Jair Bolsonaro — O messias dos machos sem causa

Kristina Hinz
4 min readSep 18, 2018

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O patriarca do século XXI no seu habitat natural: o boteco da esquina. Foto: Kristina Hinz

“Nada apavora mais a sociedade do que uma mulher que perdeu o medo”, disse certa vez a cantora Madonna. Na atual disputa eleitoral, essa frase talvez possa nos ajudar a entender o fenômeno Bolsonaro. Segundo pesquisa recente, 75% do eleitorado do ex-militar é masculino. Mas o que levaria esses homens a votarem num candidato explicitamente misógino? Após a passagem do furacão da Primavera Feminista, Jair Bolsonaro representa a última tábua de salvação de um modelo de masculinidade que afundou faz algum tempo. E deixou várias gerações de homens boiando em mar aberto.

Jair Bolsonaro é o candidato dos homens desesperados e desorientados.

O patriarca sem causa -
vestígio decadente de uma masculinidade heroica

Durante a maior parte da história humana, a divisão social dos gêneros era bastante clara: Os homens mandavam e as mulheres obedeciam. Seis mil anos atrás, entre Eufrates e Tigre, o patriarcado surgiu por uma função social: conquistar terra e bens. Administrar patrimônio, escravos e prover para sua família. Mas, como a torre de Babel, o império romano e até a carreira da Madonna, nada é feito para a eternidade. Não se fazem mais patriarcas como antigamente.

Hoje em dia, o homem “chefe de família” está cada vez mais em extinção: Ao longo dos últimos 15 anos, o número dos lares liderados por mulheres mais que dobrou. Segundo recente estudo elaborado pelos demógrafos Suzana Cavenaghi e José Eustáquio Diniz Alves, são hoje quase 30 milhões lares brasileiros onde as mulheres tomam as decisões — em 2001, eram apenas 14 milhões. Além disso, as mulheres brasileiras estão cada vez mais qualificadas do que os homens: enquanto nos anos 1970 os homens ainda representavam mais de 75% das pessoas com formação superior no país, essa relação começou a se inverter a partir dos anos 2000. Hoje, as mulheres constituem quase 60% das pessoas com diploma universitário.

Lentamente, parece que cai a ficha para muitos: No ano 2018, não se nasce mais homem. Torna-se. E não está sendo fácil para ninguém.

Do destemido divisor do Mar Vermelho e colonizador das terras canaânicas, o patriarca acompanhou a triste mundialização da sua missão bíblica no capitalismo tardio: Hoje, sua regência se limita ao apartamento de dois quartos no subúrbio, à quitação do carro semi-novo, às brigas territoriais no seu boteco e à vigilância da vida sexual da filha. Seus valores e convicções são tão fora de moda quanto as gírias que usa, a camisa florida mal passada e os três pelinhos tristes que restam no peito embaixo do colar de malandro. Faz muito tempo, ele trocou a promessa de ser um herói pela conta do mês no boteco da esquina.

Madonna Louise Ciccone — apavorando machos desde 1958. Foto: “MADonna”. Autor: ebbmart. Licenciado sob
CC BY-NC-SA 2.0

Jair Bolsonaro -
Messias de uma masculinidade em crise

Em 2018, o patriarca efetivamente perdeu o controle — sobre seu território, seus bens e, principalmente, sobre suas mulheres. Em plena crise econômica, 11% dos homens brasileiros se encontram desempregados, não conseguindo satisfazer sua função social de provedor de família. Essa realidade é particularmente dura para a geração mais nova: 67% dos desempregados tem entre 18 e 39 anos. Enquanto os homens mais velhos têm que lidar com o destronamento enquanto provedor de família, boa parte dos homens jovens efetivamente nunca conseguiu preencher esse papel. E dificilmente vai conseguir no futuro.

Enquanto os velhos e jovens pseudo-patriarcas têm dificuldades em bancar o aluguel e abastecer a geladeira — quem diria comprar um carro — o empoderamento feminino apenas ganhou mais fôlego na crise. O antigo chefe de família acompanha da sua poltrona de tv parcelada as idas da sua filha ao encontro das mulheres e se pergunta quando foi exatamente o momento que sua filhinha trocou as bonecas pelos textos de Angela Davis e Simone de Beauvoir. Também o namorado fica incomodado com tamanha atitude, não entendendo nem metade das palavras que ela usa, “problematização”, “desconstrução”, e quem era esse tal do Boulos mesmo? E quando ele finalmente conseguiu emprestar o carro do irmão para dar aquele rolê romântico para o motel, ela informa via Whatsapp que está saindo agora com uma dessas sapatão feminazi que conheceu na manifestação.

O mundo está em caos.

Salvador dos tiozão revoltados: Jair Bolsonaro. Foto: “jair_bolsonaro_brasil_presidente_2016”. Autor: Familia Bolsonaro. Licenciado sob https://creativecommons.org/publicdomain/mark/1.0/.

Nesse cenário sombrio, o macho sem causa recusa os pedidos da família de beber menos e fazer terapia, mas aceita o cinto salva-vidas lançado pelo candidato Bolsonaro: “a culpa não é sua, é dos outros”. Ou no caso, “das outras”. Como um fênix das cinzas, ressurgem também as velhas e desmentidas verdades de antes: O homem, sim, é chefe. É guerreiro. É general. E tem que se defender dos seus inimigos.

Em vez de assumir responsabilidade pelos seus próprios problemas e fraquezas, o macho sem causa transforma sua desorientação em convicção e seu medo em ódio, declarando furiosamente seu voto para o candidato que lhe promete ordem e segurança, e sobretudo, proteção da sua identidade masculina frágil e tóxica. Com isso, no entanto, ele está prestes a perder tudo o que ele sempre aspirou:

A aprovação feminina.

Kristina Hinz é pesquisadora no Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero (NUDERG) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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