Teko Haw Maraká’nà (Aldeia Maracanã)

Lab. Cartografia indigena
11 min readMar 7, 2016

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A Teko Haw Maraká’nà (conhecida como Aldeia Maracanã) é uma Comunidade Indígena PluriÉtnica que rexiste a sua assimilação/expropriação pelo Complexo Desportivo do Maracanã/Estado do Rio de Janeiro, e que reivindica o território histórico do antigo Museu do Índio (memória e identidade), como território vivido, de manejo indígena, como patrimônio histórico material e imaterial da humanidade como espaço de preservação das sementes indígenas e de seus saberes ancestrais, e suas perspectiva com uma nova agenda política para a atualidade e condição de possibilidade de um futuro humano no planeta.

O Território reivindicado se situa próximo a região central da cidade do Rio de Janeiro, no bairro do Maracanã, entre as Avenidas Costa e Silva — Radial Oeste — e a Avenida Maracanã, no polígono entre os cruzamentos destas duas rodoviais com a Rua Mata Machado, atualmente urbanizada como rua de pedestres. Ao lado do Estádio Mario Filho, do Maracanã. Próximo à Quinta da Boa Vista, uma das antigas sedes do Império, a Residência da Coroa Portuguesa no Brasil, que atualmente abriga os cursos universitários de Antropologia e Arqueologia, o Museu Nacional, da UFRJ, que compõem, com o Centro de Educação Tecnológica-Cefet, que se localiza em frente ao território indígena pela Av. Maracanã, e o conjunto de prédios, com cerca de 12 andares, do campus da Universidade Estadual do Rio de Janeiro-UERJ, há poucos metros de distância, um polígono marcado pelo presença de estudantes, professores e pesquisadores, de nível técnico e superior.

Um área de baixada, com pequena elevação do relevo entre São Cristóvão e Benfica, onde ficam situadas as comunidades favelizadas da Mangueira e do Tuiuti. É também onde correm os rios Joana, paralelo a Radial Oeste, e Rio Maracanã, paralelo à Av. Maracanã. E que fazem de toda a região de seu baixo curso, áreas de alagamento durante as chuvas mais intensas.

Dentro do perímetro de segurança de uma das principais sedes das Copas do Mundo de 1950 e de 2014, e das Olimpíadas de 2016, o Complexo Desportivo do Maracanã. Todo um conjunto urbanístico que, segundo as representações indígenas, estão construídos sobre e soterrando cemitérios indígenas (ou sambaquis, em referência ao antigo povo dos Sambaquianos) e terras de manejo indígena ancestral.

O último registro de alienação oficial deste território data da década de 1850. Sua propriedade foi cedida pela Coroa ao Duque de Saxe, príncipe alemão da Casa de Saxe-Coburgo-Gota, oficial da Marinha austro-húngara e almirante da Armada Imperial Brasileira, como dote pelo desposamento de uma de suas filhas, com a princesa Leopoldina. Na década de 1850, um período de constantes rebeliões populares, de crise do sistema escravagista, o imóvel é “doado”, em família, do Duque para o Império (governo federal), com “destinação ad eternum à preservação das sementes e das culturas indígenas”.

Em 1910, foi requisitado pelo Marechal Rondon como sede do Serviço de Proteção ao Índio-SPI, ligado ao Ministério da Agricultura e Colonização, sucedido pela atual Funai-Fundação Nacional do Índio, do governo federal. Em 1953, pelas mãos do antropólogo Darcy Ribeiro, o prédio-sede do imóvel passa a abrigar o Museu do Índio, uma iniciativa inovadora que conta com o reconhecimento da UNESCO.

Mas sob a Ditadura Militar no Brasil e a retomada da hegemonia das políticas (neo)liberais no país, o prédio histórico é abandonado, o patrimônio é repatriado de forma autoritária, por decreto, de forma ilegítima, como patrimônio da Companhia Nacional de Abastecimento-Conab, que, como uma empresa, teria mais facilidade na alienação do patrimônio público. Esta alienação burocrático-administrativa será ratificada, depois, também por decreto, no início da década de 80 pelo então presidente José Sarney, do Partido da Frente Liberal (PFL). Em 1978, todo o acervo de memória do território é transferido para o atual Museu do Índio, em Botafogo, e ficará por décadas preso ali, até que recentemente começou a ser difundido, como o Relatório Figueiredo, utilizado como um dos principais documentos de investigação da Comissão da Verdade brasileira para os crimes da ditadura. Desde então, de 1978, que o prédio ficou totalmente abandonado.

Usuários deste espaço da cidade que costumam se encontrar na Teko Haw Maraká’nà , relatam que o espaço pode ter sido utilizado por grupos miliares e pára-militares em sessões de tortura, execução e desaparecimento e apontam para marcas nas paredes e por intervenções prediais recentes feitas para blindar o porão do prédio. Um muro de concreto separa o porão. A maior parte deste permanece inacessível, devido à construção, que é totalmente fora dos padrões para esta construção histórica.

Depois de mais de 20 anos de abandono, no início dos anos 2000, o território passa a ser pretendido pelo movimento indígena. Um movimento que se afirma na cidade do Rio de Janeiro na Rio 92, e que envolve indígenas de diversas etnias habitantes principalmente da região metropolitana do RJ, nos municípios da chamada baixada fluminense, e da própria capital, oriundos de bairros periféricos, favelas, outros em situação de rua, entre os mais pobre moradores da cidade. Em 2003, uma primeira tentativa de ocupação demonstra ao movimento que é preciso se fortalecer junto à sociedade para garantir a luta indígena, e fazem isto. Em 2006, após a realização de um encontro, de atualização da Confederação dos Tamui, em um Congresso na UERJ, com diversos organizações da sociedade em apoio, o movimento ocupa, retoma a Teko Haw Maraká’nà, então batizada como Aldeia Maracanã e reivindica por Ação Civil Pública, por seu advogado, o Centro de Etnoconhecimento Sócioambiental-CESAC, a posse, gestão e manejo indígena do território, como território de uso indígena, voltado para a convivência espiritual comunitária de diversas etnocosmovisões.

Para a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, o espaço passa a ser requerido pelo Estado do Rio de Janeiro como espaço agregado ao Complexo Desportivo-Empresarial do Maracanã, para a construção de um estacionamento. A Conab aliena o patrimônio público federal para o estado do RJ de forma ilegal, por 60 milhões. A operação de compra e venda do espaço ocupado de moradia e uso de dezenas de famílias indígenas não é precedido de qualquer oitiva “com as partes interessadas”.

Em janeiro de 2013, a empresa de licitação já havia sido contratada pelo, mas a Teko Haw não se move nem com o Choque-PM na porta. Neste 12 de janeiro de 2013, a comunidade resistiu à ordem de despejo. O estado não tinha qualquer ordem judicial de despejo, mas contava com a concordância da comunidade, que, no entanto, sempre rejeitou o “acordo” oferecido. Parte das representações indígenas da Aldeia rejeitou a redução do espaço requerido na Ação Civil Pública de 14, 3 mil metros quadrados. Em 22 de março deste mesmo ano a PM voltou, desta vez com ordem judicial, e operação militar especial para a remoção. Houveram confrontos, manifestantes tentaram ocupar as ruas em frente a Aldeia, a PM usou a violência, contra os ativistas, contra indígenas contra uma mulher grávida, pisou na cabeça do advogado da Aldeia sob o asfalto com seu coturno, além de algemá-lo. Uso de gás de “efeito moral” até contra crianças, idosos… Foi um ato de Terrorismo Institucionalizado, de Estado, como compreende a Rexistência, com ordenamento executivo e judicial, em ordem unida, contra a comunidade, contra os direitos e contra as nações e minorias étnicas indígenas.

Mas, a comunidade continuou na luta pela retomada e foi um dos vetores de produção das jornadas de lutas de 2013. A “palavra-de-(contra)-ordem” Aldeia Rexiste! era comum em todas as manifestações. O movimento indígena se fez protagonista destas lutas. Até reunir as condições para retomar seu Tekohaw no dia 4 de agosto deste mesmo ano. E por meses promoveu mutirões de recuperação ecológica e preservação do prédio histórico, já ainda mais degradado pelo seu uso como “canteiro de obras” pelas empreiteiras na reconstrução de todo o complexo desportivo, um vultuosa, bilionária, obra de engenharia, educativo e cultural, muitas árvores e áreas de plantio foram derrubadas, e o território foi recortado, mutilado, e pavimentado/asfaltado. O que alterou toda situação ecológica do espaço, com a sua degradação.

O movimento de retomada de 5 agosto se antecipa, no entanto, à demolição das demais edificações existentes no território requerido de Manejo Indígena na referida ACP.

No início de dezembro deste mesmo ano, as empreiteiras, lideradas pela Odebrecht, começam a demolir uma destas edificações, do antigo complexo de pesquisa do Ministério da Agricultura (e Colonização). O movimento indígena, com o apoio de outras organizações da sociedade, principalmente de estudantes, trabalhadores e atingidos pelas operações de reurbanização da cidade, ocupam, entre os dias 13 e 14 de dezembro, uma destas edicações em protesto contra as demolições e em defesa do patrimônio público-comunitário indígena material e imaterial.

No dia, 15 de dezembro, após o anúncio público da ocupação, logo ao cair da noite, a Tropa de Choque invade o prédio ocupado sem mandado, expulsa parte dos ocupantes e mantêm três lideranças indígenas em situação de detenção coercitiva por toda a madrugada, vigiados por dezenas de militares. As 6h da manhã do dia seguinte, a PM, novamente sem mandado judicial, invade o território ocupado pelos indígenas e o interior do prédio, e retira seus ocupantes à força, arrastados sob escadarias em ruínas, sob o uso de gás de pimenta, imobilizados, sob socos e pontapés e golpes de cassetetes, alguns são detidos, de forma exemplar.

Uma das lideranças indígenas consegue se esconder no prédio e se manter no território sobre uma árvore, seu nome Urutau Tenetehara Guajajara, ou, no registro cartorial, como José, conhecido com tal, José Guajajara, professor de Língua e Cultura Tupi-Guarani. E vai resistir nesta árvore a toda uma operação com dezenas de militares do Choque na contenção, com grandes viaturas (caminhões) trazendo equipamentos e ônibus trazendo novas guarnições de soldados e suprimentos para estes, para cercar e fazer a contenção do palco da operação militar. A imprensa foi atraída ao local.

Os militares tentam impedir que os ativistas façam chegar água e comida ao resistente. Eles lançam frutas, e pacotes de biscoitos e garrafas dágua amarrados em um corda com dezenas de metros de cumprimento. Eles tentam barrar o seu destino. Mas o grupo consegue algum sucesso. Até que, 16h depois da ordem para se retirar do território, o Corpo de Bombeiros consegue retirá lo à força, contra sua vontade. O triller não termina aí…

Já estamos no dia 16, xs indígenas removidos seguem até a UERJ se reúnem aí, na sua Concha Acústica, e na sequência Ocupam a Reitoria da Universidade. A comunidade universitária demonstra apoio, o movimento cresce. O Reitor decreta estado de sítio e a suspensão de toda as atividades e antecipa as férias, rasgando todo o calendário acadêmico de dezenas de cursos, projetos de pesquisa, comunitários, etc…

Mas o movimento indígena não se detêm! Não pára e segue até o Hotel Novo Mundo, onde o estado, com as honras da casa e a presença da imprensa, tenta selar o processo de construção do “consenso” com a assinatura de representações ilustres e apenas parte das representações da Aldeia Maracanã, a parte que concordava com a “oferta” do estado. A rexistência indígena, sem ser convidada, nem esperada (até o local do encontro foi alterado de última hora), surpreende e adentra os salões do Novo Mundo denunciando a farsa do consenso, e bradando, não tem consenso, há resistência! Convidados ilustres ficam constrangidos, até mesmo com a revelação do falso consenso. A Fundação Darcy Ribeiro desiste de chancelar o contrato.

E, na sequência, para denunciar e pressionar contra este falso acordo, que nunca foi pacífico como a própria ACP expressa, o movimento ocupa a própria sede da Darcy Ribeiro, no bairro de Santa Teresa, onde passa a noite e obtêm desta, de seu Presidente, a declaração de que não concordam com o acordo construído pelo governo do estado do Rio de Janeiro, sob o silenciamento de algumas das mais importantes representações e lideranças indígenas da comunidade e do movimento que emergiu a partir de 1992, lideranças históricas, e que reconhecem a sua rexistência e a proposta de formação de uma universidade plural, de uma pluriversidade de rexistência dos povos indígenas como desdobramento histórico da luta de Darcy.

Desde então, de 16 de janeiro de 2013, as demais edificações, todas, cerca de 4 prédios com mais de 2 e menos de 6 andares, e dois ou mais galpões foram totalmente demolidos pelas empreiteiras e pela gestão público-privada do espaço pelo Consórcio Maracanã, só sobrou o prédio do antigo Museu, em estado avançado de degradação. Parte do território indígena teve o asfalto pintado para ser transformado em um estacionamento automotivo, como forma de maximizar a exploração do espaço.

O território está ocupado e policiado pela PM. O Consórcio Maracanã também mantêm uma equipe de seguranças contratados que também são ordenados a coagir os indígenas que tentam fazer uso do espaço como lugar de (re)encontros, rituais, lazer, cultura e manejo ecológico.

Separado apenas por uma rua, em frente ao território, também encontramos os containers de uma unidade operacional de Ordem Urbana, de segurança municipal da Prefeitura, que também têm histórico de casos de uso de seus agentes e de sua tropa de Choque para reprimir a comunidade de rexistência indígena. Todo o entorno é monitorado por câmeras de vigilância ligadas à Ordem Urbana Municipal e ao Centro Integrado de Comando e Controle que coordena a vigilância e as ações de contenção, controle e repressão em toda a cidade.

Como cornucópia monumental do modelo de negócios de megaeventos e da indústria do entretenimento norte-ocidental, made in EUA (a norte-americana AES é uma das empresas gestoras do Consórcio Maracanã), o complexo desportivo, no entanto, parece enfrentar problemas. Ele acumula prejuízos. A Odebrecht, sócia-majoritária, ameaça sair do negócio. É possível ver os rastros do abandono: muita sujeira, lixo não-removido, e até mesmo a desmobilização parcial do aparato de segurança.

O Movimento de Rexistência Indígena do Maraká’nà continua realizando ações de denúncia, mobilização, autodemarcação e defesa jurídico-política do seu direito de manejo do território, com a realização de rituais, aulas públicas, roda de cantos na Teko Haw Maraká’nà semanalmente. No início deste ano de 2016, a ACP foi novamente movimentada e foi reconhecida pela Justiça, na sentença de juízo federal, o direito de uso, de manejo indígena do imóvel/território. Os órgãos de defesa dos direitos indígenas, com o Ministério Público, a própria Funai, quando não a própria Polícia Federal, devem garantir a execução da sentença. Mas se mantêm indiferentes, talvez aguardando aumentar a pressão social.

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