A política da sociedade em rede — Manuel Castells

Jornalismo ESPM 2017.1
7 min readJun 13, 2018

--

Manuel Castells, autor do livro “A sociedade em rede”, estudou a sociedade contemporânea. Mesmo sendo um cientista social, ele pesquisou temas como a comunicação mediada por computadores, mídias digitais e o ciberespaço. A área de estudo de Castells não é nem a internet e nem as mídias digitais, mas para entender uma sociedade cujas relações são permeadas por tais elementos, ele os pesquisou. E a partir desses estudos o cientista fez uma análise sobre as características do que ele veio a classificar como “sociedade em rede”.

Primeiramente, é necessário entender como funciona essa comunidade. Uma rede é feita por um conjunto de nós, que são elementos que se comunicam entre si. Os nós podem ser qualquer coisa: em uma rede social, por exemplo, as pessoas seriam os nós. Os sites seriam um nó de vários nós e a Internet, consequentemente, uma rede de redes. Além disso, as fronteiras das redes são delimitadas pela conexão entre os nós e, como essas conexões podem ser criadas ou eliminadas a qualquer momento, a sua forma vive em constante mutação. As redes não se limitam por barreiras do plano “real”, como as fronteiras entre países ou estados.

Em uma sociedade em rede o poder é exercido a partir de redes e graças a isso, a economia também segue essa mesma lógica. Segundo Castells, o modelo de rede se adapta bem às configurações do que ele próprio classifica como capitalismo informacional: a circulação da informação é rápida e dinâmica, e graças a essa velocidade, novidades estão presentes o tempo todo, tornando a instabilidade constante o padrão do mercado. O controle das informações que quase sempre foi visto como um problema de segurança, hoje, se torna uma das preocupações fundamentais de Estados, corporações e indivíduos. É a partir da informação que o sistema capitalista contemporâneo se organiza.

Castells observou também que qualquer informação pode ser alterada, completada ou cancelada por uma nova, muitas vezes sem dar indícios dos caminhos seguidos. Essa ideia foi trabalhada também no filme de ficção científica Anon, escrito e dirigido por Andrew Niccol. Na história, os seres humanos vivem em um sistema onde não existe crime e não há privacidade: tudo é registrado e o que cada indivíduo vê vai para o seu próprio banco de memórias. Essas memórias podem ser acessadas por profissionais, como detetives, mas hackers começaram a encontrar falhas no sistema e se tornaram capazes de apagar e substituir essas informações, ameaçando a construção dessa sociedade.

O teórico também observou a globalização dentro da sociedade em rede. Os fluxos de troca de informação, assim como as redes, não respeitam fronteiras nacionais. Dessa forma, esses câmbios acabam criando hábitos nas culturas locais e, de uma forma ou de outra, a disseminação e imposição da lógica ocidental. As ações políticas e econômicas têm seu alcance ampliado, já que os limites das próprias corporações se expandiram a nível global, e a demanda por informação torna-se tão ampla quanto forem os espaços de atuação do capitalismo contemporâneo.

Entretanto, o cientista ressalta que quanto mais a globalização se estrutura em cima de redes de informação e atuações com escala supranacional (derivadas, em grande parte, da expansão política e de mercado do ocidente), mais ela esbarra em resistências locais. Baseadas na ideia de “identidade”, as fronteiras nacionais e fundamentalismos acabam ganhando força.

Os fundamentalismos são, de certo modo, antíteses ao ideal da globalização, mesmo que os dois utilizem, por vezes, as mesmas redes de informação, como as redes sociais. A sua descentralização, a repercussão global de ações locais e a velocidade com que isso “viraliza” são igualmente adaptados a uma sociedade em rede. Eles levantam ainda a questão da identidade.

“Identidades, sejam pessoais ou coletivas, costumam se organizar a partir de vínculos que reúnem indivíduos a partir de algum traço, mais forte ou mais fraco, em comum.” (MARTINO, Luis. Teoria das Mídias Digitais: A política da sociedade em rede: Manuel Castells, p: 103. Rio de Janeiro: Vozes.2014)

Além da definição de Martino, Castells chama atenção para o fato de identidades também surgirem a partir das diferenças: eu sou alguém porque não sou algum outro. Em uma sociedade global, a reafirmação dos elementos da identidade e a construção de barreiras baseadas na diferença ganham importância na medida em que os elementos fundamentais da identidade, como a cultura e as práticas sociais locais, são integrados a uma perspectiva global.

Martino ainda argumenta que as mesclas entre as culturas são um resultado dessa articulação, mas ressalta que os fundamentalismos e mesmo a violência contra o diferente são algumas das consequências extremas que a globalização e a sociedade em rede fomentam. O ataque ao jornal francês Charlie Hebdo foi uma dessas consequências. Motivados pela intolerância e por um charge satirizando o profeta Maomé, publicada pelo jornal anos atrás, dois homens entraram na sede da empresa e mataram 10 pessoas.

As representações que os seres humanos fazem da realidade são um dos principais elementos responsáveis para a constituição dessa mesma realidade. Segundo Castells, a humanidade está imersa em uma trama simbólica de representações que os próprios seres humanos compartilham entre si. Só que, como a comunicação na era contemporânea passou a ser pauta pela utilização de computadores e aparelhos eletrônicos como o celular, esses símbolos foram apropriados para o meio digital. O cientista analisa que, dessa forma, a realidade é capturada e acaba sendo reorganizada nesse meio, se tornando parte de um universo de conexões.

Porém, Castells ressalta que ela acaba voltando e fazendo parte da realidade de onde veio. Essa ligação contínua entre o “real” e o “virtual” é denominada por ele como “cultura da virtualidade real”. A noção de “virtualidade real” se baseia na ideia de que não precisamos de nenhum aparelho para vivenciar essa realidade dentro dos meios digitais, bastando apenas estar próximo a uma tela digital. Ou seja, na concepção de Castells, não existe fronteira entre o “real” e o “virtual”. Esse ideal vai contra a crença que era defendida anteriormente, que acreditava que a “realidade virtual” só poderia ser acessada com o auxílio de eletrônicos.

Essa quebra entre esses dois “universos” permite uma contínua troca de ideias, até mesmo sobre o controle político e as ações econômicas presentes nas redes. Um exemplo de como essa quebra é presente e influente no nosso dia a dia foi quando o Facebook começou a ser investigado por ter supostamente vendido dados privados de seus usuários para uma empresa britânica de pesquisa Cambridge Analytica. Além de a venda ilegal das informações ter desvalorizado suas ações no mercado, ela também prejudicou outras redes como o Twitter e o Snapchat. Ou seja, um caso que aconteceu no plano “virtual” influenciou na tomada de decisões de pessoas no plano “real”.

Entretanto, Castells enfatiza que no sistema das mídias digitais, dados importantes disputam espaço com “comentários contagiantes”, como memes. Isso acontece porque os sites acabam usando a mesma lógica “digital”.

Essa tendência influenciou também no campo jornalístico. Como acontece no plano “real”, os jornalis no plano “virtual” também dependem da publicidade. Dependendo do número de acessos que um jornal online receba, ele atrai pessoas interessadas em publicar anúncios publicitários no seu site. Graças a essa relação, os jornais passaram a adotar a “lógica digital” para dentro das redações, dando margem também para a criação de uma nova função: o gatewatcher. Esse jornalista é encarregado de selecionar dados em redes sociais, como o Twitter,e na internet de um modo geral, que tenham tido ou que estejam tendo grande repercussão e direcioná-las para o público, quase como um curador.

A lógica “digital” nos faz lembrar do poder das massas de repercutir algo. Baseado nos seus estudos da sociedade em rede, Castells desenvolveu o conceito da comunicação pessoal de massa: herdando a potencialidade de alcance da comunicação de massa e, ao mesmo tempo, funcionando como uma criação individual, que geralmente é direcionada a uma rede de público com interesses comuns mais do que uma audiência de massa, surge uma nova classificação para os tipos de comunicação.

Castells afirma ainda que o surgimento desse novo conceito não exclui os outros: as três formas (comunicação interpessoal, de massa e pessoal de massa) coexistem, interagem e se complementam mutuamente. Para ele, essa interação se vê clara nos hipertextos digitais.

Na sociedade em rede, as noções de público e produtor são apagadas, mas isso não exclui as grandes produtoras de mídia. A indústria cultural tem novas oportunidades e se expande também no meio digital. Ela tenta se adaptar à lógica desse meio e também tenta adaptar esse meio à sua lógica de mercado, seja utilizando sites e blogs, seja usando as redes sociais para fazer propaganda.

Porém, ao mesmo tempo em que a indústria cultural percebe novas oportunidades, ela também esbarra em resistências. A criatividade da audiência na internet desafia a separação entre as grandes produtoras de mídia/produtor e público. Porém, o teórico Andrew Kenn, autor do livro “O culto do amador”, defende que a participação de leigos no lugar de profissionais traz consequências negativas, seja para o trabalho, que acaba sendo desvalorizado, seja para os amadores, que não percebem o seu limite.

Entretanto, Castells ressalta que ao mesmo tempo em que essa audiência atua como resistência às grandes produtoras, ela também é usada como lógica comercial. Essa relação fica bem clara quando analisamos história como a da saga Harry Potter, escrita por J. K. Rowling. A história do bruxinho terminou de ser publicada em 2007 e hoje é um dos nove livros mais vendidos do mundo. Além dos filmes que foram produzidos, a Harry Potter gerou a criação de diversas fanfics, ou seja, histórias feitas pelos fãs da série, que ajudaram a manter a história “viva” e ainda atraente para as gerações que surgiram após os livros terem se tornado um fenômeno.

Vale ressaltar também que as produções realizadas pelos fãs também têm sido reconhecidas pela indústria cultural. Histórias como 50 tons de cinza, que surgiu a partir da trilogia de Crepúsculo, estão sendo adaptados para os livros e para o cinema. Esse é um exemplo em que as grandes produtoras foram bem sucedidas ao se adaptar para a lógica do meio digital e adaptar conteúdos desse meio para a sua lógica de mercado.

escrito por Melanie Martins

--

--

Jornalismo ESPM 2017.1

Plataforma para divulgação dos textos do trabalho de Tecnologia da Informação e Comunicação baseado no livro "Teoria das Mídias Digitais" de Luís M. S. Martino