Um romance fatal.
Ontem eu pensei tanto em você. Tanto. Cheguei a ouvir tua voz ecoando no meu quarto. Parece engraçado, não é? Mas doeu. O barulho da sua risada barulhenta me fez sorrir por menos de um segundo. O cheiro da tua camisa xadrez passou como uma brisa leve. Quando foi a última vez? Você lembra? A última vez que a gente conversou… Eu não me lembro. Fiz um esforço danado pra lembrar, eu juro, e minha memória sempre foi muito boa, você sabe. Acho que no fundo, fiz questão de esquecer. Deixar uma lembrança perto demais do coração, adoece a alma. Demorei muito para criar algum tipo de força até conseguir te colocar em uma distância segura. Tinha alguma coisa no ar que sempre te trazia de volta. Era um ciclo asfixiante, eu te afastava, você voltava, eu me arrependia, a gente se amava, a gente sofria, e eu te botava longe de novo, e você voltava, e esse inferno não acabava nunca. Até que um dia acabou de vez e eu não consigo me lembrar quando, nem como, nem do teu rosto, nem da tua roupa, nem do teu adeus. Te viver foi um inferno delicioso. Prometi me lembrar apenas das coisas boas. Da intimidade fácil, do olhar obsceno, de chorar de madrugada, das letras das músicas, dos poemas trocados, da tua voz embriagada, do teu desrespeito, da manipulação debochada, do teu cinismo, da tua pureza que disfarçava tão bem o cheiro da tua podridão. Talvez no fundo eu me lembre das coisas ruins também, eu admito. Pra falar a verdade, essa era a parte que eu mais gostava. Eu gostava de como você era pior do que eu, e de como eu podia tranquilamente ser ruim ao seu lado. Poder ser sinceramente horrível perto de alguém e se sentir acolhido, é uma das formas mais bonitas de amar. Achei que você ia gostar de saber disso tudo, das lembranças, do tempo que eu ainda perco pensando em você, do quanto eu me odeio por isso, mas eu não posso nem sonhar em te ligar. Nunca pude. Você sabe. E tudo bem… Acho que é melhor assim. Não que as coisas estejam dando certo pra mim sem você, mas te culpar é tão melhor do que precisar lidar comigo. A verdade é que a gente junto foi uma tragédia das grandes, das feias, das silenciosas, dessas em que o carro capota numa estrada vazia e cai dentro de um lago e afunda com um corpo dentro. O corpo era o meu. Ninguém nunca encontrou. O carro era seu. Você nem ligou. Seguiu sem o carro. Eu, sem a vida. E a vida, sem a gente.