Curando tragédias mundiais através do respeito ao universo infantil

Juliana Corullon
3 min readNov 16, 2015

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Enquanto busco minhas inspirações e interajo com leitores, outras mães e histórias, ouço a voz solene do meu pequeno ‘bruxo’, voando em sua vassoura de galho e pronunciando suas palavras mágicas no quintal. Rapidamente a ‘vassoura’ é deixada de lado e aparecem dinossauros, então sou convocada a brincar. Deixo minhas palavras sussurrando no caderno para uma missão de escavação. Descobrimos fosseis que serão levados para nosso museu de lego.

Trocamos de vozes, imaginamos cenários, interpretamos personagens, cantamos músicas, entre olhares brilhantes e vivos de quem tem um mundo de histórias para inventar. Assim, incrementamos um repertório emocional que dará suporte e um adulto saudável. A magia que a criança pode produzir no mundo vem como resposta da educação que recebeu, do afeto, do sustento emocional, da compreensão de sua individualidade.

Sobrevivente de Mariana/MG, que foi salvar seu cachorrinho

Enquanto isso, penso na menina de Mariana/MG, lambuzada de lama porque queria salvar seu cachorrinho; no menino sírio, dormindo entre os túmulos dos pais; nas crianças das favelas do Brasil, fugindo de balas perdidas das guerras de tráfico, entre tantas outras que estão aprendendo a viver sob valores distorcidos. Enquanto brinca, enquanto vive, a criança é fiel aos valores que lhe foram ensinados. Vai solidificando as vivências através desses valores, que hoje nos são tão caros. Pois quais são os valores que estamos vivendo com elas hoje? Como estamos perdendo os valores que nos manteriam em uma sociedade mais humana?

Todas as crianças são sustentadas por sonhos, fantasias e inocências que, como adultos, precisamos ocultar para responder de forma criminosa às violências que vivemos quando pequenos. Crianças de todas as terras, de qualquer religião e condição social, precisam ser alimentadas e protegidas em seu rico universo de fantasias, para conseguirem lidar de forma equilibrada com a crueldade que se apresenta no mundo real.

Diante de tragédias pessoais, familiares e mundiais é importante que nós, adultos, possamos ancorar o universo lúdico das crianças e sustentar seus olhinhos curiosos, em acolhimento. Educar uma criança enquanto o mundo sangra, inunda de lama e queima, exige de nós consciência e empatia. Para conseguirmos sobreviver com dignidade diante dos desequilíbrios, precisamos olhar para a infância, perceber as necessidades legítimas de cada pequeno, cobrir de afeto, de tempo para extravasar fantasias, de compreensão de seu ritmo particular.

Em alojamento para desabrigados em MG, a universo lúdico não morre

O ritmo que imprimimos ao cotidiano carrega as crianças de arrasto, levando-as para longe delas mesmas e desviando seus olhares do mundo fabuloso que as ensina a perceber suas sensações e lidar com suas emoções. Assim criam-se Malafaias, Cunhas, criminosos ambientais e homens bomba: intolerantes, violentos, desequilibrados, incoerentes e ambiciosos a qualquer custo.

Respeitar a criança em sua individualidade, oferecer um ambiente acolhedor onde ela sinta-se relaxada para explorar suas fantasias, e viver suas histórias emocionais em segurança, se faz em um abraço, com olhos nos olhos, disponibilidade, presença afetiva. Tão simples quanto uma flor que nasce por ter sido semeada ao vento. Enquanto nossos olhares estiverem voltados exclusivamente ao mundo financeiro e de poder, continuaremos nos furtando de oferecer e vivenciar a coerência relacional que o mundo necessita, e esqueceremos de deixar as crianças viverem o mundo lúdico que nos curará dos males que estamos sofrendo, enquanto elas crescem aprendendo a viver em harmonia.

Se não olharmos para as crianças nesses momentos e não tivermos relações mais respeitosas e conscientes com elas agora, elas continuarão reproduzindo o que os noticiários alardeiam. E a responsabilidade não é de nenhum governo, instituição ou mantenedor. Ela é nossa, porque passa pelas escolhas que fazemos nas relações que estabelecemos.

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