Me identifiquei mesmo foi com o seu choro

Julia Latorre
Viagem
Published in
3 min readMay 12, 2016

Querida ex-hóspede vegetariana bronzeada viajada das mechas loiras,

Te vi chorando ao telefone aquele dia no canto da cozinha enquanto eu bebia um copo d’água. Sei bem como é difícil encontrar privacidade em hostel para ter ligações que a gente não quer que ninguém escute mesmo que estejamos nos comunicando em idiomas indecifráveis — desculpe-me por quebrar a privança que você encontrou naquele lugar milagrosamente vazio.

Achei você linda e simpática, mas me identifiquei mesmo foi com o seu choro. Você conversava em inglês, ainda que fosse mandarim eu saberia estava falando com alguém que zela muito pela sua felicidade nessa jornada — sua mãe talvez.

Você contava sobre seus próximos destinos e enxugava lágrimas despercebidas ao outro lado da linha. Dizia com a fala firme e o olhar incerto sobre onde se hospedaria e como se sustentaria.

Quando a gente faz planos de deixar o nosso mundo para trás para conhecer o resto do globo, nossas sonhadas expectativas automaticamente ganham mais peso quando família e amigos começam a torcer por nós e nos usam como exemplo de libertação. Saímos de mochila com a obrigação de ser feliz.

Se a gente se lembra então do privilégio que é poder estar em tal lugar, de quantas pessoas gostariam de estar na nossa pele, de quanta gente que morre sem nunca ver o mar, qualquer dia triste no exterior vai se tornando uma tragédia inaceitável. Qualquer saudade de casa é desmerecida porque agora você está onde queria. Você se sente injusta ao desabafar das suas frustações atuais para os amigos que ficaram.

Te entendo, menina. Tem dias que as incertezas do próximo mês longe de casa fazem a gente pensar tanto que já nos imaginamos voltando e recebendo abraços frustrados de pena: “Tadinha, ela saiu tão feliz e não conseguiu ficar até o final”.

Muita calma, dizem por aí que depois a gente vai sentir saudade até desse frio da barriga que a incerteza do amanhã nos dá.

Coragem, mana. Coragem para chorar em silêncio e não se sentir mal por isso. Está liberado chorar, só não está liberado esquecer que amanhã é um novo dia. Ninguém é obrigado a ser feliz, mas talvez nós tenhamos a missão de tentar sentir um pouco mais do vento na cara pelos que adorariam estar conosco nessa aventura.

Espero que você tenha conseguido chegar bem no seu próximo destino.

Com empatia,

Da menina que te viu chorando no canto da cozinha.

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Julia Latorre
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Comunicadora especializada em gênero.♀ Escrevo aqui sobre o que dá vontade. linkedin.com/in/julialatorre