Um passo além da raiva justa

Monika von Koss
5 min readDec 5, 2018

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“Na sua psiquê instintiva, a mulher tem o poder, quando provocada, de se enfurecer com consciência — e isso realmente é algo poderoso.” Clarissa Pinkola Estés

Em 1997, eu escrevi sobre a ira expressa pela deusa grega Hera, esta raiva justa que emerge das profundezas do ser, como a lava de um vulcão, para ultrapassar os limites e obstáculos auto-impostos e impostos pelo outro. Desde então, muitas mulheres me abordaram para dizer como esta colocação positiva as tinha liberado da culpa que sentiam, quando esta emoção irrompia.

Mas nem sempre a raiva que expressamos é uma raiva justa e nem sempre sabemos diferenciar entre a raiva que nos impulsiona para a liberdade e aquela que alimenta emoções negativas como ressentimento e vingança, transformando-nos em vítimas de nós mesmas.

Como saber se minha raiva é justa ou se apenas estou reproduzindo emoções negativas? Vamos olhar para o vulcão que explode e cospe fogo, inicialmente ameaçando a vida em torno. O que acontece depois que a lava esfria? Surge terra fértil! Quando surge terra fértil, quando o espaço vital se amplia, quando as relações se tornam mais verdadeiras, então a ira realizou sua função. Quando a raiva se origina de ressentimento e vingança, porém, apenas contamina a terra já existente, reduzindo o espaço vital, limitando a vida e a liberdade.

A raiva brota de um desejo frustrado. E apesar de não ter nada de errado em desejar, visto que os desejos são a energia que nos impulsiona na vida, é preciso reavaliar sua importância na nossa vida. Será que todos os meus desejos são importantes? Quais desejos são realmente importantes e como posso realizá-los com as minhas próprias possibilidades e recursos? Será que preciso realizar todos eles ou esperar que o mundo atenda a todos eles?

Quando a energia ativada por um desejo relevante na nossa vida não encontra aplicação, ela se acumula até atingir força suficiente para romper os limites. Se a raiva é justa, não há necessidade de pedir desculpa, pois estamos afirmando nossa verdade e criando espaço vital.

Mas quando sentimos que precisamos nos desculpar, é provável que não estamos nos responsabilizando por nosso desejo e sua realização. Ressentimento e vingança implicam que alguém outro não está realizando meus desejos e a expressão raivosa apenas descarrega a energia. Passada a raiva, voltamos ao contexto inicial, até que a energia de outros desejos não atendidos se acumule novamente e o processo se repita. Mas a cada repetição um pouco do tecido vital se rompe, o processo deixa um resíduo tóxico e, com o passar do tempo, a raiva pode levar ao ódio e seu efeito erosivo em todas as áreas da vida.

Portanto, não basta se desculpar, é preciso mudar o contexto, o modo como encaramos a vida, qual o significado que damos às coisas e como reagimos às situações. É preciso assumir o próprio poder e aceitar a responsabilidade pelos nossos desejos, pelas nossas ações, por nossos sentimentos e crenças. Enquanto atribuirmos a responsabilidade a algo fora de nós, permaneceremos vítimas das circunstâncias, gerando ressentimento e vingança.

Eu retornei ao tema da ira justa, motivada por uma afirmação do Dr. Hew Len, de que o programa mental mais insistente no mundo é o ódio que as mulheres têm dos homens. Num primeiro momento eu parei e minha reação foi de questionamento. Mais uma vez nós mulheres somos responsabilizadas pelas mazelas do mundo? Mas continuei com a leitura e, refletindo mais profundamente, compreendi o contexto maior de sua afirmação.

Recorrendo a uma antiga técnica havaiana de solução de problemas que lhe foi transmitida pela mestre espiritual e curadora (Kahuna Lapa’au) Morrnah Nalamaku Simeona, filha de um membro da corte da Rainha Liliuokalani, a última soberana das Ilhas Havaianas, o Dr. Len ensina que cada um de nós precisa assumir total responsabilidade por tudo que se manifesta em nossa vida.

Quando assumimos total responsabilidade, podemos dar início ao processo de transmutação dos pensamentos que criam nossa realidade, liberando nossas memórias passadas. Ao dissolvermos os padrões passados, criamos espaço para a verdadeira liberdade e poderemos agir a partir da inspiração divina.

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Somos todos um. Se quisermos viver a verdade desta afirmação até suas últimas conseqüências, se quisermos verdadeiramente melhorar o mundo em que vivemos, precisamos assumir total responsabilidade por tudo que se apresenta em nossa vida. Assumir total responsabilidade significa que qualquer coisa que se manifesta na minha vida está relacionada comigo e eu tenho o poder — e também o dever — de corrigi-la, limpá-la, neutralizá-la. E isto é verdade para mulheres e homens. Assim, em vez de procurar razões e justificativas para nossas ações, pensamentos, sentimentos e desejos, podemos simplesmente transmutá-los em nós mesmos e isto deixará de atuar no mundo.

Justa ou não, a raiva acumulada pelos séculos de patriarcado é como uma toxina que contamina a vida dos relacionamentos de modo sutil, na maioria das vezes sem que tenhamos consciência disto. Temos um profundo desejo de nos relacionar de modo harmonioso, mas esbarramos nas pequenas coisas por onde o ressentimento e a vingança escapam como os gases tóxicos em terrenos contaminados. Só nos damos conta, quando já estamos doentes e os relacionamentos deteriorados.

Após estas reflexões, gostaria de convidar a todos, mulheres e homens, a darem um passo além da raiva justa e avançarem para a esfera do amor, iniciando em si mesmos o processo de limpeza de quaisquer sentimentos e pensamentos negativos que surjam no viver cotidiano, principalmente aqueles que desqualificam mulheres e homens como pessoas. Cada vez que você se descobrir pensando ou dizendo algo que diminua o valor do outro, que expresse desdém ou condescendência, substitua-o por algo positivo, assumindo total responsabilidade por sua participação na criação desta realidade.

Vamos substituir os velhos padrões repetitivos por novas criações, uma expressão redundante, porque toda criação é sempre nova, original, única.

Vamos criar em nós o espaço que possibilite a manifestação da inspiração divina. E quando isto acontecer, a qualidade das nossas relações — conosco mesmas e com todos os seres do universo — estará transformada.

Monika von Koss

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Monika von Koss

Sou psicoterapeuta de abordagem energética transpessoal, com longa experiencia em atendimento clínico. A primeira Fractologista graduada da América Latina.