Circuito de cinemas alternativos em São Paulo
Por Amanda Franco, Dandara Bianca, Isabella Vieira e Ivana Fontes, alunas do 1º JOB
Escuro. Pontilhados de luz vermelha indicando o caminho. Cheiro de pipoca. Ansiedade. Expectativa. O projetor começa a girar, “claque-claque-claque”, boom! Imagem na tela. Shhh! Silêncio. Agora já pode comer. Não, deixa passarem os trailers. Olhos grandes, olhos pequenos, olhos fixos. Todos no mesmo canto da sala. Narrativa, roteiro, artista, espaços. Novos espaços dentro de si. Memória.
Oato simbólico de frequentar um cinema aberto ao diálogo, que explora temas pouco abordados na indústria cultural, se solidifica como uma experiência insubstituível na contemporaneidade. Por isso, é fundamental fomentar e explorar o cenário do cinema alternativo em São Paulo, com o objetivo de aproximar o espectador da obra de arte e trazer novas perspectivas da realidade.
Baseado nos cinemas da cidade que acreditam nessa proposta, foi elaborado um circuito partindo da Faculdade Cásper Líbero, que desloca-se por pontos diversos dentro de São Paulo, desde a zona central até a periferia, passando tanto pelo Jardins quanto pela favela de Heliópolis. Para melhor aproveitamento do circuito, é possível acessar as rotas clicando nos endereços disponíveis ao longo da matéria.
História das Salas de Cinema
No Mundo
Foi em 28 dezembro de 1895, há aproximadamente 123 anos, que foram projetados publicamente e em sessão paga os primeiros filmes, dando assim início à história do cinema. Os irmãos Lumière, percursores de tal técnica, deixaram o público maravilhado com dez filmes simples, com menos de dois minutos cada um, feitos de imagens cotidianas como a de um trem chegando à sua estação. Tudo isso ocorreu no subsolo do Grand Café, localizado na Boulevard dês Capucines, 14, Paris. Foi extremamente modesto: uma tela de tecido, uma centena de cadeiras, um aparelho de projeção sobre um banco e uma faixa em frente anunciando “Cinematógrafo Lumière, entrada 1 franco”.
Aproveitando que os espaços ficavam ociosos durante a noite e em fins de semana, pequenos comerciantes, principalmente donos de mercearias, costumavam ceder seus estabelecimentos para apresentações de cinematógrafos ambulantes. As apresentações desses pequenos filmes se tornaram algo cada vez mais rentável, fazendo surgir os primeiros locais específicos para suas exibições. Como não se tinha muita noção sobre como deveriam ser esses ambientes, muitos foram inspirados em teatros, onde o palco cedia lugar a grandes telas com projetores na extremidade oposta.
Em São Paulo
As primeiras exibições em São Paulo aconteceram no centro da cidade através da junção do cinematógrafo trazido pelo fotógrafo Georges Renouleau e do pequeno estoque de filmes dos exibidores ambulantes da cidade, por volta de agosto de 1896. Com essas sessões, alguns espaços começaram a exibir projeções cinematográficas, como os salões Nova York em São Paulo e Paris em São Paulo, apesar de não se tratarem de lugares totalmente dedicados ao cinema.
Em 1907, o empresário Francisco Serrador funda o Bijou Theatre, historicamente considerado como o primeiro cinema de rua de São Paulo. A inauguração abre espaço para a criação de outros cinemas na cidade anos mais tarde, como o Cine República e o Cine Olido, fundados em 1921 e 1957, respectivamente.
Para entendermos melhor a história e a importância das salas de cinema de rua de São Paulo, conversamos com Antonio Ricardo Soriano, autor do blog Salas de Cinema de São Paulo (http://salasdecinemadesp.blogspot.com.br/).
— Como funciona a seleção e apuração dos cinemas que você visita/escreve sobre?
Antonio — Pesquiso sobre a história de todos os cinemas que existiram na cidade de São Paulo (centenas!!!), interior e litoral. A abordagem dos cinemas da Capital está 90% completa. Não me aprofundo em pesquisar sobre os atuais cinemas de shopping, mas acompanho de perto os antigos cinemas de rua que ainda funcionam hoje em dia. Esses eu visito e divulgo nas redes sociais. É o caso do Cine Olido e Marabá, no Centro, do Cinesala (antigo cine Fiammetta), em Pinheiros e dos cines Belas Artes (antigo cine Trianon), Espaço Itaú de Cinema — Augusta (antigo cine Majestic), Reserva Cultural(antigos cines Gazeta, Gazetinha e Gazetão), CineArte (antigo cine Rio) e CineSesc (antigo cine Orly), na região da Av. Paulista.
— Você acha que o barateamento dos ingressos nesses espaços é uma forma de inclusão e incentivo para a população em geral?
Antonio — Há preços para todos os bolsos. Há convênios com bancos e instituições para meia-entrada, há cinemas VIP e com tela gigante (IMAX) com ingressos mais caros. E existem também os cinemas gratuitos do Circuito SPCine (um projeto maravilhoso de inclusão e cultura para os mais pobres).
— Como a tecnologia influencia na divulgação ou no esquecimento das salas antigas do século XX nos dias de hoje?
Antonio — A tecnologia, ao contrário do que as pessoas pensam, está ajudando MUITO na permanência e no funcionamento dos antigos cinemas em todo o território nacional. A projeção digital diminuiu os custos com empregados. A facilidade em operar estas máquinas permite a exibição de vários filmes no mesmo dia, aumentando a quantidade de espectadores e o lucro destes cinemas. Um bom exemplo disso é o Cinesala, com tela única, funcionando muito bem em Pinheiros!
— Lendo seu blog, percebemos uma triste tendência dos importantes cinemas serem transformados em estacionamentos. Qual é o impacto desse fenômeno para a cultura de um local e em que sentido isso reflete nos valores da cidade?
Antonio — O fechamento dos cinemas do Centro começou no final dos anos de 1970 e se agravou com o surgimento de vídeo-cassetes nos anos de 1980. Os cinemas de bairro fecharam muito antes, com a ascensão da TV. No centro, houve também uma degradação da região, devido à falta de segurança e muitos outros problemas. Nos anos de 1990, as pessoas passaram a preferir os cinemas de shopping devido à segurança e aos amplos estacionamentos e praças de alimentação. Não havia mais espaço para os cinemas de rua!
Os cinemas de rua existem ainda hoje devido à programação diferenciada de filmes alternativos, o chamado ‘cinema de arte’, graças ao grande exibidor Adhemar Oliveira, que formou este público na região da Av. Paulista quando resolveu abrir o Espaço Augusta nos anos 90 — um público que sempre existiu, desde o cine Coral, no Centro, e dos muitos cineclubes que funcionaram na cidade nos anos de 1970 e 1980. Adhemar percebeu que este público era grande e podia crescer e renascer (sair das vídeo-locadoras). Até hoje este tipo de programação segue firme e com público cada vez maior.
Cinesala
OCinesala é o primeiro cinema do circuito aqui proposto e a melhor forma de chegar até ele a partir do ponto inicial é por meio do ônibus 857P-10, que pode ser pego no ponto de ônibus localizado em frente a Faculdade Cásper Líbero.
O cinema só passou a possuir esse nome recentemente, em 2014. Nasceu em 1962 com o nome de Cine Fiammetta e ficou assim por mais de 30 anos, até se transformar na Sala Cinemateca, exibindo filmes clássicos para um público específico. Depois dos anos 2000, passou por várias transformações até chegar na sua diagramação atual, nas mãos de Raí, Adhemar Oliveira, Paulo Velasco e Rodrigo Makray.
Já na entrada do local, percebe-se o cuidado com a aparência, retratado pela fachada em caixa alta, preta e vermelha, assim como a bilheteria ao lado, com um quadro de preços organizado e colorido. A preocupação com o conforto também é um ponto muito relevante, já que além da presença de sofás e cadeiras por todo o espaço, o ambiente é marcado por um café bar conhecido já no centro de São Paulo, o Arouche, que possui um cardápio bem completo de opções e confere um ar sofisticado ao cinema. Toda a decoração do Cinesala prende a atenção e desperta a curiosidade dos frequentadores, que diante dos quadros em referência a clássicos do cinema, como Terra em Transe, Alice no País das Maravilhas e Trainspotting, estão imersos em um universo muito particular. Quando finalmente se entra na sala de cinema, outra surpresa boa: no escuro, um letreiro em vermelho neon, onde se lê “Cinema de rua desde 1962”, que reforça a origem e motivação da sua existência.
A sala, que já foi eleita como a mais confortável da cidade pela Folha de S. Paulo em 2015, de fato, não deixa escapar o luxo. Com a opção de poltronas tradicionais ou sofás (individuais ou duplos), o ambiente torna-se muito agradável e descontraída, trazendo para quem visita a ideia de aproximação, não só com a experiência cinematográfica, mas também com toda a simbologia do local.
O Cinesala busca abarcar filmes que não têm tanto espaço nos cinemas blockbusters, mas que são também populares e atuais. Conta com preços mais baratos que os cinemas de shopping, porém um pouco mais caros em relação aos outros cinemas de rua. Fica localizado na Rua Fradique Coutinho, 361, entre a Rua Teodoro Sampaio e a Rua Artur de Azevedo, a 5 minutos a pé da estação Fradique Coutinho.
Clique no site para mais informações.
Cine Favela
Depois do Cinesala, a próxima parada é o Cine Favela. Pegando a linha amarela do metrô na Fradique Coutinho e descendo na Paulista, faça a baldeação para a linha verde e pegue o metrô sentido Vila Prudente, desembarcando na estação Alto do Ipiranga. Depois, o ideal é tomar o ônibus 494, na Avenida Doutor Gentil de Moura, e descer na Avenida Estrada das Lágrimas, em 10 paradas. Andando 800 metros, chega-se ao local.
Presente desde 2003 na comunidade de Heliópolis, o Cine Favela é uma associação cultural sem fins lucrativos que leva cultura e esporte para as crianças e jovens. Além das exibições de filmes, o local também conta com aulas de cinema, atuação e capoeira. O projeto também produz curtas e longas-metragens, além de ser o primeiro cine teatro presente em uma comunidade popular no mundo.
No ano de sua criação, foi responsável pela produção do média-metragem “Gota de Sangue”, de Vladimir de Souza, estreado no SESC Ipiranga. No ano seguinte, foi fundada a atual Associação Cultural Artística Cine Favela. Através dela, surge a atual sede do Cine Favela. Ainda em 2004, é feita uma nova produção de Vladimir de Souza, o longa “Os excluídos da sociedade”, que contou com oficinas de interpretação por 7 meses voltadas à sua realização. Os alunos das oficinas em Heliópolis foram responsáveis também pelo elenco do curta “A vítima”, de Jucélio Santos. Havia sessões mensais de filmes nacionais, peças de teatro e até uma pré-estreia da produção norte-americana “State Property”, de Abdul Malik Abbott.
Em 2005, essas sessões puderam ser mantidas com a parceria do SESC e do Circuito Alternativo de Cinema. Já em 2008, em parceria com a Secretaria da Cultura, foi criada a Oficina de Cinema, dirigida por Jucélio Santos, espaço em que foi criado o argumento do filme “Um grande vencedor”. Ao todo, o Cine Favela soma mais de 8 curtas, com destaque para “Uma nota só”, de Laís Bodanzky, além de 2 espetáculos de teatro e coprodução nos longas “Luz nas Trevas”, de Helena Ignez e “Hipóteses para o amor e a verdade”, de Rodolfo García Vázquez.
Por conta das dificuldades financeiras, o Cine Favela não possui uma entrada luxuosa ou uma grande infraestrutura, como os outros cinemas. Porém, em um pequeno espaço e fruto de muito esforço, realiza bem a tarefa de fomentar a arte na favela, principalmente entre os jovens. Com doações e participações em programas culturais, como o VAI (Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais), seus organizadores possibilitam que o espaço continue existindo e crie sua identidade.
O local conta com algumas fileiras de poltronas vermelhas, em frente a uma parede já desgastada onde fica a tela que exibe os filmes. Ao lado dela, os computadores em que são editadas as imagens e vídeos. A sala também não possui isolamento acústico, o que faz com que todo o barulho externo entre no local. Carros de som, por exemplo, são constantes na comunidade.
O público que mais assiste a filmes no Cine Favela são crianças, já que todo domingo, pela tarde, é exibido um longa voltado a essa faixa etária. Como possuem licença para a passagem de um número restrito de filmes, não exibem para adultos. Ainda assim, com o patrocínio da Petrobrás, Caixa Econômica Federal, Secretaria da Cultura e co-realização do SESC SP, já realizou o Festival Cine Favela de Cinema, que exibe uma série de filmes realizados por ONGs, coletivos e periferias. A produção dos próprios filmes na região permite que qualquer habitante que se interesse possa se candidatar como ator/atriz, participando das oficinas já citadas. Durante toda a semana, também ocorrem muitas outras atividades, como oficinas de informática, capoeira, teatro e karatê.
É claro que o Cine Favela tem uma programação e ideia que fogem do que geralmente se espera quando se visita um cinema alternativo buscando apenas entretenimento. É justamente isso que atrai. Ao sair do ambiente do Cine Favela, é certo que algum aprendizado foi tirado dali: com muito pouco, ainda há muitos que tentam. É possível se produzir cinema na periferia. Como uma ideia ainda em progressão, vale considerar uma ajuda aos organizadores do local. Recentemente, houve uma tentativa de arrecadação virtual pelo portal Kickante, para pôr em prática uma reforma no local. Da meta de R$12.000, apenas R$385 foram arrecadados, 3% do total. Com tão poucos recursos, é difícil resistir.
O Cine Favela localiza-se na Rua do Pacificador, 288, na Cidade Nova Heliópolis. Possui uma página no facebook, que pode ser acessada aqui.Atualmente, o site encontra-se indisponível.
Cinemateca Brasileira
Para ir do Cine Favela à Cinemateca, é preciso caminhar por 5 minutos até a Avenida Almirante Delamare, pegar o ônibus 008 — São Paulo (Terminal Sacomã) e, após 6 paradas, descer no ponto da Rua Agostinho Gomes, 3426. Depois, é só andar até a estação de metrô Sacomã, que no sentido Vila Madalena, passa por três estações até descer na Santos-Imigrantes. Com o ônibus 476G-10 — Ibirapuera, o visitante desce depois de 9 paradas na Rua Tangará, 338. Em 3 minutos a pé, está na Cinemateca Brasileira.
A Cinemateca Brasileira foi o Segundo Clube de Cinema de São Paulo. Idealizada por Francisco Luiz de Almeida Salles, Rubem Biáfora, Múcio Porphyrio Ferreira, Benedito Junqueira Duarte, João de Araújo Nabuco, Lourival Gomes Machado e Tito Batini, teve a origem de sua história em 7 de outubro de 1946. Busca estimular o estudo, a defesa, a divulgação e o desenvolvimento da arte cinematográfica no Brasil.
Em setembro de 1947, filia-se à Federação Internacional dos Clubes de Cinema — FICC, o que lhe permite o acesso à uma pequena coleção de filmes. Porém, é em 1948, com a filiação à Federação Internacional de Arquivos e Filmes — FIAF, que obtém um arquivo fílmico. No ano de 1949, é aprovado um acordo com o Museu de Arte Moderna de São Paulo e ocorre a criação da Filmoteca do museu. Porém, a parceria dura pouco (até o ano seguinte) e, em busca de maior autonomia, se transforma na Cinemateca Brasileira, uma sociedade civil sem fins lucrativos.
A partir daí, a Cinemateca tem desastres que afetam diretamente sua história. Quatro incêndios prejudicam muito a sua vida financeira e seu acervo. O primeiro acontece em 28 de janeiro de 1957 e destrói suas instalações na Rua Sete de Abril. Os filmes foram transferidos e depositados em espaços no Parque do Ibirapuera e a Cinemateca ocupa uma sala na sede da Bienal de São Paulo. Após essas medidas, em 1961 a Cinemateca se torna uma fundação, o que lhe permite estabelecer convênios com o poder público estadual. Além disso, é criada a Sociedade Amigos da Cinemateca, para auxiliar financeiramente a Fundação.
No dia 18 de Fevereiro de 1969, ocorre o segundo incêndio, no portão 9 do Parque do Ibirapuera. Com a perda de grande parte do material, a situação da instituição se agrava, tendo um período de crise até o ano de 1975, que marca o ressurgimento legal da Cinemateca.
No dia 06 de novembro de 1982, o terceiro incêndio acontece, dificultando ainda mais sua existência. É incorporada ao poder público, porém mantendo sua autonomia institucional. No final da década, a instituição passa ter uma sala de cinema na Rua Fradique Coutinho e em 1988, o prefeito Jânio Quadros cede à instituição o espaço do antigo matadouro da cidade. Após nove anos de reformas, sua sede é definitivamente instalada na Vila Clementino. Os edifícios onde está localizada a Cinemateca foram tombados no ano de 1985. Em 2009, iniciam-se os estudos para novas edificações em um terreno, na Vila Leopoldina, transferido à Cinemateca pelo Patrimônio da União do Estado de São Paulo.
Em 03 de fevereiro de 2016, infelizmente, se dá o quarto incêndio, resultando na perda de 1.003 rolos de filmes, referentes a 731 títulos. A partir de então, os poucos recursos disponíveis são concentrados na duplicação emergencial do acervo audiovisual e normalização mínima das rotinas de cada setor.
Apesar do seu histórico trágico, é reconfortante frequentar um local que leva a arte do cinema a sério. Todo o ambiente das salas se preenche com referências pitorescas ao mundo dos filmes, complementando a estética rústica do espaço. A Cinemateca é de fato uma engrenagem especial da cultura paulista escondida pertinho do Ibirapuera.
As duas salas disponíveis são equipadas para diferentes formatos de exibição de filmes, desde as raras películas de 35mm até as tecnologias mais recentes do cinema digital. Essas adaptações incluem o ajuste do tamanho da tela e adequação sonora, essenciais para garantir a correta exibição que espelhe a original.
Por não ser um cinema convencional, os filmes estão escolhidos em frequentes eventos temáticos pelo ano. Se escolhe um tema e é promovida uma série de sessões gratuitas pela semana, com debates inclusos em cada uma.
Ao todo, o espaço conta com 317 lugares dentro da sala de cinema, além de mais 7 espaços destinados a cadeirantes. Outro diferencial cativante são as sessões ao ar livre, na área externa aos galpões do antigo Matadouro, onde foi instalado um projetor que exibe periodicamente filmes clássicos, com entrada também gratuita.
A Cinemateca também conta com um jardim ocupado por obras modernas, áreas verdes com árvores frutíferas e mesas de piquenique, aberto ao público de segunda a quarta-feira das 08h às 18h, e de quinta a domingo, das 08h às 21h.
O espaço está localizado na Rua Gandavo, 296, na Vila Clementino. O bairro conta com pizzarias tradicionais, como a Braz Quintal ou a Forno da Vila, opções interessantes para uma programação mais completa.
Você pode conferir a programação e assinar a newsletter aqui.
Cine Olido
Saindo da Cinemateca em direção ao Cine Olido, quem segue a rota tem a opção de andar por 12 minutos até a Parada MAC-USP — Ponto 2 e pegar o ônibus 509M-10 — Term. Princesa Isabel. Após 11 paradas, é só descer no ponto São João e andar por aproximadamente três minutos até chegar lá.
O Cine Olido abriga um passado glorioso, mesmo que parte de sua história seja marcada por inatividade. Inaugurado em 13 de setembro de 1957, foi o primeiro cinema paulistano a funcionar dentro de uma galera comercial e pioneiro na venda antecipada de ingressos e escolha de poltronas. Coisas que hoje parecem corriqueiras, naquela época ilustravam a inovação e modernidade, ajudando a transformar a ideia de frequentar cinemas de rua em um evento solene, que exigia roupas elegantes e comportamento adequado. Na década de 80, com a popularização dos shoppings, o Cine Olido fechou suas atividades, mas foi restaurado pela Prefeitura Municipal de São Paulo e reaberto em 2004.
Localizada em frente ao Largo do Paissandu — na Avenida São João, 473 — a Galeria Olido resgata a tradição presente na região central da cidade. O local funciona, desde 2004, como um espaço cultural voltado principalmente às artes corporais. Além da presença do Cine Olido, há o Centro de Dança Umberto da Silva, que possui duas salas destinadas apenas aos espetáculos de dança — Sala Paissandu e Sala Olido — , três salas para ensaios e a Sala de Pesquisa e Acervo de Dança.
O espaço também conta com o Centro de Memória do Circo, um telecentro, um ponto de leitura e espaços para exposições fotográficas. Há, ainda, a presença de uma unidade do Fab Lab Livre SP, laboratório público acessível e destinado ao desenvolvimento da criatividade dos interessados em construir projetos.
O Cine Olido, que fica escondido nos fundos da Galeria, não recebe muita divulgação. Na Avenida São João, o cinema é imperceptível, uma vez que não existem sinais que indiquem sua presença. Porém, entrando na Galeria, há um grande letreiro anunciando sua existência em cima de uma escadaria.
A escadaria, que contém a bilheteria e o snack bar, caracteriza o aproveitamento do pequeno espaço disponível dentro do local. Subir os lances de escada para chegar no cinema trazem ao espectador a mesma experiência presente nas exibições dos anos de glória do Olido, ou seja, o ato de frequentar um legítimo cinema de rua.
Há apenas uma única sala para exibições no espaço, o que justifica a pouca variedade de filmes, que geralmente fazem parte de exposições ou mostras de cinema. O Cine Olido faz parte do Circuito SPCine, iniciativa da Prefeitura de São Paulo que tem como intuito democratizar o acesso aos cinemas e divulgar através das exibições obras nacionais. Esse fato justifica os valores acessíveis dos ingressos do cinema — a inteira custa R$4,00 e a meia R$2,00 — , que podem ser adquiridos aqui.
Matilha Cultural
Parada final do nosso circuito, antes da nossa volta para o ponto inicial (Faculdade Cásper Líbero), a Matilha Cultural fica bem perto do Cine Olido. Leva apenas 12 minutos para se chegar até lá, tomando o ônibus 701U-10 ou Cidade Universitária, subindo na Parada República 1 e descendo na Consolação. São apenas 4 minutos a pé até lá.
A Matilha não é apenas um cinema, mas sim um centro cultural. Foi inaugurado no ano de 2009, porém, o projeto e a construção do pensamento do que seria aquele espaço já tinha começado há alguns anos, na produtora Olldog Filmes, idealizadora da Matilha, na figura de Ricardo Costa e outros profissionais da produtora. Foram eles que vislumbraram as missões que o lugar procura ter com a sociedade, que estão presentes em seu site. Dentre as principais, estão questões socioambientais, incluindo a proteção animal, a defesa dos direitos humanos e a promoção da cena artística independente.
“A Matilha tem foco principalmente em questões ambientais e de direitos humanos e apoia movimentos artísticos independentes. Mais do que um centro cultural, é também um centro de convergência de ideias e ações em prol do bem comum. Com informação, engajamento e cultura, a Matilha contribui para a construção de uma sociedade mais consciente, ativa, criativa e mais LIVRE.” — Site Matilha Cultural
Ao visitar o espaço, nota-se que ele não possui uma entrada muito chamativa e é possível que se passe despercebido por ele, até bater os olhos no tapete em que está impresso o seu nome e a silhueta de um cão, símbolo do local. Quando o visitante avança pela recepção, o que vê é um ambiente um pouco mais popular que a maioria dos outros cinemas aqui citados: nas paredes, pôsteres de filmes bem recentes, como o documentário “Cartas para um Ladrão de Livros” (2017), os filmes “Bye Bye Jaqueline” (2016) e “Em Pedaços” (2017), que estão incluídos dentro de um leque extenso de opções. Todos eles são nacionais e tratam de temas polêmicos, como homossexualidade, problemas sociais e criminalidade, o que vai ao encontro dos ideais do centro, ativo em uma série de projetos populares que visam a melhoria da qualidade de vida da comunidade que vive na região.
Descendo alguns degraus, um ambiente bem espaçoso, repleto de pinturas abstratas e coloridas, com acesso à lanchonete (de cardápio vegetariano/vegano), aos banheiros e à área verde externa, ideal para reuniões, como a que estava ocorrendo entre os organizadores no dia da visita. Nesse mesmo dia, também estava montado um palco, aparentemente destinado à apresentação de alguma banda ou DJ, comprovando a cultura do local de realizar happy hours e receber artistas, por vezes até contribuindo na produção de discos como o “Nó na orelha” (2011), do Criolo. O elevador que dá para as salas de cinema, localizadas no segundo andar, é repleto de pichações, assinaturas, frases, adesivos e desenhos. Para quem tem medo, há a opção da escada.
Grafites também estão presentes nas paredes desse andar, muito bem acabados e sempre caracterizando cães, de acordo com a proposta da Matilha, que realiza feiras de adoção de animais todo domingo, em parceria com a ONG Natureza em Forma. Há ainda uma acomodação bem agradável, que possui um dos seus lados todo transformado em uma grande janela, voltada para a rua, com uma estante de poucos livros, um sofá e um banheiro. Atualmente, em parceria com a Associação Shaolin de Kung Fu, a Matilha também realiza aulas regulares de Kung Fu, às terças, quartas e quintas, com a primeira aula gratuita.
Em relação aos preços, a maioria dos filmes é exibido de graça, mas quando há cobrança, não ultrapassa os R$10,00. Localiza-se na Rua Rego Freitas, 542, quase na esquina com a Consolação, como eles mesmos descrevem. É próximo a 3 estações de metrô, nas linhas vermelha, azul e amarela, e tem pontos de ônibus, táxis e estacionamentos em seu entorno.
Aarte dos cinemas de rua ainda vive e se transfigura a cada dia para se adaptar ao processo contínuo de modernização. As experiências encontradas nestas particulares salas escuras, com filmes pouco conhecidos, costumam fazer algo que os blockbusters e as salas de cinema de shopping parecem ter esquecido há muito tempo: elas imergem você não apenas no universo do filme, mas na história do ambiente. A aura da arte, frequentemente considerada perdida por pensadores e estudiosos, acaba se tornando moderadamente mais palpável em meio a estes espaços que respiram desse ofício não só pelo lucro, como é de costume em nosso sistema, mas sim pelo amor e pela credibilidade da importância desta para nós, como indivíduos e sociedade.
Uma visita em uma tarde de domingo à Galeria Olido, com sua arquitetura imponente e suas escadarias, pode proporcionar não só uma sessão de cinema, mas também uma sensação de conexão com a história e até uma pausa para esse retorno, mesmo em meio a frequência incansável da cidade de pedra. Já um happy hour com os amigos após o trabalho no Cinesala pode significar uma noite clássica de conforto, requinte e, como até mesmo seu proprietário comenta, bons vinhos. Fazer um piquenique em um uma tarde ensolarada no jardim da Cinemateca ou se aventurar pelos milhares de livros e folhetins de sua biblioteca, enquanto espera sua sessão de cinema, que pode ser até mesmo ao ar livre, traz ao dia um prazer e uma paz aconchegantes.
Para os jovens que buscam programas relacionados ao mundo cultural e se preocupam com as problemáticas da sociedade, uma ida ao Matilha Cultural, com suas paredes grafitadas, suas feiras de adoção de animais e inúmeras produções artísticas, cria uma incrível noção de pertencimento. Até para os que menos acreditam na geração atual, conhecer o Cine Favela pode fazer o brilho nos olhos, proporcionado pela esperança de ver a cultura como instrumento de mudança, reacender.
Os cinemas de rua estão por toda São Paulo. Desde os ambientes mais elitizados do centro da cidade até as periferias, onde a arte não é, por motivos claros, vista como prioridade. Com preços mais baixos que os cinema de shopping ou até mesmo gratuitos, cada um proporciona experiências únicas de encontro com a sétima arte e toda sua narrativa, tão rica e expressiva. Se permitir essa vivência muitas vezes é o que se falta. Dar uma oportunidade a esse costume é como um ato de revolução sobre a cultura existente, mostrando que a arte ainda pode trazer uma bagagem de conhecimento e, acima de tudo, sentimento.