Estamparia com Significado

Karen Grimmer
5 min readNov 4, 2019

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Confesso que por algum tempo acreditei que trabalhar com moda seria estar a serviço do frívolo. Desejava uma profissão para tornar o mundo melhor e parecia incongruente. Mas a moda me fantasiava: cores, formas, combinações. Então, insisti comigo mesma: como poderia criar roupas com conteúdo ou que despertassem para algo além da estética? Movida por essa pergunta, entendi que a moda pode ser Arte, desde que funcione como esse canal de reflexão e de expressão que pode tocar as pessoas de maneira diferente. Não é novidade que muitos estilistas buscam referências no campo da Arte e criam coleções a partir da estética, pensamento e inspirações de algum artista plástico. Trazer essas referências é uma forma de agregar significado para além do uso útil da roupa. Nessa investigação pude compreender que a roupa é um objeto que está em constante relacionamento com a cultura e o status quo do mundo daquele tempo, seja reforçando ou questionando-o. Dessa forma, a moda funciona como retrato de uma época, porém não deixa de ser uma ferramenta de expressão de ideias e comportamentos que escapam ao seu tempo.

Desde o nascimento da Grimmer — minha marca — queria construir algo que fosse mais do que vender roupas; queria transmitir uma mensagem. Iniciei o negócio criando bolsas em couro estampadas com referência em artistas brasileiros, pois queria contar histórias, compartilhar conhecimentos e dialogar com esses artistas que admirava pelas suas construções visuais. Lancei a primeira coleção em novembro de 2014 e a partir desse momento, mergulhei na estamparia como meu lugar de expressão artística. Digo isso porque não queria estar presa à criação que tem como base as tendências sazonais da moda. Queria me expressar sem consultar tendências e marcas internacionais. É isso que considero uma criação autoral: comunicar algo que fosse verdadeiro para mim e tivesse propósito. O meu processo criativo é também sobre uma busca interior, com referências próprias, sem orientação da indústria, mas com olhar atento ao mundo à minha volta. A roupa se tornou para mim uma tela e, a estamparia, um espaço para contar histórias e fazer surgir elementos estéticos que expressam pensamentos e reflexões. Esse processo de experimentos se relaciona com as minhas percepções sobre formas, cores, ideias e intuição. Como diz Rudolf Steiner: “para o artista todo o lado externo de sua obra tem que expressar o interior” — Então é bem verdade que falo de um lugar especial, meu próprio coração.

A partir de 2015, fui conhecendo e tomando consciência dos questionamentos relativos à moda sustentável e uma enxurrada de outras formas de entender o potencial da moda surgiu. A moda pode ser ferramenta de transformação social não só pelo produto através do qual comunica artisticamente, mas especialmente pelas práticas dentro do processo produtivo. A sustentabilidade envolve um olhar atento às conexões humanas da cadeia e aos impactos ao meio ambiente. Por isso, a moda — enquanto modo de agir coletivo — é capaz de estimular e causar reflexão sobre novos comportamentos em todos os aspectos da vida social, gerando assim impactos mais positivos para toda a comunidade. Nesse processo de aprendizados me apaixonei e, fui envolvida por essas novas concepções sobre a moda em que as relações humanas, pequenas produções e pensamento artístico fazem mais sentido que preço e tendência. Acredito que somos nós que construímos a moda todos os dias; da criação de peças às escolhas de compra.

Mas, afinal o que eu queria comunicar ao mundo por meio da minha arte? Os temas relacionados ao feminino e à luta por igualdade sempre me instigaram. Por meio da estamparia então, me vi entusiasmada para contar a história das artistas mulheres que admirava. Fui movida a encontrar meios, através da linguagem dos símbolos, que lembrem e sensibilizem sobre o papel preponderante da mulher. A Grimmer passou a ter o propósito de resgatar a história de algumas mulheres que por muitos séculos têm sido esquecidas e subvalorizadas pelo sistema patriarcal, bem como trazer temas contemporâneos importantes para o desenvolvimento social.

Estampa Popova

A minha primeira coleção de roupas nasceu em 2018 e trouxe como referência a artista russa, Liubov Popova. Essa escolha não foi à toa. Mulher do início do século XX, ela acreditava na arte útil e presente no cotidiano. Popova trabalhou numa fábrica de algodão em Moscou, e já trazia seu trabalho das artes plásticas para a estamparia, numa época em que artesanato e estamparia, por serem associados às mulheres, não eram dignos de se chamar de Arte. Essa história me encantou e me motivou numa estamparia geométrica que capta o observador por meio de uma paleta de cores afetiva e provocativa.

Estampa Hadid

Na segunda coleção, a inspiração veio da primeira mulher a ganhar o prêmio Pritzker, o mais importante na arquitetura, Zaha Hadid. De origem árabe, fez sua história na Inglaterra. Seu pioneirismo é inegável. Seus projetos arquitetônicos são impressionantes e cheios de significado, pois dialogam com o ambiente de forma única e possuem linhas fluidas e muito intuitivas. Embarquei nessa história e criei uma coleção tendo em mente esses elementos e essa força que é movimento, é fluida e é adaptativa, como a força feminina.

Estampa Liberdade

No início deste ano, lancei uma nova estampa, chamada Liberdade. Diferente das outras estampas, não há uma artista específica como referência. A estampa Liberdade é uma mensagem pessoal sobre se exprimir enquanto indivíduo ou grupo de forma verdadeira. Acredito que pessoas são potências, cada um com a sua voz, a sua forma e o seu brilho. Somos muitos rostos e há beleza em cada um. Um dos elementos dessa estampa é uma poesia que escrevi: um manifesto à liberdade. Uma liberdade que começa com autoconhecimento, mas que só alcança plenitude com justiça social e igualdade.

A estamparia se tornou meu veículo de expressão, onde suscito narrativas que perpassam por valores imprescindíveis para mim. É meu espaço de reflexão e pensamento artístico. Chamo de estamparia com significado essa busca de levar ao conhecimento de mais gente histórias e também sua capacidade de comunicar comportamentos, filosofias, pensamentos e valores.

Escrito por Karen Grimmer

Karen é designer e empreededora da Grimmer, @grimmershop. A sua marca de moda é onde ela expressa sua paixão por estampas criativas. Ela é também freelancer de Design Gráfico e trabalha com conteúdo para mídias sociais e artes gráficas para outras marcas e projetos. Aqui é onde ela explora e compartilha seus interesses através da escrita.

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