José Aldo Pinheiro

A história de um grande narrador de futebol

Kelvin Morais
7 min readDec 3, 2015
Imagem: divulgação

São Luiz Gonzaga, município situado na região missioneira do Rio Grande do Sul, é o berço de muitos vultos e fatos importantes no que tange a cultura, lideranças políticas, religiosas e militares. É um “celeiro de ases”. Por aqui passou e nasceu gente como Jayme Caetano Braun, Noel Guarany, Pedro Ortaça, Senador Pinheiro Machado, Luiz Carlos Prestes, Padre Augusto Preussler e Leovegildo Paiva, apenas, para citar alguns.

Com mais de trezentos anos de existência o município missioneiro tem a economia baseada no plantio de grãos e na comercialização de carne suína. É um pedaço do Rio Grande que valoriza muito sua veia artística, reconhecido pelo Governo como a “Capital Estadual da Música Missioneira”.

Inauguração da Rádio São Luiz em 1949

Um marco importante para estes artistas locais é a fundação da primeira emissora de rádio da cidade, no ano de 1949. É a partir deste momento, paralelo ao desenvolvimento da emissora, que cresce o movimento de artistas através de festivais. E é pelo novo veículo de comunicação que irá surgir o personagem deste relato.

Nascido em 2 de maio de 1965, o jornalista e advogado José Odoraldo Medeiros Pinheiro é um dos tantos são-luizenses que conquistaram um espaço de destaque no cenário estadual. Apesar de ter nascido na Argentina, é um missioneiro de coração. Veio para o Brasil com menos de um ano de idade. Cresceu na zona rural criado pelo avô, e aprendeu a gostar do rádio, como ele mesmo diz, “por osmose”.

A primeira oportunidade diante de um microfone viria de uma maneira um tanto quanto inusitada. No fim da década de 70, Zé Aldo, como é conhecido pelos ouvintes, começou a trabalhar na rodoviária de São Luiz. Sua função era vender bilhetes para os passageiros, algo que parecia simples. Mas, certa vez, acabou cometendo o erro de vender o mesmo bilhete para duas pessoas. O garoto tinha déficit de atenção, não daria certo naquele ofício. Foi então que o diretor da rodoviária, vendo como ele olhava para as caixas de som que anunciavam os horários de partida e chegada dos ônibus, decidiu dar-lhe a nova função: locutor da rodoviária. Nada poderia ser melhor.

A voz que ecoava pelos autofalantes da rodoviária chamou a atenção de um dos comunicadores da Rádio São Luiz. Na época, os locutores viajavam pelos distritos pertencentes ao município e a presença deles na parada de ônibus era constante. O convite para que o jovem fosse trabalhar na emissora era algo natural. Com 14 anos de idade, Zé Aldo já figurava num grupo de locutores consagrados para o público local.

José Aldo em uma transmissão pela Rádio São Luiz no ano de 1981

Foi na área esportiva que J.Pinheiro (como era chamado na Rádio São Luiz) se consagrou, abrindo as portas para uma brilhante carreira. Cobrindo campeonatos locais de futebol e de futsal, logo surgiu a oportunidade de trabalhar em uma nova emissora, a Rádio Santo Ângelo.

No grupo então comandado por Frederico Arnaldo Ballvé, Gilmar Medeiros (assim foi batizado na nova emissora), transmitiu a final da Copa Libertadores da América de 1983, jogo que deu o primeiro título continental ao Grêmio. Foi o primeiro grande evento contado pelo narrador.

TROCA DE NOMES
A prática de trocar o nome das pessoas era comum no rádio do interior. José Odoraldo Medeiros Pinheiro, segundo o próprio, é um nome que não é sonoro para o rádio, então, no início da carreira, recebeu várias alcunhas. Na Rádio São Luiz era o J.Pinheiro, quando transferiu-se para Santo Ângelo passou a ser Gilmar Medeiros, tudo porque o diretor da emissora queria anunciar que a nova contratação era um profissional “de fora”. O nome permaneceu até a transferência para a Rádio Gaúcha, quando Armindo Antônio Ranzolin, então chefe do departamento de esportes da emissora do Grupo RBS, definiu que ele se chamaria José Aldo Pinheiro.

O garoto de 16 anos teve uma rápida ascensão. Em cinco anos, contando o início de sua carreira em São Luiz, alcançou a principal emissora de rádio do estado. Como recorda Zé Aldo, foi tudo muito rápido “A Santo Ângelo era do Frederico Arnaldo Ballvé, e quando ele vendeu disse, ‘olha eu estou vendendo a emissora, mas eu não abro mão de um narrador que tem aqui. Eu vou levá-lo para Caxias.’ Então eu acabei indo trabalhar na Rádio Caxias. Na época a Gaúcha tinha um programa que apresentava os gols do interior, então eles ouviram minha transmissão e me chamaram para fazer um teste. Entrei na Gaúcha no dia 2 de dezembro de 1985”.

José Aldo (terceiro em pé da esq para a dir) com a equipe da Rádio Caxias

Na emissora da capital, talvez pela pouca idade, o jovem Zé viveu um momento de conflito interno. Sentia-se pequeno perto de tantos nomes consagrados do rádio como Ruy Carlos Ostermann, Lauro Quadros, Paulo Sant’ana, entre outros, e, por mais surpreendente que pareça, com menos de um ano “de casa” pediu para sair. Foi para a Guaíba.

José Aldo (em pé) ao lado de Haroldo de Souza e Luiz Carlos Reche em uma transmissão pela Guaíba

O ano era 1986, José Aldo Pinheiro havia sido contratado para ser o narrador número um da Rádio Guaíba. Na época a emissora atravessava uma grave crise, tendo perdido todo o seu casting para a principal concorrente. O são-luizense conta que a troca foi porque ele tinha crescido ouvindo a Guaíba e achava que tinha mais a ver com seu vô, com sua família, e ele queria ajudar a reerguer a Guaíba. Sua chegada teve direito a página standart no Jornal Correio do Povo. Ao lado de Haroldo de Souza, que logo chegou egresso da Gaúcha, José Aldo transmitiu partidas de futebol durante dez anos, foi também a primeira oportunidade em que apareceu diante das câmeras pela extinta TV2 Guaíba. O objetivo de reerguer a rádio deu certo, foi nessa época, inclusive, que surgiu o famoso canto entoado no Beira-Rio: “Guaíba, Guaíba”, algo que a emissora guarda como documento histórico.

Antes de frequentar os estúdios das duas emissoras, Zé Aldo conheceu de perto a rivalidade que existia entre a Caldas Júnior e a RBS. Ouça:

Banner de divulgação da Rede Gaúcha Sat

Entretanto, em 1995 José Aldo recebe um novo convite para trabalhar na Rádio Gaúcha; ao aceitar, ele inicia uma nova fase que vai durar 17 anos. É também o reencontro dele com o público de São Luiz, pois, neste ano, é inaugurada a Rede Gaúcha SAT, cadeia de emissoras do interior que entram em rede com a empresa de Porto Alegre para a transmissão dos jogos. A Rádio São Luiz, fazendo parte da rede, irradia novamente a voz do “Pinheirinho” para uma legião de amigos e fãs. As experiências vividas na TV2 Guaíba, também permitem a ele transmitir jogos pelos canais por assinatura Sportv e Premiere.

Associação dos Cronistas Esportivos Gaúchos — ACEG
José Aldo Pinheiro também foi presidente da ACEG, entidade que representa os profissionais da imprensa gaúcha. O curioso é que esta importante entidade foi fundada por outro filho ilustre de São Luiz Gonzaga, o Cid Pinheiro Cabral. Cid nasceu em São Luiz em 1905. Escrevia para o Correio do Povo. Sua coluna, “De fora das quatro linhas”, era temida e respeitada. Assumidamente colorado, fato raro na crônica esportiva gaúcha, era o que viria a ser o Paulo Sant’ana na Zero Hora, ocupando, inclusive, a mesma página em seus respectivos jornais. No fim da vida, no Grupo RBS, Cid Pinheiro Cabral ainda ajudou a fundar o Sala de Redação, programa que permanece até hoje no ar pela Rádio Gaúcha. Colorado que era, hoje é lembrado na sala do Conselho Deliberativo do Inter, que leva seu nome.

Fabiano Baldasso e José Aldo Pinheiro na cabine de transmissão da Rádio Bandeirantes

A trajetória de José Aldo no Grupo RBS terminou em 2012. Neste mesmo ano ele assinou contrato com o Grupo Bandeirantes do Rio Grande do Sul, a proposta inicial era trabalhar na Rádio Esportes FM, um projeto que acabou não dando certo. Mesmo assim o talento do narrador não foi ofuscado, e logo ele voltou a narrar pela Bandeirantes AM 640. Atualmente também participa dos programas “Donos da Bola” e “Preliminar” da TV Bandeirantes-RS. Ouça:

Em 2015, José Aldo Pinheiro completou 50 anos de vida. Seu nome, mas principalmente sua voz, estão incrustados na memória dos ouvintes gaúchos. Agora, pela Rádio Bandeirantes de Porto Alegre, continua fazendo o que gosta: narrar futebol. A voz de tom metálico, preocupada com a pronúncia correta das palavras, a vibração, o ritmo acelerado, são algumas das características de um sujeito que saiu do interior do Rio Grande para contar as histórias do esporte mais popular do Brasil. Para alcançar todos estes feitos, segundo ele, buscou conhecer todas as teorias que pode, mas nunca foi escravo de nenhuma ideologia, pelo contrário, sempre buscou ter liberdade de consciência.

Assista ao vídeo que resume a brilhante carreira do narrador:

Por Kelvin Morais

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