Albumlist 2015.1: Lorde, Tame Impala e uma overdose de Belchior

Julli Rodrigues
17 min readJun 25, 2015

O primeiro semestre de 2015 resumido em pouco mais de vinte descobertas musicais. Neste texto, falo sobre os onze primeiros álbuns.

Comecei o ano com dois projetos diferentes. O primeiro era registrar em detalhes cada dia de 2015, por escrito, em uma agenda. Sigo com esse projeto, mas já adianto que ele está sendo tocado com certo nível de atraso. O segundo projeto consistia em escutar um novo álbum por semana durante o ano, devendo atingir, ao final de 2015, cinquenta e dois álbuns descobertos.

É sobre os resultados desse projeto no primeiro semestre do ano que venho escrever. Tudo bem, eu deveria ter escutado vinte e seis álbuns até agora. Me atrasei um pouco, admito. Mas pretendo tirar o atraso até o final do ano. De qualquer forma, descrevo abaixo minhas impressões dos onze primeiros álbuns que escutei.

Classificarei cada um com duas escalas de 1 a 5: a de estrelinhas, que define se o álbum é bom de um modo geral (análise mais imparcial), e a de coraçõezinhos, que define o quanto eu o amei. Notem que isso aqui não se propõe a ser uma análise séria, pois ainda não tenho cacife pra isso. Alguns álbuns com certeza terão impressões bem toscas associadas a eles. Outros terão comentários sobre o momento da minha vida que estava associado à audição. Enfim…

Pure Heroine | Lorde | 2013 | ★★★★★ | ♥♥♥♥

Cheguei a escrever um pouco sobre esse álbum no tumblr “Um álbum por semana”, que criei para registrar reviews longos sobre cada álbum (mas abandonei, pra variar). Pego emprestado um trecho do texto de lá:

O espírito weirdo e anti-estrela de Lorde começa desde a sonoridade. Minimalista sem deixar de ser marcante, dançante sem parecer vazio, melancólico em alguns momentos e delirante em outros. Gosto muito dos arranjos e acho que eles têm algo de cosmopolita e depressivo, ao mesmo tempo. Não sei explicar. Soa exatamente como o tipo de som que embala aquelas noites nas quais a única opção é beber para tentar vencer o tédio, sair para a balada, dançar como todo mundo dança, mas sem esconder o olhar vazio e sem deixar de lado a sensação de “o que eu estou fazendo aqui?”.

As letras completam essa sensação. Lorde faz uma crônica sarcástica dos costumes dos jovens da sua idade, de forma que em um primeiro momento pode até soar pedante. Eu mesma achava pedante no começo, mas percebi que o negócio é diferente daquela já conhecida crítica de quem está de fora e se sente superior. O eu-lírico das canções está tão dentro do esquema quanto os outros: são todos jovens, caminhando entre o desespero e os desejos, criando imagens virtuais melhores de si mesmos, buscando se divertir como veem nos filmes, mas sabendo que não pertencem a aquele mundo. Solidão e depressão estão lado a lado com euforia e diversão. Profundo.

Cinco meses depois, “Pure Heroine” é um álbum que ouço de cabo a rabo sempre que quero ficar “numa boa”, curtir os graves e a sonoridade “minimalista sem deixar de ser marcante”, como eu mesma defini.

Coração Selvagem | Belchior | 1977 | ★★★★★ | ♥♥♥♥♥

O segundo álbum que escutei no ano, e o último que recebeu review longo no Tumblr. Copio e colo novamente, porque a opinião se mantém.

Passei um bom tempo do ano passado escutando o “Alucinação”, álbum que o catapultou para o sucesso, e tive a ideia de escutar o trabalho seguinte já no final do ano. A experiência com “Alucinação” já havia me dado pistas sobre o que eu poderia encontrar: aquele ar de desânimo e desencanto, de deslocamento em relação à realidade cruel, arranjos ligeiramente melancólicos e forte transpiração auto-biográfica nas letras. São, afinal, marcas conhecidas da obra de Belchior.

Lembro de ter estranhado muito os arranjos de “Alucinação”. Considerei-os uma tentativa falha de modernidade que acabou ficando anacrônica, e esperava ouvir o mesmo em “Coração Selvagem”. Me surpreendi. Eles melhoraram sensivelmente no álbum de 1977, aproximando-se da sonoridade característica da época. Maravilhosas viradas de bateria, baixo bem marcado, um som poderoso, envolvente, com energia e atmosfera adequadas às letras. Inclusive, admiro muito a habilidade que muitos arranjadores tinham para criar atmosferas só com o som.

Dois ótimos exemplos desse “alinhamento” de arranjo e letra estão em “Paralelas” e “Pequeno Mapa do Tempo”. A primeira tem um arranjo de cordas que, como eu já disse no twitter, me dá um nó na garganta e cria toda a tensão presente nos versos. Volto a eles depois, mas preciso dizer logo que compreendo perfeitamente a densidade do “No Corcovado, quem abre os braços sou eu”. Já na segunda, a atmosfera é mais calma e tem mais a ver com a reflexão do eu lírico sobre si próprio. Me faz pensar na cena de alguém deitado na rede e imerso num pequeno transe. De todas as músicas, “Caso Comum de Trânsito” é a única que eu não faço muita questão de ouvir.

Se os arranjos mudaram, as impressões sobre as letras são as mesmas. Desânimo, desencanto, deslocamento, angústia, um ar de quem observa a realidade com dor. De quem não queria estar ali, de quem não concorda com aquilo tudo. Da dor de amor à sensação de sufoco. Da crítica social presente em “Populus” à assunção do papel de arauto e porta-voz de um futuro distópico em “Clamor no Deserto”. Muita intensidade, do jeito que eu gosto. Belchior sempre quis deixar claro que com ele era diferente, e de fato é: a música dele é feita pra doer. “Quem me conhece me pede que seja mais alegre, é que nada acontece que alegre meu coração”, diz a letra de “Clamor no Deserto”. Acho até que essa sensação de permanente angústia cansa, como ele deixa transparecer em “Todo Sujo de Batom”. É tipo um “eu queria ser mais leve, mas não dá”.

Who’s Next | The Who | 1971 | ★★★★ | ♥♥♥

Aí é que a coisa começa a ficar complicada. Escutei esse álbum por influência indireta do colega de faculdade Marcos Maia, mas também por já conhecer a música “Behind Blue Eyes”, presente nesse disco. Fiz o caminho contrário: da faixa, busquei o álbum inteiro. E preciso dizer que foi uma experiência um pouco penosa nos primeiros dias.

Eu não estava muito acostumada ao estilo do The Who. As músicas do álbum me pareceram boas, mas ao mesmo tempo eram tão longas que me cansaram um pouco nas primeiras audições. Gosto da atmosfera tipicamente roqueira-setentista dos arranjos e fui cativada logo de cara pelo início de “Baba O’Riley”, que hoje é uma das faixas que mais escuto do álbum. “The Song is Over” e “Getting in Tune” são duas músicas que me dão um pouco de preguiça.

Acho que abandonei o tumblr “Um álbum por semana” por, na época, não me sentir capaz de escrever seriamente sobre esse álbum. Faltava repertório. Hoje continua faltando, tanto que tudo que faço aqui é uma análise parcial. Mas, no geral, é um álbum bom, embora eu frequentemente não tenha muita paciência pra escutá-lo inteiro.

Ave Sangria | Ave Sangria | 1974 | ★★★★ | ♥♥♥♥

Um dos expoentes da psicodelia musical brasileira nos anos 70, o Ave Sangria teve uma trajetória polêmica. Tratava-se de um grupo pernambucano que buscava chocar com suas letras e apresentações, e cujo legado é de grande valia para a música popular brasileira e para os alternativos que frequentam o Rio Vermelho e a varandinha da Facom. A indicação desse álbum veio através de um rapaz que conheci pela internet e que tentava estabelecer vínculos comigo (mas naquela época eu não estava a fim de estabelecê-los). Fiquei enrolando pra escutar o álbum até o início desse ano, quando finalmente o fiz. E me arrependi de ter demorado tanto.

Tá, algumas faixas podem ser classificadas como ligeiramente entediantes, ao meu ver. As três primeiras são meio “meh”. Mas “O Pirata” tem uma energia envolvente. O baixo proeminente, a levada que faz você se balançar lentamente enquanto olha pro céu, a historinha contada na letra… Um comentário especial sobre a letra: há uma estrofe que frequentemente dói em mim, sempre que a reinterpreto e a aplico a várias pessoas que conheci. Pessoas de espírito livre, que nunca quiseram se prender (em diversos sentidos).

“Não me ame, eu não quero ver você assim. Vá-se embora, eu não choro, sei cuidar de mim. Eu não tenho todas essas ilusões e apesar de ter tantos corações, minha guerra nunca, nunca vai ter fim. Sim, sim, eu sei, faço meu sorriso e faço minha lei”.

Claro, há outros pontos altos. Como esquecer de “Seu Valdir”, que é praticamente uma declaração de amor gay em plena ditadura militar? Também gosto muito de “Hei Man” e “Por Quê”, duas músicas que misturam a levada nordestina com o rock. “Corpo em Chamas” e “Geórgia, a Carniceira” são duas canções um tanto chocantes e delirantes. E “Sob o Sol de Satã” é outra grande paixão minha. Acho triste que ela seja tão underrated, tão pouco citada quando se fala de Ave Sangria.

Cheek to Cheek | Lady Gaga e Tony Bennett | 2014 | ★★★★★ | ♥♥♥

Quis escutar esse álbum por várias razões. Pra começar, vi como ele estava sendo elogiado pela crítica e pelo público. Além disso, sempre tive simpatia por Lady Gaga. Faz algum tempo que comecei a ver o potencial por trás da aparência de produto pop. Vi que ela é uma ótima pianista e que sua voz destoa do que é comum na indústria fonográfica do gênero: é encorpada, quente, com boa extensão. A canção “Speechless”, do álbum The Fame Monster, tinha me mostrado isso. Além disso, obviamente, Tony Bennett é um grande nome do jazz.

Não me decepcionei com o álbum. É muito bom de escutar, com toda aquela atmosfera de clubes noturnos à meia-luz, onde as pessoas se sentam para tomar drinks ao som de crooners cheios de classe. Gaga e Bennett têm química e suas interações parecem naturais. Canções lentas e dançantes fluem bem, sem sobressaltos.

Porém, não consegui me ligar a ele. Não é um álbum que tenha me cativado tanto a ponto de me fazer destacar determinadas canções pra escutar separada e repetidamente. Não significa que não seja bom, obviamente. Tanto que na análise imparcial eu dei cinco estrelas: é um trabalho de ótima qualidade, que vale a pena escutar. Mas… Não me fez ficar apegada.

Viva a Brotolândia | Elis Regina | 1961 | ★★ | ♥♥♥♥

Sim, apesar de ter quase oito anos sendo fã incondicional de Elis Regina e sabendo de cabo a rabo a sua biografia, só vim escutar seu primeiríssimo álbum neste ano. Inclusive, não me matem, mas ainda não escutei uma pá de álbuns da Elis gravados na década de 60. Em compensação, sou especialista nos álbuns da década seguinte.

A história desse álbum é aquela que todos os fãs conhecem: foi gravado meio que “por livre e espontânea pressão”, pois Elis tinha sido recrutada para ser uma cópia da Celly Campello, um produto para disputar uma fatia de mercado (Celly gravava na Odeon e Elis foi contratada pela Continental). A própria Elis passou toda a vida renegando veementemente esse disco (e os três seguintes, gravados no mesmo estilo), apesar de ter sido lembrada da existência dele por diversas vezes.

Também, pudera. É um disco de versões, rockzinhos bobos, um ou outro samba ali e aqui. Nada a ver com o canto quente e potente de Elis, que àquela altura ainda era uma jovem de 16 anos, mas já sabia bem o que queria, com sua formação baseada em escutar jazz e cantores do rádio. Ao escutar “Viva a Brotolândia”, tive essa imediata impressão de que o canto dela não cabia naquela pataquada toda.

O álbum tem momentos bons, claro. “Sonhando”, versão de “Dreamin’” (Vorzon/Ellis), é bobinha, porém cativante. Frequentemente me pego cantarolando essa música. Também gosto de “Dor de Cotovelo”, um sambinha que deu certo. É nele que Elis já mostra um pouco da sua habilidade vocal, fazendo improvisos simpáticos. Além disso, tem uma letra muito bem-humorada.

“Beber pra esquecer é teimosia. Hoje, muito whisky, muita alegria… Amanhã, ressaca, saco de gelo, o bar não é doutor que cure a dor de cotovelo. (…) E sentir saudade não faz mal, não é no fundo do copo que você vai encontrar sua moral”.

“Garoto Último Tipo”, versão de “Puppy Love”, é boazinha e só. A última faixa, “Amor, Amor” (que também é versão), está no meu repertório de musiquinhas que canto por aí quando estou contente.

Mas não podemos esquecer das bolas fora. Em “As Coisas que Eu Gosto”, versão de “My Favorite Things”, acontece a coisa mais bizarra que eu já pude ouvir na minha vida. Me surpreende que ninguém tenha comentado isso ainda. Não sei se por improviso, falta de recursos ou de vergonha na cara, colocaram uma voz high-pitched entre os backing vocals. Ficou bizarro, parecendo a voz do Pato Donald. Que mancada, Continental.

Nem é necessário dizer que, no final das contas, a tentativa de fazer uma Celly Campello da Continental deu errado de maneiras monumentais.

Belchior (Mote e Glosa) | Belchior | 1974 | ★★★ | ♥♥♥♥

Muita gente acha que “Alucinação” é o primeiro álbum gravado por Belchior, justamente por ser o que o lançou ao público. Mas, no princípio, houve o “Belchior”, muito conhecido como “Mote e Glosa”, título da primeira faixa. Um álbum tão simplório e ao mesmo tempo tão cativante. A mixagem é precária, mas os arranjos são ricos, tipicamente nordestinos, com o maior ar de cidade do interior. Temos um Belchior mais regionalista, mas que já mostra algumas das facas que são atiradas no álbum seguinte.

Clássicos como “A Palo Seco”, “Na Hora do Almoço” e “Todo Sujo de Batom” surgem pela primeira vez neste álbum. Gosto de comparar esses registros com as regravações posteriores. “A Palo Seco”, regravada em 1976, no “Alucinação”, parece mais interessante na primeira gravação. Também é o caso de “Na Hora do Almoço”, que recebeu uma bizarra releitura dançante no “Todos os Sentidos”, de 1978. O único caso no qual a regravação me pareceu melhor foi “Todo Sujo de Batom”. A versão registrada no “Coração Selvagem”, de 1977, tem mais força e uma ligeira picardia.

Apesar do teor (à primeira vista) regional que os arranjos deixam transparecer, a angústia existencial e o desconforto com a vida moderna/urbana, marcas registradas do Belchior, já estão presentes. Talvez de uma maneira mais poética, como percebido em “Passeio”. Gosto do experimentalismo de faixas como “Bebelo” e “Máquina II”.

“ê ê ê eme a má qui u i qui ene a ná eme a ma qui u i qui ene a ná eme a má qui u i qui ene a ná eme a má qui u i qui na na na na na na, máquina máquina máquina máquina máquina máquina máquina máquina máquina máquina na, máquina máquina máquina máquina na na, na na na na na na naaa”

Belchior, Máquina II

Não dou um número maior de estrelinhas porque a gravação e a mixagem, como eu disse, são precárias. Mas o mundo precisa conhecer e entender esta jóia que é o primeiro álbum do Belchior.

Back to Black | Amy Winehouse | 2006 | ★★★★★ | ♥♥♥

Indiscutivelmente, um álbum muito bom. Crítica e público sabem disso. Amy é uma diva eterna, cuja morte me abalou profundamente. Eu realmente esperava que ela se recuperasse dos seus problemas com álcool e drogas.

Coloquei este álbum na lista porque, apesar de conhecer grande parte das músicas, nunca o havia escutado como um álbum propriamente dito. E gostei. “Me and Mr. Jones” foi minha grande paixão entre as faixas que me pareceram novas.

Mas, como eu disse, foram poucas novidades. Não há mais nada a ser dito sobre Amy e o Back to Black. Ele é o que é: um (já) clássico cheio de swing que passeia entre o novo e o antigo. E Amy é admirável no seu talento e na sua intensidade.

Todos os Sentidos | Belchior | 1978 | ★★ | ♥♥

Sim, existe um álbum do Belchior que eu não consigo amar de paixão. “Todos os Sentidos” me causou profunda estranheza e repulsa. Tanto que só consegui escutá-lo por inteiro uma vez. Ele destoa de tudo aquilo que conhecemos do estilo da obra de Belchior. Eu não fui a única a reagir dessa maneira: na época, a crítica caiu em cima do pobre Bel, dizendo que ele estava perdendo suas raízes nordestinas e deixando de fazer música de protesto. Não concordo muito com essa parte da crítica, mas faço coro com a desaprovação.

Mas o que incomodou tanto assim? Ora, muita coisa. O Belchior angustiado dá lugar a um Belchior romântico, sensual, amigo das sensações, dos estímulos. Um cantor que ri, que tenta fazer graça, que grava com As Frenéticas e converte um dos seus maiores sucessos de lamentação numa canção dançante. Porém, faz isso do seu jeito.

Minhas duas únicas favoritas do álbum, “Divina Comédia Humana” e “Sensual”, exemplificam bem essa nova fase do artista. A primeira, uma reflexão sobre relacionamentos incertos embalada por um arranjo de teclados bastante envolvente, é uma música que nunca enjoa. Eu, inclusive, a escutei repetidas vezes nos últimos meses, pois ela definia com precisão uma situação que vivi. Tantas vezes quis citá-la para a pessoa envolvida…

“Aí um analista, amigo meu, disse que desse jeito não vou ser feliz direito, porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual. (…) Deixando a profundidade de lado, eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia, fazendo tudo e de novo dizendo sim à paixão, morando na filosofia”.

“Sensual” é bela, visceral, intensa. Talvez um pouco arrastada, mas da maneira certa pra criar o clima. Antes eu a considerava chatíssima, mas hoje a adoro. A letra tem momentos muito belos, com uma tensão sexual que perpassa os duplos sentidos. Belchior a compôs inspirado em Ney Matogrosso. Ney chegou a gravá-la, e eu escutei achando que seria um registro melhor, já que o ex-vocalista do Secos e Molhados tem uma voz infinitamente mais melodiosa. Mas me decepcionei. A gravação de Belchior, com todas as suas limitações vocais, consegue ser mais arrebatadora.

Falei, anteriormente, da gravação com As Frenéticas. Trata-se de “Corpos Terrestres”, uma música swingada, meio disco music, meio soul, com a letra toda dita — sim, não é exatamente cantada — em latim, com umas pitadas de inglês. Composição do próprio Belchior, que é um notório poliglota. Também tem a releitura de “Na Hora do Almoço”, que é ironicamente alegre para uma letra tão angustiada. Acho bem esquisito. Mas foi essa a gravação que ganhou o público.

Pra mim, essas são as únicas canções dignas de destaque. Todo o resto me pareceu uma tortura longa quando tentei escutar. Ainda bem que você desistiu desse negócio, Belchior.

Do Romance ao Galope Nordestino | Quinteto Armorial | 1974 | ★★★★★ | ♥♥♥

Conheci graças ao professor de Oficina de Radiojornalismo, Maurício Tavares, que indicou as músicas desse grupo como exemplos de bons BGs pra rádio. Eu, que sou muito fã de música instrumental, fui correndo escutar. O Quinteto Armorial é um projeto que surgiu no contexto do Movimento Armorial, idealizado por Ariano Suassuna, com o objetivo de criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular nordestina.

O Quinteto cumpre bem esse papel, conseguindo criar uma atmosfera musical que é ao mesmo tempo medieval, clássica e regional. “Do Romance ao Galope Nordestino”, primeiro álbum deles, é um exemplo disso. Quando ouço, viajo bastante. É um som envolvente, que me faz pensar em cavalgadas no sertão, o sol de rachar, mas ao mesmo tempo com um aspecto épico na narrativa da imaginação. Algumas faixas têm a inspiração medieval bem clara, como “Romance da Bela Infanta”. Gosto bastante de “Rasga” e sua progressão ligeiramente tensa.

Era uma Vez um Homem e o Seu Tempo / Medo de Avião | Belchior | 1979 | ★★★★★ | ♥♥♥♥♥

Depois de pisar na bola com o “Todos os Sentidos”, eis que Belchior ressurge com um trabalho mais próximo do que conhecemos. Um pouco mais cosmopolita e otimista, talvez. Um pouco mais metido a hitmaker, talvez. Desse álbum vem a famosíssima “Medo de Avião”, frequentemente citada por humoristas que parodiam o cantor.

O álbum tem uma clara influência dos Beatles, que não está só no “aquele toque beatle / I wanna hold your hand” e no vocalise de She Loves You colocado no final de “Medo de Avião”. Tem “Comentário a Respeito de John”, em homenagem a John Lennon, que traz o verso “A felicidade é uma arma quente”. Tem a citação a “Here Comes The Sun” em “Brasileiramente Linda”. E tem o “I Wanna Hold Your Hand” cantado como na música original, em “Medo de Avião II”.

Os versos cortantes e a saudade de casa estão, mais uma vez, presentes. “Tudo Outra Vez”, a canção do exilado que volta pra casa depois de um longo período na França, é um clássico. Engraçado, eu não sabia que era uma canção de Belchior, já que havia escutado na gravação do Canindé. De qualquer forma, sou apaixonada por essa música.

Outras duas canções que amo são “Conheço o Meu Lugar” e “Meu Cordial Brasileiro”. A primeira tem versos que bateram fundo em mim da primeira vez que ouvi e me definem na intensidade do meu ser, como os seguintes:

“Não há motivo para festa, ora essa, eu não sei rir à toa! Fique você com a mente positiva, eu quero a voz ativa, ela é que é uma boa, pois sou uma pessoa. Esta é minha canoa, eu nela embarco. Eu sou pessoa, a palavra pessoa hoje não soa bem, pouco me importa…”

A segunda, não sei exatamente por quê, me faz pensar em como teria sido legal se Elis tivesse gravado. De alguma forma, combina com ela. Há outras faixas maravilhosas. Acho que o álbum inteiro é bom. Ouço de cabo a rabo, sem cansar.

Lonerism | Tame Impala | 2012 | ★★★★ | ♥♥♥♥

Mais uma banda que me foi indicada por aquela mesma pessoa que indicou o Ave Sangria, e posteriormente por pessoas da Facom/UFBA. Comecei por esse, que é o álbum mais recente. E até gostei do que ouvi.

A banda se propõe a fazer um som psicodélico moderno, talvez com inspiração nas bandas de antigamente. Meu pai, quando ouviu, achou curioso e perguntou de que ano eram as músicas. Talvez o objetivo deles tenha sido atingido. Há quem confunda a voz do Kevin Parker, o vocalista (ah vá) com a do John Lennon.

Foi mais um álbum que trouxe a necessidade de ter muita paciência pra escutar. Mas a experiência fluiu mais facilmente que a do The Who. Fui me acostumando com a psicodelia roqueira e eletrônica dos sintetizadores e pedais de voz. Sou apaixonada por “Feels Like We Only Go Backwards” e “Mind Mischief”. Também gosto de “Keep On Lying”, “Nothing Has Happened So Far Has Been Anything We Could Control” (ufa) e “Sun’s Coming Up”. Já “Elephant”, que foi um dos singles, não me apetece muito.

Notei que os temas de decepções amorosas e relacionamentos disfuncionais são uma constante nas letras desse álbum. Até pensei se eu estaria subvertendo a interpretação delas. Talvez sim. Mas “Mind Mischief” fala de um relacionamento líquido no qual o eu-lírico cria muitas expectativas e se decepciona. “Feels Like We Only Go Backwards”, por sua vez, trata de uma situação de indecisão na qual os envolvidos não sabem bem o que fazer e uma das partes aguarda que a outra decida.

“How optimism led me astray. Two hundred things I took the wrong way. But I saw her love gauge running low, I tried to fill but it overflowed (…) Then it all just came out, guess I’ll hold it in next time. No more getting it wrong, I’ll be frozen here on. If forever we’ll see, but no more guessing for me”.

Devo dizer que Tame Impala acabou sendo a trilha sonora de algumas das minhas bads dos últimos meses.

No próximo post: Queen, Milton Nascimento, a turma dos mineiros e The Black Keys. Sim, isso mesmo.

Obrigada às mosquinhas que leram essas mais de quatro mil palavras.

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