O Buquê

Juliana Vilela França
4 min readJan 21, 2016

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Ela alternava o olhar nervoso do relógio para a rua apinhada de carros. Odiava aquela rua. Odiava aquele carro, estava com falta de ar. Olhou para o colo, e sentiu o peso daquelas flores. O buquê.

Ela realmente o amava? Não se lembrava mais há quantos anos se conheciam, pra ela era desde sempre. Não conseguia achar nas memórias um momento em que ele não estivesse presente, parceiro nas travessuras quando criança, o ombro amigo das desilusões amorosas do colégio, seu par no baile de formatura, o companheiro nas eternas noites de estudos para as provas da faculdade. Ele sempre tinha sido melhor em exatas, eram a dupla perfeita. Ela fazia todos os trabalhos de literatura dele, não desgrudavam, todos diziam que era inevitável que chegassem nesse momento um dia, que tinham sido feitos um para o outro.

Mas, e se não fossem? E se fossem só… grandes amigos, pra sempre, sabendo que teriam um ao outro pra contar não importando quando e como? Sem o casamento, sem a cumplicidade, sem a casa, os cachorros, filhos, as contas… ela imaginava as dificuldades de manter um relacionamento estável e feliz por tanto tempo, as decisões difíceis quando as coisas apertassem, os olhares atravessados que diriam tudo na mesa do jantar, os momentos de silêncio e indiferença depois de uma briga por alguma bobagem… seriam bobagens? Ela ainda o amaria depois de 20, 30 anos, mesmo conhecendo todos os defeitos, cada mania e cada pedaço da personalidade dele que a irritavam? Sobreviveriam ilesos, amigos, sem nenhuma cicatriz através do tempo? Não, é claro que não, ela sabia. E era por isso que não podia casar com ele.

Perdida em pensamentos, não percebeu o carro parar na porta da igreja. Foi surpreendida pelo motorista, que abriu a porta bruscamente, estendendo a mão para ajudá-la a descer.

Seu estômago revirou, e suando frio dirigiu-se para a entrada.Agora ela sabia, era o melhor mesmo, não podiam casar, ela não queria perder tudo que eles tinham, se fossem só amigos, seria pra sempre só o lado bom.

Ela fechou os olhos por um instante, com o buquê nas mãos, respirou fundo, sentiu o vento agitando os cabelos, o toque suave do sol de fim de tarde na pele, e entrou na igreja. E então ela o viu, se virando pra ela e sorrindo, como num sonho, e seu coração se aqueceu completamente, todas as dúvidas de dias, meses, desapareceram naquele breve momento. E ela sorriu de volta, e naquela hora só existiam os dois no mundo, sem convidados, sem amigos, família, fotógrafos, nada. Um piscar de olhos, que pra ela durou uma eternidade, perdida naqueles olhos verdes, tão sinceros, realizados, verdadeiramente apaixonados… por ela.

A realidade veio como um choque no instante seguinte, com o leve toque em seu braço. Ela piscou rapidamente, desviando o olhar relutante para Victoria, a noiva. Ela lhe sorria e parecia falar algo que ela era incapaz de ouvir.

-Des…culpe, o quê?

-Maya você é um amor mesmo, não consigo acreditar que fui capaz de esquecer o buquê, que cabeça a minha, mas estou tão feliz, hoje é o dia mais importante da minha vida afinal, não é?

-Claro que sim Vic. — ela sorriu tristemente, encarando a noiva dele, a mulher mais linda e meiga que ela havia conhecido na vida. Ela não podia desejar nada menos ao melhor amigo. — Me promete uma coisa?

Ela pegou a mão trêmula da noiva, com carinho, sentindo a ansiedade dela. Ela o amava sinceramente, ela sabia disso.

-Promete Vic, que você vai fazer aquele moleque muito feliz, e já sabe, se ele te chatear me liga que eu vou lá e quebro a cara dele.

As duas sorriram e se abraçaram. Ela já não podia mais conter as lágrimas, divididas entre a dor da perda, e a certeza da felicidade daquele que ela mais amava. A música começou a tocar. Ela se libertou do abraço, e se dirigiu ao altar, ficando ao lado dele, era sua madrinha de honra, afinal.

Ele pegou sua mão por um instante, e ela sentiu um choque percorrer o corpo. Ela levantou os olhos pra ele, mas ele olhava para a entrada, sorrindo, esperando sua noiva, alheio ao turbilhão que se passava dentro dela. Ele desviou o olhar e a encarou por um momento, e sorriu. E ela soube ali, que teria dado certo, que ela jamais se arrependeria. Mas eles seriam só amigos, para sempre.

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