O que aprendi como editor executivo do principal portal de esportes do país

Lições sobre jornalismo online que servem para qualquer produto digital

Juliano Costa
4 min readNov 4, 2019

De forma bem resumida, sem rodeios, do jeito que tem que ser online: não pensar no público-alvo como “leitor” ou com o pejorativo termo “amigo internauta”, mas sim como um usuário, um cliente. Um jornalista a trabalho de um site — seja repórter, editor de texto ou produtor de vídeo e podcast — é um prestador de serviço, não um artista. Seu serviço é a informação, e faz parte do processo, sim, pensar na experiência do usuário (UX), zelando pela qualidade e usabilidade do produto, do começo ao fim, usando todos os dados e ferramentas que tiver à disposição — e não são poucas (longe, muito longe de ser só SEO).

Foto meramente ilustrativa de "iti malia que menino fofo". O "momento Jerry Maguire" está mais pra baixo

Dentre as muitas pesquisas com usuários dos nossos muitos aplicativos, notei que as demandas deles eram por serviços que o produto já fornecia. Mesmo o chamado “heavy user” tinha dificuldade de navegação. Faltava organizar melhor o conteúdo, apresentá-lo da melhor forma possível, intuitiva. Faltava prever, antecipar eventuais dúvidas, evitar fricção desnecessária. Faltava pensar na experiência do usuário. Faltava empatia.

Com base nisso, reformulamos o produto — várias vezes, e contando. Novas features surgiram. Outras sumiram. O resultado foi não só maior conversão e ganho de audiência (pageviews), mas a mais preciosa das métricas (pessoal e profissionalmente falando): tempo de permanência na página/no app.

Digo “pessoalmente falando” porque nada mais recompensador para um jornalista do que ter, diante de si, um número que comprova que as pessoas estão de fato consumindo aquele conteúdo. É o chamado dado qualitativo. Ver uma métrica que mostra que centenas de milhares de pessoas reservaram 10 minutos de suas vidas para consumir um conteúdo do início ao fim é, não vou mentir, uma massagem no ego — principalmente se levarmos em conta que um brasileiro usa em média 12 aplicativos por dia (dados da App Annie relativos a 2018), e mesmo os mais populares (como Instagram) se estapeiam por segundos (e não minutos) a mais antes de um tap ou scroll do usuário.

Empatia é a chave do negócio

E é aqui que entra o trabalho do editor de conteúdo no sentido de zelar pelo produto e pela experiência do usuário: de que adianta ter um furo jornalístico ou uma linda história para relatar se você não sabe apresentá-la de forma simples e didática para o cliente? Empatia é a chave do negócio.

Exemplo: colocando-me no lugar do usuário, e sempre usando testes A/B para validar as hipóteses levantadas, aumentamos o tamanho do player de vídeo e o posicionamos no topo, gerando maior conversão, já que muitos nem se davam conta da presença de um conteúdo em vídeo ofuscado por uma massa de texto pouco convidativa que impedia de cara o primeiro scroll, resultando num inevitável bounce.

Por falar em texto, quanto mais fragmentado por tópicos e bullets, maior o tempo de permanência de página (além do Analytics, usamos o Chartbeat, uma espécie de “mapa de calor” que mostra em tempo real o consumo da página, do título até a famigerada caixa de comentários).

Pensar em SEO é fundamental para obter mais pageviews, mas pensar o produto final é ganhar em qualidade e fidelizar usuário. Gerar uma experiência frustrante é muito pior do que tomar um furo.

Momento Jerry Maguire

Como editor executivo nacional do GloboEsporte.com, viajei o Brasil visitando as afiliadas do Grupo Globo, fazendo treinamento e palestras, explicando nosso conceito de jornalismo digital. Empatia foi justamente a palavra que eu mais usei, e o meu slide preferido era:

“Pensem no usuário que está no ônibus, no trem, no elevador. Ele está gastando o 4G dele para buscar informações. Precisamos entregar tudo mastigadinho pra ele, da forma mais clara e direta possível”.

Adotar termos como “empatia” e “foco total no usuário” foi meu momento Jerry Maguire. Fui criado em redação de jornal, numa época em que leitores ainda mandavam cartas com críticas e elogios. Lembro bem como essas cartas eram ignoradas. Com os grandes portais, passamos a ter a caixa de comentários. Com as redes sociais, passamos a ter os replies dos seguidores. Mas como esse feedback é encarado pelo jornalista?

Foi aí que, como gestor, eu propus que todos na equipe se sentissem encorajados a analisar os dados quantitativos (pageviews) e qualitativos (tempo de permanência). Redes sociais e caixas de comentários nem sempre (quase nunca?) trazem críticas construtivas, mas os números não mentem. E era a partir deles que poderíamos validar ou não a nossa estratégia editorial e então ter uma produção mais assertiva.

O resultado? Ver que, do editor especialista ao estagiário recém-contratado, todo mundo pode ser dono do produto.

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