Eu gosto de sexo? Um relato sobre quem se cansou de ser “invadida”

Carla Fontoura (Karla)
4 min readJul 3, 2022

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Depois de fazer sexo pela primeira vez, meu primeiro pensamento foi: “Até que enfim, eu fiz. Não falta mais nada agora.”

Sexo sempre pareceu algo extremamente proibido e completamente desejável. Quando aconteceu, fiquei aliviada porque finalmente poderia me ver como uma mulher adulta que fazia sexo. Não foi algo nem bom, nem ruim, mas como era um assunto constante na minha vida, por todos jeitos e lados (conversas com amigas, revistas, filmes, escândalos), agora parecia que estava “por dentro” do assunto.

Mas como esse assunto chegou até mim? Há uma primeira memória de um livro infantil sobre sexualidade, mostrando um p*nis dentro de uma v*gina. Aquela imagem me assustou, afinal, nunca tinha percebido que eu tinha um buraco e que ele, um dia, poderia ser ocupado. Na adolescência, o sexo era o tema das conversas provocantes entre os colegas de escola. Revistas pornôs passeavam pelas mãos dos jovens, incluindo as minhas. Eu só sentia uma coisa ao ver aquilo: nojo.

Esse sentimento persistiu nos anos seguintes quando meu corpo mudou. A primeira vez que toquei na minha v*gina como mulher, senti uma pele meio mole e percebi que aquela região tinha mudado de cor. Fiquei assustada e senti medo de ver meu corpo assim. Pior ainda, foi o momento que me olhei completamente nua no espelho (algo que eu tinha poucas oportunidades de fazer morando em uma casa pequena, com um irmão e uma irmã). Eu achei horrível ver meus pêlos e os seios porque na hora lembrei das revistas de mulher pelada do meu irmão que viviam espalhadas pela casa, sujas de seus fluidos.

Por falar nisso, era recorrente ele se m*sturbar no mesmo quarto em que eu e minha irmã dormíamos. Eu tinha tanta raiva. Achava um nojo ele fazer ali, bem na nossa cara, sem qualquer respeito pela nossa privacidade. Morria de vergonha de comentar a respeito disso com minha mãe. O jeito era tolerar porque ele sendo homem “naturalmente” iria gostar mais de sexo: falar sobre, pensar sobre e fazer quando tivesse oportunidade.

E quando um homem tocou minha v*gina? Nada especial. Um carinha do bairro que eu estava ficando. No meio dos amassos, ele abriu minha calça e foi colocando a mão. Eu não queria de forma alguma. Tinha vergonha, medo do que aconteceria e não senti nenhum prazer. Apenas aquela agonia de me sentir invadida. Mas eu era uma mulher e era “normal” eu ceder a vontade dos caras — para não desagradar.

Acho que agora achei a palavra que reflete como me sinto sobre o sexo. Desde sempre, me sinto invadida por ele, seja como um discurso de medo, vergonha ou de validade e importância. Parece que nunca pude passar despercebida por esse tema. E jamais foi no sentido de me educar sobre prevenção a doenças ou da gravidez. Em grande parte, era sobre saber fazer, como fazer, as limitações sendo mulher — para não ser taxada de v*dia, sobre esperar que queiram fazer com você ou desejar que haja muito sexo, se quiser uma vida mais saudável e feliz.

Mas será que eu quero? Eu ainda não sei. Mesmo quando desfrutei muito de sexo, na época de namoro e depois casada, ambas as experiências aconteceram em relações abusivas onde a manipulação suplantava a relação, ao ponto de eu só me sentir amada quando fazia sexo com eles. Era o dia todo sendo desacreditada, enganada, machucada, mas à noite existia o sexo e o olhar do meu abusador era de desejo, me fazendo sentir que pelo menos ali eu tinha algum poder. Ledo engano…

Agora que estou há quase 4 anos celibatária eu ainda não sei dizer se quero fazer sexo, porque, antes de tudo, não quero ser mais invadida por ele. Queria poder sentir essa coisa de excitação e desejo como algo leve que me abraça, me acolhe — e não me atravessa impiedosamente. Inclusive, tenho até evitado assistir qualquer cena de sexo em filmes, séries, porque sinto que só existe esse tipo de sexo na minha mente: ensaiado e predominantemente fálico.

Quero me abrir para as possibilidades do sexo como nunca vi ou ouvi. Sem ideias prontas como 69, frango assado, de quatro, punheta, beijo grego, nada! Mas será que alguém está disposto a isso? A se despir e se despedir de validades sobre o lugar de prazer e da sexualidade? E esse é o ponto que acho mais difícil. Alguém para compartilhar. É claro que faço experimentações sozinhas, mas sinto que ainda são ensaiadas demais. Sei os pontos, aciono-os e pronto, orgasmos a pronta-entrega. Mas, prazer? De verdade, não.

Quero chegar nesse lugar, em que eu possa ser são tão dona do meu sexo que eu reconheça se também não é meu momento de dispensá-lo prontamente, caso nada me acrescente, me amplie ou me acolha. Mas, até nisso, ouço vozes da vida dizendo categoricamente que serei uma mulher frustrada, triste, amargurada e fria. Que meu calor humano e alegria de viver vão ser perdidos e só vai sobrar vontade reprimida e arrependimentos.

Se eu já entendi o quão colonizado está meu tesão e a autoimagem de meu corpo (vide meus relatos anteriores), agora também é hora de reconhecer que meu sexo já chegou pré-pronto, sem perguntar quais são meus reais prazeres e desejos. Por isso, estou por aqui pensando, recalculando meu caminhos internos e meio que tentando encontrar a liberdade das minhas sensações e da minha verdade.

PS.: Uma curiosidade: Mainha NUNCA falou de sexo comigo. O mais próximo disso foi ela liberar uma enciclopédia sexual para que eu pudesse folhear e ler à vontade.

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Carla Fontoura (Karla)

Comunicóloga pela UNEB, pedagoga pela UNOPAR e escritora baiana de textos informativos e poemas, palestrante, tradutora, mãe feminista.