O Trâmite Maligno

Dos males, o jornalismo

O Trâmite Maligno
16 min readDec 6, 2017

A música independente e seu ciclo de confronto com o mercado. Pequenos estúdios contra grandes gravadoras e o intuito de fortalecer a cena musical, quando muitos já a dão como morta.

Esse trabalho — “O Trâmite Maligno” — deriva do DVD ao vivo da banda Monstro Extraordinário, gravado no dia 21 de abril de 2016, no Teatro Dias Gomes. Um produto completamente autoral, que mostra o potencial de um projeto independente, desenvolvido estritamente por músicos e parceiros sem qualquer patrocínio ou viés comercial.

Nessa reportagem, João Pedro Polido e Marcelo Tomaz expõem figuras que atuam no cenário autoral, procurando estabelecer a arte da produção sonante e dar voz a artistas que precisam ser ouvidos.

Matheus Montenegro, vulgo Mefels, baixista da banda Monstro Extraordinário

A Porta Maldita

Há quem diga que a música está morta. Entretanto, em um sábado de São Paulo, dia 23 de setembro, pelos cantos residenciais do bairro Pinheiros, uma praça de nome General Oliveira Álvarez ecoava a viagem do rock pelas ruas.

A Porta Maldita. Um coletivo músico-social com o objetivo único de fortalecer a cena musical independente com a realização de shows em praças públicas da cidade. Uma iniciativa que não só incentiva bandas autorais a lutarem por um espaço na cena nacional, mas também contribui para a divulgação desses artistas.

A praça estava cheia e o evento foi programado para as 14h. Três bandas tocariam às 18h. O som, porém, era ininterrupto, com jam sessions e músicos improvisando entre si. Organizados em poucas pessoas, a Porta Maldita não cobra pela música, mas tira o seu dinheiro por meio de uma barraca com bebidas alcoólicas e pedaços de torta e bolo.

Não que ambulantes não percebessem a movimentação e tentassem tirar o seu proveito com preços mais baratos. Ou as pequenas exposições artísticas, de quadros a artesanatos, buscassem vender sua arte. A praça era um antro de manifestações alternativas com um clima dionisíaco que em muito contrastava com o seu nome, que homenageia um militar luso-brasileiro.

As bandas tocavam no centro, frente a longos degraus de concreto ocupados pela plateia e suas garrafas ou copos de plástico. Ao redor dos músicos da vez estava empilhada uma dezena de mochilas e instrumentos mais exóticos, como uma cítara, percussões e instrumentos de sopro utilizados nas jam. O teclado não estava ocupado, logo abaixo da imensa placa grafitada: “A Porta Maldita”.

Era embaixo dessa porta que o Monstro Extraordinário tocava.

Uma banda de três garotos — contrabaixo, guitarra e bateria. O groove do funk de James Brown aliado a um rock experimental e puramente instrumental. Um ritmo sonoro dançante e de sensações, como se o general Oliveira Álvarez e seu batalhão marchasse dentro da sua cabeça, porém sem roupas. De cuecas e coturnos, maquiados e completamente alucinados por LSD, cantando, pulando e louvando o som extraordinário que ritmava a tropa que enchia sua praça.

De um lado uma banda independente, com talento inegável e um coletivo que fomenta a música autoral. Do outro as gravadoras, os estúdios e o mercado.

O cenário musical é fragmentado e a maior parte de seus agentes segue a lógica capitalista. Por esse motivo, há quem diga que a música morreu.

Em algum lugar desse trâmite, viajando por um paradoxo, está a porta maldita.

Monstro Extraordinário em ação na Bio Sonora, evento da Universidade de São Paulo (USP)

O Monstro

Matheus Montenegro, da mente embaralhada como um corredor de mil portas, tocando seu baixo como um índio no seu ritual em volta de uma fogueira. Henrique Kehde, o baterista vegetariano, de mil caretas ao batucar e seu vestuário Visconde Sabugosa. Ivan Santarém, o guitarrista aspirante a advogado, primeiro estudante de direito em São Bernardo a não usar ternos e ter dreadlocks. Esses são os três elementos que tornam o monstro extraordinário.

Três paulistas, que juntos experimentam ao tocarem um rock puramente instrumental, mesclando o funk de James Brown com uma garrafa cheia de psicodelia. O Monstro Extraordinário é uma banda que ataca pelas noites, emitindo o seu som independente. Já foram chamados Corleones, e então a Monstro, com DVDs e um EP próprio, feito com a ajuda de parceiros da banda.

Em um bar qualquer numa esquina da Vila Mariana, o Trâmite se juntou aos três músicos para uma entrevista sobre como tudo começou e o cenário no qual se encaixam.

Ainda moleques, aos dezesseis anos, a banda não tinha nome, contando com cinco amigos, em eventuais reuniões para tocar por diversão. “As nossas jam naquela época tinham vocal, um dos caras que tocava com a gente cantava”, relembra Kehde. “Queríamos ter uma bandinha para exercitar a musicalidade”.

Mas quem se encontrou mesmo em termos musicais foram os três, com as mesmas referências artísticas. “O Kehde e o Mefels [Matheus], curtiam o mesmo som que eu. E, tocando juntos no teatro, nós meio que nos encontramos”, ponta Ivan.

Capa do EP alternativo “Cão”, lançado em 2015 pela Monstro Extraordinário

Com a Monstro já tocam juntos há cinco anos e são conhecidos em algumas casas de show paulistanas. Almejando certo reconhecimento no circuito da música instrumental, Kehde gostaria de disseminar seu som para um público maior. Ainda assim, não quer desistir da banda: “Acho que só de nos reunirmos toda semana para fazer música, já nos desenvolvemos musicalmente. A parada da Monstro é nós três nos descobrindo como músicos e artistas”.

Uma banda independente funciona integralmente pelos seus músicos. Não há assessoria de imprensa ou marketing. A produção do álbum, a divulgação de shows e o contato com as casas dependem da atuação dos integrantes, mas para Mefels, este é um ponto positivo. “A gente precisa correr atrás. É bom porque nos estimula a sempre desenvolver nosso som e não temos qualquer satisfação a dar para ninguém. Nenhuma gravadora ou patrocinador para influenciar na nossa música”. Kehde concorda. “Um projeto independente não tem qualquer amarra, ele é espontâneo e livre. Podemos ir para onde quer que seja”.

Entretanto, a cena independente é árdua. Sem contar com apoio de grandes nomes do mercado, a luta por um espaço é acirrada em meio a tantas bandas pipocando no cenário musical. “Hoje as redes sociais são fundamentais. Divulgar seu trabalho, vender seu show. Nós tocamos até em barbearias e sebos”. Por ser uma banda unicamente instrumental, o público tem um breve estranhamento com a proposta da Monstro Extraordinário. “Mas então a gente toca e fica tudo bem”; Mefels ri.

“Nosso som nem sempre é tão digestível. Temos de ser criativos. Se o som é muito denso, fazemos uma apresentação leve e descontraída, mas procuramos inovar. Sobretudo, nos unir com outras bandas independentes. Uma banda maior puxa as menores, que puxam outras. Tocar juntos, expandir a música. Essa é a saída para fortalecer a cena”, conclui Kehde.

Henrique Kehde (bateria), Ivan Santarém (guitarra) e Matheus Montenegro (baixo)

Mefels, o baixista sobrinho de Oswaldo Montenegro, não se considera um artista que faz música com viés comercial. Apesar dessa ser sua profissão, para ele a música deve vir do espírito. “Se você faz música, você já tem muita coisa. Eu acho que o dinheiro não vai fazer sua música ser boa ou não. A música está ai para ser desvendada, é a tarefa do músico. Quando a grana entra é massa, mas isso é consequência”.

“A Monstro Extraordinário é uma dose de adrenalina. Um convite para você sair da sua zona de conforto e ouvir peculiaridades sonoras. A banda tem um compromisso com a espontaneidade e o improviso. Dialogamos com o instrumento e queremos transmitir essa conversa para o público”. Mefels toma uma cerveja, abrindo os braços. “E queremos barulho do público. Expressões sonoras, surrealismo. É aquela troca de sensações que é a música”.

A música. Vívida em um cenário disputado e repleto de grupos procurando por seu espaço, contrariando o precoce sepultamento do rock. A música. Paixão de três jovens e a alma do grande corpo sonoro que caminha pelas noites: o Monstro Extraordinário.

Web clipe 100% independente “Creme”, de fevereiro de 2016

Sonho de menino

Arujá, extremo leste da Grande São Paulo.

Formada pelo vocalista e frontman Dedé Cunha, pelo baixista Igor Bebê, pelo baterista Marcelinho Barreto e pelo guitarrista Vinicius Testa, a Ressaca Social Clube nasceu no começo de 2012, com um som limpo, de acordes fáceis e letras sujas, que falam do cotidiano da vida do homem médio moderno típico, com seus problemas amorosos, frustrações sexuais e experiências inusitadas, inserindo o eu lírico em um contexto invariavelmente cômico.

As letras, irreverentes e maliciosas, com refrões que pegam de primeira, se inspira na geração Raimundos e, contrapondo as tendências musicais contemporâneas — principalmente do rock — não tem grandes pretensões filosóficas. A música feita por eles tem a mesma finalidade de um daqueles porres juvenis de sábado à noite: a diversão.

É assim, na diversão, tomando uma cerveja descontraída em uma das salas da casa do baterista — local que recebe o estúdio base da banda — que, antes de um dos ensaios religiosamente realizados às segundas-feiras, a Ressaca Social Clube conta e faz a sua história.

“Eu acho que a gente só quer ser rock star”

Passava das 19h quando a galera começou a chegar. Além da banda, estavam presentes Lucas Lopez, empresário da Ressaca, e Léo, amigo de infância dos caras. Como qualquer boa banda que se preze, cresceram juntos. À vontade, então, após mais uma rápida ida à geladeira em busca de cerveja, eles falaram sobre o que são:

“O que a gente gosta mesmo é de tirar um som da hora. Não tem uma grande sacada… A gente pega uma história, geralmente nossa mesmo, e faz a música em cima disso. O nosso público se identifica por que são pessoas parecidas conosco, com experiências parecidas”, explicou Testa, que, sem trocadilhos, é a principal cabeça musical por trás da Ressaca, sendo o mais ativo letrista e compositor da banda.

“Eu acho que a gente só quer ser rock star. Não tem nada demais nisso… Tocar é muito louco, todo mundo se diverte. É uma parada que faz bem para a gente”, divide Bebê.

Ressaca Social Clube: “A gente pega uma história nossa e faz a música em cima disso. O público se identifica por que são pessoas parecidas conosco, com experiências parecidas

O Trâmite Maligno — Quais foram às influências para a composição dessa primeira leva de músicas de vocês?

Testa — Histórias do meu cotidiano, e histórias que ouvia das pessoas. Eu pegava isso e enfatizava algumas coisas para escrever nossas músicas.

OTM — Qual o processo de composição da Ressaca?

Testa — Geralmente eu faço a letra junto com uma base no violão e, em cima disso, a banda coloca o arranjo.

OTM — Essa imagem da banda, de ser descompromissada em fazer uma música mais “séria”, tem a ver com o que?

Testa — Todo mundo gosta e pensa bobagem. Nenhum de nós gosta da vida séria. Isso (a Ressaca) nada mais é que pura descontração. De sério já basta a política.

OTM — Como estão os planos para gravar o primeiro álbum?

Lucas — A banda pretende seguir independente. Não queremos perder nossa liberdade de expressão e nem 80% de todos os lucros da banda pra uma gravadora (risos). Por isso, inicialmente, estamos levantando dinheiro com os shows que fazemos para fazer nosso primeiro álbum do próprio bolso. Se tudo seguir conforme o planejado, o primeiro CD sai no último trimestre do ano.

OTM — Como surgiu a banda?

Testa — Éramos amigos e todos tocavam em bandas de covers. Eu tinha algumas músicas feitas e queria tocar coisas próprias ao invés de musica cover. Disse para o pessoal que conhecia um baixista bom pra caralho, o Igor, que de pronto aceitou a ideia. O Dedé entrou de intruso, por que ele ia somente ver o ensaio e acabou virando parte da banda.

OTM — Quem são os caras para você?

Testa — Marcelinho. bateria e riqueza, moleque piranha, adora farra, tem dinheiro pra isso e é VIP no cone. O Igor tem problemas que não identificamos ainda, mas toca pra caralho. Qualquer coisa já diz que quer sair da banda, mas é gente boa. O Dedé é a cota, quer sempre deixar claro que é ateu, mas na hora do juízo final será o primeiro a se borrar, além de ser broxa. Eu sou um zé-ninguém da orelha esquerda e tenho problemas na cabeça, o que às vezes me ajuda a escrever as letras. Adoro cachaça e rock, e não me importo muito com o mundo. O Lucas é famoso, gosta de marketing, gente boa pra caralho. O defeito é que é corintiano.

Alice gosta de ovo

A Naome Rita, formada por Ivy Sumini na voz e guitarra e Sisie Soares na voz e bateria, é uma banda só de mulheres, mas que tem o rock e o punk em suas mãos como matéria-prima. Transitando em um cenário ocupado pelos homens, o duo curitibano abusa da cacofonia e da ironia, como um bom punk rock pede.

A Naome Rita não se preocupa com a estética, usando do vestuário de bandas grunges, com cabelos longo e camisas de flanela. Com uma aura de Kurt Cobain — ou porque não Courtney Love — , os shows pegados e com a vibração do rock sustentam as letras de duas mulheres com muito a dizer.

“Não aconselhável para machistas, homofóbicos e racistas”

Alice Odeia Ovo é o novo projeto de Naome Rita. Procuradas pelo Trâmite Maligno, elas se dispuseram a responder algumas perguntas.

O Trâmite Maligno — Quais eram os planos, objetivos e sonhos de vocês quando montaram a banda?

Naome Rita — Nós queríamos estar tocando, passando nossas ideias e aspirações do nosso jeitinho. Sem firulas ou encenações.

OTM — É difícil crescer no atual cenário musical brasileiro?

NR — Se tratando de música, quando você não está fazendo o que manda o mainstream, você está a margem. Se você não está tocando o estilo da moda, você está à margem. Logo, em festivais e casas de show, você é deixado de lado.

OTM — Vocês enfrentaram alguma dificuldade inesperada pela banda ser formada por mulheres?

NR — Acredito que enfrentamos as mesmas dificuldades que uma banda formada com homens, mas na hora de mostrar nosso som, muita gente que não levaria duas magrelas mulambas num palco a sério, acaba nos respeitando. Há vezes com comparações ou coisas do tipo. ‘Uau, vocês tocam como um homem’’ ou ‘Vocês deveriam mostrar mais o corpo’. Mas gente limitada socialmente e educacionalmente existe em qualquer lugar.

OTM — Vocês consideram a Naome Rita uma banda transgressora? Acha que a transgressão ainda vive no rock, principalmente no alternativo?

NR — Acho que termos sobrevivido às nossas custas todo esse tempo é um tipo de transgressão contra todas as expectativas de manter uma banda tocando e produzindo. Sem falar que, para alguns, nossas letras e músicas soam como uma agressão. Tem muita gente quebrando regras no underground, e é muito bom poder acompanhar essa galera.

OTM — Por que vocês acham que a cena underground sobrevive? Vocês encontraram um espaço nela?

NR — Eu acho que o underground se sustenta pela vontade dos músicos de fazer acontecer do jeito que eles realmente querem fazer, sem maquiagens escondendo o que se quer falar, simplesmente por não ser tão bonito ou correto quanto a mídia gostaria que fosse. Enquanto houver gente que não se conforma, vai haver underground.

Uma vez que depende das pessoas, ouvintes, músicos, casas de show e amigos, a gente tem que se unir, caso contrário o rolê não sai. A gente sempre vai acabar encontrando espaço. Se não tiver, inventamos um.

OTM — Na opinião de vocês, o que um uma banda precisa para entrar na cena?

NR — Ou tem que ter uma grana para pagar produtor, jabá, marketing e focar só na música, ou tem que ter tempo disponível, muito saco pra correr atrás de tudo e estar preparado pra ouvir muito. E, claro, não perder os calotes de vista.

OTM — Quem vocês eram e quem vocês precisaram ser durante o crescimento da banda?

NR — Nós éramos duas meninas com algumas músicas que queriam se divertir tocando. Hoje somos duas meninas que tem que correr atrás todo dia de lugar para tocar, equipamento, divulgação do nosso trampo, criar toda e qualquer imagem da banda, criar logos e festivais e ainda fazer música com o coração.

OTM — Existe arte que não vise ser vendida ou ela foi completamente industrializada?

NR — Acho que ser industrializada significa ser dissipada pelo mundo, o que acontece na nossa época por causa da internet. Hoje, criamos coisas com o intuito de propagá-las. Nós queremos que nossas ideias cheguem a quem precisa ou a quem se identifica de alguma maneira.

Naome Rita ataca novamente em São Paulo, em novembro de 2015

Produtora A

Há arte que não vise ser vendida? O rock não é mais tão rentável quanto nos anos 90, abandonado pelas rádios, entretanto, a cena underground enche a noite paulista. E os culpados por isso são músicos e estúdios independentes, com lucros em pequenos negócios e um compromisso pela arte. O ciclo da música, com seu eterno paradoxo ao gerar com este compromisso, um novo mercado.

Pequenos estúdios abrem quase que diariamente e a Produtora A, um pequeno casarão na Rua Bragança Paulista, zona sul de São Paulo, encontra-se nesse turbilhão há cinco anos.

Fundada por três sócios, João Vitor Cruz (produtor musical formado em música pela Faculdade Santa Marcelina), Wagner Felipe (engenheiro de som e técnico em produção musical) e Jorge Matheus (técnico de iluminação e projeção, além de ironicamente odiar sertanejo); a Produtora A se concentra na música independente. Segundo Jorge, “prezamos pela qualidade não só do produto final, mas de toda a concepção e confecção do projeto”.

João Cruz, Wagner e Jorge Matheus

Procurado pelo Trâmite Maligno, João Cruz elucidou a respeito da dinâmica de estúdios e gravadoras, questionando o comercial da arte.

O Trâmite Maligno — Para começar, qual a diferença entre uma gravadora e um estúdio?

João Cruz — Um estúdio pode fazer parte de uma gravadora. Antigamente, as gravadoras eram empresas que englobavam tudo. Bancavam a produção do artista, pagavam pelas horas do estúdio, faziam o álbum, tomavam conta da distribuição. Tudo. Já o estúdio é só o espaço de gravação. Mas recentemente, as gravadoras estão mudando, perdendo sua definição

OTM — Mas quem é mais ativo? Consegue dizer qual dos dois, hoje, faz mais pela música?

JC — A tecnologia hoje possibilita você fazer as coisas por conta própria. É mais barato você fazer uma produção independente, então os estúdios estão começando a fazer o trabalho que era feito por gravadoras. Pra lançar uma música gravada, seja uma demo ou um CD, se você quiser, com um computador você faz. Mas, por muito tempo ainda vai ter espaço para as duas coisas, tanto os estúdios, quanto as gravadoras, porque tem atividades que você precisa ainda fazer um trabalho mais técnico, depender de um marketing mais amplo, com alcances internacionais, e aí que entram as gravadoras ainda. Com o passar do tempo, entretanto, os estúdios pequenos serão mais atrativos para artistas, por terem um trabalho mais real. Não ganhar só dinheiro.

OTM — Os selos musicais, o que representam hoje?

JC — Nem quero falar sobre esses caras, quem sabe assim eles somem. Não, hoje não representam nada. Selos que já lançaram 2Pac como um poeta revolucionário, quando uma mídia inteira americana o tratava como bandido, hoje tem agenda política. Servem ou para censurar e catalogar o seu som, ou platinar caso ele venda milhões, por mais merda que ele seja.

Mais um dia normal de trabalho na Produtora A

OTM — Você acha que há arte que não vise ser vendida ou: existe arte pela arte

JC — Existe. Há um eixo inteiro de pessoas que só fazem seu som para jogar na internet, divulgar pela pura diversão da música. Agora, acho que toda arte que chama atenção mesmo, aquelas que são conhecidas pelo mundo inteiro, tem sim uma intenção de vender. Nesse patamar não tem só arte pela arte, por que envolvem outras questões.

OTM — Hoje qual é a dificuldade de se manter um estúdio de música?

JC — A clientela para isso. Tem bastante gente, mas é difícil convencer o pessoal do valor do seu trabalho. Estamos em um período de transição. Quando antes só tinham estúdios grandes e caros de gravadoras ricas, hoje você tem um equipamento relativamente barateado, com qualquer um na possibilidade de montar o seu estúdio em casa. Então é difícil você convencer alguém, até por certa falta de interesse das pessoas na produção da música, do preço. Vai… Uma banda de moleques que está começando agora. Eles fazem um som, aí vão para o estúdio e veem lá que custa tanto para gravar. “Ah mais! Eu posso comprar um aparelhinho lá que grava em casa e sai o mesmo valor do trampo do estúdio e a mesma coisa.” Não é a mesma coisa! Tem uma diferença enorme, há uma produção por trás. Mas, convencer o pessoal novo disso é difícil, quando a principal clientela para um pequeno estúdio seria exatamente a galera que está começando. É importante ir a um lugar profissional, ter a supervisão e o conceito de alguém que já está um tempo aí na cena, não só pelo espaço em si, mas o conselho ali de profissionais que gostam de música e tem a acrescentar a um trampo.

“O silêncio que antecede a guerra”, último projeto da Produtora A

O fim da linha é o Spotify

Quem diz que a música morreu, está mal informado. Segundo dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) e Pró-Música (antiga ABPD — Associação Brasileira de Produtores de Discos), o mercado fonográfico brasileiro faturou US$ 229,8 milhões em 2016.

No mundo, o crescimento foi de 5,9%. É a primeira vez que esse mercado cresce dois anos seguidos desde o início do levantamento, em 1999 — daquele momento até 2014, a indústria experimentou um encolhimento de 40%.

Como todo o tipo de cultura, a música está sendo impulsionada pelo mercado digital. Os serviços pagos de streaming como Spotify e Deezer cresceram 60,4% no mundo todo, 52,4% no Brasil. Apenas nesse nicho, os lucros ultrapassaram US$ 3,9 bilhões no ano passado.

Os dados apontam que, com a nova tecnologia, a indústria recuperou o rumo depois de ter entrado no século 21 envolvida em lutas inglórias e infrutíferas contra a pirataria e o compartilhamento de arquivos MP3 entre usuários.

Os avanços tecnológicos da última década, como a popularização dos smartphones, ofereceram espaço gratuito e alcance ilimitado em tempo real às bandas alternativas. A distribuição de conteúdo se torna cada vez uma fatia maior do mercado musical, que já está conectado. Com isso, em um futuro próximo, a liberdade artística e de produção talvez volte a deixar de ser uma exclusividade do cenário underground. Pelo sim ou pelo não, a música, independente, continua em frente.

Por João Pedro Polido e Marcelo Tomaz

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