13 coisas que eu gostaria de ter aprendido antes de escolher a não-monogamia

Julie Soares
30 min readDec 14, 2018

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Texto original de Lola Phoenix

Direção de tradução: Julie Soares

Quando você começa a aprender sobre poliamor ou não-monogamia [nos Estados Unidos], o que a maioria das pessoas chama de “relacionamentos abertos”, provavelmente você será direcionada/o a várias publicações: os livros The Ethical Slut [A vagabunda ética], Opening Up [Abrindo-se] e o website More Than Two [Mais que dois]. E essas foram as coisas que li quando comecei minha jornada na não-monogamia.

No entanto, rapidamente eu descobri que havia várias lições que eu tive que aprender da maneira mais difícil. Lições estas que essas fontes não me ensinaram com clareza suficiente ou que realmente me impediram de aprender.

Então, aqui estão as 13 coisas que eu gostaria de ter aprendido anteriormente sobre a não-monogamia:

1. Nem todo sentimento negativo que você tem é ciúme

O ciúme é uma ansiedade para todas as pessoas há muito tempo

Quando você começa a ler sobre a não-monogamia, a ênfase no quanto o ciúme não é saudável te invade de tal forma que, pelo menos para mim, não ser uma daquelas pessoas ciumentas que implodem seus próprios relacionamentos tentando controlar cada movimento de suas/seus parceiras/os se torna sua principal missão.

As leituras iniciais sobre a não-monogamia enfatizam o ciúme de tal forma que as pessoas já entram na não-monogamia assumindo que qualquer sentimento negativo que tenham sobre uma pessoa que a/o parceira/o está namorando é necessariamente ciúme e qualquer tentativa de expressar esse sentimento é automaticamente controle, comportamento abusivo.

No meu primeiro “relacionamento” não-monogâmico, eu tinha falado com um cara por um ano (eu morava nos EUA, ele no Reino Unido e eu estaria me mudando para o Reino Unido em alguns meses) quando ele de repente começou a namorar uma pessoa que ele nunca tinha mencionado antes. Essa pessoa parecia relativamente legal e parecida comigo, então eu tentei fazer amizade com ela no Facebook para conhecê-la. O cara imediatamente me proibiu de tentar contato, alegando que ele se sentia mais confortável com a gente conversando primeiro pessoalmente .

Dado que eu planejava viajar para o Reino Unido dentro de 6 meses e eu não queria ser uma pessoa “controladora”, obedeci. Ele disse que tinha contado a essa pessoa sobre mim e até que ele queria fazer um ménage com a gente. Mas, sem surpresa, ele não tinha falado uma palavra com ela sobre mim.

Em retrospectiva, eu nunca teria concordado em não falar com essa nova pessoa. Isso seria uma bandeira vermelha. Mas era tanta ansiedade para não ser vistE¹ como “ciumentE” que eu ignorei meus próprios sentimentos assumindo que eles eram bagagem monogâmica.

Mas eles não eram isso. Sentimentos negativos são às vezes um resultado de suas necessidades não serem atendidas. Se a/o sua/seu parceira/o se recusa a levar você ao seu restaurante favorito e depois leva uma pessoa nova para um encontro nesse mesmo restaurante, qualquer ser humano racional não vai se sentir tão feliz com isso. Sentimentos negativos e sim, até mesmo o assustador monstro de olhos verdes chamado ciúme, podem ser justificados e compreensíveis.

O que as fontes iniciais sobre a não-monogamia falham em comunicar é que não é tanto o ciúme ou os sentimentos negativos que são o problema — é o que fazemos com eles que pode fazer as coisas implodirem.

2. Confiança pode parecer compaixão

É irônico que o leão macho é visto como um símbolo de força quando ele não faz a maior parte da caça

Quando eu cheguei nas comunidades poliamoristas, eu fui imediatamente atraídE por aquelas pessoas “experientes” que pareciam confiantes no que estavam fazendo. Essas pessoas não eram apenas atraentes para mim, mas pareciam a melhor aposta a se fazer. Obviamente, pessoas confiantes se comunicam muito bem, certo? Obviamente, quando você está apenas começando em algo, alguém que tem ou teve um monte de relacionamentos e muitas/os parceiras/os é uma aposta “segura”, certo?

Errado.

Infelizmente, eu descobri que as pessoas confiantes me faziam sentir como se eu estivesse sendo ouvidE e escutadE, mas esse era raramente o caso. Pessoas confiantes podem fazer com que você se sinta especial e cuidada/o, mas quando chega a hora de realmente dedicar energia emocional e recursos a você, essas pessoas, em minha experiência, raramente estão aptas para essa tarefa. Sua capacidade de fazer você se sentir especial faz parte dessa confiança, mas não é a verdadeira compaixão humana que você está vendo ali.

Isso para não mencionar que não é só porque alguém teve muitos relacionamentos que essa pessoa é realmente boa em se relacionar. Relacionamentos não são um jogo que jogar proporciona mais experiência. Trata-se de uma troca individual e, se o que se recebe sempre parece pouco, pode ser mesmo o que está aparecendo.

Outra coisa que fontes iniciais sobre a não-monogamia falham em discutir em profundidade é o fato de que configurações não-monogâmicas em que um indivíduo não passa muito tempo com qualquer indivíduo, mas os vê apenas raramente, podem permitir que pessoas que normalmente seriam tóxicas e difíceis de se manter por perto possam ter muitos relacionamentos “funcionais”. Se você vê alguém apenas uma vez a cada duas semanas e seu tempo com essa pessoa é ótimo, você não necessariamente vê ou tem que lidar com alguns dos aspectos mais dúbios da sua personalidade.

Então, às vezes ter mais parceiras/os do que saber o que fazer com elas/eles não é necessariamente um sinal de que você é incrível na não-monogamia e iniciantes não deveriam assumir que você é.

3. Comunicação é difícil e aterrorizante

Conversar deveria ser uma via de mão dupla, mas é?

O maior conselho de relacionamento para qualquer pessoa, independentemente do estilo de relacionamento, geralmente se resume a isso: converse com a/o sua/seu parceira/o.

Como a maioria dos conselhos, é muito mais fácil de dar do que de seguir. E o que os guias não-monogâmicos para iniciantes deixam de levar em consideração é que a comunicação é realmente muito muito difícil, mas não pelas razões que eles assumem.

Como uma pessoa autista, reconhecer minhas próprias emoções e compreendê-las pode ser realmente difícil. Como uma pessoa com um transtorno de ansiedade, minha resposta imediata ao meu próprio medo é não levá-lo a sério ou examiná-lo com um pente fino. E ao embarcar em algo em que você é completamente nova/o, às vezes você realmente não sabe ou entende o que você precisa até que você não esteja obtendo isso e isso dói.

A dor é a maneira do corpo de nos dizer que algo está errado. E às vezes você tem que experimentar uma dor emocional antes de realmente entender que tem um limite ou tem uma necessidade que não está sendo satisfeita.

Pedir o que você quer não é fácil

Mas admitir à/ao sua/seu parceira/o que você tem uma necessidade pode te colocar num lugar extremamente vulnerável emocionalmente. A maioria dos guias não-monogâmicos para iniciantes é escrita geralmente por pessoas brancas que muito provavelmente vêm de um contexto socioeconômico específico. Isso não quer dizer que as pessoas brancas de classe média nunca tenham problemas, mas eu geralmente acho que se você foi maltratada/o sistematicamente pela sociedade ou tem um histórico de abuso, pode ser realmente difícil se sentir confortável o suficiente para se colocar em uma posição vulnerável com alguém.

Eu me vi tentando, em meus relacionamentos, manipular situações para que eu conseguisse o que eu realmente queria sem ter que pedir isso porque pedir diretamente algo que você precisa e ouvir de alguém de quem você gosta muito que a pessoa se recusa a fazê-lo é absolutamente assustador. E quanto maior a minha necessidade por qualquer coisa, menor a probabilidade de eu pedir diretamente por ela.

Imagine se você estivesse indo a um funeral no mesmo momento em que sua/seu parceira/o quer ir a um evento que ela/ele estava louca para ir. Imagine pedir diretamente à/ao sua/seu parceira/o para estar lá por você no funeral e ouvir dela/e um não, ou ver ela/ele se irritar com a ideia de te apoiar em um momento seu de fragilidade. Mesmo que não seja diretamente uma causa para rompimento, ter uma necessidade tão importante não atendida ou recebida pela/o sua/seu parceira/o com uma reclamação pode prejudicar a intimidade que você tem com ela/ele. Se você não pode se abrir e pedir ajuda a ela/ele, então isso levanta a questão de que tipo de parceria é essa.

Conversar com sua/seu parceira/o é assustador. Pedir algo que você precisa é assustador. E especialmente porque nós vivemos em uma sociedade que nos encoraja a sermos seres independentes que não precisam de ninguém; especialmente se você foi encorajada/o pela sociedade a se ver como uma pessoa “grudenta” ou se preocupar em ser assim; e especialmente porque guias não-monogâmicos reforçam a idéia de que você não deve precisar de ninguém demais, pode ser muito mais difícil querer qualquer coisa de qualquer pessoa.

4. Um relacionamento não é uma habilidade

Você não melhora sempre com a prática

Eu escrevi sobre como um relacionamento não é uma habilidade com grandes detalhes em outro texto, mas para resumir, eu às vezes acreditava, como muitas pessoas monogâmicas também fazem, que terminar ou não ter um bom relacionamento era um reflexo ruim de mim mesmE.

A razão por que eu disse acima que ter um monte de relacionamentos não é necessariamente um sinal de que alguém é bom em relacionamentos é porque, da mesma forma, ter um monte de ex não é necessariamente um sinal de ser ruim em relacionamentos. Parece que comunidades não-monogâmicas especialmente encorajam a ideia de que rompimentos não amistosos e “drama” são um sinal de pessoas sendo ruins em relacionamentos. E assim, algumas das pessoas confiantes que eu mencionei podem ter um monte de relacionamentos, mas muitas/os ex quietas/os.

O cara acima mencionado que de repente apareceu namorando alguém novo e que me proibiu de falar com essa pessoa se demonstrou um babaca para além disso. E quando eu o confrontei sobre, ele me bloqueou em todas as redes sociais. Eu estava tentadE, depois disso, a contar para sua/seu outra/o parceira/o sobre ele me bloquear em tudo quando confrontado porque eu tinha saído da minha névoa e também porque tinha a suspeita de que essa pessoa não sabia nada sobre mim. Mas evitei fazer isso por medo de parecer a pessoa que é a ex “ciumenta e louca”.

E eu acho que muitas pessoas que têm experiências ruins com outras pessoas ficam tão envergonhadas que os seus relacionamentos “não deram certo” que elas pensam que é devido à sua falta de habilidade — ou temem que vão parecer assim — e guardam o segredo mesmo quando elas pensam que a pessoa que elas namoraram é particularmente tóxica ou abusiva. Ninguém quer começar um “drama”ou ser visto como “ruim em relacionamentos”.

Mas relacionamentos não são habilidades. Eles são parcerias e cooperações. E assim como se envolver em um acidente de carro não faz de você necessariamente um/a motorista ruim, terminar um relacionamento ou ter que terminá-lo não quer dizer que você é ruim em relacionamentos. Existem habilidades de relacionamentos que você certamente pode desenvolver como comunicação e compaixão.

Você pode ser realmente boa/bom em conhecer seus próprios limites, ou nem tão boa/bom assim. Mas no fim às vezes você pode simplesmente não ser boa/bom o suficiente para duas pessoas e às vezes duas pessoas, por melhores que sejam em se comunicar, simplesmente não se encaixam tão bem juntas.

Talvez se vissem términos menos como um sinal de que alguém é ruim em algo, as pessoas se preocupariam menos em parecer um/a “ex ruim”.

5. A compersão não é algo obrigatório

“Don’t worry, be happy?” (Não se preocupe, seja feliz?) O TEMPO TODO

Eu tinha lido muita informação sobre a não-monogamia antes de começar e senti que sabia exatamente como lidar com as coisas. Quando a minha primeira experiência foi negativa, eu tomei as coisas com uma sensação de que eu até aprendi bem com isso. Uma das coisas em que insisti depois da minha primeira experiência foi tentar fazer amizade com as/os parceiras/os da/o minha/meu parceira/o.

Como uma pessoa iniciante, muitas vezes você vai ouvir que “não há um jeito certo de fazer poliamor” e ainda assim ouvirá sobre “compersão”, que é o oposto do ciúme, em que você ouve sobre a/o sua/seu parceira/o ter um ótimo encontro ou um bom momento com alguém e você ficar cheia/o de felicidade e se sentir feliz por elas/eles.

Embora as pessoas digam que não há um caminho certo, um ideal é comunicado por meio dessa e de muitas atitudes. A “melhor” maneira de viver a não-monogamia é claramente aquela em que você experimenta “compersão”, sem ciúme, sem emoções negativas, e nunca tendo problemas.

E esse nível de felicidade não é esperado dentro da monogamia. De fato, na monogamia, um casamento infeliz é quase algo esperado. Incontáveis comediantes homens fizeram carreiras inteiras sobre a ideia de que o casamento e a exclusividade sexual são o fim da sua “diversão” — e embora a monogamia (leia-se: monogamia heterossexual e branca) seja um padrão encorajado por essa sociedade, a idéia de que não é um piquenique e nem sempre divertido e feliz também não é algo completamente aceito.

E ainda, porque as pessoas muitas vezes culpam em primeiro lugar um relacionamento aberto que não deu certo e assumem que ele fracassou porque relações não-monogâmicas não funcionam, pessoas não-monogâmicas são frequentemente encorajadas a serem boas relações públicas para a comunidade não-monogâmica e delas é esperado alcançar um nível de felicidade nos relacionamentos que as pessoas monogâmicas nunca têm que alcançar.

A expectativa de felicidade constante

E esta é uma expectativa reforçada dentro das comunidades sem pessoas monogâmicas presentes. Eu já vi um incontável número de pessoas em comunidades poliamoristas se sentirem tão ansiosas com a ideia de que seu fórum está cheio de pessoas confusas e pedindo ajuda que elas postaram histórias positivas e felizes para quase tranquilizar o mundo exterior. É permitido às pessoas monogâmicas serem infelizes e isso não reflete necessariamente a monogamia, mas o mesmo não acontece com pessoas não-monogâmicas.

Essa pressão sobre mim de ser feliz com os outros relacionamentos da/o minha/eu parceira/o e de fazer amizade com os metamores (as pessoas que a/o sua/seu parceira/o namora) me deixou ansiosE e infeliz. Eu me forcei a interagir socialmente com pessoas para além dos meus próprios propósitos.

Eu me obriguei a fazer amizade com pessoas com quem eu não tinha nada em comum e isso me fez utilizar de sarcasmo com elas. Em vez de apenas aceitar que talvez eu não precisasse fazer amizade com os metamores, eu me forcei a isso, o que inevitavelmente tornou a situação tensa e difícil de qualquer maneira.

Além disso, eu senti que minha indiferença às façanhas românticas da/o minha/meu parceira/o me deixou sem coração e, de alguma forma, “ciumentE”. E, de fato, ouvir os detalhes das façanhas da/o minha/meu parceira/o me deixou arrepiadE no final — não porque estivesse com ciúme ou incomodadE -, mas porque o medo de ficar com ciúmes era tão intenso que me deixava tão desconfortável quanto o ciúme — talvez até MAIS desconfortável. Eu só perceberia mais tarde que o meu desconforto em ser voyeur tinha muito a ver com o abuso sexual que eu tinha passado e nada a ver com a sensação de ciúme e tudo mais.

Eu tive que aceitar que a compersão poderia simplesmente ser algo que eu não sentiria e ouvir os detalhes só me deixava ansiosE sobre sentir ciúmes — e estava tudo bem. Eu não tive que sentir compersão para ser feliz pela/o minha/meu parceira/o em uma escala maior. E eu não tive que me dar bem ou até mesmo gostar dos meus metamores para que as coisas ficassem bem com qualquer parceira/o que eu tivesse. Obviamente, sim, se fizéssemos amizade e eu tivesse essa amizade com algum metamor, seria bom… Mas me forçar a fazer amizade com alguém em qualquer situação nunca é confortável e isso é ótimo.

A compersão não é algo obrigatório.

6. Tempo e recursos são finitos

O dia tem 24 horas

Pessoas iniciantes na não-monogamia ouvem várias vezes por dia que “o amor é infinito” e que não é necessariamente errado. Enquanto você pode ser capaz de amar um número infinito de pessoas, você só tem uma determinada quantidade de energia em um dia. Como uma pessoa com uma deficiência que afeta meus níveis de energia e ansiedade social, eu rapidamente percebi que sair em um novo encontro todas as noites não era algo que eu pudesse fisicamente fazer, e tudo bem.

Eu também descobri que muitas pessoas que adotaram a filosofia de “o amor é infinito” tinham muitos privilégios por elas ignorados e que eu não tinha. Elas tinham carreiras (ou a capacidade de viver bem sem uma) com opções de tempo flexíveis, o dinheiro para gastar em atividades, a energia mental e física para interagir socialmente com as pessoas sem chegar a um ponto de ruptura.

Eu me lembro que uma vez eu fui a um evento de relacionamentos abertos em uma nova cidade e a conferência envolveu muita interação social interpessoal intensa. Depois de ser convidadE para uma festa, eu aceitei, apesar de estar exaustE. Eu acabei em uma casa muito barulhenta, estranha e desconhecida, sem nenhum lugar apropriado para me sentar longe das multidões e fiquei tão sobrecarregadE que acabei chorando. Eu me senti ridículE, sem graça, envergonhadE da minha incapacidade de acompanhar o fluxo de todo mundo até que finalmente percebi que os meus recursos não estavam onde aquelas outras pessoas estavam.

Você pode amar quantas pessoas quiser, mas há apenas 24 horas em um dia. Nem todas/os nós podemos viver a uma curta distância de todas/os as/os nossas/os parceiras/os ou manter um trabalho que não acabe com a gente na maior parte da semana. Seria ótimo se o tempo e os recursos fossem infinitos como o amor, mas eles simplesmente não são. E é útil perceber isso.

7. Tudo bem estar infeliz

Mas era pra não-monogamia fazer você feliz SEMPRE, não?

Como eu havia mencionado antes, existe uma expectativa nada saudável para que pessoas não monogâmicas estejam felizes com tudo que está acontecendo dentro de seus relacionamentos. Você é colocada/o dentro desta expectativa, especialmente devido aos textos que você lê no começo, orientando você a aproveitar cada aspecto da não monogamia, para estar bem com todas as atividades que suas/seus parceiras/os têm com outras/os e de estar bem sozinha/o.

Mas às vezes você pode se sentir sozinha/o — e está tudo bem. Às vezes, quando minha/meu parceira/o que vive comigo está visitando outra pessoa, eu posso estar, em teoria, muito feliz por elas/eles, mas eu estou sozinhE no momento presente. E, claro, eu descobri que a melhor forma de resolver esse problema é tentar e fazer planos para o mesmo momento de forma que eu tenha companhia, mas nem sempre é possível.

O tempo não é infinito, como eu já havia dito, e no fim das contas, concordar com um relacionamento não-monogâmico significa aceitar uma estrutura de relacionamento onde nenhum/a parceiro/a individual seu/sua poderá, ou conseguirá, razoavelmente passar todo o seu tempo com você.

A monogamia também tem esse tipo de configuração quando um/a parceiro/a tem um emprego que consome muito de seu tempo, como sendo um/a advogado/a ou médico/a. Mas dentro da não-monogamia, é garantido que parte e parcela do que você está concordando é que a/o sua/seu parceira/o não devote todo seu tempo e energia a você.

E isso pode ser algo solitário. Especialmente se você está num cenário muito comum onde uma pessoa tem diversos encontros e a outra não. Isso pode se tornar triste. E penso que nós passamos tanto tempo tentando estar felizes por nossa/o parceira/o que tentamos engolir essa infelicidade, não falar sobre ela, então ela acaba explodindo nas nossas caras. Especialmente dada a mentalidade da comunidade poliamorista de pensar: “Ah não, temos muitas histórias de pessoas passando dificuldades com a não-monogamia, vamos falar sobre o quão incrível ela é”.

Estatisticamente, quantos mais relacionamentos você possui, maiores as chances de viver um coração partido. E mesmo que isso seja um dos ossos do ofício, não significa que você tenha que fingir que não está com o coração partido se e quando você está, ou que você não esteja assustada/o com isso.

Às vezes não é incrível. Às vezes você fica solitária/o. A coisa importante que você deve lembrar nesse caso são os benefícios que se acaba tendo com a escolha da não-monogamia e tentar tomar atitudes que te ajudem a lidar com essa solidão. Atitudes que ajudem a aceitar e reconhecer os seus sentimentos em vez de abrir um sorriso amarelo no rosto e tentar se sentir “ok” com tudo isso. Porque eventualmente, se nossas/os parceiras/os não estão passando tempo suficiente conosco para que possamos nos sentir felizes, nós não seremos capazes de reconhecer isso se estivermos tentando com todas as forças não nos sentirmos infelizes e mentindo para nós mesmas/os sobre isso.

8. O convencional insiste em se fazer presente no não convencional

Nossa, olha! Heterocentrismo. Diversão.

A monogamia, especificamente a monogamia heterossexual, é encorajada pela sociedade em que vivemos. E quando você está apenas começando a ter relacionamentos abertos, você pode se sentir um pouco isolada/o. Você terá experiências em que as pessoas irão julgá-la/lo por isso (especificamente se lerem você como uma mulher) e muitas vezes as pessoas que entraram na não monogamia podem sentir essa combinação onde elas são evitadas pela sociedade, admiradas por algumas pessoas enquanto sentem que o que estão fazendo é “não convencional”.

Você recebe muitas mensagens confusas como iniciante em comunidades não-monogâmicas: é mais natural do que a monogamia e, no entanto, é desprezado e odiado e, no entanto, é visto como “legal” e “moderno”. E isso, por sua vez, pode tornar as coisas um pouco confusas, especialmente quando os mesmos tipos de convenções que você vê na monogamia parecem ainda estar em jogo dentro da não-monogamia.

Por exemplo, em muitos contextos não-monogâmicos que conheço, eu vejo muitas pessoas que se identificam como mulheres em famílias poliamoristas fazendo a maior parte do trabalho de criar filhas/os ou dividindo esse trabalho apenas entre as parceiras enquanto os homens saem e fazem o que eles querem. Eu vejo muitas mulheres se esforçando ao máximo para dar apoio emocional a várias pessoas e não obtendo nada para si mesmas. Eu vejo muitas situações em que homens mais velhos estão usando a não-monogamia como um exemplo de seu “feminismo”, namorando várias pessoas que são muito mais jovens do que eles e ninguém na sua faixa etária atual. Você vai encontrar muita convenção dentro do não convencional.

A precisão histórica da expectativa monogâmica

Além disso, eu acho que as pessoas tendem a ter uma memória seletiva sobre a história. Mesmo entre as pessoas monogâmicas [estadunidenses], você vê esse conceito de que a “década de 50 com 2,5 filhos na família e um cercadinho de madeira” é algo “tradicional” e vem acontecendo há anos e anos — mas isso simplesmente não é verdade.

O amor romântico e a ideia de que ele não é uma doença que precisa ser curada é uma ideia relativamente nova na história da humanidade. O casamento como símbolo de amor e não um acúmulo de propriedades entre famílias é uma ideia relativamente nova. Parcerias de vida em décadas passadas não eram geralmente sobre amor e sexo, elas eram sobre riqueza e poder.

E, em alguns casos, até hoje as pessoas praticam situações de casamento arranjado (que não são necessariamente problemáticas) através das quais um casamento é garantido e uma parceria se forma a partir de uma necessidade comum e não daquilo que consideramos “típico” hoje de duas pessoas se encontrando e se apaixonando.

E os “casos” não têm sido historicamente um problema. Ter parcerias múltiplas dentro da monogamia socialmente validada tem sido possível para homens ricos por centenas de anos. Talvez alguém tenha tido um “casamento”, mas isso nunca significou exclusividade sexual. Ou, ainda que tivesse, essa exclusividade sexual foi puramente imposta à pessoa lida como mulher dentro dessa troca — mas muito raramente imposta aos homens.

Isso sem mencionar que muitos guias iniciais não-monogâmicos são escritos a partir da perspectiva de que a família nuclear foi uma realidade para todo mundo que está lendo esses guias, enquanto muitas pessoas pobres e imigrantes nunca tiveram essa experiência ou expectativa. Viver em conjunto com os membros da família, especialmente pessoas idosas, é uma prática comum para muitas pessoas. Então essa ideia de que a não-monogamia está desafiando todas as convenções tradicionais… bem, simplesmente não é verdade.

O que não quer dizer que sentimentos de solidão não sejam válidos ou que não haja pessoas que genuinamente não gostem de você por você ser uma pessoa não-monogâmica. No entanto, eu vou dizer que os “relacionamentos abertos” não são necessariamente completamente desconhecidos pela cultura dominante e, embora possa haver muitos equívocos sobre eles, ainda há um insulto desenvolvido especificamente para pessoas não-monogâmicas.

E, na minha experiência, a grande maioria dos indivíduos que experimentam consequências negativas por namorar várias pessoas tendem a sofrer essas consequências porque são lidas como mulheres. As pessoas lidas como homens podem ser julgadas por outros homens por “permitir” que suas esposas durmam com outros homens, mas isso não é de fato uma consequência para esses indivíduos, pois as raízes desse julgamento derivam da ideia de que os homens precisam ser sexualmente dominantes das mulheres que eles namoram e que as mulheres estão subjugando os homens por possuir sua própria sexualidade — o que é misoginia e, em última análise, é sobre colocar as mulheres de volta no seu lugar, não sobre odiar homens ou relacionamentos abertos.

Então, o ponto é que, mesmo quando a não-monogamia pode ser “não convencional”, ainda existem muitos hábitos convencionais antigos que surgem dentro dela.

9. Nenhum ser humano é uma ilha

Você não precisa, na verdade, ser totalmente autossuficiente, sabia?

Sociedades eurocêntricas/brancas em geral reforçam a ideia do indivíduo como mais importante. Nós somos encorajadES de várias formas a brilhar por nós mesmES, usando todos os recursos que temos e não dependendo de outras pessoas para ajudar. Dentro da não-monogamia o reforço da ideia de ser independente e permitir que suas/seus parceiras/os tenham independência significa que você comumente tem esse conceito reintegrado a você.

O conselho comumente dado a iniciantes sobre o ciúme é que elas/eles têm que trabalhar isso por elas/eles mesmas/os. Em vários casos, eu me encontro tentando lidar com tudo por minha própria conta porque eu estou preocupadE não só sobre não ser um fardo para minhas/meus parceiras/os, mas também em fazê-las/os sentir que eu dependo muito delas/es. Eu tenho sido encorajadE a ser autossuficiente de um modo que pedir ajuda se torna algo realmente difícil.

Às vezes parece que é tão ruim ter necessidades próprias, especialmente aquelas emocionais, que pedir o que você precisa se torna outro obstáculo. Porque você não quer ser grudenta/o ou ser vista/o sob uma luz negativa dentro da não-monogamia. Onde a não-monogamia é comumente caracterizada como algo que não é saudável, a codependência ou qualquer coisa que pareça ecoar ou refletir isso pode, comumente, ser vista como tão negativa quanto.

Apesar disso, ninguém é realmente uma ilha. Nós somos criaturas sociais, até eu que sou tão pouco social quanto você pode imaginar. Às vezes nós precisamos de ajuda. E as pessoas com as quais nós nos sentimos confortáveis o suficiente para sermos românticas/os são às vezes as pessoas com as quais nos sentimos seguras/os para pedir ajuda, mais do que outras. E está tudo bem. Ter necessidades não é ser grudenta/o. E enquanto suas/seus parceiras/os podem não ser suas/seus terapeutas e depender de qualquer indivíduo para todo seu suporte emocional pode não ser justo, em última análise você não pode ajudar os outros com coisas que você precisa. E fingir que você consegue tomar conta de você sozinha/o, na realidade não vai funcionar.

10. Dê uma boa olhada à sua volta

Deve haver uma razão para não ter pessoas não brancas nessas comunidades

Quando eu comecei a entrar nas comunidades não-monogâmicas eu ficava, como a maioria das pessoas, nervosE e esperançosE de que eu causaria uma boa impressão. Eu também usava óculos cor de rosa, esperando estar com pessoas que me entendessem, assim como as escolhas que eu queria fazer. Eu não entendi, até que fosse muito tarde, que as comunidades que eu tinha entrado eram cheias de gente que tinha tido experiências de vida muito diferentes das minhas.

Algumas pessoas das comunidades não-monogâmicas e de fato várias outras comunidades que você vai encontrar não são sempre os lugares mais diversos e podem fazer você comparar a sua vida com a vida de pessoas que simplesmente não compartilham as mesmas experiências e visão de mundo que você.

Na minha experiência, me sentir como se eu fosse a única pessoa não-binária, por exemplo, foi duro. Meus sentimentos sobre ser chamadE de maneira errada eram muitas vezes descartados e abafados. Eu ouvi em um encontro de pessoas não-monogâmicas que pessoas poliamoristas simplesmente não têm tempo para se preocupar com a transfobia e a transmisoginia porque elas estão muito ocupadas com outras coisas.

Várias comunidades não-monogâmicas existem, mas às vezes você tem que procurar por elas. Se você se encontrar sentindo-se um pouco isolada/o na sua, deve ter uma razão para isso. Dê uma olhada em volta e pergunte-se se a única coisa que vocês realmente têm em comum é a não-monogamia e se isso não vai mais atrapalhar você do que te ajudar.

11. Insegurança não é o mesmo que auto-ódio

O ciclo de conversar com você mesma/o para resolver um problema externo é interminável

Se o ciúme é a letra ‘C’ maiúscula da não-monogamia, então a insegurança é definitivamente a sua prima horrível. As pessoas geralmente vão aconselhar novatas/os a trabalhar em suas inseguranças, a desafiá-las e tranquilizarem-se de que elas/eles têm seu valor e valem a pena.

E essa abordagem… pode funcionar. Mas o que muitos guias não-monogâmicos para iniciantes deixam de lado é a ideia de que essa insegurança pode ser uma reação completamente lógica a um determinado cenário. E esses guias muito comumente presumem que a insegurança é auto-ódio, quando as duas coisas não são uma mesma coisa.

Insegurança é só isso — uma falta de se sentir segura/o. E quando você está iniciando um relacionamento novo com alguém, você pode se sentir muito insegura/o sobre o relacionamento e o que vocês significam um/a para o/a outro/a. Isso faz muito sentido. Sentir-se insegura/o nessa situação não quer dizer que você supõe que a pessoa com quem você está começando a se relacionar não gosta de você, mas que você não está se sentindo segura/o sobre o relacionamento.

Da mesma forma, eu tenho visto tantas situações em que as pessoas estão se autoflagelando por sentirem-se inseguras em um relacionamento (e “ciumentas”) quando é totalmente racional para elas sentirem-se inseguras.

Por exemplo, um/a parceiro/a tem repetidamente quebrado promessas feitas à outra pessoa e então encontrou um/a novo/a parceiro/a e essa pessoa está insegura sobre a/o nova/o parceira/o. E toda a razão para isso é porque o seu relacionamento não é estável. Se você tem um/a parceiro/a que não está fazendo nada para fazer você se sentir valorizada/o e querida/o ou está, de fato, provando a você através de ações que você não é valorizada/o, você pode dizer para você mesma/o o quão impressionantemente você é tudo que você gostaria — ainda assim o problema atual ou a insegurança não vão se resolver.

Estar insegura/o não quer dizer que você se odeie

Insegurança não é algo que acontece sempre porque você se odeia ou pensa que você não é uma pessoa digna. Um/a atleta olímpico/a pode se sentir inseguro/a sobre sua performance e ainda assim entender que sua performance atlética é acima da média. Alguém pode ter 50 Oscars pelo seu trabalho de atuação e ainda se sentir insegura/o quando vai para uma audição. Nós tememos o desconhecido. Nós tememos coisas ruins acontecendo. E esse medo pode causar insegurança. E nós comumente confundimos medo e insegurança com ciúme quando não é isso.

Auto-ódio é quando você conta para você mesma/o que você não é suficientemente boa/bom, que a sua/seu parceira/o secretamente te odeia, e todas as outras coisas negativas que as pessoas às vezes experienciam. E a solução para isso é tentar e conversar consigo mesma/o positivamente e parar de atacar a si mesma/o. O auto-ódio pode e deve de fato fazer você se sentir insegura/o em muitas coisas, inclusive relacionamentos. Mas nem toda insegurança é causada por ódio de si.

É complicado porque se sua/seu parceira/o, por exemplo, está negligenciando você, você pode se odiar por sentir que você precisa de mais tempo com ela/ele. Você pode conversar consigo mesma/o e dizer que você está sendo muito grudenta/o, muito carente e que você precisa se reerguer. Mas talvez a/o sua/seu parceira/o não esteja passando tanto tempo com você de modo que esse tempo diga de uma necessidade individual dela/o de estar com você. Talvez a/o sua/seu parceira/o se esqueceu de um importante aniversário.

Assim você pode sentir-se temporariamente melhor tentando lembrar-se do quanto você é amada/o e do quanto você importa… mas se a/o sua/seu parceira/o está negligenciando você e não está atendendo às suas necessidades, você está simplesmente prendendo-se num ciclo de tentar manter-se forte. Assumir que seus problemas são todos inseguranças que precisam ser trabalhadas tranquilizando-se e não um problema inerente do relacionamento de uma necessidade não satisfeita ou até mesmo negligenciada vai apenas fazer com que você fique presa/o nesse ciclo para sempre.

Não suponha que sua insegurança é sempre sobre ódio a você mesma/o. Às vezes é um sinal de que suas necessidades não estão sendo satisfeitas. E embora nem todas as pessoas tenham as mesmas necessidades e talvez você realmente precise de mais do que outras pessoas em algumas situações, se os seus relacionamentos vão funcionar, suas/seus parceiras/os precisam estar dispostas/os a satisfazer essas necessidades se elas/eles puderem.

Você pode chegar à conclusão de que vocês não são tão compatíveis como gostariam de ser, mas é melhor chegar a essa conclusão do que ficar num relacionamento em que você, no final do dia, não está conseguindo o que você quer e, ao invés disso, está somente tentando ter conversas estimulantes ao longo dele.

12. Regras e hierarquia não são algo necessariamente ruim

Imagine como o xadrez ou outros jogos funcionariam sem papéis ou regras estruturadas

“Eu não preciso de regras ruins”, como você pode ter ouvido. Também: as hierarquias onde você tem um/a parceiro/a primário/a refletem a não-monogamia e acabam dando “privilégios de casal” para duas pessoas, ferindo a pessoa secundária. Tudo isso é ruim, ruim, ruim, muito ruiiiiiiiiiim.

Ou não.

É irônico como muitas pessoas que dizem que não precisam de regras esperam que suas/seus parceiras/os tenham práticas sexuais seguras como regra, mas, de alguma forma, parecem não ver usar proteção e serem testadas como “regra”, mas sim como “bom senso”. Ainda assim, a ideia individual de sexo “de risco” pode variar radicalmente entre as pessoas.

Especialmente dado o fato de que tantas pessoas são tão desinformadas sobre os riscos ligados à saúde sexual que elas não estão cientes de que a transmissão das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) AINDA é possível, mesmo usando preservativos. Uma das razões pelas quais educadoras/es sexuais estão dizendo sexo “mais seguro” em vez de sexo “seguro” é justamente por causa desse mal-entendido.

O que você pode fazer e o que você não pode fazer

Eu costumo levar a abordagem de Jack Sparrow para a não-monogamia. As únicas regras importantes são: o que você pode fazer e o que você não pode fazer.

Eu posso deixar minhas/meus parceiras/os namorarem quem quiserem, mas eu não posso dizer que, se elas/eles saírem com alguém que tenha sido abusiva/o e desagradável comigo, isso não vai afetar meus sentimentos em relação a elas/eles.

Eu posso deixar minhas/meus parceiras/os fazerem o que quiserem, mas eu não posso fingir que esquecer meu aniversário ou algo que é importante para mim não me deixaria chateadE.

Eu posso deixar minhas/meus parceiras/os definirem seus próprios limites, mas eu não posso, por exemplo, ver minha/meu parceira/o abusar ou machucar alguém e fingir que eu estou bem com isso.

Todo mundo tem necessidades individuais em seus relacionamentos e isso vale para todas as coisas. Qualquer mãe/pai (ou mesmo professor/a) poderia dizer que cada criança que tem é diferente, cada um/a precisando de coisas diferentes. Às vezes você precisa de coisas diferentes de pessoas diferentes, mas essas necessidades se tornam seus limites e coisas com as quais você tem que lidar.

E parte do motivo para as regras e as hierarquias não serem necessariamente ruins é porque elas podem ajudar a atender a essas necessidades, desde que você não esteja tentando controlar o incontrolável.

Hierarquias baseadas em necessidades

Por exemplo, eu gosto de fazer coisas domésticas com parceiras/os. Eu prefiro ter um/a parceiro/a que more comigo onde podemos estabelecer uma vida juntES, talvez comprando uma casa juntES. O tipo ideal de não-monogamia que funciona para mim é aquele em que eu tenho um/a parceiro/a “primário/a” em quem eu posso confiar para pedir apoio emocional e onde eu tenho outras/os parceiras/os que são mais casuais e que dariam a mesma quantidade de apoio emocional que eu esperaria que um amigo me desse. Isso é o que funciona para mim e é mais ou menos o que funciona para a/o minha/meu parceira/o principal, e é por isso que temos esse tipo de relacionamento.

Minha/meu parceira/o tem mais interesse em relacionamentos casuais, então eu não fico tão incomodadE se eu não saio em um encontro por meses. Esta é uma situação que funciona para nós. E nós comunicamos isso a outras pessoas para que administremos as expectativas. E, em muitos casos, tanto na minha experiência como parceirE principal quanto na minha experiência como parceirE secundáriE que foi descartadE no momento em que se tornou inconveniente, ter uma compreensão clara das expectativas é o que tornou as coisas muito melhores. Especialmente como uma pessoa autista que precisa de clareza.

O problema com regras e hierarquias e por que grande parte dos guias para iniciantes na não-monogamia irá contra isso é porque muitas vezes as pessoas usam regras e hierarquias para resolver outros problemas que as regras não podem resolver.

Muitas vezes, você encontrará situações em que uma pessoa convenceu a/o parceira/o a entrar na não-monogamia e criou uma hierarquia e regras (por exemplo, você não pode dormir com alguém até eu dizer que você pode ou não podemos ter encontros até que cada um/a de nós tenha um) para tentar se proteger do medo do desconhecido. E isso é compreensível, mas o problema com as regras é que quanto mais regras você cria, mais provável é que alguém esqueça alguma regra e quebre uma ou as situações da vida criem problemas.

Pense na sua regra antes de propor uma

O que os guias para iniciantes na não-monogamia deveriam fazer em vez de dizer unilateralmente que todas as regras e hierarquias são ruins, é expandir aquelas regras que provavelmente explodirão na cara das pessoas.

Por exemplo, criar uma regra em que sua/seu parceira/o tenha que verificar com você antes de dormir com alguém nova/o é algo contra o que eu sempre aconselho. Qualquer coisa que peça a “permissão” de alguma pessoa cria muita pressão não apenas na pessoa que dá permissão para agradar a/o parceira/o, mas também pode criar ressentimento se a permissão não for dada.

E às vezes quando ocorrem situações inusitadas, você pode acabar decidindo dormir com alguém nova/o à 01:00 da madrugada, e nesse caso dizer à/ao sua/seu parceira/o que você vai dormir com alguém nova/o pode criar mais problemas do que resolver, especialmente se sua/seu parceira/o está tendo um dia difícil. Imagine perder seu trem, derramar seu almoço, arruinar uma roupa, sentir falta da/o sua/seu parceira/o, jantar sozinha/o e então ser acordada/o pela/pelo sua/seu parceira/o à 01:00 da madrugada ligando para você para dizer que está prestes a dormir com uma nova pessoa.

Pois é. Nada legal.

O medo por trás dessa regra é uma tentativa de garantir que as/os parceiras/os confirmem se a outra pessoa vai ficar bem com aquilo. E isso não precisa acontecer antes e pode acontecer depois. Em vez de fazer uma regra para reforçar esse tipo de comportamento, o que se deve fazer é tentar criar uma atmosfera em que sua/seu parceira/o busque saber se você está bem independentemente da existência de novas/os parceiras/os ou não, e assegure-se de que sua saúde mental esteja ok e de forma que você se sinta confortável para dizer quando não estiver.

Uma regra imposta como essa não criará automaticamente esse tipo de atmosfera, portanto, a regra não vai ajudar e pode, em vez disso, criar mais problemas do que resolver. Eu aconselharia as pessoas a pensarem sobre o porquê de estarem propondo a regra e examinarem o raciocínio por trás dela.

13. Talvez não seja para você

Existem vários caminhos e nem todos eles vão funcionar, não importa o quão aberta/o você esteja

Por último, mas não menos importante, o conselho que muitas vezes não é dado às pessoas novatas é claramente este: talvez a não-monogamia apenas não seja para você.

Um monte de guias iniciantes sobre a não-monogamia são feitos com lentes cor de rosa, praticamente. A não-monogamia tem uma maneira de desafiar algumas das coisas que são inerentes, mas não exclusivas, à monogamia. Às vezes pode ser libertador você sentir que pode flertar sem “trair” ou fazer o que quiser. E isso acaba fazendo as pessoas sentirem que a não-monogamia é necessariamente melhor, necessariamente mais igualitária, necessariamente mais socialmente progressista do que a monogamia.

E pode chegar ao ponto em que as pessoas não-monogâmicas se referem à monogamia de forma desdenhosa, quase culpando-a em vez de estruturas como misoginia e heterossexismo pela forma como a monogamia as mantém em uma caixa.

Isso, por sua vez, pode fazer com que as pessoas sintam que a única escolha igualitária, ética e socialmente progressista que se pode fazer É pela via da não-monogamia. E como o comunismo, a não-monogamia pode parecer ótima no papel, mas não funciona na prática para muitas pessoas — E ESTÁ TUDO BEM.

Como eu disse antes, aceitar a não-monogamia significa, em última análise, aceitar que qualquer parceira/o que você tenha não vai gastar a totalidade do seu tempo e dos seus recursos com você e vice-versa. E talvez isso não seja a configuração que você quer. Talvez isso não funcione para você. Talvez ter mais pessoas seja apenas complicado demais. Ou talvez você esteja cansada/o demais para sair com mais de uma pessoa.

Tudo isso está ok. Escolher a monogamia não significa que você escolhe tudo o que a sociedade quer que você faça com ela. Escolher a monogamia não significa que você vai surtar se sua/seu parceira/o se sentir atraída/o por outra pessoa. Isso não significa que você tenha um problema com sua/seu parceira/o tendo atração sexual ou sentimentos românticos por outra pessoa. Assumir que alguém, apenas por ser monogâmica/o, endossa as idéias da sociedade sobre como a monogamia deveria ser, é uma equivalência muito falsa.

É como eu assumir como uma pessoa não-binária que qualquer ser humano trans ou cis identificado de forma binária, ao identificar-se com um gênero binário automaticamente endossa tudo o que a sociedade relaciona com esse gênero — e isso simplesmente não é verdade.

Você pode tentar a não-monogamia e descobrir que não é o que você quer e está tudo bem. Isso não significa que você esteja atrasada/o ou que quer viver nos anos 50. Pode significar apenas que não é para você. E você poderia pensar que entre pessoas “não convencionais” isso seria tolerado, mas às vezes não é.

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Isso é tudo, pessoal.

Então é isso. Tenho certeza de que haverá mais quando eu pensar sobre isso um pouco mais, mas por enquanto, se eu soubesse disso antes de começar, teria me poupado muita dor de cabeça e eu espero que para algumas/ns iniciantes isso seja útil.

___________________________________________________________________Nota:

¹ Lola Phoenix, quem escreveu este texto, é uma pessoa não-binária (alguém que não se identifica nem com o gênero feminino nem com o gênero masculino) e prefere que o pronome utilizado para se referir a ela seja, em inglês, o pronome “they” (que indica “eles” ou “elas”, no plural). Nesta tradução, sempre que não pudermos evitar indicar o gênero de Lola utilizaremos, em vez de terminações que indicam gênero masculino ou feminino, como “-a” e “-o”, a letra “-E” maiúscula, tal como neste primeiro caso: “vistE como ciumentE” em vez de “visto como ciumento” ou “vista como ciumenta”. Para os trechos no plural que incluem Lola, “-ES” será utilizado.

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Julie Soares

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