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Sobre ser o lado mais fraco da corda

Karina Moura
10 min readApr 18, 2018

Depois de ter meu filho, em 2012, comecei a ver o mundo com um olhar diferente, não apenas porque me tornei mãe, e acreditem, isso por si só é transformador, mas também porque o mundo se mostrou, perante os meus olhos, de uma maneira que antes eu desconhecia.

De repente, não mais que de repente, me deparei com novos desafios, novas barreiras, novos preconceitos e novas alegrias também, novidades para as quais eu não estava preparada… Longe disso! Saí mundo a fora para buscar meu lugar de volta na sociedade e descobri que não existia mais espaço para mim. Pelo menos, não como eu estava acostumada.

Primeiro foram as relações mais próximas. Percebi que muitos não se sentiam a vontade com uma criança chorando por perto. E admito, eu mesma, antes do Fernando, não me sentia a vontade com uma criança. Além disso, muitas pessoas exigiam de mim um comportamento materno socialmente “aceitável”: cobrir o peito ao dar mamá; ser obrigada a dar mamá exclusivo, independente das dificuldades encontradas; viver focada no meu filho (ainda que isso seja quase natural); ser uma pessoa feliz porque eu tinha dado à luz; não falar sobre as dificuldades de se ter um bebê chorando dia e noite e ainda cuidar da casa etc.

Depois, foi a relação com os estranhos. É impressionante como as pessoas tem a necessidade de dar sua opinião. Seja através de olhares tortos ou de intromissões absurdas mesmo. Andar no shopping com uma criança pode ser bizarro, acredite. Desde uma pessoa, que eu nunca vi na vida, perguntando por que meu filho usava bico, até uma outra, tão estranha quanto, perguntado por que ele não estava na cadeirinha destinada para crianças. Todo mundo se sente no direito de se intrometer na criação que você dá ao seu filho, mas ninguém se importa em tentar ajudar, ou, pelo menos, tentar compreender o que está acontecendo. A quantidade de artigos que atiram pedras em como os pais de hoje criam seus filhos chega a ser desconcertante. Aparentemente os pais de antigamente eram excepcionais 💩, talvez a psicanálise explique esse efeito do “meu passado era melhor que meu presente e, com certeza, melhor que o futuro”. #amazing

Sem falar na dificuldade em achar lugares os quais possamos transitar com nossas crianças. Essa constatação foi bem assustadora para mim. Crianças não são bem-vindas em muitos locais na sociedade, o que nos limita enormemente como seres humanos pertencentes a uma comunidade. Pode aguardar os olhares de reprovação se, por acaso, tu precisares levar uma criança em um local não permitido socialmente. E não estou falando aqui de nada ilícito gente, to falando de: universidades, eventos, restaurantes, parques, empresas… Elas simplesmente são persona non grata.

Cheguei então, nas relações empresariais. Mandei currículos, fiz algumas entrevistas, Fernando ainda era um bebê. Perdi a conta de quantas vezes saí chorando… Fiquei oito meses em casa com o Fernando antes de tentar voltar ao mercado de trabalho. Um pouco porque não queria que ele fosse tão cedo para a escola e também porque não tinha vínculo empregatício quando engravidei, já que eu trabalhava em um projeto de pesquisa na universidade. Queria voltar basicamente por três motivos: realização profissional, necessidade financeira e tempo fora do mercado de trabalho.

Foi assim que descobri que não havia espaço para mim nas empresas as quais fui fazer entrevista, não porque eu era desqualificada para as vagas, mas porque eu tinha um filho, e pior, ele era um bebê.

Com o auxílio de alguns amigos, iniciei trabalhando em um projeto de pesquisa dentro da universidade. Isso foi muito bom, porque o projeto era de 30 horas semanais e, assim, o Fernando não precisava ficar 12 horas na escola. Fiquei 3 anos lá, durante esse tempo, tentei abrir uma empresa em parceria com minha irmã, tudo isso em paralelo com a vida de mãe, estudante, dona de casa, mulher... Que cansaço! E, quando eu já sentia uma necessidade muito forte em me desenvolver em outras áreas, além da instabilidade do projeto de pesquisa ao qual estava vinculada, saí. O empreendimento com minha irmã não deu certo… Porém, foi um período de grande aprendizado e amadurecimento.

Queria tentar novamente uma oportunidade em uma empresa, mas só de lembrar das entrevistas humilhantes, das 12 horas do Fernando em uma escola, das cobranças abusivas com rendimentos e horas extras… Entrei em pânico!

Foi então que, por indicação de uma amiga, me candidatei para uma oportunidade de estágio em uma Startup. Essa vaga me dava a possibilidade de me desenvolver nas áreas as quais tinha interesse, com uma carga horária de 30 horas semanais e um retorno financeiro ok. Durante a entrevista, não precisei responder a nenhuma pergunta sobre o trabalho do meu marido, ou sobre onde deixaria meu filho, ou o que faria caso ele ficasse doente… É importante salientar que a esta altura, eu já não estava disposta a ouvir esse tipo de pergunta, o que fez com que eu me posicionasse perante a empresa como mãe e como profissional e que ela precisaria contratar meus dois papeis.

Entrei! Super animada com o que vinha pela frente. Porém, o dia a dia sabe ser cruel. A rotina com o filho, com a casa, com a faculdade, até mesmo com a família… As noites mal dormidas, a quantidade de informações que precisamos absorver em uma nova posição, a cada nova cadeira da faculdade… Os compromissos com a escolinha, com reuniões de trabalho fora do horário habitual, com eventos e qualificações… A exaustão é uma consequência da vida que levamos. E, para dar conta de tudo isso, é preciso suporte.

Aqui entram o pai e a família. São eles que podem nos salvar nos momentos de “desespero”. Mas nem sempre isso é possível. Hoje, muitos dos avós ainda trabalham, ou já não podem mais cuidar dos netos, o que diminui a disponibilidade deles em horários “comerciais”. Além disso, assim como as empresas não estão preparadas para receber mães, também não estão preparadas para receber pais que se comprometem com a criação de seus filhos, ou seja: que comparecem em reuniões da escola, que levam no médico, que ficam em casa porque a mãe precisou ir a uma reunião ou em uma viagem de trabalho.

Junto com tudo isso, ainda temos a dura realidade de que, normalmente, os homens tem um salário maior e as mulheres se sentem emocionalmente mais responsáveis pelos cuidados com os filhos. E esses, são dois detalhes matadores que esfregam na nossa cara a fragilidade das mulheres em tentar seguir uma profissão depois de virarem mães. Esses “pequenos” detalhes implicam em:

  1. As oportunidades de emprego aos quais vamos estar elegíveis para concorrer: recebi propostas de emprego tentadoras, em áreas que eu realmente gostaria de me desenvolver, em empresas nas quais eu acreditava, porém, que me exigiam uma carga horária além do que eu poderia ou gostaria de dedicar. Quando questionei se, por acaso, poderia fazer um horário mais flexível ou com uma carga horária menor, fui desclassificada. #NãoTenhoLiberdadeDeEscolha
  2. Quem vai correr o risco de ser demitido: como o meu ganho é consideravelmente menor que o ganho do meu marido, muito em função das escolhas que fiz ou fui obrigada a fazer para cuidar do meu filho, em situações em que é preciso escolher qual dos dois vai ficar “malvisto” com a empresa, decidimos em cima do valor que sustenta nossas contas, ou seja, eu falto muito mais o trabalho do que ele. Foi nesse momento que entendi as perguntas em uma das entrevistas de emprego das quais passei: “Quanto teu marido ganha? Onde ele trabalha? Qual a profissão dele?” #NãoPossoDesenvolverMinhaCarreiraDeIgualParaIgual
  3. Como os professores e a escola te tratam: pais que trabalham 44 horas semanais são persona non grata nas escolas. Muitas vezes vistos como irresponsáveis que deixam os filhos sob situações de abandono ou que não conseguem sequer acompanhar as atividades escolares, como: festas, gincanas, temas, atividades extracurriculares, festas de aniversários, lanches saudáveis etc. Porém, essa cobrança é muito maior em cima da mãe/mulher/cuidadora que é vista como a “verdadeira” responsável pelo desenvolvimento e cuidado com a criança e quem se sente emocionalmente penalizada com as situações que deixam seu filho fragilizado, como: ser a única mãe que esqueceu de comprar o presente no dia do aniversário da colega na escola. Além disso, chegar atrasada para buscar um filho é um martírio interno, uma tristeza para a criança e praticamente uma acusação pública de maus tratos. #SouJulgadaPorViverEmUmaSociedadeQueNãoSeAdaptouComMãesTrabalhando
  4. Escolher ter outro filho, ou até mesmo, escolher ser mãe: muitas mulheres optam por não ter filhos, as vezes porque não querem mesmo, as vezes por terem consciência de que vão precisar abdicar de tudo o que foi construído com muita dedicação e empenho. Ter outro filho também pode significar o abandono de muito esforço e dedicação profissional. Muitas pessoas fazem o discurso de que as mulheres tem que escolher a vida que elas querem, porém, não é exatamente uma escolha optar por trabalhar. E se teu marido morre? E se vocês se divorciam? Quem te sustenta? Como tu te recoloca no mercado de trabalho depois de 5, 10, 20 anos em casa cuidando dos filhos? Que futuro teus filhos terão se o pai os abandonar? O que acontece com a tua vida depois que os filhos crescem? Será que isso significa que não podemos mais parir? #NãoTenhoLiberdadeDeEscolha
  5. O salário que poderemos receber e os cargos que poderemos assumir: como nossa disponibilidade está perceptivelmente dividida entre a empresa e os filhos, a dedicação extra que podíamos fazer antes já não é mais possível de ser realizada, ou já não possui a mesma qualidade. Isso significa que um colega sem família terá maiores condições de ir além em suas atividades e, por consequência, em seu desempenho. Claro que isso não substitui a experiência profissional de cada um. Porém, dificilmente você será vista como alguém que mereça ser promovida. A não ser que você transfira por completo a responsabilidade sobre a criação do seu filho. Aqui os homens ganham maior grau de liberdade também, uma vez que, por estarem melhor colocados profissionalmente, a esperança de melhoria de vida acaba por ser depositada em cima da carreira do homem, o que ajuda a sobrecarregar a mulher com as responsabilidades da casa e dos filhos, além de colocar em segundo plano um avanço em sua carreira. #SouJulgadaPorViverEmUmaSociedadeQueNãoSeAdaptouComMãesTrabalhando #NãoTenhoLiberdadeDeEscolha
  6. Ser humilhada constantemente por ter um filho: uma das frases mais medonhas que já ouvi de uma GESTORA dizendo em uma PALESTRA sobre empreendedorismo FEMININO, foi: “a mulher usa o filho como desculpa para não trabalhar” 😐. GENTE! ME CAIU OS BUTIÁ DOS BOLSO! Desde quando ser responsável com um filho é usar desculpa para não trabalhar? Quem tem filho pequeno sabe que eles ficam doentes, principalmente quando iniciam na escola, pelo contato com vírus e bactérias que em casa não tem #perguntapropediatra. Além disso, as escolas nem permitem que crianças com doenças virais frequentem as aulas. E se tu não tem com quem deixar? Como faz? Essa é apenas uma dentre tantas outras coisas absurdas que já li e ouvi, que se passam desde o momento das entrevistas de emprego até o dia a dia com colegas de trabalho e gestores. Fora que isso significa que você, literalmente, não pode dar suporte ao seu filho, porque o único jeito de conseguir cumprir uma carga horária de 44 horas semanais mais os trabalhos extras que sempre rolam, a gente sabe, é abandonando seu filho ou terceirizando os cuidados. Tem até um pediatra que aborda esse termo: crianças terceirizadas, da uma olhada (aqui). E como você poderá perceber assistindo o vídeo. De quem é a culpa? Dos pais que abandonaram seus filhos. Agora faz um exercício aqui comigo: os homens sempre trabalharam, certo? Certo! Quem mudou o comportamento com o passar do tempo? Aham! Nós, mulheres! Então, se a culpa é dos pais atuais, por consequência, a culpa é das mulheres que resolveram sair de casa! Sua LOKA 😚! #SouJulgadaPorViverEmUmaSociedadeQueNãoSeAdaptouComMãesTrabalhando
  7. Ter um marido superman: quem aqui nunca ouviu: “nossa, que pai maravilhoso, ele até troca a fralda da criança? Agradeça a Deus por ter um marido como esse, viu?” PARA TUDO!!!! Gente, olha só. Ele trabalha, eu trabalho, ele mora na mesma casa que eu e vou te contar mais uma novidade, o filho é NOSSO! 😮Isso significa que ele é tão responsável quanto eu em manter a casa organizada e cuidar do NOSSO filho. Não tenho e não preciso fazer mais do que ele. Lembra da história de que eles ganham mais? Pois é, tem muito maridão ai que usa isso como justificativa para ficar de perninhas para o ar em casa enquanto a mulher se responsabiliza por todo o resto. E a frase que vem junto é: “eu trabalho o dia inteiro, sustento a casa e estou cansado.” #amazing 🙈 🙉 🙊#SouObrigadaADarContaDeTudoSerFelizEBonita

Provavelmente essa lista poderia ser maior, mas esgotei minhas palavras por hora, então, convido você, que conseguiu chegar até aqui, para contribuir comigo com essa constatação da vida da mulher, mãe e profissional. Adiciona itens nos comentários! 👊

Seria legal se nossa sociedade entendesse que o mundo mudou, as relações mudaram, sejam elas no trabalho ou na família, e que fazer a mulher voltar pra dentro de casa ou, simplesmente, inverter os papeis entre homens e mulheres, não é uma solução plausível. As crianças são o futuro do trabalho, da sociedade, do planeta. Se responsabilizem por elas junto com as mães, os pais, as famílias. Abram espaços para elas transitarem, permitam que pais e mães tenham liberdade de acompanhar seus filhos sem detrimento profissional, sejam parceiros na criação ao invés de inquisidores saudosistas de um passado, que como a própria definição diz, não existe mais.

A verdade é que na maioria das vezes a gente tenta esconder tudo isso do mundo, primeiro porque vai ter alguém pra dizer que é mimimi 😷, segundo porque parece fraqueza dizer o quanto isso pode ser desgastante e desanimador… Nós amamos nossos filhos, não queremos que eles sejam relacionados a uma vida difícil, por vezes até triste... Por isso, gostaria de terminar esse texto afirmando para você que, apesar da corda estourar constantemente do nosso lado, nós não somos fracas, muito menos incapazes. Nós somos o lado forte, porque mesmo que roam a nossa corda, nós não nos permitimos cair! #wecandoit

mães maravilhas

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