O peso da idade para a contratação de um profissional

Jorge Rocha
4 min readNov 27, 2018

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Princípios e análise de competências sempre serão pilares para a qualidade no recrutamento de profissionais. Ponto. Não há nenhum gestor guru, coach predileto ou referência em RH que você conheça que vá discordar dessa afirmação, por um motivo bem simples: excelência requer avaliação de pontos cruzados para fazer a melhor escolha. Isso é até mesmo bem básico, se pensarmos em Administração e Marketing. Essa excelência buscada ou pretensamente mantida precisa ser melhor calcada, indo mesmo na contramão de estratégias que insistem em focar apenas na idade para uma contratação. Transformação — seja ela digital, comportamental ou estratégica — passa também pela necessidade de reavaliar esse pensamento e afastá-lo.

Um post da consultora em recolocação Carolina Martins Ferreira no Linkedin me fez pensar muito nesse assunto e escrever esse artigo. Ela começa reclamando, muito acertadamente, que já deixou de ser contratada por ser “nova demais para o cargo”, mesmo já tendo alguma experiência em uma multinacional em função semelhante à pretendida. Um argumento raso dado a ela, conforme acredito. Sempre tive excelentes experiências ao trabalhar com equipes compostas por gente mais jovem que eu — algumas dessas pessoas tendo sido “rejeitadas” em processos seletivos pela pouca idade em outros momentos. Uma dessas experiências ocorreu com algumas equipes de monitores do Contramão, (jornal laboratório de uma faculdade onde eu lecionava e coordenava o Núcleo de Convergência de Mídias), especialmente na cobertura dos protestos de 2013 em todo o Brasil e suas consequências no ano seguinte.

Criamos um ambiente divertido e interativo (sem videogame ou piscina de bolinhas, como é “tendência em locais descolês de trabalho”). Estudávamos em conjunto as pautas sugeridas, a importância da contextualização local de fatos nacionais, a escolha do tema de capa e sua abordagem, além das implicações e relações com as demais matérias escolhidas para cada edição. Garantimos assim, com esse grau de envolvimento de experiências e vitalidades, a firmeza da linha editorial da publicação, carro-chefe de uma produção multimídia que seguia o modelo News Diamond, escolhido pelos monitores como a forma mais prática de atuação. Tudo isso só foi possível porque eu e Reinaldo Maximiano — também mais novo que eu — , coordenadores do NUC na época, havíamos estabelecido que as entrevistas de seleção dos monitores não levariam em conta, de modo preponderante, a idade.

Tínhamos outros qualitativos a apurar: tenacidade, experiências com práticas jornalísticas (em sala de aula e no mercado), habilidades com equipamentos e, sobretudo, a predisposição à mudanças e experimentações próprias ao modelo que estávamos implementando. Avaliávamos as candidaturas a partir daí e dávamos retorno a todos. As experiências que todos nós tivemos nos levaram a redigir até mesmo um manual de estilo e proposições, pormenorizando os pontos principais da linha editorial e unindo-os com a análise da prática dos monitores. E essa foi uma ação que partiu justamente dos alunos participantes, movendo os “mais velhos ali”. Tenho a certeza de que, se o foco fosse fechado em idade — “novo ´demais´ não é admitido — toda essa experiência teria sido muito menos rica.

Idade não pode ser fator determinante em contratação— e isso deve ser aplicado também ao mondo senior. Eu mesmo ouvi, diversas vezes enquanto procurava recolocação depois de ter passado dos 40 anos, que a preferência era por alguém mais novo e “mais barato”, pois não podiam pagar pela minha experiência. Em outro momento, recebi a seguinte resposta do RH de uma empresa, por email, à minha candidatura para uma vaga que contemplava exatamente minha expertise como redator: “Você só pode estar brincando conosco! Não temos nenhum funcionário que tenha chegado aos 35 anos”. Guardo esse mensagem até hoje, juntamente com o anúncio original, que apontava a preferência por “profissionais com experiência prévia” para ocupar o cargo. E lembro desse caso sempre que digo que planejamento estratégico para uma empresa passa também pela (re)formulação de diretrizes de contratação mais afeitas às mudanças no cenário mercadológico e social.

E há ainda outra situação em relação ao peso da idade e o mercado de trabalho, essa um tantinho mais vexatória, pois tem a ver com o possível contratante aproveitar entrevistas de emprego para puxar uma “consultoria” gratuita ou uma mão de obra sem remuneração. Respondendo ao anúncio de “oportunidade de trabalho”— ah, esses eufemismos — de uma agência, eu, passado dos 40, me vi em uma entrevista por Skype com um dos sócios e um diretor, na chamada terceira fase do processo seletivo. Currículo, expertise e andamento no processo elogiados, era hora de “um teste mais prático”, conforme disseram no momento. O teste consistia, basicamente, em traçar todo o planejamento estratégico e processos decisórios de uma ação publicitária com ambos, a partir de um briefing real dado pelos entrevistadores, omitindo o nome da empresa.

Não sei até hoje se esse era um procedimento padrão, empregado também junto aos demais concorrentes; mas sabia, na ocasião, que a agência havia conseguido recentemente contas de duas empresas grandes e uma delas cabia exatamente no perfil delineado e demanda a atender. Segui adiante, sem apontar que tudo aquilo parecia uma consultoria gratuita, utilizando como resposta os mesmos processos de uma ação bem-sucedida que a própria agência havia estabelecido para outra empresa semelhante, três ou quatro anos antes. Propostas e encaminhamentos aceitos e elogiados, despedi-me dizendo que qualquer profissional que trabalhasse na agência há 5 anos, pelo menos, seria capaz de fazer o mesmo, independente da idade. Não sei se a ironia foi compreendida: nunca tive qualquer resposta sobre o resultado dessa entrevista.

Cogito que talvez pensassem que um profissional mais novo aceitaria isso sem ressalvas.

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