jwachowski
3 min readMar 26, 2019

Eu tinha acabado de pedir um martine para o garçom enquanto a banda de jazz tocava I loves You Porgy. Foi quando a avistei entrando pela porta do bar. Demorei a acreditar. Ela continuava linda. Cabelos cacheados ao natural. Já não usava mais aquelas cores extravagantes de quando estávamos na faculdade. Ela estava acompanhada mais não me ative a esse detalhe. Não me ative mais a nada depois que ela entrou naquele recinto.

— Nina! Nina!

— Joel? Nossa! O que você tá fazendo aqui em Berlim?

— Eu trabalho aqui. To fazendo um bico tocando sax nesse bar.

— Cara, que coincidência! — Ela sorria com seus olhos brilhantes enquanto o homem que a acompanhava resmungava algo em um alemão com sotaque do interior. Ela ainda usava a mesma cor de batom de quando estudávamos.

— Eu vou tocar agora mas se depois do expediente você quiser tomar alguma coisa pra gente conversar. — Perguntei em português rezando para que o o alemão que estava com ela não tivesse entendido.

— Pode ser. Me dá seu numero que eu te mando uma mensagem e a gente combina.

Subi ao palco e empunhei meu sax alto. Toquei I fall in love too easily do Chat Baker. Eu imaginava sua boca no lugar daquele instrumento frio e babado. Lembrando de tudo que renunciei para seguir meu coração. Lembrando todas as vezes que a vi mudar de namorado enquanto eu permanecia no caminho que eu escolhi. Senti meu o celular no meu bolso vibrar e quando acabei o solo e o tecladista entrou dei uma olhadinha no mensageiro e lá estava uma mensagem dela.

No dia seguinte nos encontramos no parque. De óculos escuros andávamos pela beira de um lago onde alguns patos nadavam tranquilamente.

— Tem sentido falta do Brasil? — Perguntei.

— Sim, mas as coisas lá estão muito difíceis. Talvez eu volte depois da fake war. Por enquanto meu nome está na lista vermelha do governo. Se eu voltar agora posso ser presa. Mas conta aí, como você veio parar aqui em Berlim? Eu achei que você fazia francês na faculdade.

— Sim, eu terminei fazendo francês. Mas como vim parar aqui é uma longa história.

— haha Joel e suas longas histórias.

— Haha, verdade. Mas eu preciso confessar uma coisa. Eu aprendi Alemão por sua causa. — Ela enrubesceu suas bochechas rosadas. — Naquela época durante a graduação eu fui apaixonado por você durante anos.

— E agora não é mais?

— Se eu ainda fosse não estaria falando isso com você.

— Na verdade eu sempre soube disso. Você tem a alma transparente, Joel. Ontem no bar enquanto você tocava quase dava para ver e tocar o que você sentia. — Ela disse isso e tirou meus óculos escuros. — Seus olhos continuam com o mesma cara de cachorro magro.

— Haha! Você também continua com essas bochechas sardentas! Parecem um morango.

— Ah para de falar das minhas bochechas!

Coloquei meus óculos de sol novamente e continuamos andando pelo parque. Sentamos num banquinho gelado. Não falamos nada apesar da saudade de falar português. — Quando você volta para o Brasil? — Ela perguntou.

— Na segunda feira. — A BMW do Alemão Buzinou ao longe.

— Eu preciso ir. Foi muito bom te encontrar e conversar em português com alguém.

— Eu também curti.

— Antes de ir eu preciso perguntar… porque você nunca disse nada?

— Eu era besta, Nina. Tinha medo de tudo. A diferença é que hoje sou uma besta sem medo de parecer ridículo.

— Entendo haha. Então, boa sorte na sua viagem! — Ela me deu um abraço forte que deixou meu sobretudo empregando com aquele perfume doce cor de violetas. Sentei novamente no banquinho e coloquei meu fone de ouvido. Na playlist tocava Every Time You Say Goodbye — Ella Fitzgerald enquanto os patos no lago acasalavam tranquilamente fazendo ondinhas pela água.