Música… industrializada?

Lab de Jo 2018
16 min readJul 6, 2018

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Por Luana Gotardo e Júlia Putini, alunas do 1ºJoB

N a pós-modernidade, tudo parece ser feito em larga escala para consumo imediato. As manifestações culturais, como a música, tiveram que se enquadrar nesse processo.

Você acorda e checa as redes sociais antes mesmo de levantar da cama. No Facebook, encontra uma música nova, cujo ritmo agrada. Procura o clipe no YouTube. Baixa para poder ouvir offline no Spotify ou no Deezer. Adiciona à sua lista de músicas. Ouve sem parar aquela batida contagiante e a canta em todos os lugares que frequenta, além de compartilhar e mostrar para todos os seus amigos. Porém, depois de uma semana, nem lembra mais dela. Isso simboliza a vida curta das músicas hit.

O que é um hit?

É algo que faz muito sucesso. Na música, existe sempre que a obra tem bastante repercussão em redes sociais, estações de rádio, em aplicativos de stream. Especialmente nos gêneros musicais funk, pop e sertanejo, mais voltados para o público jovem, existe uma produção em massa dessas músicas mais inseridas em questões mercadológicas e muitas vezes feitas apenas para vender.

Sempre foi assim?

Em seus primórdios, a música não estava diretamente ligada à monetização. Esta era apenas uma manifestação popular durante o trovadorismo, escola literária concentrada na Península Ibérica do século XI, por exemplo. Neste gênero, explorado tanto pelos camponeses quanto pelos membros da nobreza da época, os trovadores costumavam transformar seus sentimentos, fossem eles raiva, amor, saudade ou sátira, em poemas cantados.

O filósofo e professor de língua portuguesa Leandro Megna, em conversa sobre o tema, apresentou o samba e o tango como gêneros que surgem no processo de contra-cultura, negação de padrões comportamentais anteriores. “A maior parte dos novos ritmos musicais surgem de círculos marginais”, afirma. Segundo ele, os círculos centrais, compostos por formadores de opinião, são naturalmente mais tradicionalistas. “O que os Jardins, a Vila Olímpia ouvem? bossa nova. Mas agora estão começando a ouvir funk”, diz, em referência aos bairros nobres da cidade de São Paulo.

No caso do jazz, isso é ainda mais evidente. Os gêneros hoje se caracterizam como a música de resistência do movimento negro, uma vez que o grupo era bastante reprimido nos Estados Unidos, pela sociedade da época assumidamente racista. Apesar de no século XIX ter sido fortemente reprimida e negada, a música jazz é, hoje, considerada sinônimo de cultura, qualidade musical e, muitas vezes, erudição.

“A inovação artística geralmente começa na marginalidade e é posteriormente assimilada”, afirma Megna. Para ele, apesar dessa demora para inserção de um novo estilo, posteriormente entra na lógica de mercado. Assim, a ideia de “linha de montagem” passa a influenciar não só as fábricas, após a revolução industrial, como a produção artística da sociedade.

Inevitavelmente, por ter passado a ser tratada como produto, a música começou a sofrer modificações e adequações para ser cada vez mais efêmera e substituível, e cujas vendas fossem cada vez maiores. Para isso, porém, é necessário que atenda a critérios específicos.

Público-alvo

Quando se fala sobre público-alvo, discute-se quem a música busca atingir, seja faixa etária, gênero ou grupo social. Uma música, ou artista, pode ter como foco adolescentes, adultos, crianças, mulheres, ou visar grupos, como o LGBT+, emo ou hipster, por exemplo.

Isso tudo é imaginado durante a produção musical, para que a composição possa ser adequada aos gostos do público visado. Assim, pode ser melhor aceita e, consequentemente, mais ouvida e viralizada mais facilmente.

Como atingir um público específico?

De acordo com o produtor artístico Rennan Rosa, é possível usar algumas táticas para isso. Para ele, quando uma composição trata de algum tema atual ou usa gírias com as quais o público-alvo se identifica, esse a ouve muito mais.

Professor da Liberty University, Clifford Stume apresenta uma série de podcasts chamada, em inglês, de “O professor da música pop”. Nestes, o estudioso afirma que é uma estratégia de marketing musical quando não há detalhes suficientes em uma composição para que haja a possibilidade de o público criar um personagem específico em sua imaginação. Isso pode acontecer por meio de letras sobre problemas genéricos de uma comunidade, de forma que as pessoas possam colocar seus próprios problemas dentro dos “espaços em branco”, e acreditem que a música fala sobre elas. Assim, a identificação do grupo almejado é ainda mais possível de acontecer.

No pop, isso é muito evidente na cantora norte-americana Taylor Swift. No começo de sua carreira, com os álbuns Speak Now, Taylor Swift e Fearless,principalmente, os assuntos tratados tangenciavam paixões e incompreensões amorosas.

Taylor Swift na música “You Belong With Me”, de 2008. Hoje, a música conta com mais de 800 milhões de visualizações.

You’re on the phone with your girlfriend
She’s upset, she’s going off about something that you said
She doesn’t get your humor
Like I do
(…)
If you could see
That I’m the one
Who understands you
Been here all along
So why can’t you see me
You belong with me

Em tradução livre: Você está no telefone com a sua namorada/ ela está chateada, ela está reclamando por algo que você disse./ Ela não entende o seu humor/como eu entendo./ (…) Se você pudesse ver/ que eu sou a única/ que te entende/ que esteve aqui por todo esse tempo/ então por que não pode ver?/Você pertence comigo.

Taylor visava um público adolescente e construiu sua fã-base inicial com, majoritariamente, garotas de 14 a 18 anos, que diziam que a artista parecia ter roubado seus diários pessoais para escrever as músicas. Na composição acima, por exemplo, qualquer adolescente com uma paixão secreta e não recíproca poderia pensar em alguém para colocar no lugar da pessoa retratada na letra.

Apesar de antiga, a música é, até hoje, uma das mais famosas de Swift. Porém, ao lançar seu primeiro CD, a atual hitmaker também tinha 17 anos, e afirmou em diversas entrevistas que tudo o que fazia era escrever músicas sobre eventos que aconteceram com ela.

Isso é sempre programado?

Apesar de que tratar de assuntos comuns à uma sociedade seja uma tática do meio musical para a criação de hits, isso nem sempre é feito de forma pensada. A cantora Anitta, em abril de 2018, fez uma palestra na universidade de Harvard, e falou sobre essas “táticas” serem inevitável e inconscientemente usadas no funk. Para ela, o funkeiro canta sobre a sua realidade e eventos corriqueiros dentro de seu ambiente. Dentro do gênero, as principais questões abordadas são as relações passionais, ostentação, tanto de bens materiais quanto de drogas, e violência.

Dessa forma, as músicas descrevem as situações vividas por quem mora nas comunidades, usando sua linguagem característica. Assim, há a identificação entre os outros moradores de lá com o que está sendo musicalmente narrado.

Atualmente, o videoclipe de Anitta para a música “Vai Malandra”, gravado no Morro do Vidigal (RJ), retrata uma visão das diversas realidades vividas em comunidades, através de um ritmo que mistura funk carioca, estilo que usou para se lançar, hip hop e trap, além de influências eletrônicas. Assim, a artista fundiu o estilo tão popular no Brasil e os outros comuns no exterior: ritmos rentáveis e que garantem uma musicalidade viciante, que parece “grudar na cabeça”. O clipe também contribuiu para a identificação popular, uma vez que é ambientado no cenário da periferia do Rio de Janeiro. Em seu lançamento, obteve 14 milhões de visualizações e atingiu o primeiro lugar na lista de músicas mais tocadas no Brasil só nas primeiras 24 horas de lançamento, de acordo com o site Purebreak.

Apesar disso, Rennan Rosa frisa que nunca é possível ter total certeza de qual será o público atingido por um artista. Ele dá o exemplo de Anitta que, apesar de buscar um público mais jovem, atinge desde crianças até adultos. Além dela, há Pabllo Vittar, que visa principalmente adolescentes LGBT+, mas é também ouvida pela avó do próprio produtor.

Forma e conteúdo

De acordo com Felipe Chagas, formado em música e artista independente, o processo de criação musical não segue padrões. Porém, afirma que geralmente começa com base em uma ideia ou frase melódica, desenvolvida com o tempo, até tomar a forma de uma música.

Produção e composição própria

Chagas apresenta o processo de produção como o ponto diferenciador entre artistas. Atualmente, diz, é possível produzir muita coisa em casa, criando estúdios caseiros. Entretanto, muitos ainda preferem deixar essa parte com produtores: “no estúdio sempre tem alguém dando palpite. Tem todos os seus prós e contras, fazer tudo sozinho é muito cansativo, e em um estúdio você grava e vai embora, o produtor que fica mexendo lá”.

Apesar disso, a música Aurora Borealis, composta e produzida por Chagas, atingiu o primeiro lugar no iTunes Jazz do Brasil em 2017. O compositor diz ter preferido trabalhar sozinho para que pudesse ter liberdade criativa. Acredita também que a influência mercadológica em música que é feita para ser comercial é muito maior.

“Um produtor sabe quais as ferramentas que podem levar a música a ser um hit, tem gente que grava música só para isso”, afirma.

Chagas cita o exemplo do artista brasileiro Lobão, que integrou a banda BLITZ na década de 80. Apesar de sua música “Me Chama” ter sido um grande hit da época, nos anos 90 o artista passou a negar intervenções em seu trabalho. Por isso, perdeu diversos contratos com gravadoras e teve que se reinventar como artista independente para poder continuar a integrar o mundo da música. Mesmo assim, hoje não faz sucesso como costumava.

De acordo com o produtor Rennan Rosa, porém, isso depende apenas do artista saber, previamente, delimitar bem o que quer e aonde quer chegar. Assim, produtor e artista farão um trabalho coordenado e conjunto: “não adianta nada eu chegar nele e falar “você vai ser isso”, e a pessoa não segurar esse estilo. Primeiro de tudo o artista precisa acreditar no próprio trabalho porque se ele não acreditar no que tá fazendo, ele não vai vingar”.

Existe uma fórmula a ser seguida?

Para que uma música se adeque ao mercado, é necessário atender a alguns critérios estruturais.

De acordo com Friedemann Findeisen, compositor e autor de diversos livros sobre composição de músicas, como The Addiction Formula, existem três pilares que sustentam o processo de composição de uma hits. A primeira, é a melodia. Para o autor, o ritmo deve ser sempre repetitivo e fácil de lembrar, de modo que o ouvinte possa cantar em casa.

Depois, a música deve ser fácil de dançar. Quando uma música facilita a criação de coreografias, é muito mais fácil que seja tocada em locais públicos. Em pesquisa realizada com jovens de 15 a 25 anos, descobrimos que mais de 60% daqueles que responderam tem maior contato com hits em festas e comemorações.

Além disso, acredita que as letras deixaram de ter a importância que costumavam ter. À exceção de gêneros como o country, cuja premissa são músicas que contam histórias, Findeisen pensa que um compositor não deve se preocupar tanto com o que será cantado, uma vez que o cérebro humano se interessa mais pelo “como” está sendo dito, do que pelo o “o que”. Ou seja, há uma preferência do ritmo em detrimento do significado, da letra. Assim, quando se busca uma música viral, é desinteressante contar uma história, já que o público a ouvirá centenas de vezes e acabará se cansando da composição.

O estudo foi confirmado na pesquisa, já que, para 84,4% dos jovens que responderam, o que mais chama a atenção em uma música é o ritmo. Assim, entende-se que o maior foco de um artista deve ser a melodia da música. Mesmo que o ouvinte não compreenda o que está sendo cantado, ou a letra não o agrade, é muito possível que os sons “grudem” na sua cabeça, se compostos de forma a ser uma música “chiclete”.

Observe a música “Baile de Favela”:

Baile de Favela, por MC João e produzida pelo grupo KondZilla

“Ela veio quente, hoje eu tô fervendo
Quer desafiar, não tô entendendo
Mexeu com o R7 vai voltar com a x*ta ardendo
Que o Helipa, é baile de favela
Que a Marconi, é baile de favela
E a São Rafael, é baile de favela
E os menor preparado pra f*der com a x*ta dela
Eliza Maria, é baile de favela
Invasão, é baile de favela
E as casinha, é baile de favela
E os menor preparado pra f*der com a x*ta dela”

A música acima se tornou um hit do funk logo que lançada e hoje tem quase 200 milhões de visualizações no YouTube. Nela, é possível identificar os elementos citados por Clifford Stume, Rennan Rosa e Friedemann Findeisen.

Ao longo da letra, nota-se o uso do que, a princípio, parecem localizações geográficas: gírias usadas como referência aos bailes frequentados pelo nicho, utilizadas e mais facilmente compreendidas entre o grupo que os frequenta. “Helipa”, por exemplo, se trata do Baile do Helipa, um dos mais famosos do bairro Heliópolis, em São Paulo.

Além disso, os desvios da norma padrão, como em “as casinha” e “os menor”, demonstram uma das diversas variantes linguísticas utilizadas no ambiente das comunidades.

Há também a repetição constante da expressão que nomeia a música: facilita a memorização e complementa a batida marcante do funk carioca. Assim, a música pode ser facilmente acompanhada com os passos de dança do gênero e a memorização é facilitada.

Lançamento

O lançamento é o momento de descobrir se todas as técnicas para a composição da música funcionaram, e a composição caiu “nas graças do público”, nas palavras de Rennan Rosa.

Preparação
De acordo com o produtor, é necessário um “grande estudo de campo” que anteceda o lançamento de um hit: “Você precisa ir para fora, pesquisar, estar ligado no que tá rolando lá fora porque é o que vai bombar depois no Brasil.”

Ele dá o exemplo da artista norte-americana Camila Cabello.

Apesar de lançado ao final de 2017, o hit da cantora já conta com mais de 600 milhões de visualizações no YouTube.

Após sair da bem-sucedida banda de garotas Fifth Harmony, a cantora passou a ser extremamente popular na internet. O produtor diz ter certeza que seu conteúdo influenciará, em um futuro próximo, as músicas do pop brasileiro: “daqui uns meses as músicas daqui vão ser iguais ou parecidas com aquelas que estão naquele CD”.

Risco de ser esquecido

Mesmo com toda essa pesquisa e estudo, porém, nunca existe uma total certeza de que uma música fará sucesso e, para ele, esse é o maior motivo para artistas acabarem caindo no esquecimento. “Por exemplo, se você lança uma música e estoura em um mês sem estar esperando, é muito provável que você não saiba o que fazer. A pessoa lança música sem esperar muita coisa, do nada estoura e não tem um plano de carreira”.

A dificuldade tangencia a carreira de um artista até quando conta com o acompanhamento de empresários e produtores: “Quando a gente vai lançar um artista, precisamos de um plano a curto, médio e longo prazo. Hoje em dia não temos mais como planejar, só precisamos ver aonde se quer chegar, apesar de não podermos prever o que vai estourar ou não”. Muito dessa imprevisibilidade está relacionada à internet.

Internet e divulgação

Atualmente, a internet possibilitou a mudança de diversas áreas da sociedade, e a musical é uma delas. Na década de 80, para que um novo artista pudesse se lançar, dependia diretamente da rádio ou de programas de revelação de talentos, como o Hallelujah, da antiga TV Tupi. Hoje, por meio das plataformas de stream, como Spotify e SoundCloud, e das de vídeo, como o YouTube, existe uma concepção de que o mercado se abriu para artistas independentes serem mais vistos.

Aplicativos de compartilhamento

Lafaiete Júnior, coordenador de coordenadoria e curadoria musical do aplicativo de compartilhamento Palco MP3, porém, afirma que “antes dessa nossa era digital grandes empresas, gravadoras, detinham poder para fabricar ídolos e sucessos. O público consumidor médio de música não tinha uma liberdade de escolha sobre o que gostaria de ouvir ou não”. Assim, essa escolha se tornou democratizada com a chegada da internet.

“Podemos acompanhar também um avanço na liberdade e empoderamento dos artistas, pois podem fazer um disco em seu próprio computador, sem necessariamente precisar de uma grande estrutura, um grande estúdio ou uma grande gravadora por trás”.

O coordenador também acredita que os aplicativos de compartilhamento auxiliam na divulgação de músicas de artistas independentes. Ele baseia a informação da quantidade de acesso que o aplicativo e o site do Palco MP3 têm: “só em maio de 2018 foram mais de 10 milhões de ouvintes, que geram uma média de 150 milhões de plays por mês. E atualmente também somos o aplicativo de música mais baixado na Google Play Brasil”.

Segundo Felipe Chagas, porém, essa “ajuda” não acontece. Para o artista, esses aplicativos privilegiam aqueles que já estão no topo, já que, para que alguém seja visto, é necessário que o público busque seu nome. Isso, no entanto, se complica para músicos novos, uma vez que dependem das pessoas os conhecerem. Aqueles que já tinham essa visibilidade e estão no auge, por outro lado, já são adicionados em playlists de forma quase automática.

Felipe Chagas em apresentação, 2017. Foto: Priscila Lopes.

Fora isso, há a questão da rentabilidade. Para colocar uma música nessas plataformas, é necessário registrar sua música, para que seja protegida por direitos autorais.

Após isso, se filiar em uma distribuidora, como a Tunecore, Record Union ou Spinnup, recomendadas pelo próprio Spotify, responsáveis por colocar as músicas nos principais aplicativos de streaming. Porém, cobram uma taxa inicial e uma porcentagem sobre o que foi monetizado em cima da música. “O que chega na mão do artista é menos que uma migalha. Os artistas que estão lá em cima não ganham mais com vendas de disco, ele serve mais pra divulgação. Hoje, eles ganham por show. Quem nem te ouve nesses aplicativos, não vai comprar um disco”, afirma Chagas. A possibilidade de um artista ser notado em meio a esse mar de lançamentos virtuais incessantes é bastante baixa.

Cita, novamente, Lobão como um artista que foi capaz de grande reinvenção enquanto artista independente. Ao final dos anos 90, a perda de contratos impossibilitara a venda de CDs em lojas, e passou a sobreviver da venda em bancas de jornal. Até hoje tem problemas para se adequar à lógica das gravadoras, então passou a usar a internet ao seu favor, sustentando sua arte por meio de crowdfunding. Cada doação monetária rende um “prêmio” personalizado relacionado ao artista, desde o download de músicas até um show particular, camisetas e itens exclusivos.

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Multimedialidade

Clipes ajudam bastante com a divulgação. Por ser uma plataforma do audiovisual, usa recursos imagéticos para ilustrar as músicas, de forma que chama mais atenção.

De acordo com Rennan Rosa, um clipe bem feito causa impacto, mas não é tudo. O produtor acredita que a qualidade da música não é prejudicada por um clipe ruim, por exemplo.

“Eu acho que é mais a questão de colocar as músicas nas principais plataformas digitais, mas depende muito do plano do artista”.

Ele também aponta como diversos artistas, hoje, focam em produzir clipes de bastante qualidade. “MC Loma está fazendo um clipe por semana, Anitta estava fazendo um por mês… é diferente, mas é bem legal também. Acredito que seja mais jogada de marketing, não a intenção de trabalhar as músicas de fato.”

Konrad Cunha Dantas, o KondZilla, roteirista, diretor e responsável pela KondZilla Records, gravadora, e Canal KondZilla, onde lança os clipes das músicas produzidas. Hoje, seu canal tem mais de 24 milhões de inscritos. Foto: Divulgação

Muitos grupos de produtoras acreditam no potencial de postar clipes com frequência para ganharem visibilidade em pelo menos um deles. O algorítimo do YouTube possibilita isso: quanto maior a frequência e consistência das postagens, mais pessoas são alcançadas. O Canal KondZilla, principal responsável pela produção e lançamento dos hits de funk do Brasil, por exemplo, lança cerca de um clipe por dia.

A produtora, responsável por nomes como MC Kevinho, MC Loma e MC Gui, explicita o sucesso breve das músicas: posta-se clipes novos constantemente, um sempre substituindo o outro, para alimentar a fornalha da indústria musical.

Por que a música dura tão pouco na mídia?

“A música é uma das expressões artísticas, e assimilou a liquidez do mundo hoje”, diz Leandro Megna, formado em letras e em filosofia. Para ele, a população efêmera da pós-modernidade, tão trabalhada pelo sociólogo Zygmund Bauman, acaba tendo reflexos diretos na produção cultural da sociedade. “Se a gente vive num espirito de coisas descartáveis, todas as artes assimilam esse pensamento. Você tem ainda gente que gosta [de hits que não estão mais em circulação], mas saíram da grande mídia, dos formadores de opinião”, aponta.

Relaciona também a música com o zeitgeist, conceito muito usado na literatura para falar sobre como a arte é produto direto do contexto histórico no qual está inserida. “Num mundo onde ser feliz é estar na roça, a música vai refletir isso. A gente tem esse zeitgeist que expressa isso. A música é uma consequência do momento. Se você hoje ouve um funk falando que o legal é andar de bicicleta e poupar combustível, não é algo que fica, porque a cultura que a gente tem é de ter um carro e ostentar com ele. E uma música assim não vai estar na cultura de massa porque essa não é a expressão do momento”, afirma.

Ele reitera que essa brevidade está presente tanto em músicas quanto em gêneros musicais. Megna fala sobre o forró, que estava no auge durante sua adolescência e hoje só é ouvido pelo nicho específico que se identifica com o gênero. “Tem gente que gosta? Sim, tem. Mas não é mais o pensamento predominante. A indústria fonográfica abandonou isso”.

“Hoje, forró não cola mais e vai chegar um ponto que o funk também vai embora”.

Megna também apresenta o funk “Eguinha Pocotó”, de MC Serginho, que foi hit do verão em 2004. “Você percebe que [a música] durou aquele carnaval e acabou o assunto, no próximo carnaval vai vir outra”.

O filósofo também insere a música clássica no meio. Mesmo que uma tenha sido composta durante o momento de solidez da sociedade, hoje não pode ser pensada como sólida. “Se Mozart pensou em uma música que representava a sociedade, hoje não faz mais sentido porque a sociedade mudou. Alguém que faz uma música, está aproveitando a onda do momento. E isso molda o comportamento do jovem”.

Assim, em tempos de modernidade sólida, quando a sociedade era mais estável e constante, existiam músicas também sólidas e que são ouvidas até hoje. Um exemplo disso é a produção do grupo The Beatles na década de 60. Mesmo assim, ouvir a banda não deixa de ser uma cultura de nicho nos dias de hoje, já que apenas rádios com enfoques musicais específicos tocam músicas da banda.

Lafaiete Júnior, do Palco MP3, concorda com a visão. Para ele, “a maneira como consumimos qualquer tipo de produto cultural mudou bastante nesse início de século, então é natural que tudo mude e nós tenhamos que nos adaptar, por fazer parte dessa engrenagem de alguma maneira. Mas não sou saudosista de achar que antigamente era melhor”.

Por isso, Rennan Rosa destaca a constante reinvenção como algo essencial em um artista hoje. Fala, novamente, de Anitta, sua maior referência: “em cada single ela aborda uma temática diferente. Se você pegar os CDs dela, ela veio com vários ritmos, funk, reggae, pop eletrônico…”. Assim, a versatilidade de qualquer artista para poder se inserir em todo esse processo da indústria de hits é essencial.

Para Lafaeite Júnior, essa nova lógica é fatídica e continuará acontecendo, além de não acreditar que seja necessariamente ruim. “O que mais me agrada é a democratização que essa transformação trouxe, tanto para artistas quanto para o público ouvinte, que tem o poder de escolher o que e quando ouvir. Pra mim música é sentimento e conexão, então essa maneira mais democrática pode ajudar para que artistas e fãs se conectem por meio da música da maneira mais genuína possível”.

E você, concorda com eles? Conta pra gente!

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Lab de Jo 2018

Espaço para a produção dos alunos do primeiro ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero