se estamos nos trabalhos precarizados de uma sociedade etnogenocida? Ah, Basquiat, se soubessem que os dialetos e vernáculos do creole não ecoaram direito na colonização reversa do projeto haitiano por aqui. Conta pra pagar, banco pra dever, sistema carcerário quer prender você, não vai se aposentar, trabalha até morrer. Efeito manada da boiada passando em rebanho. Sair da zona de conforto pra dizer não, porque não é não.

Quantos caminhos vemos nessa thumb? Oh, Buda da medicina, e as estátuas que aldeiam a cidade além das árvores? Respeita as monas! Pensava em Agendas, como a da escola do parlamento, das simulações do etapa, da diplomacia nortista, e não nas negociações linguísticas simbólicas das afetividades comunitárias, de regar sementes, defender a memória e lutar por justiças e especificidades reeducadoras territorializadas pela língua. Mas, ainda pensava em 2030 semouvir atentamente à Txai.

"É violência, desemprego e repressão, tira do povo, só não tira do patrão!"

Sungeun Kim: Brasil no Meu Coração, 2021, Museu da Imigração Japonesa, Liberdade — SP, 2022.

Os documentos do bisavô de Eliane Potiguara, cadê?

Alguns são mais iguais que outros, min 53, o clube da humanidade. Restrito. Me reconheço como terceiro mundo.

Que país democrático é esse?

Vila Madalena, beco do batma
Sheila Kim, Flor de Cerejeira, 2021. Museu da Imigração Japonesa, Liberdade — São Paulo (PY).
Jamalik — Micróscópico Mundo Novo, 2019. Museu da Imigração Japonesa (PY), 2022.
Jamalik — Micróscópico Mundo Novo, 2019. Museu da Imigração Japonesa (PY), 2022.
Bruno Monteiro, 2021. Museu da Imigração Japonesa (PY), 2022.

1h e 9min é strike na branquitude.

Quem segura o céu?

As mentiras do desenvolvimento sustentável se perde nas nossas distrações de quem somos, quem nos constituímos, quem valorizamos e quem descartamos, o que estamos fazendo aqui. Não é 'só' a Agenda, é também a Agenda, porque também são várias Agendas.

Vacina sim, veneno não, VIVA O SUS!

Salve Leci Brandão! Eleita!

Salve Milton Barbosa! MNU!

Reparações históricas!

VIVA EXU!

Quem salva a mátria é o povo!

Temos um interlúdio de produção. A primeira temporada de Consciências abrange duas etapas, os quatro primeiros vídeos em formato ainda em construção, reflexões nos quatro seguintes e um interlúdio a partir desse episódio 8, com os interlúdios do ATL até as marchas transdiversas de junho e julho pelo bem viver. Foi o momento de reflexão crítica, viagens, produções bibliográficas de revisão, superação de decepções internas com catarses e criações artísticas audiovisuais além do processo de Consciências. Senti que não podia mostrar tudo naquela ferramenta e que precisava experimentar o tudo se quisesse minimamente retratá-lo no nada. Precisava voltar pra base e viver o luto familiar que por vezes eu fugia com lutos coletivos para a luta. A abertura e a experiência online do ATL 2021 foi antecedente de 2022, me explicou 2022, e me deu forças para fazer a minha passagem de ano definitiva ainda dentro daquele processo de independências coletivas memoriais de intersubjetificação.

Foi um logo processo de idas e vindas até a conclusão desses cursos que continuam a ecoar e fluir em minhas ideias. O contato com saberes dos mais velhos, as escutas atentas aos mais novos, o respeito entre todos meus iguais, tudo veio de um cultivo de retomada, reconexão e memorial.

A bandeira de Consciências foi pensada a partir de uma Araucária com o template da bandeira paulistana, com bandeira indígena de referências ladinas locais, pela luta anticapacitista, quilombista, alfaiateira, lésbica, gorda e que leve em conta gerações e etarismos.

Depois dos pesados meses de março e abril para repor meu sentimento de aluno especial, após 4 meses, surge a bandeira e as dinâmicas propositivas mais enraizadas do processo de Consciências. A partir do retorno à base, usando da comunicação da alma, e amparados em uma teoria bibliográfica em constantemente revista e ouvida.

Superar o medo se torna essencial em toda essa dinâmica. Sair da zona de conforto, se permitir ser agente artístico na atividade, passividade e até quando pensamos transitar entre a neutralidade e a fluídez de cada experiência amorosa natural nos territórios intercomunicativos.

Desde Itapevi, ecoando bell hooks e Audre Lorde, caminhamos por muros e paineis de grafitti e andamos entre os templos Zulai.

Kaê Guajajara, que já aparecera desde sementes, surge com seus versos em Filha da Terra. Se homofobia é ter medo, precisamos aprender e reaprender a cancelar e reconhecer nossos medos em ressignificações não-tóxicas, não-binárias e anti-suicidárias.

Quais vozes contam as histórias que a história não conta? Temos paciência para ouvir? Escutar? Ler? Nenhuma democracia existe sem seu povo para defendê-la e sustentá-la. Muitos tombaram para que hoje tenhamos o privilégio dela, ainda que com suas muitas falhas. Mas as vozes ecoam. Tá na hora de levantar.

Lembro sempre com muito carinho do MASP. Não apenas pelas exposições, pelo vão livre que tá sempre em ocupação, ou mesmo os rolês que sempre trombavam e passavam por nóiz. O MASP me lembra um lugar, que mesmo no centro da cidade capital, me traz uma espécie de acolhimento em meio a selva de pedra e de rios soterrados. Entre o museu dos povos indígenas, a bienal do livro, os cantos de Bruno Pereira, o Roda Viva de Erika Hilton. Lembro, de 2019, ainda das exposições de Djanira. Agora, Joseca Yanomami. Rolês pelo Memorial da América Latina e do Museu das Culturas Indígenas. As falas de Arunã Siqueira na 5ª Marcha Trans em SP, que Deus é não-binárie.

Mamoruna, a cultivadora originária de urucum, documentada por Joseca Yanomami na exposição do MASP no segundo semestre de 2022.
Ato do dia 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas conduzida pelos Guarani Mbya do Jaraguá e pela campanha São Paulo é Terra Indígena de Sonia Guajajara e Chirley Pankará
Mamoruna, a cultivadora originária de urucum, documentada por Joseca Yanomami na exposição do MASP no segundo semestre de 2022.

Após dois interlúdios — seja no trailer ou mesmo nas reflexões sobre o medo, o exercício de erguer as vozes novamente em uma circunstância de tudo ou nada eleitoral trapaceador e apropriador, disputar as narrativas da memória se tornou ferramenta estratégica para nós. A reconstituição de conectarmos nossas tecnologias na visita das margens do Rio Ypyranga e Tadamanduate´y foram cruciais e aliadas importantes nos momentos catárticos de desatenções, preparações e sintetizações dos processos de luta. Isso também rolou de norte ao sul da cidade, indo de Parelheiros até Carandiru e Jaraguá, inclusive, também entrando 'invadindo' com testemunhos da reconstrução final do Museu da Independência. Disputamos o lugar de independências e interdependências em dialéticas não-binárias e não-maniqueístas de ver o mundo de forma complementar, singular e plural.

O encontro lendário com as parentíssimas Juão Nyn, Eliane Potiguara e Ailton Krenak na Bienal do Livro de 2022.
Eliane Potiguara poetisa "Brasil"
Hulda Guzmán — Entrega de Confiança, 2017, MASP, 2022.

O espectro é um feixe de luz, ele nos ilumina, refrata, reflete, ele é construído de muitas cores, e todes são muito inspiradoras. O coletivo de grupo todes me trouxe muitas experiências, inclusive em um início com a necessidade da comunicação não-violenta em diálogos de situação de vulnerabilidades e estigmas históricos que se acentuaram na pandemia.

Porque o filho da mulher veio salvar o que se tinha perdido. Memórias e territórios como as da Xakriabá e Mandume, sem esquecer de avatar.

Com uma temporada mais visual e com depoimentos mais fluídos para verdadeiras aulas crya, conjunturamos e compreendemos que a última peça, ancestralidades, compõe a síntese final do processo inicial de reciclo e transição para futuros renováveis mínimos, básicos, emergentes e insurgentes. Acompanhamos que, apesar da Copa, e por causa dela, houve silenciamento do 20N no Brasil pós-eleição na lua de mel integrativa de transição ampla e nos proveitos de veículos midiáticos hegemônicos, sempre entorpecidos com as bebidas do hexa que esquece os verdadeiros seis títulos que o Brasil possuí: seus biomas, sua diversidade de cultura e de gente, apesar dos branqueamentos imperialistas, batam palmas e abram alas para Pelé e Marta.

Essa jornada é conflitiva em seu âmbito de tentativa de processo étnico-racial de escuta e construção de espaços seguros. Mesmo com todos os crimes ambientais e de vigilância do trabalho e sanitárias cometidas nas explorações de trabalhadoras e trabalhadores extrangeiros, a autonomia da destruição do próprio patrimônio para conteúdo bélico, anti-jornalista, misógino e racista baseada em teleologias dissolvidas dos terrorismos monopolístas dos reinados brancos, europeus e/ou nortistas das novelas do imperialismo excludente, farmacêutico e suicida.

Atentamos para como, desde bem antes de 2013, os movimentos sociais protagonizaram reeducações transformadoras nos territórios das metrópoles embranquecidas ao sul e sudeste do país. Os reconhecimentos de Palmares na proporção sulista que se deu, iluminou e inspirou as lutas em maioridades, da mesma forma que o ATL 2022 fez 18 anos. Nesse período de participação afirmativa, lidamos com muitas reviravoltas, muitas vitórias, muitas derrotas, muitas cinzas, muitas fênix.

Eu estreei em atos nas ruas em 2013, ainda numa perspectiva branca antissistema, mas ao menos não-burguesa, e isso não faz da minha experiência militante algo inferior ou menor, porque o debate não se trata de medir tamanhos de militância e de suas avaliações a partir puramente dos contextos e linhagens. Uma vez que não existem hierarquias de opressão, e sim interseccionalidades intersubjetivas negociadas e escrevividas, vejo na pedagogia militante o caminhar esperançoso por dias melhores após tanto tempo de sofrimento para mim e para os meus e as minhas, após cada dia esperando boletins médicos, esperando as pessoas chegarem em casa sem sintomas, tendo de ouvir asneiras, desamparos, masculinidades tóxicas, frágeis e suicidas de figuras que deveriam nos representar mas bem agem como o CIStema de comando brincando de marionete para saquear, distrair, enlouquecer, manipular, extorquir e aterrorizar a todes nóiz, inclusive eles mesmos, porque sequer controlam a própria onda reflexiva de estupidez linchadora e miliciana.

As vozes de Consciências são vozes de cura que busco homenagear, ecoar, reforçar e me reeducar, e entendo que esse processo é coletivo.

A primeira vez que tive contato com o feminismo, pra além da teoria, foi em casa. Mas, no ambiente de construção social de quem experenciou a transição para a vida mobile, o papel das redes sociais em fortalecer e enfraquecer ambientes de luta sempre esteve presente em atitudes mesquinhas, cyberbullyings, racismo digital e misoginia online. Foi uma linguagem acompanhada de Panico na TV, programação de futebol de monopólio cartola e bicheiro, entre outras socializações que só ganharam um papel mais devidamente crítico e engajado a partir da leitura de blogs, fóruns, sites e notícias comprometidas com justiça social. Fui influenciado a sempre ler Veja, CartaCapital e além delas, e tive o privilégio de escolher por vezes passar por longe desses veículos, e investigar pelas margens, como me aconselhou Harari desde meu encontro com ele em 2019 no Salão Simón Bolívar no Memorial da América Latina.

O feminismo que me levou até aí foi construído em Orkut, MSN, Cosmopax, The Sims, Pokémons e demais jogos da vida real, onde gastamos atenção com simulações, afinal, vivemos no mundo simulador do agenda setting racista e supremacista, e eu fui educado nesse meio estrutural e estruturante, portanto tenho o dever mínimo de tentar mudar a mim e aos outros coletivamente. A linguagem ofensiva era um artífice menos comum, minha sensação desconfiada de hoje aponta, mas levo de parâmetro os ambientes de hoje que são de milícias digitais, monopólios coloniais Big Tech e desinformação massiva generalizada e apropriada institucionalmente de forma autodestrutiva antidemocraticamente.

Nos primórdios de 2000, lembro que meu tio uma vez me puxou de canto. Ainda não tinha um celular, aqueles tijolos de metal que não eram tatchi, touch, sei lá. Só os adultos tinham. Era uma pedra cinza macissa e indestrutível. Perdi as contas de quantas vezes eu e meus primos jogávamos ele pra cima e pra baixo e não aparecia uma rachadura. Tenho celulares guardados dessa época que funcionam até hoje.

"Meu fio, deixo te falar. Eu vi que você tá nesse Orkut aí, mas você tem que vigiar. Não pode marcar, não se pode confiar em tudo que vê na internet"

Foi algo assim. Chama a atenção como até hoje, redes sociais são consideradas a própria internet, e dignas de confiança absoluta pelo grau de intimidade que desenvolvemos com as empresas que nos governam comunicacionalmente. Os aplicativos mobile fazem delas conexões diretas, sem ter de passar por algum site regulador prévio. Naquela época, nem mesmo pra baixar jogos piratas podia se sonhar em ter isso. O fato é que essa frase marcou muito em minha mente, não apenas na constituição jornalística, mas também na desconfiança simbólica, paranóica mas alerta das criticidades necessárias nos ambientes de sobrevivência, resistência e luta da comunicação digital que desde Occupy e o WikiLeaks me legariam com distopias orwellianas da vida real.

Entre a criação de perfis fakes, como chamávamos mesmo, fakes, vários e-mails e nomes diferentes para ter perfis de atores famosos, músicos, artistas, personagens de animes. Eu cansei de fazer fakes de Rock Lee, Hermione Granger, Naruto e até de Daniel Radcliffe. Performávamos não apenas papeis construídos nos produtos midiáticos, ansiávamos por performar os próprios performers.

No Facebook, essa migração ocorreu de forma rápida, natural e acompanhada das bolhas. Lembro que para todes, chegaria uma hora o convite. Alguem amigo de alguém viu que você não tava lá e achou dahora te chamar. Quem era muito comunicativo, atualizava perfil, colocava música e já incorporava elementos de influenciar influenciando-se. Eu fui movido por jogos nessas redes. No Orkut, fui brabo do colheita feliz, até que meu perfil foi hackeado. Eu mesmo já havia passado por desentendimentos na rede, que devo dizer, serviu de gatilho e válvula de escape para os momentos que me sentia silenciado e sozinho por questão de idade e identidade na infância.

A adolescência digital das grandes duas, Face e Twitter, no Facebook acompanhou períodos de reafirmação, publicações sem filtros — ou pelo menos com filtros hoje interpretados após as Primaveras como posturas tóxicas, expansivas e invasivas de comunicação por vezes agressivas, desnecessárias e imaturas. Lembro que no episódio de deletar tweets que rolou com influencers em 2018, eu encontrei muito conteúdo misógino, homofóbico e racista que havia publicado, e que fui me conscientizar como agente do racismo estrutural com privilégios e vulnerabilidades apenas como processo ainda atuante, recente e autocrítico.

Porque tantos perfis foram caçados? Havia, na época, e ainda há um clima geral de disputa por maior radicalidade, invertendo o seu próprio sentido justamente por esvaziá-la em busca de atenção, aprovação, likes e formatações algorítmicas que fogem dos perfis comunicativos tradicionais e ancestrais. O racismo estrutural e estruturante bebe dessas fontes e ainda se encontra na gramática de grupos neonazistas que tem crescido em todo o país. Há uma resposta na busca por um padrão antirracista mínimo na opinião pública, mas esses limites sempre são ultrapassados por sutilezas, apitos de cachorro e violências simbólicas supremacistas. Fazer parte dessas ceitas ajuda os imbecis de plantão a superar lutos de forma coletiva dentro da masculinidade restrita e restritiva de seus espaços de formação social, geralmente em ambientes classistas, racistas e xenófobos.

O ambiente Face-Twitter como internet no Brasil fomentava não apenas esse tipo de comunicação, como não haviam ferramentas de denúncia adequadas e minimamente disponíveis para atendimentos em episódios de violência. Não foram poucos os fóruns que tive acesso em que haviam espaços seguros, de acolhimento e diversão coletiva, mas por vezes tinhamos de ser vizinhos e até mesmo conviver, como é na vida real que reflete esse digital, com episódios de racismo recreativo, ataques homofóbicos e expressões de masculinidades frustradas, narcísicas e com um limiar de violência abusivo e supremacista, num espírito de que tudo pode, lidem com isso, deal with it, oclinhos turn down for what, aquela memaiada toda que virou angu do MBL pra fortalecer as imbecilidades do pato amarelo da paulista que alimenta os tiozão e os mulecão do zap até hoje.

Entrei na faculdade no semestre em que Temer decidiu abandonar Dilma e declarar-se pelo golpe de vez. Com apenas 18 anos, minhas leituras de mundo haviam sido influenciados por ambientes das redes naquele momento. Foi o ano da Primavera das Mulheres, das campanhas coletivas feministas que aconteciam com filtros, hashtags, twittaços e a disputa dos Trends com a luta por direitos reprodutivos contra a cultura do estupro e o patriarcado capitalista racista. Esses assuntos se intercalavam e vinha hierarquizados para um feminismo branco burguês entre as linguagens das pocs mais frequentes em que tive contato.

No sítio que frequentava, era comum que essas bolhas reproduzissem também o racismo, principalmente contra judeus árabes, o que causava confusão entre grupos asiáticos e um não lugar que sentia de minha corpa no momento. Falava-se de lugar de fala, mas ninguém nunca tinha feito o básico de buscar e ler o livro. Falava-se de apropriação cultural quando debatíamos Eminem no hip hop, sem apelar para Djonga em "sua vida não é um 8 mile", mas para lembrar da condição de classe não como divisor em um debate em que só se enxergava gênero, e um gênero, o que sequer era das amarelitudes presentes, e sim das branca que esvaziaram o conceito de lugar de fala para interdito, ignorância e discurso pronto acrítico, racista e masculinista.

Durante o período golpista no governo, 2016 até 2018, fui formado em grupos como Share Your, LDRV e as bolhas socialistas do Black Twitter. Acompanhava o ecossocialismo de Sabrina Fernandes, não ouvia mais Cauê Moura. Fui mudando a sintonização para cobrir um 2018 com equipamentos e insumos intelectuais mais apurados, frutos também de viviências nos territórios, jogos e demais práticas que me aproximaram de uma condição técnica de trabalho mínimo, ainda que explorado e no lado autodestrutivo extrativo. A mudança e a opção pela academia nessa continuidade se fez de modo muito natural e que percorreria até minha formatura em 2019.

Nessa época, já editava a atualização do TCC ouvindo rap, voltando para Poetas no Topo, acompanhando Atentado Napalm, BK, Emicida, Djonga e rappers que ainda que muito masculinos, já me abriam novas visões. Drik Barbosa, mesmo minoria entre as escutas, era a maioria epistêmica de expressão espiritual que poetisou nos fones. O mundo que antes eu só gritava, parei pra começar a desacelerar do caminhante ouvir. Podcasts, músicas, raps, gêneros, vídeos, documentários, stories, futuros reels, tik toks, tweets e posts do Face se acumularam nessas produções as quais ainda eu me senti inconformado em não ter redigido um projeto audiovisual até então, que combinasse elementos atropológicos não antropocêntricos de forma documental, memorial e de luta ancestral, com a ubiquidade, o perder-se, o pedir desculpas e agradecer. Todos esses processos vieram junto de apropriações, em momentos onde era e tem sido difícil de articular vivências e poéticas que ecoem nossos sentipensamentos interconectados e por mais que possam ser apropriados, ressignificados e transbordados, continuam nosso, e quando se tornam propriedade intelectual privada, financeirizada, datificada, perseguida e monetizada perde todo seu valor emancipatório e educativo.

Entendemos o processo Consciências como uma jornada educativa observativa e contemplativa de etapas de superação de lutos pela inteligência coletiva não apropriadora, inclusiva, reflorestal e estruturante. Entendendo esse papel dentro de um contexto de homenagem e luto pela memória de duas grandes professoras de minha vida, bell hooks e Tia Nãnã, pessoas cujos tempos sombrios e decepcionantes da necropolítica adoeceram suas experiências finais de vida, mas que apesar das fatalidades, perdas, silêncios e porquês deixados pelos caminhos, sabemos que temos de continuar a caminhar mesmo quando a chuva não para. Porque se pararmos é que mia de vez. É continuar, de cabeça erguida, por quem honramos e pelo legado que desejamos semear. Isso não tem preço, isso não tem direito autoral, isso é transcendental e originário bem antes de suas leis, porque a fala é que fez a lei, e não o contrário. O cala a boca já morreu, mesmo entre e se vier de meus irmãos e irmãs, porque às vezes precisamos procurar apoio na família de nós mesmos, sem narcisismo, mas entendendo os timings, contextos, anseios, medos, destinos e trânsitos, nas lutas educativas próprias, coletivas e para além dos corpos que soletram palavras. Isso é ônus e bônus de ser sujeita-coletiva.

A quem possa ter se ofendido em meio a essa jornada turbulenta e cabulosa, meus mais sinceros perdões, desculpas e peço que entendam os momentos, as tentativas, as buscas, os estudos e os momentos de aberturas por reparações devidas que devem ser constantes e ressignificadas. Nunca é intenção fazermos qualquer tipo de dano e apagamento, apesar de sabermos que os processos artísticos se fazem dos atritos, e que por vezes o processo não conseguiu desempenhar todo seu potencial emancipatório, como toda arte de bicho é.

Esse processo não acabou e nunca acabará, e não foi fundado por minha pessoa e minha autoria, apesar de eu ecoá-lo e ter responsabilidade por esses atos. Todos nóiz temos. Devemos todos os dias fortalecer a mente pra o que realmente importa: um futuro que não seja de extinção, medo, refúgio, individualismo, aniquilação, pandemia e robotização. Todas as ações que pudermos mobilizar para evitar guerras suicidas desse tipo devem ser consideradas em um amplo espectro de responsabilidade, coletividade e inteligências estratégicas sentipensantes, empáticas, respeitosas e minimamente compreensivas. E mesmo assim, vamos errar, acontece, não somos perfeitas, mas quem disse que não podemos tentar? E de novo?

Nesse 1 ano de Consciências sou grato, grata e grate a todes todas e todos que fizeram parte dessa jornada direta e indiretamente, nas passagens e materialidades presentes nos variados territórios que amo, às vitórias e também nos momentos de erros, perdas, perdões e considerações. Gratidão, gratidão, gratidão.

Seguimos, Aguyjevete!

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