As expectativas de carreiras técnicas no Brasil.

Jose Urbano Duarte Junior
3 min readFeb 5, 2015

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Há algum tempo resolvi me capacitar um pouco mais e fazer um mestrado. Na época eu já tinha um pouco de experiência profissional e meu trabalho estava sendo bem reconhecido. Assim, minha decisão de retornar à academia representava um risco, o de mexer no time que estava ganhando, afinal não podia reclamar do reconhecimento que recebia no trabalho. Entretanto, sempre acreditei que eu poderia ir mais além. O risco existiria, mas toda oportunidade envolve risco. Então, aceitei o desafio. Esforcei-me, criei a oportunidade e consegui vir para a melhor escola de computação dos Estados Unidos. Esse pequeno relato serve apenas para contextualizar todo o processo que, por fim, me trouxe aqui e embasar o que considero o tema principal desse artigo, a comparação entre expectativas de carreiras técnicas e gerenciais no Brasil.

Quando me mudei para os Estados Unidos tinha expectativa de encontrar alunos do mundo todo, e realmente estava certo. Estudar com tantos estrangeiros foi um choque cultural enorme. Por incrível que pareça, eles, os estrangeiros, principalmente os indianos e asiáticos, representam a maioria na Carnegie Mellon. Assim, durante o semestre acabei por fazer vários amigos orientais. Eram tantos e me relacionei tão bem com eles que, em alguns momentos, jurei estar em Bombaim ou em Shangai. A grande quantidade de estrangeiros despertou em mim uma curiosidade, queria entender quais as expectativas profissionais deles. Muitas perguntas talvez ainda não estejam completamente respondidas, mas após algumas conversas e observações pude perceber claras diferenças. O que me espantava, à medida que os conhecia um pouco mais, era a grande diferença entre o que eu e os demais brasileiros do meu programa e os meus amigos indianos, chineses e americanos procurávamos.

Para entender melhor essas diferenças vou falar um pouco sobre o programa que estou cursando. Meu mestrado em Mobilidade tem um conteúdo programático extenso, mas por questões didáticas, posso dividi-lo em uma formação técnica e uma gerencial. O programa também é bastante flexível, permitindo ao aluno dar maior enfoque em sua área de interesse. E foi justamente nessa área de interesse que consegui obter algumas respostas para minhas perguntas sobre expectativas profissionais. Enquanto os orientais se voltam totalmente para a técnica, os brasileiros escolhem a parte gerencial. A diferença de escolhas é nítida e, por isso, pude entender um pouco melhor o assunto. Conversando com meus amigos de outras nacionalidades, ficava claro que as escolhas eram diretamente influenciadas pelas expectativas de carreiras em seus países.

Em países asiáticos e no Estados Unidos é comum observar excelentes carreiras técnicas. Por exemplo, o salário médio de um aluno recém graduado no MBA de Tepper é menor ou equivalente ao um salário de engenheiro de software recém graduado na INI (escola de computação). Em um contexto de progressão de carreira, é possível observar desenvolvedores experientes ganhando salários superiores a gerentes, e posso dizer que isso é algo comum por aqui. Em empresas como Apple, Yahoo, eBay, dentre outras, bons engenheiros podem ganhar o equivalente a um gerente do primeiro escalão. Assim, aqui nos EUA e no Oriente se investe em carreiras técnicas e em se evitar que um excelente engenheiro/desenvolvedor tenha que abandonar sua função para tornar-se um gerente comum para progredir na carreira.

No Brasil por sua vez, as carreiras técnicas são extremamente curtas e limitadas. Talvez, por falta de investimento em pesquisa e em desenvolvimento tecnológico, a maioria das empresas obriga seus engenheiros a assumirem posições gerenciais. Essa obrigatoriedade, por sua vez, diminui o número de engenheiros qualificados e experientes, o que leva à limitação da qualidade do desenvolvimento da área no país, resultando em menor interesse em investimentos no setor. Um ciclo desconstrutivo se forma e acaba criando um entrave na produtividade e qualidade das nossas empresas. O problema torna-se ainda maior quando lembramos que atualmente as empresas americanas e asiáticas estão competindo conosco no Brasil. Outro exemplo claro dessa desvalorização do mercado técnico no Brasil é o número de profissionais que abandonam a carreira. Hoje, menos de 40% dos meus amigos engenheiros formados na Universidade de Brasília continuam a executar cargos técnicos, e isso, em apenas cinco anos de carreira.

É essa oportunidade de estudar aqui no exterior que me permite perceber fatos como este. Acredito, inclusive, que este programa, que faz parte do Ciência Sem Fronteiras, esteja de alguma maneira melhorando essa situação, afinal é inegável que a formação técnica que ele me proporciona é excelente. Por outro lado, fica claro que a postura das empresas também precisa mudar. Iremos retornar ao Brasil e, mais uma vez, as empresas poderão escolher se ganharão gerentes, ou excelentes e valorizados engenheiros.

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Jose Urbano Duarte Junior

Mestre em "Computação — Mobility" na Carnegie Mellon University, especialista em Gestão Estratégica de TI pela FGV e entusiasta por empreendedorismo