Racismo anti-asiático: a constante adjetivação dos “povos amarelos”

Lab de Jo 2018
20 min readJul 5, 2018

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Por Ana Claudia Sandoval, Beatriz Lemos, Julia Pereira e Paola Nakamura, alunas do 1ºJOB

No ano que completa o 110º aniversário da chegada do navio Kasato Maru no porto de Santos com mais de 700 imigrantes japoneses, discussões envolvendo a banalização do preconceito e representatividade crescem e se fortalecem cada dia mais. Se antes eram calados, hoje a comunidade oriental luta pelo seu espaço em uma sociedade etnocêntrica e capaz de trivializar até mesmo o incômodo e sofrimento alheio.

Alvos de chacotas e microagressões constantes, o sentimento de união fortalece o grupo que antes já fora tão dividido e sujeito a separação. É impossível não lembrar de alguma vez que viram as brincadeiras sem graça, seja com os conhecidos “abre o olho, japonês!” ou “pastel de flango”, até casos mais extremos, como a fetichização da mulher (“gosto de ficar com japas”) ou incitação de ódio envolvendo o conceito de minoria esforçada que também não é nada lisonjeiro (o conhecido “mate um japonês para passar no vestibular” na época de escola).

Composição étnica do Brasil (infográfico: Wikipedia)

Mesmo que sejam uma porcentagem consideravelmente pequena da população brasileira, atingindo aproximadamente 2,08 milhões de acordo com dados do IBGE de 2010, o mesmo censo apresenta que esse grupo cresceu 173,7% em dez anos, passando de 0,45% da população brasileira para 1,09% em menos de um ano. Tal fenômeno é explicado não só pelos novos fluxos migratórios, mas também pela maior identificação de descendentes com suas origens orientais.

Esse sentimento de pertencimento a uma raça abriu espaço para discussões, movimentos e coletivos que visam pela militância e denúncia dessa xenofobia mascarada.

Conversamos com diversos especialistas da área para discutir e entender melhor sobre as diversas práticas de microagressões diárias, mostrando várias visões sobre uma mesma problemática tão banalizada. Desde lugar de fala até a representatividade na mídia, apresentaremos pessoas como Vinicius Chozo, que desenvolveu o projeto “Abre o olho você!” como trabalho de conclusão de curso pela Universidade de Brasília e coletivos como o Oriente-se, de artistas asiáticos que buscam pelo seu espaço nas grandes mídias.

A minoria modelo e a padronização cultural

Debater sobre a inteligência dos asiáticos não é algo relativamente novo, porém devemos refletir até que ponto isso é cabível e não ultrajante.

Não é de hoje que as expressões “tinha que ser japa” ou “se quer entrar, mate um japa” são utilizadas com frequência em situações escolares do dia a dia. Isso se dá, por exemplo, na competição por vagas concorridas em cursos de medicina ou engenharia nas grandes faculdades públicas, analisado em um estudo realizado pela Fuvest em 2001, o qual aponta que 10% dos aprovados nos vestibulares de medicina e odontologia se identificam como amarelos.

Tais dados apresentados têm uma forte conexão com a cultura e o governo das populações orientais. Países como Japão e China incentivam o acesso à educação de qualidade e enfatizam avidamente sua importância, investindo tanto na infraestrutura quanto na qualificação de ensino.

Com a chegada dos imigrantes no Brasil, seus hábitos foram transportados junto de suas respectivas famílias. De acordo com um estudo divulgado pela Folha de S. Paulo, crianças descendentes de avós e bisavós japoneses estão adiantados um ano em relação à descendentes das culturas ibéricas na matéria de matemática. Esse estudo que abrange as escolas públicas brasileiras aponta que descendem de origens nipônicas são mais avançados na matéria, mesmo que sejam de gerações afastadas dos imigrantes. O pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Leonardo Monastério aponta que “são crianças nascidas e criadas no Brasil, sob as mesmas instituições, mas com herança cultural diferente”.

É com base em todas essas informações a respeito da inteligência exacerbada dos asiáticos, enfocando japoneses ou os chamados Nikkei, que surge problematizações envolvendo os estereótipos que compõem a chamada minoria modelo.

Num contexto de pós-guerra nos anos de 1920 nos Estados Unidos, foi criada a ideia de “model minority” por meio de um risco diplomático, visto que antigamente a imagem do asiático era algo repugnante. Para tentar evitar que interesses americanos fossem destruídos, a concepção de minoria modelo surgiu como uma nomenclatura para a exemplificar o sucesso da população oriental e de seus conhecimentos elevados nas áreas de exatas e tecnologia. Tal conceito foi amplamente divulgado pelo sociólogo William Peterson na revista New York Times.

Já nos anos de 1960 e 1970, surgem movimentos militantes por parte dos asiáticos-americanos contra a ideia de minoria modelo que lhes era imposta. Entretanto, esses protestos não foram o suficiente para contrapor o que a mídia americana desejava expor: o sucesso por parte dos asiáticos estampados em vários veículos de comunicação, firmando a ideia do oriental domesticado, gentil, dedicado e que não tem ou faz reclamações.

Ainda reforçada pela cultura japonesa, o ato de não reclamar para ter maior estabilidade financeira e honrar a família faz com que a nação japonesa tenha os índices de suicídio mais altos no mundo, superando Estados Unidos, Reino Unido e Coréia do Sul. Sendo assim, a minoria esforçada está enraizada nem um nível tão ampliado que é praticada dentro e fora dos territórios nipônicos, tornando-se, assim, um tópico global.

Imagem retirada da internet, créditos ao fotógrafo

Quando é construído um estereótipo excessivamente positivo, cria-se não só um clichê, mas também um padrão comportamental relacionado às pessoas dessa etnia. Isto é, no instante o qual e se tem como verdade que todo asiático é excessivamente inteligente, dócil, rico, inofensivo, trabalhador e diplomático, criamos a tal minoria modelo a ser seguida. Enquanto aqueles que compõem este grupo remetem-se a situações de justificação continua, o qual tal minoria vê-se exigida a justificar suas opções perante o modelo majoritário e, por vezes, a ocultar-se e a esquivar-se de se assumir, como explica Marcelo Kokke, mestre e doutorando em Direito Constitucional e Teoria de Estado pela PUC-Rio em seu texto “Quem é a minoria?”.

O graduado em Publicidade e Propaganda pela Universidade de Brasília, Vinicius Chozo, também se posicionou diante dessa problemática. Ao ser perguntado sobre o conceito de minoria modelo, o militante fortemente reitera o quão importante é acabar com o padrão que intensifica cada vez mais as microagressões diárias sofridas por esse grupo. Essa banalização não é lisonjeira, mesmo que de primeira instância pareça ser, uma vez que a comunidade é considerada “exemplos a serem seguidos”. Quem vive com o conflito, porém, discorda profundamente.

​Ao melhor analisar a problemática, veremos que esta é baseada em um seguimento xenofóbico no modo de pensar e agir, trazendo consequências terríveis para esses indivíduos e fazendo com que eles se sintam pressionados a se moldarem dentro desses rótulos, que aparentemente os identificam e caracterizam os “padrões” da cultura asiática. E, quando tais indivíduos não seguem o que lhes foi estipulado socialmente, abre-se uma brecha para certa “exclusão” social, justamente por não se encaixarem nesses moldes impostos. Isso pode resultar em perda de identidade, depressão, baixa autoestima e até suicídio como fora supracitado.

Pode-se dizer que quando embutimos essas ideologias, criamos um paradigma que não atinge um único indivíduo, mas sim todos aqueles que são caracterizados como amarelos. Entendemos então que é necessário quebrar tal padronização comportamental, uma vez que somos seres livres para ir e vir e não devemos impor um princípio neles ou em qualquer outro indivíduo. Quando lutamos pela individualização do outro, estamos, acima de tudo, mostrando respeito e valorização à cultura que essas pessoas se inserem.

A voz é deles

Existem muitos ocidentais que se solidarizam e apoiam a luta contra o racismo anti-asiático, o que é algo positivo e indica-se que cada vez mais a sociedade toma conhecimento do absurdo do preconceito contra os povos amarelos. Entretanto, é preciso que haja limites entre compartilhar dos ideais da causa e engajar-se na luta.

Este é um lugar de fala pertencente apenas ao povo asiático, o qual possui bagagem para falar sobre o tema. É absurdo ver um branco, por exemplo, adentrando o assunto e falando como se o preconceito e os comentários racistas fossem direcionados à ele.

Quem não partilha da cultura oriental, não tem experiência e nem fundamento para falar sobre o racismo anti-asiático. A militante Ingrid Sá Lee, formada pela Escola Belas Artes — UFMG, disserta sobre o limite do discurso dizendo que “seria justamente fazer uso do lugar de privilégio enquanto pessoas brancas para ceder a fala para pessoas de ascendência asiática que pesquisam e já discutem sobre isso”. Ela ainda discute que o debate acerca do tema não é exclusivo para pessoas de ascendência asiática, mas que “é preciso ter solidariedade antirracista, tendo sempre na consciência do local que é ocupado na sociedade enquanto uma pessoa branca”.

Imagem retirada da edição de aniversário de 43 anos da revista Vogue Brasil

Além de ser frequente presenciar pessoas não asiáticas ultrapassando os limites do seu discurso, é bem comum ver militantes desse movimento se manifestarem contra essa tendência de engajamento em uma luta a qual não se pertence. Para muitos, os asiáticos e brasileiro-asiáticos não possuem força e voz suficiente para combater o preconceito e o racismo, o que é uma visão extremamente equivocada e intensamente combatida pelos militantes do movimento. “Não precisamos que lutem por nós”, “nós temos voz”, são algumas frases usadas em fragmentos de textos em que se discute a questão.

Não só pessoas sem ascendência asiática usurpam o lugar de fala, como fazem isso sem ao menos pesquisar sobre o movimento e sem se familiarizar com a cultura do povo asiático. É muito fácil falar sobre xenofobia asiática sem sentir na pele o que é ser julgado pela sua origem e é mais fácil ainda, sem contar que é hipócrita, pedir mudanças quando o que acontece hoje nem ao menos o arranha. A necessidade por visibilidade e cliques faz com que as pessoas se aproveitem de um movimento importante e de grande impacto social e, assim, diminuindo-o e extraindo sua relevância.

O canal Yo Ban Boo, que muito discute sobre a problemática de representatividade e assuntos como a xenofobia e o preconceito, tem como mediadores Kiko, Beatriz e Leo, pessoas de diferentes etnias que juntos se completam para debater sobre esses temas.

Justamente por essa composição em que o lugar de fala é algo complicado dado a etnia dos três, entrevistamos Beatriz, que quando perguntada sobre como abordar o assunto sem roubar o lugar de fala diz que “é uma coisa muito nova falar sobre a militância asiática no Brasil” e por isso “as pessoas devem se informar”. Ela ainda ressalta que “se você nunca sentiu na pele, não pode afirmar nada. Então é importante você formar uma opinião sobre isso, mas saber que você não tem certeza do que é”. A youtuber e atriz ainda acrescenta que “enaltecer o asiático, tem um lado, mas tem outro que pode passar dos limites e acaba querendo roubar a identidade do outro”.

Falar sobre o racismo anti-asiático e apoiar a militância não é errado, é, primeiro, algo positivo já que provê visibilidade para um assunto de extrema importância. Porém, é vital que as pessoas parem de usar um assunto sério como meio de ganhar cliques e likes na mídia sem ao menos procurar se informar sobre o assunto ou sem se importar com a questão. A voz dos asiáticos precisa ser ouvida. O espaço é deles. A luta é deles. A voz é deles.

Desafios do mundo LGBT+ e o feminismo oriental

Opreconceito não escolhe faces, infelizmente. A amarela, de diversas formas, é uma que, diariamente, é vítima de microagressões caracterizadas por um ódio sem embasamento da cultura ocidental. É inimaginável compreender a gravidade do problema. Os mais afetados são, de longe, mulheres e pertencentes da comunidade LGBT+, que por conta da tradição introspectiva e individualista da cultura, não há espaço para debates que envolvam algo fora do comum ou padrão pré-determinado.

Neste âmbito, surgem coletivos que buscam trazer à tona discussões importantíssimas da sexualidade asiática, do papel da mulher e do homem na sociedade, da visão patriarcal do homem ocidental em relação às reflexões, além do lugar de fala que as pessoas consideradas brancas têm desse plano.

Tivemos a oportunidade de conversar com Ingrid Sá Lee, que já fez parte do coletivo feminista asiático Lótus, do coletivo Asiáticos pela Diversidade e que hoje gerencia a comunidade Perigo Amarelo. Ela nos conta que sempre sofreu preconceito e que a pior parte é ser desumanizada frente à outras raças e nunca vista de forma neutra, além de sempre ser englobada no grande estereótipo asiático e nas microagressões sofridas diariamente silenciadas.

Ingrid também fala sobre a fetichização da mulher asiática, que tem seu corpo reduzido a um objeto exótico de exposição, frágil e submisso, como se fosse diferente de outras mulheres como um objeto de curiosidade. Aqui surge o lugar do Lótus PWR, que almeja desconstruir essa mesma fetichização e estereótipos da mulher asiática e tenta dar conta da falta de representatividade nas grandes mídias. Nascem termos como o chamado yellow fever, que caracteriza o fetiche de homens brancos por mulheres orientais a partir de discussões levantadas por mulheres que não se sentem acolhidas no feminismo de maneira geral (já que é local de mulheres brancas, heterossexuais e de classe média, praticamente) e que buscam por meio da união se tornarem mais fortes e terem mais poder de denúncia.

Dentro da nossa sociedade, ser mulher significa seguir padrões impostos. Para mulheres de etnias diferentes, especialmente a asiática, há uma opressão maior do que podemos compreender, uma vez que, por diversas vezes, estas não são nem vistas como brasileiras, mas sim através de uma ótica extremamente negativa do imigrante. Há muito tempo elas têm enfrentado perda de valor, silenciamento e inúmeros desrespeitos. Ao tratarmos racismo anti-asiático, colocar essas mulheres em perspectiva traz o que elas não tiveram desde o início: voz. Uma enorme importância reside aí, em escutar e ter solidariedade com a luta que retratamos, em não ocupar o lugar alheio, em visibilizar a dor e levantar discussões. O sistema patriarcal racista que existe silencia e mata, e é nosso dever trazê-lo à tona.

Neste quadro, é importante tratarmos a sexualidade como um todo de forma sensível, especialmente por ser um tabu tão grande em todo o mundo. Em 12 países da Ásia a homossexualidade é um crime e é passível de punições graves à pena de morte pelo severo tradicionalismo que já fez milhares de vítimas. Por esta LGBTfobia, há uma lacuna onde deveria haver respeito, acolhimento e participação na comunidade asiática e onde quem pertence a formas mais diversas de gênero ou sexualidade encontra uma enorme dificuldade de pertencimento.

Aqui no Brasil, por exemplo, os asiáticos LGBT+ são uma espécie de “dupla minoria”, uma vez que enfrentam uma distinção tanto de raça quanto de sexualidade. Uma vez que, novamente, encontrar-se fora dos padrões já é difícil para pessoas brancas, outras etnias encontram um desafio pesado e eterno pelos impasses raciais impostos, e em como são recebidos (ou rejeitados) onde tentarem se encaixar.

Moderador da página e do grupo Asiáticos pela Diversidade, Rodrygo Tanaka, nos conta como ser LGBT+ e asiático se difere de um LGBT+ branco, porque há uma possibilidade desta pessoa perder seu único ninho de conforto, onde se é aceito principalmente em sua etnia, cultura e costumes, que é dentro de casa. Ambos, ao se assumirem, enfrentam desafios relacionados a ligações com a família, segurança financeira ou até mesmo a sua integridade física, mas o asiático pode perder também sua herança cultural e identidade simplesmente por ter se assumido.

Imagem retirada da internet, créditos ao fotógrafo

Apesar da incontestável e feroz violência que estes grupos sofrem, um país dentro do continente deu um primeiro passo marcante para pôr fim ao preconceito: Taiwan. Os órgãos jurídicos da ilha tomaram partido e deram início ao primeiro processo de legalização ao casamento LGBT+, além de serem os mais acolhedores aos transexuais dentro da Ásia. Segundo Rodrygo, os esforços que militantes da Tailândia, Vietnã, Singapura, Turquia e Líbano têm realizado abrem um possível espaço para uma extensão em toda a Ásia de direitos e legalizações: “Com esse grande avanço de Taiwan, mais do que mostrar a possibilidade de um governo inclusivo dentro da Ásia, ele também oferecerá modelos legais para que outros países possam adotar, abandonando modelos antigos de tempos coloniais”, completa Tanaka.

Em fases lentas, o ativismo nessa região está se fortalecendo e estruturando, revelando que o conservadorismo decorre principalmente dos mais antigos e que na juventude há mais espaço para progressismo. Antes de pensarmos em asiáticos ou na comunidade LGBT+, temos que pensar em indivíduos, singulares e especiais. Há esperança para uma mudança na mentalidade coletiva, que beneficiará todo o tipo de diversidade, abraçará o que há de mais múltiplo e plural, acolherá e respeitará, mas que só será possível com um árduo trabalho de visibilidade LGBT+, onde não haverá mais vítimas de injustiças preconceituosas de qualquer forma.

A prática de yellowface e representatividade

Dia 29 de agosto de 2016 ia ao ar a novela das seis “Sol Nascente” escrita por Walther Negrão, que contava a história de dois núcleos familiares imigrantes: um de italianos e outro de japoneses. Francisco Cuoco era Gateano, neto de imigrantes italianos e viajou para o Brasil para fugir da máfia. Giovanna Antonelli, que também atuava na teledramaturgia, interpretou Alice, a filha adotiva de Kazuo Tanaka, personagem de Luís Melo. Apesar da repercussão positiva com o casal principal e enredo geral da novela, o ponto que mais chamou atenção dos telespectadores foi a escalação para os personagens de origem asiática.

Ninguém engoliu as desculpas dadas pelo autor ou elenco, que de certa forma minimizaram o núcleo japonês. A explicação dada à revista Veja foi de “decisão empresarial”, enquanto na trama a justificativa veio da mestiçagem: Kazuo é neto de um americano e casou-se com uma japonesa. Não foi convincente o bastante, porém, o que causou grande polêmica nas redes sociais acusando a novela de praticar yellowface.

Yellowface é um termo usado para designar a prática de escalar atores ocidentais para interpretar personagens de origem oriental, usualmente de maneira caricaturesca e rasa. Advém do conceito de blackface, o ato de colorir atores com tinta escura para também interpretar de forma caricata personagens negros, consequentemente proliferando estereótipos. Infelizmente, ambas práticas ainda são muito comuns na mídia, como em um episódio de How I Met Your Mother o qual três atores se vestem de trajes asiáticos ou Negalora, o título para a divulgação de um DVD da cantora Claudia Leitte.

Sugestão de vídeo sobre a prática de yellowface (em inglês): https://www.youtube.com/watch?v=tarzAjCwAGs

A polêmica criada pela novela da Rede Globo trouxe, no entanto, boas consequências. A partir desta, houve uma maior manifestação de militância oriental e o sentimento de união começou a crescer dentro da comunidade. Vinícius Chozo mais uma vez comenta sobre o assunto, alegando que a dramaturgia trouxe maior visibilidade para o movimento militante. Mesmo com a explicação tardia sobre as origens do personagem, a visível manifestação de preconceito não foi abafada e nem negligenciada pelos telespectadores, que denunciaram as escolhas de Negrão. Ken Kaneko, o ator que originalmente iria interpretar Kazuo Tanaka, ofereceu o personagem a Luís Melo sem grandes explicações da emissora.

Para discutir sobre o assunto, entrevistamos brevemente durante uma coletiva, alguns atores do coletivo Oriente-se, um grupo de atores majoritariamente orientais que lutam pelo seu espaço e lugar de voz na mídia. Visando criar roteiros que fogem da expectativa e do estereótipo de personagens asiáticos, o principal objetivo do coletivo é trazer a sensação de pertencimento e maior representatividade nas produções cênicas, além de provocar o questionamento sobre igualdade étnica e lugar do ator oriental nos grandes veículos midiáticos.

Coletivo Oriente-se no festival Nikkey Matsuri do dia 7 de Abril (Foto: Ana Claudia Sandoval)

A atriz Cristina Sano discutiu sobre a relevância da representatividade, falando sobre novelas e filmes e como é importante as pessoas (principalmente crianças) se identificarem com aqueles personagens. Desenhos animados como Mulan, por exemplo, não só trazem sentimento de empoderamento feminino como também a fuga da trivialidade de uma protagonista com origem asiática.

Ao serem perguntados sobre experiências vividas no ramo da arte com as manifestações de xenofobia, o ator e dançarino Gilberto Kido nos contou uma lastimável experiência de um trabalho performado para uma agência de publicidade. Os pré-requisitos para a escalação do comercial eram simples, tentariam homens na faixa etária de 45 a 50 anos. Chegando no local combinado para a audição, o ator conta que fora barrado pelo diretor, que alegava querer “homens, não japoneses”.

Sotaques e estereótipos da cultura também foram muito abordados durante a coletiva. Cristina conta sobre casos que fora pedida para “fazer sotaque japonês” e ela, sem hesitação alguma, negava. Ao ser perguntada pelos motivos, dizia que pode ser engraçada de outros jeitos além desse, explicando que se expor dessa forma depreciaria a cultura oriental.

Edson Kameda, um dos atores do Oriente-se, traz boas experiências também. Durante a entrevista, contou de um caso que fora escalado para um comercial e, chegando no lugar combinado, um rapaz lhe entregara uma faixa de sushiman para agregar o visual de seu personagem. Conformado com mais um papel que envolveria a banalização da aparência oriental, o encarregado do comercial o pediu para olhar diretamente para câmera e dizer “eu sou brasileiro”, positivamente chocando o ator.

Contudo, práticas como essa não são comuns e cenas de xenofobia mascarada ainda são corriqueiras para esses atores. Se curvar, pedir para reproduzir sotaques ou colocar seus personagens em segundo plano são as pequenas demonstrações de preconceito que acabam se destacando no dia a dia.

Durante a discussão, a atriz Ligia Yamaguti faz uma importante ressalva sobre o assunto: “Eles (os diretores, criadores de conteúdo para mídia) colocam ‘japonês’ na frente da pessoa para adjetivar. Então dizem, ‘ah, ele é japonês’, mas esquecem que ali é uma pessoa brasileira que faz parte de toda essa mistura que existe”. Evidenciando por meio do bem formulado discurso sobre o assunto, Ligia denuncia a classificação da comunidade oriental como atributo necessário para escalação. “Queremos quebrar o japonês como adjetivo”, reitera ela com convicção.

Esse é um dos objetivos do Oriente-se: mostrar que um ator de origem asiática tem muito mais para oferecer do que se imagina. A antiga concepção caricata agora é ridicularizada e eles pedem por voz, reconhecimento e representatividade. Já passou da hora de darmos espaço para essas pessoas se mostrarem mais influentes na mídia. Vamos dar fim ao “japonês” como adjetivo.

Yukontorn Tappabutt e os desafios da mídia

ENTREVISTADOR: Qual foi a maior dificuldade que você passou ao chegar no Brasil?

YUKO: A língua foi o mais difícil porque, quando não se fala bem, as pessoas começam a “ria”. Não é tão difícil para mim (o fato das pessoas rirem dos erros linguísticos), mas para algumas asiáticas que tem mais vergonha, quando começam a “ria”, ela começa a perder a confiança. As pessoas gostam de ficar falando “flango, flango, flango”. Eu não gosto disso, acho que falta respeito, porque a gente tenta falar seu língua e a gente fala errado, mas não é nosso erro.

E: E hoje em dia, quais são as maiores dificuldades?

Y: Antes de eu ir para a televisão, o preconceito era menor porque vocês brasileiros têm muitos pensamentos receptivos, então vocês são muito amigável. Vocês não têm muito preconceito com asiática. Mas brasileiro tem alguma coisa que ele pode reclamar, mas estrangeiro não. Por exemplo, se você reclama “Brasil é uma porcaria”, os outros acham que tudo bem e concordam, mas se um estrangeiro que mora no Brasil fala isso, eles falam “vai embora, então!”. Eu não gosto quando falam “volta pro seu país” ou “vai embora pro seu país”. Tem muita gente que fala isso pra mim nos comentários (dos seus vídeos do YouTube). Pessoalmente, só teve uma vez que foi de “brincadeira”, mas até a brincadeira eu achei muito forte. Por exemplo, eu fui assaltada e falei que o sistema de polícia era ruim e recebi comentários falando para eu voltar para meu pais se eu não gostava. Eu tenho direito de reclamar também.

Eu passei muita vergonha na rua antes de virar forte, porque eu sempre fiz erro. Eu gosto quando riem dos meus errinhos, mas não gosto quando o chinês, por exemplo, nem sabe que cometeu o erro e precisa de ajuda e as pessoas riem, aí ele perde a confiança. Isso eu não chamo nem de preconceito, é falta de educação, mesmo.

Muitas vezes me chamavam de “forçada” e eu agradecia porque eu achava que estavam me chamando de “esforçado”. Mas bem depois eu entendi que “forçada” não era uma pessoa natural e esse foi o primeiro comentário negativo que eu ganhei. Também ouvi muito falarem que não competição de simpatia, mas sim de culinária. Eu estou muito triste de receber esse tipo de comentário porque parece que se “for competição de simpatia ela vai ganhar, se for de culinária ela não vai ganhar”. Fiquei triste e postei no meu Facebook “Quem que vai para o Masterchef e não sabe que é uma competição de culinária”. Eu não fui para lá para competir por simpatia, mas parece que tem pessoas que não sabem que simpatia melhora nosso mundo.

E: Você recebeu muitos comentários negativos sobre sua nacionalidade?

Y: Me chamam de japonesa. Para eles (brasileiros) todo mundo é japonês. “esse japonesa é atrapalhada”, “esse japonesa é meio perdido”. Eu não sei se é bom ou ruim, mas sempre tem alguém que cometa “ela é tailandesa”. Na maioria da Ásia a gente não tem preconceito de ser chamado se japonesa, mas acho que quem não gosta é coreana, porque tem problema entre país. Pode me chamar de japonesa, tudo bem.

E: Você passou por alguma experiência no programa ou mesmo fora dele de preconceito puro? De pessoas falando diretamente para você?

Y: Eu acho que eu tenho sorte porque eu entrei na etapa quatro do programa e virei uma “querida” do público. Então quando a pessoa me xinga, sempre tem alguém que xinga de volta. Então eu não sofri muito preconceito e com esse xenofóbico, mas tem muita gente do Masterchef que está sofrendo com redes sociais e isso se chama internet bullying. Mas eu não sofri muito porque minha família não está aqui e não está lendo, porque dói quando sua mãe, por exemplo, lê os comentários ruins.

E: Você sofreu com as brincadeiras e os memes que fizeram sobre você?

Y: Eu não sofri com isso não. Acho que muita gente faz isso pelo carinho, faz com boa intenção, mas tem o meme e o tem ruim palavra. No meu canal no youtube muita gente vem comentar me chama de “sem noção”. Isso é internet bullying, a gente tem que saber lidar e para lidar tem que apagar e esquecer. Esse tipo de pessoa quer atenção, quer aparecer e se você bater boca e brigar, você nunca vai ganhar, então é só apagar e esquecer. Eu acho que eu sei lidar bem com esse tipo de pessoas.

E: A mídia brasileira te pressionou muito? Como que foi lidar com ela?

Y: Eu tenho dois mídia: o youtube e a televisão. Sobre o youtube, tem sim muito comentário negativo, mas eu ganho sorte porque o mundo está girando se você for bom pessoa, você só vai ter bom pessoas. No meu canal a maioria são pessoas boas. Na televisão, se alguém quiser comentar, vai comentar no Facebook, Instagram e Twitter, porque na televisão ele não pode comentar nada, ele fala em casa e ninguém ouviu. Agora, ele vai na página do Masterchef no Facebook e comenta textão. Eu gosto de comentário curto, mas não gosto das pessoas que curtem e não deixam nenhum comentário para poder ter um feedback. Se está ruim ou bom pode escrever, só não textão.

E: Como você se sente em relação aos estereótipos de asiáticos como o físico, a culinária entre outros?

Phuket Walking Street, na Tailândia (Foto: Joey Santini)

Y: Dizem muito que os asiáticos têm “cara de bolacha”, que eu não acho feio, e que eles têm que ser baixinhos, além do cabelo liso. E os japoneses tem imagem bom em São Paulo porque são ricos e inteligentes, mas o chinês quando chega na Liberdade eu acho que tem imagem de sujo e que come cachorro. Esse preconceito chama sem sabedoria. A forma de perguntar as coisas é muito ruim, sempre com nojo e falando como se a imagem do país fosse ruim. Teve um homem que me disse que meu país deveria ser muito ruim e por isso eu vim para o Brasil. As perguntas são mais sobre bichos crocantes, barata, cachorro e tal. Na China, tem parte pequeno que come barata ou insetos, mas não é todo mundo. Tem áreas de turismo que mostram essas comidas, mas nem todo mundo come cachorro, também não é todo asiático que já comeu cachorro. Na Tailândia, tem uma cidade bem pequenininha que como cachorro e insetos crocantes. Se quiser experimentar, experimenta, mas quando for perguntar sobre isso não fala com nojo. Não é porque come cachorro que é uma pessoa nojenta. É cultura. Não julga com seu conhecimento, a cultura de outra pessoa. Quando falta sabedoria ou viajem, você conhece menos e aceita menos as diferenças.

Na vida de uma boa cozinheira tem que experimentar, eu já comi cachorro, cobra, iguana, jacaré e muitos outros. Por exemplo, para você fazer a melhor panqueca, tem que experimentar bom panqueca primeiro.

Quando o asiático experimenta algo de outra cultura ele guarda, ele não “zoa”. O brasileiro quando experimenta fala que é um nojo e espalha isso como se fosse engraçado, eu acho que essas pessoas têm vergonha. A gente não espalha muita, só contamos a história para nossa família. O que eu tenho vontade com esse tipo de bullying é pegar cachorro frito, levar para a escola e falar que é boi e fazer as pessoas comerem.

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Lab de Jo 2018

Espaço para a produção dos alunos do primeiro ano de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero