Arts and Crafts: início – História do Design Gráfico

O surgimento do Arts and Crafts na Inglaterra.

Kyon
8 min readNov 9, 2021

No final do século XIX, a qualidade do design e da produção de livros havia caído consideravelmente. Os novos meios de produção da Revolução Industrial haviam tornado a produção mais rápida e econômica, porém alguns afirmavam que a qualidade do projeto decaiu na mesma medida.

Algumas exceções notáveis foram os livros do editor inglês William Pickering. Em 1820, aos 24 anos, ele montou sua própria livraria especializada em títulos antigos e raros em Londres.

Pickering controlava a definição de formato, seleção de tipos, ilustrações e todos os demais aspectos visuais. Seus livros eram produzidos por editores que trabalhavam sob sua estreita supervisão.

Uma relação de trabalho se estabeleceu entre Pickering e Charles Whittingham, da Imprensa Chiswick. A excelente habilidade artesanal de Whittingham complementava as demandas de Pickering por qualidade.

Entre os mais relevantes trabalhos resultantes dessa parceria estão: Book of Common Prayer de 1844 e The Elements of Euclid de Oliver Byrne. Sendo o primeiro um exemplo de revitalização das formas góticas e o segundo uma antecipação da arte geométrica abstrata do século XX.

Apesar dos esforços de Pickering e de outros, o design de livros continuou a decair até o final do século, quando começou a experimentar um renascimento.

Essa revitalização foi influenciada em grande parte pelo movimento arts and crafts (artes e ofícios), que floresceu na Inglaterra durante as últimas décadas do século XIX como reação à confusão social, moral e artística da Revolução Industrial.

John Ruskin, escritor e artista, foi a inspiração filosófica desse movimento. Segundo ele, a industrialização causará a separação entre o artista e a sociedade, resultando em um declínio na criatividade e na valorização do design sem preocupação estética. Ruskin também se preocupava com o papel do design na luta pela justiça social.

Entre os artistas, arquitetos e designers que foram influenciados por Ruskin está William Morris, considerado o líder do movimento arts and crafts. Morris clamava por clareza de propósito, fidelidade à natureza dos materiais e aos métodos de produção e expressão pessoal tanto por parte do designer como do trabalhador.

Morris foi o primeiro artista (não o primeiro pensador, pois neste campo tinha sido precedido por Ruskin) a compreender até que ponto os fundamentos sociais da arte se tinham tornado frágeis e decadentes desde a época do Renascimento e, sobretudo, desde a revolução industrial.

—Nikolaus Pevsner, Os Pioneiros do Desenho Moderno: De William Morris a Walter Gropius.

O interesse de Morris pelo design pode ser rastreado para a construção de sua casa após seu casamento. Projetada por Philip Webb, a Red House é um marco na arquitetura privada e sua mobília, vitrais e tapeçarias foram projetadas pelo próprio Morris.

Após essa experiência, Morris se reuniu com seis amigos em 1861 para fundar a empresa de decoração artística Morris, Marshall, Faulkner and Company. Com rápida ascensão a empresa montou showrooms em Londres e começou a formar equipes de artesãos que incluía fabricantes de móveis e gabinetes, tecelões e tintureiros, fabricantes de vitrais, ceramistas e ladrilheiros.

Em 1875, a empresa foi reorganizada como Morris and Company, tendo Morris como único proprietário.

Morris era um brilhante designer de padrões bidimensionais. Ele criou mais de 500 projetos para papéis de parede, tecidos, carpetes e tapeçarias. As artes medievais e plantas eram suas principais inspirações.

Veja como os papéis de parede de Morris eram reproduzidos.

Profundamente preocupado com os problemas da industrialização e do sistema fabril, Morris tentou implementar as ideias de Ruskin. Uma preocupação com a exploração dos pobres levou Morris a abraçar o socialismo. Ele também se envolveu com movimentos relacionados com a proteção de prédios antigos e regulação da propaganda.

Não quero arte só para alguns, assim como não quero educação só para alguns, nem liberdade só para alguns.

— William Morris, Collected Works.

Após 1888, William Morris decidiu se aprofundar no projeto e na impressão de tipos. Anteriormente, Morris havia feito diversos livros manuscritos, escrevendo o texto em caligrafia maravilhosamente controlada e ornamentando-os com delicados filetes e capitulares com formas fluidas e cores claras e suaves.

Morris chamou seu primeiro tipo de Golden. Se baseava nos tipos romanos venezianos projetados por Nicolas Jenson entre 1470 e 1476.

Golden Type Bold ITC, desenhada Helga Jörgenson e Sigrid Engelmann em 1989 e publicada por ITC. Baseada no tipo Golden de William Morris.

A fundição do tipo Golden começou em dezembro de 1890. Foram contratados artesãos e uma velha prensa manual foi montada. Morris batizou seu novo empreendimento de Kelmscott Press e sua primeira produção foi The Story of the Glittering Plain de sua autoria e com ilustrações de Walter Crane.

O tipo usado nessa primeira publicação foi o tipo gótico, Troy, inspirado nos tipos góticos de Peter Schoeffer, Gunther Zainer e Anton Koberger. Morris fez os caracteres mais largos, aumentou as diferenças entre caracteres parecidos e arredondou mais os curvos.

Uma versão menor do Troy, chamada Chaucer, foi o último dos três projetos de tipos de Morris.

A Kelmoscott Press estava empenhada em recuperar a beleza dos livros incunabulares. Meticulosa impressão manual, papel artesanal, xilogravuras feitas à mão, capitulares e filetes similares aos usados por Ratdolt tornavam o livro em uma forma de arte.

William H. Hooper, mestre artesão, gravava filetes e capitulares decorativas desenhadas por Morris em madeira. Estes possuíam maravilhosa compatibilidade visual com os tipos e ilustrações xilográficas de Morris com base em desenhos feitos por Burne-Jones, Crane e C. M. Gere.

O volume mais destacado da Kelmscott Press é o The Works of Geoffrey Chaucer, de 556 páginas, 87 ilustrações xilográficas projetadas por Burne-Jones, além de catorze filetes largos e dezoito molduras menores em torno das ilustrações gravadas a partir de design de Morris.

Além disso, Morris projetou mais de duzentas capitulares e palavras para uso no Chaucer da Kelmscott, que foi impresso em preto e vermelho em tamanho fólio grande.

Essa edição foi a realização final da carreira de Morris, que morreu aos 62 anos de idade em 1896, quatro meses após a finalização do projeto.

De 1891 até a dissolução da Kelmscott Press em 1898, dois anos após a morte de Morris, mais de 18 mil exemplares de 53 títulos diferentes haviam sido produzidos.

O paradoxo de William Morris é que seu clamor pelo ofício manual, fidelidade aos materiais, a conversão do útil em belo e a adequação do design à função são comportamentos adotados pelas gerações futuras, ao mesmo tempo que seus produtos refinados estavam ao alcance apenas dos ricos.

Morris era incapaz de apreciar as possibilidades positivas dos novos materiais por estar demasiado preocupado com as consequências negativas da revolução industrial. Só era capaz de ver aquilo que tinha sido destruído: o artesanato e o prazer do trabalho.

— Nikolaus Pevsner, Os Pioneiros do Desenho Moderno: De William Morris a Walter Gropius.

O arquiteto Arthur H. Mackmurdo, inspirado pelas ideias de Morris, liderou um grupo de jovens artistas e designers que se juntaram em 1882 para fundar a Century Guild. Do grupo faziam parte o designer/ilustrador Selwyn Image e o designer/escritor Herbert R. Horne.

O objetivo da Century Guild era “passar todos os ramos da arte para a esfera, não mais do comerciante, mas do artista”. As artes do design deveriam ser elevadas ao “seu lugar de direito ao lado da pintura e da escultura”.

O grupo desenvolveu uma nova estética à medida que incorporavam a seus trabalhos características do design renascentista e japonês. Os projetos do grupo fornecem um dos elos entre o movimento arts and crafts e a estilização floral da art nouveau.

A paixão do movimento arts and crafts pela Idade Média transparecia nos projetos gráficos de Image e Horne. Entretanto, vários projetos que tiveram a contribuição de Mackmurdo possuem formas que são pura art nouveau em sua concepção e execução.

O periódico The Century Guild Hobby Horse começou a ser publicado em 1884 sob a responsabilidade de sir Emery Walker, com o objetivo de divulgar os trabalhos da guilda.

Seu cuidadoso leiaute e composição, papel artesanal e intrincadas ilustrações xilográficas fizeram dele o arauto do crescente interesse das arts and crafts pela tipografia, design gráfico e impressão.

Embora recebesse amplas encomendas, a Century Guild dissolveu-se em 1888. Pois a ênfase estivera nos projetos em colaboração, mas seus membros passaram a preocupar-se mais com suas obras pessoais.

Selwyn Image projetou tipos, inúmeras ilustrações, mosaicos, vitrais e bordados. Mackmurdo concentrou-se na política social e no desenvolvimento de teorias para a reforma do sistema monetário e Herbert Horne projetou livros com simplicidade clássica e comedimento.

Charles R. Ashbee, arquiteto e designer gráfico, fundou a Guilda de Artesanato em 1888 com três membros e apenas cinquenta libras esterlinas como capital de giro.

A Escola de Artesanato unificou o ensino do design e da teoria com a experiência holística da aprendizagem, que fora destruída pela subdivisão do trabalho e pela produção mecânica.

Incapaz de garantir apoio do Estado ou de competir com as escolas técnicas subsidiadas por ele, a Escola de Artesanato foi fechada em 1895. A Guilda de Artesanato, por outro lado, floresceu como uma cooperativa onde os trabalhadores participavam da direção e dos lucros.

Em 1890, a guilda alugou a velha mansão Essex House, localizada em um setor miserável e desolado da Londres Industrial.

Impossibilitado de adquirir as xilogravuras e os tipos da Kelscott após a morte de William Morris, Ashbee resolveu contratar os principais funcionários da Kelmscott Press e adquirir o equipamento que estivesse disponível para venda e constituir a Essex House Press.

A publicação mais importante da Essex House Press é o Salmo de 1902. Ashbee desenvolveu um projeto gráfico para cada salmo, com numeral romano, título em latim em versais vermelhas, um título descritivo em inglês em versais pretas, uma capitular composta em xilogravura e o corpo do salmo. Os versículos eram separados por ornamentos foliáceos xilográficos impressos em vermelho.

Em 1902, a guilda se mudou para a aldeia de Chiping Campden e iniciou a ambiciosa tarefa de convertê-la em uma sociedade comunal para trabalhadores e suas famílias. Os grandes custos envolvidos, combinados com as despesas para manter a loja de varejo na Brook Street em Londres, levaram a guilda à concordata em 1907.

Com o fim da guilda, Ashbee voltou à prática da arquitetura. Embora ele fosse um importante teórico do design e seguidor das ideias de Ruskin e Morris, após a Primeira Guerra Mundial Ashbee questionou a convicção de que a fabricação industrial era inerentemente perversa e formulou um programa de design relevante para a nova era. Tornando-se uma das maiores autoridades inglesas em favor da integração da arte e da indústria e adotando uma das premissas básicas do movimento moderno ainda por vir.

Em 1900, o encadernador T. J. Cobden-Sanderson juntou-se a Emery Walker na fundação da Doves Press em Harmmersmith. Os livros da Dove Press, entre os quais sua obra-prima, a Bíblia de 1903, descartavam ilustrações e ornamentos, utilizavam papel de excelente qualidade, impressão perfeita e tipos e espaçamentos requintados.

A Bíblia em cinco volumes utilizava algumas notáveis capitulares projetadas por Edward Johnston. O estudo feito por Johnston sobre as técnicas caligráficas e os manuscritos antigos, bem como suas atividades de ensino, fez dele uma influência importante na arte das letras.

Estabelecida em 1895, a Ashendene Press de Londres, dirigida por C. H. St. John Hornby, mostrou-se uma excepcional imprensa particular.

Os tipos projetados para a Ashendene eram inspirados nos tipos semigóticos usados por Sweynheym e Pannartz em Subiaco. Tinham uma elegância vibrante e boa legibilidade, com moderadas diferenças de peso entre os traços grossos e finos e uma letra ligeiramente comprimida.

Este artigo é um resumo da quarta parte do capítulo “O design gráfico e a Revolução Industrial” do livro A History of Graphic Design de Alston Purvis e Philip B. Meggs. A intenção deste artigo é apresentar os principais pontos da obra original e servir de material de consulta. Caso se interesse pelo assunto, recomendo a leitura da obra na íntegra. Link para a edição em inglês e português na Amazon.

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Kyon

Pretendo escrever sobre história, metodologia, teoria e prática de design visual.