Comunidade pesqueira tradicional é destruída em Maceió

Jornalistas Livres
3 min readJun 19, 2015

por Amanda Duarte para o Jornalistas Livres

O descaso do poder público para com a população da Vila dos Pescadores de Jaraguá, localizada na orla de Maceió, consolidou-se na última quarta-feira (17) com a desocupação que feriu drasticamente a vida de centenas de famílias e a identidade cultural da cidade.

A comunidade que há décadas ocupava o local, sem receber os serviços públicos básicos para a sua existência, há muito tempo passou a ser vista pela sociedade maceioense como uma mancha intrusa na bela paisagem litorânea. O termo “favela”, inclusive, sempre foi constantemente utilizado por parte da mídia alagoana, que tem grande responsabilidade em relação a essa visão que marginaliza ainda mais os moradores da Vila.

Foto: Ávila Menezes

Em vez de o poder público criar um projeto para promover a revitalização estrutural e a valorização cultural da antiga comunidade pesqueira, impôs a transferência da população para um conjunto de prédios, a quatro quilômetros de distância da Vila e numa região onde não é possível ancorar barcos, que são necessários à existência da maior parte das famílias da comunidade.

Foto: Paulo Silver

Para o historiador Golbery Lessa, a comunidade resiste por razões racionais e justas. Ele ressalta que a produção pesqueira resultante de dias de trabalho é entregue a preços baixíssimos a comerciantes do ramo, o que impõe aos pescadores uma pobreza permanente que inviabiliza, inclusive, o gasto com transporte urbano.

“As famílias resistem à transferência porque aquele território oferece um suporte geográfico decisivo para as suas relações de trabalho e sua interação com a cidade, bem como para a manutenção de sua cultura tradicional, composta por técnicas laborais seculares e pela visão de mundo próprias dos pescadores marítimos de Alagoas”, afirma o historiador.

Foto: Paulo Silver

A resistência dos trabalhadores e trabalhadoras da pesca recebeu o apoio de movimentos sociais como o Abrace a Vila. Os atos públicos e intervenções culturais realizados em defesa da comunidade, no entanto, não foram capazes de sensibilizar a gestão pública municipal para a necessidade da permanência e revitalização da Vila.

Uma das primeiras estruturas destruídas nesta quarta-feira pelas máquinas levadas pela Prefeitura deMaceió foi o templo Abaçá Airá Obá, da Mãe Vitória. O espaço de culto afrodescendente, que compõe a identidade local, estava na Vila dos Pescadores de Jaraguá há cerca de trinta anos e, de acordo com Mãe Vitória, possuía todos os documentos de ocupação concedidos pela União, pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) e por outros órgãos. O episódio, inevitavelmente, traz à tona a lembrança do Quebra de Xangô, evento de intolerância religiosa que, em 1912, também na capital alagoana, foi responsável pela invasão e destruição de terreiros, queima de objetos sagrados e espancamento de pais e mães de santo.

Foto: Paulo Silver

Mesmo com a destruição da comunidade, muitas famílias buscam formas de continuar resistindo. Algumas delas, inclusive, estão ocupando um galpão próximo à Vila. Parece que ainda há alguma esperança de que a dignidade humana e a cultura vençam as transformações em prol do capital.

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