Editorial

Reitoria sucateia a universidade da mesma forma que o bolsonarismo sucateou o país

Jornal A Greve
4 min readSep 24, 2023
Estudantes durante assembleia na FFLCH. Foto: Felipe Penteado

Os alunos da USP estão exaustos e deprimidos sem a perspectiva da educação de primeira qualidade prometida em rankings internacionais. No dia 13 de setembro de 2023, os estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) foram informados de que a graduação em Coreano, única da América Latina, estaria suspensa nos próximos anos.

Tal notícia se somou às dezenas desse tipo: no início do segundo semestre, 11 obrigatórias foram suspensas no curso de Artes Visuais sem aviso prévio aos alunos que se matricularam; o curso de Obstetrícia começou o ano com apenas dez dos 24 professores necessários; mais de dez disciplinas estão sem docentes nos cursos do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina (FoFiTo).

Diante do cenário de desmonte, os estudantes começaram a se mobilizar. Na segunda-feira (18), os discentes noturnos da FFLCH estavam a caminho da aula quando foram pegos de surpresa pelo e-mail da diretoria, assinado por Paulo Martins, que suspendia todas as disciplinas daquele dia, sob pretexto de dano ao patrimônio público, e ordenava que a guarda universitária expulsasse os alunos dos prédios. A ação do diretor é simbólica e representa o desrespeito com que a Universidade vem tratando seus estudantes. De saco cheio, o corpo discente se mobilizou: a educação prometida deveria ser entregue e os demais problemas resolvidos. A considerar a verba bilionária que a Universidade possui, contratar professores e garantir a permanência estudantil não deveriam ser problema.

Desde então, a FFLCH está em greve e ocupando os prédios, com todo o cuidado aos materiais e equipamentos públicos, que têm papel fundamental na Universidade. Documentos históricos, por exemplo, não foram tocados pelos alunos, que têm plena consciência de que fazer greve não é sinônimo de estragar o que é benéfico, histórico ou culturalmente importante. Ao longo da semana, estudantes de diferentes institutos também se mobilizaram para realizar assembleias e apoiar a greve geral na Universidade.

A Escola de Comunicações e Artes (ECA) é um dos institutos que aderiu à greve. Uma das reivindicações particulares de seus alunos é a retirada das grades que cercam o espaço estudantil, conhecido como Prainha, que, em tese, é público. As grades foram erguidas em 2017 e tornaram o local mais vazio e perigoso. No entorno há, inclusive, relatos de sequestro. A decisão de limitar e controlar a entrada e a saída foi tomada pela diretoria do instituto sem aviso prévio aos estudantes e vai contra o inciso 1 do Art. IV da Lei 14.223 de espaços públicos na cidade de São Paulo, que garante “o livre acesso de pessoas e bens à infra-estrutura urbana”. Depois das 21h30, os estudantes não têm permissão para acessar o local e o controle é feito pelos seguranças na portaria do prédio central, a única entrada oficial para o espaço. Na quinta-feira (21), os estudantes derrubaram parte da estrutura.

Perguntamos a você, leitor, se pensa que destruir uma grade que cerceia a liberdade de ir e vir num espaço público é, mesmo, comparável a defecar em uma das salas do Supremo Tribunal Federal?

Lutar por educação de qualidade é equivalente a quebrar artefatos de valor histórico imensurável no Palácio do Planalto? A manifestação contra o desmonte da universidade pública é igual ao clamor pela suspensão do Estado Democrático de Direito?

Seguimos. Se o corpo estudantil mandou alguém “se foder”, é porque todos os dias a instituição esfrega na cara deles que estão destinados a se foderem com o encolhimento em 17,56% do corpo docente, de setembro de 2014 a agosto de 2023, segundo a Associação de Docentes da USP. Em vídeo gravado no dia 18, quando as aulas na FFLCH foram suspensas, é possível ver o diretor da faculdade mandar o diretor do Centro Acadêmico do curso de Letras “tomar no cu” e, logo depois, a multidão estudantil fazer coro pedindo respeito aos estudantes. É fácil divulgar apenas o momento em que o outro lado erra, não é mesmo, diretor?

Paulo Martins jogou a culpa do déficit de docentes na burocracia para a contratação de professores. Ela é, de fato, um problema, mas falta boa vontade das diretorias e da reitoria em tornar o processo mais prático. E a Universidade tem ciência das dificuldades. Nesse caso não seria mais inteligente começar os processos um semestre antes da saída do respectivo professor? Ou ainda, no exato momento que é determinada a saída (por exoneração ou aposentadoria)?

O que tem sido feito com frequência é a contratação de professores temporários. Eles lecionam por 2 anos e, depois disso, são dispensados e um novo processo de contratação temporária é feito. Isso afeta a linearidade de ensino e o escopo de aprendizagem.

Os Centros Acadêmicos da USP enfatizam a necessidade de contratação de técnicos administrativos responsáveis pelos concursos públicos, pois eles também estão sobrecarregados. Assim, tornaria os processos mais rápidos. Por que o gabinete da reitoria não pensou nisso antes?

A questão é tão intensa que a falta de contratações sobrecarrega aqueles que já estão trabalhando. Segundo o Anuário Estatístico da USP, houve um aumento de 48% de estudantes por docentes de 2010 a 2022.

Então me resta perguntar a você, caro leitor, a manifestação estudantil da USP, exigindo contratação de professores e ensino de qualidade, não é legítima?

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