CHANGES

Juliano Zimmermann Freitas
6 min readSep 16, 2019

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Não lembro ao certo quando, ou quantas vezes, tornei-me adulto.

Reconheço, contudo, o caminho que percorri. Não nos moldes da percepção tardia de Daniel Kahneman ou da falácia narrativa de Nassim Taleb, mas através de aceitação do que me trouxe até aqui.

Tudo que passei, as pessoas que conheci, o mundo que (limitadamente) enxerguei construíram o “meu hoje”.

Nada de novo! Certamente, inúmeros assim já concluíram, proclamaram tais frases, asseguraram tais verdades.

Porém, nesta caminhada, pude angariar alguns insights que busco aplicar aos meus dias sem a pretensão de que sejam factíveis ou sensíveis a outros.

São momentos em que cresci.

Talvez a primeira mudança tenha sido a morte.

Parem as prensas (ou uploads)! Alguém disse que a primeira experiência consciente com a morte lhe foi impactante!!!

Tudo bem…me doo um pouco de paciência aos prováveis clichês que compartilho.

Minha avó e eu guardávamos uma relação especial. Desde pequeno tinha sua aprovação absoluta e dedicação total. Era o neto preferido, aquele que tudo pode.

Ainda me lembro das manhãs de domingo em que, obrigado, ia à Missa e a ouvia cantar aos brados com sua voz de Araponga. Lembro de acordar ao cheiro de uma cuca saindo do forno. Lembro de que, na última conversa que tivemos, ao telefone lhe falei que ela sairia do hospital para jogarmos futebol no final de semana.

Era uma terça-feira. Nunca mais conversamos.

Quinta-feira, lembro de sua imagem no velório e do Padre copiosamente errando seu nome no sepultamento. Lembro de pensar em tantos que iriam a seguir, inclusive eu.

Percorridos vinte e nove anos de vida, aquela morte me transformou. Acreditei que deveria me escrutinar (sempre) pelo incerto tempo que me restava.

A dor de crescer. Ainda relembro daqueles dias e da marca que deixaram.

Algum tempo depois, pude novamente de deparar com a realidade. Um segundo insight, talvez tão doloroso e brutal.

Este insight foi permitir-me a diferença.

Desde minhas mais remotas lembranças, acreditava que estava aqui para o extraordinário. Éramos, o mundo e eu, portanto, concêntricos. O SER. Tudo para o deleite do universo.

Não poderia ser que minha vida flanaria na normalidade! Tanto quanto todos os demais bilhões de humanos sob o sol.

Assim, muitas das vezes, me portava como pertencente a uma classe superior que pouco tinha a receber dos simples mortais. A realidade, eu inconscientemente sabia (e todos, mais conscientes, também), não era essa.

A permissão, que falei há pouco, me surgiu quando notei que todos podiam ensinar. Desde o lavrador ao CEO, o conhecimento infinito do mundo pode ser partilhado, porém, nunca realmente absorvido em sua totalidade.

Esta pancada me chegou na prática quando, largados o terno-e-gravata, me vi conhecendo a rotina da indústria pesada e convivendo, como que desafiantes aos Escolásticos, com pessoas extremamente sábias e inteligentes, dominantes de um conhecimento vasto e adquirido na experiência da rotina. Nada de bancos acadêmicos ou termos rebuscados!

Era um público novo que, até então, eu ignorava. A juventude e o swagger deixavam parecer que nada tinham a me oferecer. Fechado à possibilidade de aprender com eles, certamente desperdicei um sem número de oportunidades.

Voltando ao silêncio que precede o esporro, assumindo a absurda (im)possibilidade de resumir as porradas que me levaram à tal permissão em um momento, elas viriam de um “obrigado”.

No almoço anual de encerramento das atividades da empresa, um colaborador da manutenção patrimonial me apresentava à sua esposa enquanto me agradecia. Um senhor na casa de seus cinquenta e poucos anos, cheio das marcas de um ofício duro, aparentemente feliz e surpreso, contava, entusiasmado, que eu o cumprimentava todos os dias. Ele, vejam só, verdadeiramente me agradecia.

Pura educação, preocupação genuína, controle de atividades…pouco importa. Para ele, o mais comezinho respeito, de um simples bom dia, nos fazia equivalentes, como deveria ser.

Como um golpe de machado, cortei-me do que era até ali não por finalmente abandonar uma pose soberba (essa só outros podem confirmar) mas por interpretar o impacto daquele sincero agradecimento. D´àquele ponto, me permiti. Tive a chancela para abandonar o extraordinário e afirmar-me um conviva do resto do mundo.

Permitir-me respeitar aos outros, suas histórias e atos, suas necessidades e falibilidades. E suas vontades de, naquilo que permitirem, serem desvendadas. Permitir que me desse ao respeito. Permitir que me doasse ao respeito.

Novamente, virei um adulto.

Essa permissão, porém, traz suas consequências, sendo a mais fervorosa a ciência da ignorância. Pouco sei sobre mim e absolutamente nada sobre o outro ou o mundo. Não há condição de que absorva a realidade e as verdades no todo.

Os poucos fragmentos que temos contato nos dão esta visão singular. Acreditamos muito mais do que sabemos.

Nesta linha, busco aprender a aprender. Domar minha sanha através da afirmação de que, verdadeiramente, escutar e enxergar ao máximo o que me seja permitido, me fará melhor. Que abrir-me ao arcabouço do saber e do acreditar alheio enriquecerá as crenças que possa ter alimentado ou passe a absorver.

Obviamente, negligenciei incontáveis eventos e não eventos que modificaram o bruto cuja inspiração inaugural ocorreu há 40 anos (38 anos quando tracei as primeiras linhas). Estas são as lembranças e sensações que me remeto agora.

Abandonei a breve busca pelo sentido da vida para, logo em seguida, encontra-lo na simplicidade de existir. Existir através daquilo que vivo.

Como escreveu Lope de Vega: “Yo me sucedo a mí mismo”.

Nesta sucessão, não creio que tenha motivos para reclamar. Tenho uma vida confortável e, em seu patamar, plena. Acesso pessoas, lugares e feitos que me instigam. Conquisto metas, fúteis ou marcantes.

Lope de Vega

¿No habéis visto un árbol viejo,

cuyo tronco, aunque arrugado,

coronan verdes renuevos?

Pues eso habéis de pensar,

y que, pasando los tiempos,

yo me sucedo a mí mismo.

Ainda assim, conheci a tristeza.

A tristeza sem origem e mais ampla do que a luz do seu paradigma. Aquela que me roubou a vontade e desperdiçou oportunidades. Aquela que, sem querer, afetou aos que me rodeiam.

Pouco me conhecendo, nada sabendo e tateando a crença, não consigo apontar a sua origem: se causa ou efeito. Tampouco, se é tristeza de fato ou o meu eu de agora.

Novamente, tornei-me adulto.

Por isso, a aceitei. Aceitei-a como indecifrável, como necessária e como o meio de um conto. Aceitei que outros a partilhem.

A tristeza me fez aceitar, abrir mão do controle em oposição à escolha. Escolher riscos, responsabilidade e consequências.

Acima de tudo, aceitar que ESTOU no centro do meu mundo e que a verdadeira aventura ocorrerá ao redor. Sou tanto cenário quanto ator.

Neste caminho do crescimento, alguns hábitos têm se mostrado duros e necessários, como um museu das minhas lembranças revisitadas, as vezes em tempo real.

Como cantou David Bowie:

Just gonna have to be a different man

Time may change me

But I can’t trace time

Não sei ao certo o por quê de escrever este texto já que não pretendo fazer lição. Acredito que seja o passo inicial de uma catarse. Acredito também que não exista uma necessária causa para tudo.

Aceito isso também.

Hoje, tornei-me adulto porque aceitei. Porque decidi cuidar de mim.

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Juliano Zimmermann Freitas

Advogado por formação, executivo por eleição, libertário, amante das boas coisas da vida e agitador cultural de um grupo de 6 pessoas (8 no máximo).