Alinha-se o universo e toda a bagunça que fizeram

júlia flores
2 min readSep 14, 2020

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Assim que pisei os pés para fora de casa, senti que o gênesis havia acabado de acontecer na minha frente. O céu se esmigalhou diante de infinitos átomos enquanto eu observei os 14 bilhões de anos do universo passar diante das minhas retinas em pouquíssimos segundos. Meus pés não pareciam firmes ao chão, mas sim lutando contra as infinitas partículas e as diversas possibilidades que o acaso poderia dispor a minha frente em qualquer momento. Diante de toda a evolução que testemunhei, decidi então seguir meu caminho, como se soubesse realmente para onde estava indo. E eu fui. Os gritos descontrolados da rua ecoavam secos em meus tímpanos, e eu tentava, em vão, reconhecê-los. Mas já não reconhecia nem a mim. Vi a coluna vertebral humana se sustentar, porém minha postura continuava perdida entre meus absortos pensamentos. Naquele momento foi que percebi o fato de não sustentar nem mesmo meu próprio peso. O tempo passou e levou consigo tudo o que me impedia de deteriorar. 
Mesmo posta em todo aquele cenário caótico, segui meu caminho como uma formiga procurando o formigueiro. A rua era inexplorada, embora todas as milhares de vezes que eu já havia passado por ali. Meus olhos, famintos, buscavam reconhecer alguma coisa perdida na paisagem que me trouxesse novamente ao presente. Infelizmente todos meus esforços foram em vão e me tornava ali uma turista perdida, sem conseguir me comunicar, sem ser reconhecida pelas esquinas. Mas isso não me impediu de ir ao encontro dela. 
 Segui o resto do caminho imaginando o que o tempo fez com seu rosto, se seus cabelos estão mais compridos ou se em um ato impulsivo ela os cortou, deixando apenas lembranças vagas dos belos fios castanhos. Mas nada disso é capaz de atrapalhar sua beleza e o modo em que seus olhos piscam em câmera lenta, como se quisessem parar o tempo e dar um zoom em algum detalhe mergulhado em sua córnea. E eles com certeza esverdeados por conta do frio. 
 Nos sentaremos e ela pedirá um chocolate quente, enquanto eu pedirei um café. Quente e doce. E então seus olhos ampliarão algum elemento da cafeteria e ela fará algum de seus comentários aleatórios que nos levam a conversar por horas e horas, fazendo com que tudo passe em câmera lenta juntamente com suas piscadas. E de uma simples reclamação sobre a cor da parede nós jogaríamos assuntos, passando pela política, pelo meio-ambiente, por aquele filme bobinho que saiu mês passado. E apontará elementos únicos sobre cada um deles. E ali o universo se construirá novamente. Passaremos 14 bilhões de anos até que ambas nossas colunas estejam devidamente alinhadas novamente. Juntamente com nossos olhos e mãos e bocas.

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