Swagger

Juliano Zimmermann Freitas
6 min readApr 5, 2018

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Minha combinação era pouco provável. Tampouco sei se o efeito era geralmente aceito.

Magro, passava bem longe de um bodybuilder. Pseudo orelhudo, não era ajudado pelo rosto fino. Alto, reforçava as características anteriores para ser considerado um varapau.

Tinha uma vida confortável de classe média e, ainda assim, o dinheiro era contado para as despesas irrisórias, ainda que obrigatórias, de um adolescente (festas, festas e festas). A locomoção era, na mais das vezes, dividida entre os pais ou aquele ônibus que pouco combinava com os ambiciosos objetivos da noite.

Para quem lê isso em pleno 2018, pode inferir comparação preconceituosa ou sexista. Contudo, a vida não era assim no começo dos anos 1990. Os modernos conceitos de empoderamento não ecoavam.

Bullying no ensino médio, antigo 2º grau, era tema de discussão tão próximo quanto a física quântica. Sua correspondente da época era a pegação no pé, tiração de sarro. Aliás, neste quesito (bullying e não física quântica), mesmo sendo um varapau orelhudo, transitava tranquilamente entre perpetrador e vítima. Como boa parte das pessoas que estudaram comigo.

Fazia amizades com os populares e com os então chamados de CDFs. Tinha uma boa condição de aprendizado e, portanto, notas de medianas a boas. Isso me creditava tempo para as atividades extracurriculares, nem sempre de melhor finalidade.

Você pode imaginar o quadro.

Mesmo assim, eu atuava como sendo o máximo. Um suprassumo do universo. Eu tinha swagger.

90´s swagger

Como disse, a combinação improvável passava longe de me qualificar para ser um modelo de sucesso que víamos nos filmes americanos da Sessão da Tarde. Porém, o meu swagger até trazia resultados.

Sempre fui polêmico no quesito cultural. A argumentação estava presente no dia-a-dia, às vezes, pelo simples sabor de testar o interlocutor. Importante, porém, é que não esperava fazer amigos, tampouco brigas, quando apresentava minha visão peculiar de vida (se é que um adolescente agregaria muito neste quesito). Achava estimulante testar a inteligência e poder de convencimento, no meu caso e dos outros.

Claro, isso passava uma imagem de arrogância. Mas, como em anúncios de canais comerciais: “Calma, não é só isso. Tem mais para você”!

Na balada, último campo de batalha dos moleques, meu desempenho não era de se jogar fora. Na conquista de uma nova guria, adorava quando me diziam “eu nunca sei se você está falando sério”. Sempre oscilando, do cativante e divertido amigo ao intragável esnobe, tive a oportunidade de ficar com belas, inteligentes e interessantes garotas. Obviamente, este não é o resumo de minha vida à la Casanova. Certo mesmo, é que tudo, na enorme maioria das vezes, era raso e fútil.

Quando me remeto ao mala da argumentação com viés em Casanova, apesar de algumas lembranças boas, não tenho qualquer orgulho. Eu hoje vejo que respeitava pouco as outras pessoas, apesar de me considerar um arauto da sapiência.

Várias são as formas que podem provar esta visão. Seja a condescendência com que tratava aqueles que achava incapazes de me “vencer” ou a forma de superioridade que flanava nas baladas deste mundo afora.

Esse último aspecto, o modo rei do camarote, é um ótimo ponto de partida. Entregue poder a um homem e saberá parte de sua natureza.

A posição de destaque dos camarotes permitia admiração (sem razão) e repulsa (sem efeito). Gerenciar a noite e expectativas dos outros é um microcosmos da futilidade. Hoje, eu vejo isso.

Apontar quem é “digno” o suficiente de privar de sua presença para dividir algumas doses de vodka, beira o ridículo. Achar-se diferenciado por pagar um pouco a mais neste caro metro quadrado, a epítome da necessidade de autoafirmação.

Porém, a pouca idade, falta de (verdadeira) experiência e quantidade de pauladas que a vida ainda daria, não me deixava ver isso à época. Isso e outras tantas besteiras feitas para se conseguir a validação do grupo.

O efeito manada. Efeito que lobotomiza, que é campo fértil para as atitudes que nos cobrarão no futuro.

Deixo o campo da futilidade para adentar ao campo da simples covardia. Dentre as inúmeras babaquices que já fiz, escolho uma para abordar agora.

Até a 8ª serie, estudei com uma menina que sofrera Paralisia Cerebral ao nascimento. Infelizmente, ela demonstrava muitos dos efeitos típicos da condição: Falta de coordenação muscular, tremores ou movimentos involuntários, movimentos lentos e contorcidos, dificuldade para caminhar, babar, dificuldade em falar, dificuldade com movimentos precisos, atraso no aprendizado, etc.

Mesmo numa época de pouca informação para todos, seus pais optaram pela sua integração numa escola chamada “normal”. Obviamente, posso dizer que ela era normal, como somos todos. Todos normais e diferentes, afinal, não há maior minoria do que o indivíduo.

Vou chama-la de Jaqueline D.

Pela diferença que Jaqueline D. apresentava, ela tornava-se foco de atenção. Os professores e colegas de todo o colégio a conheciam.

No cotidiano da sala, Jaqueline D. sofria para levar uma vida normal. Sofria, pois, tinha de conviver com os efeitos de sua condição. Sofria, pois, os colegas de classe não a deixavam em paz. Com muita vergonha, admito que também tomei parte nisso algumas vezes.

Sempre que ficava frustrado por achar que ela usava de sua condição para obter vantagens, eu virava um dos carrascos da pena de tiração de sarro. Bullying na linguagem contemporânea.

O mal sempre tenta se justificar.

A minha frustração não justificava nada disso. A minha necessidade de aprovação pelo grupo também não.

Obviamente, não posso afirmar que ela usava da sua condição para obter vantagens. Ainda que assim fosse, que a Jaqueline D. fazia isso conscientemente. Pior, mesmo que fosse verdade e consciente, não posso afirmar que faria diferente se estivesse em seu lugar.

Nunca mais a vi ou soube dela. Não sei quais caminhos a Jaqueline D. percorreu na vida. Muito menos, se minhas ações causaram algum impacto e em que extensão.

Peço desculpas por tudo de errado que lhe fiz. Peço desculpas aqui porque não sei se já tenho a coragem de fazê-lo pessoalmente. Por ora, uso a desculpa de não saber onde encontrá-la.

Gosto de imaginar que estas desculpas seriam aceitas de bom grado.

Penso que isso é empatia. Colocar-se no lugar do outro e ter, para com ele, a mesma tolerância que esperaria para mim.

Gostaria de ter esta visão há anos atrás. Tenho muita vergonha de como agi. Tenho vergonha daquele “eu”.

Ambos os casos, a postura pomposa e o bullying, tem sua raiz no mesmo lugar. Finalmente, não saber lidar com o diferente, seja uma opinião ou um indivíduo, é terreno fértil para ações equivocadas.

Essa ignorância, esse abismo que me separava do mundo, era um quadro desenhado tal qual a telas de Edvard Munch. Um Grito que professava minha confusão.

Fazer parecer algo que não seja sua essência para agradar a qualquer pessoa é um ato cabal de insegurança. A necessidade de ser aceito, aprovado e admirado também. Uma forma de aniquilação de sua existência.

Tudo nos moldes desesperadores daquela pintura. O silêncio eloquente plasmado na face transformada daquele grito de angústia.

O Grito, por Edvard Munch — 1893

Somos, como seres sociais, eternos test subjects. Esperar resultados irreais para cada experiência é um esforço sem razão. É claro que desejamos ser bem quistos, contudo, saber limitar esta expectativa é que nos aproxima da real essência.

Este momento é um passo em direção a ela. Um passo a mais distante daquele passado.

Em retrospecto, tive muita sorte até os dias de hoje.

Sorte para me conscientizar de alguns pecados. Sorte em conquistar uma mulher que me compreende e, acima disso, aceitou o meu passado desconsiderando a persona que criei. Muito sorte, pois, ela é linda em todos os sentidos. Sorte para ter amigos verdadeiros e fiéis. Para ter um bom emprego e uma vida próspera.

Todos estes indivíduos, imagino, puderam ver além de qualquer máscara que eu tenha usado. Ouviram aquele Grito e foram bondosos o suficiente para me conduzir ao que deveria ser visto.

Tomara, conte com a bondade e paciência deles por muito mais tempo.

Afinal, está tudo lá. O swagger, a insegurança, os pecados. Adormecidos, espero.

Espero mesmo, é não errar tanto novamente.

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Juliano Zimmermann Freitas

Advogado por formação, executivo por eleição, libertário, amante das boas coisas da vida e agitador cultural de um grupo de 6 pessoas (8 no máximo).