A origem do dia nacional da liberdade de imprensa

Em plena ditadura militar, 2.574 jornalistas assinaram um manifesto exigindo uma maior liberdade de expressão ao governo

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4 min readJun 7, 2023

Por Fran B. Geyer e Theo Giacobbe

Manifesto publicado pela ABI pede o fim da censura / ABI (reprodução)

Em 7 de junho de 1977, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) publicou o Manifesto pela Liberdade de Imprensa, no qual denunciavam a opressão infligida sobre os jornalistas durante a ditadura militar. A publicação do documento foi algo tão marcante para a história do jornalismo brasileiro que marca o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, em contrapartida, ao resto do mundo que celebra a data no dia 3 de maio.

O Brasil vivia um turbulento período de sua história. Apesar do ditador Geisel ter afirmado que o seu governo seria de abertura política e “distensão”, a repressão contra imprensa e outros grupos continuava. Conforme o relatório da Comissão da Verdade, durante todo o período da ditadura (1964–1985), 1918 pessoas foram presas por motivações políticas e 434 pessoas foram mortas ou desapareceram, dentre esses 27 eram jornalistas. É nesse contexto, de promessas quebradas e após censuras, torturas e assassinatos realizados pelo Estado contra jornalistas, que o manifesto era lançado, exigindo liberdade para a imprensa e evidenciando a disposição da classe em enfrentar o governo militar a fim de conquistar seus direitos.

“Nós, jornalistas, manifestamos nossa disposição de lutar contra a censura e todas as formas de restrição à liberdade de expressão e informação.”

- Manifesto pela Liberdade de Imprensa, 1977

Outra parte do documento, expõe a indignação da classe ante a censura, pois, impedindo a livre expressão dos profissionais, o Estado acaba por cercear o direito da população de se informar, e por consequência, a torna alienada.

“Consideramos que esse quadro, além de impedir o pleno exercício de nossa profissão, que tem a liberdade como pressuposto básico, só pode contribuir para manter a população na ignorância dos problemas nacionais e, portanto, impedida de participar conscientemente da busca de soluções.”

- Manifesto pela Liberdade de Imprensa, 1977

Apesar de a ditadura ter acabado oficialmente em 1985, a perseguição contra a imprensa segue existindo no Brasil. Nos últimos anos, o país caiu até a 110ª posição do ranking internacional de Liberdade de Imprensa, apenas recentemente subindo para a 98ª. “Ainda hoje, mesmo quase 50 anos depois da publicação deste manifesto, o Brasil ainda convive com incontáveis tentativas de violência, censura e violação do trabalho de jornalistas e comunicadores”, pondera Giuliano Galli coordenador da área de Jornalismo e Liberdade de Expressão do Instituto Vladimir Herzog.

Vladimir Herzog

Um dos casos mais conhecidos e que influenciou diretamente na formulação do manifesto foi a tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975. O jornalista, conhecido como “Vlado” por amigos e fãs, havia assumido a direção de jornalismo da TV Cultura em setembro de 1975, um mês antes de sua morte.

Herzog apesar de ter se apresentado voluntariamente para depor nas dependências do Destacamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), foi encontrado morto em sua cela. Esse evento chocou jornalistas e outras organizações politicas da época, por sua brutalidade e pela falta de transparência nas investigações sobre o caso, divulgado como um “suicídio” pela ditadura militar. De acordo com a versão publicada pela ditadura, o jornalista teria se matado, apesar de que em todas as fotografias de seu corpo ele aparece com as pontas dos pés apoiadas no chão, algo que tornaria, na melhor das hipóteses, improvável um suicídio por enforcamento.

“Vladimir Herzog ficou com a imagem do profissional que mesmo em tempos terríveis continua sendo jornalista”, afirma o professor do curso de jornalismo da PUCRS Juremir Machado. Alguns meses depois, em janeiro de 1976, foi lançado o manifesto “Em nome da Verdade”. Esse manifesto, que fora assinado por mais de 400 jornalistas, apontava contradições no relatório divulgado oficialmente e exigia uma maior elucidação sobre o assassinato de Herzog. “Era absolutamente imprescindível que o estado brasileiro investigasse as condições da morte do Vlado de uma forma transparente, muito diferente daquela versão oficial que foi divulgada pelo exército de que ele tinha se matado”, afirma Giuliano Galli.

Apenas em 1996, o Governo Brasileiro, através da Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos, reconheceu a causa da morte como assassinato e ofereceu uma indenização à família, que não aceitou por acreditar que o caso não deveria ser encerrado e as investigações deveriam continuar. Em julho de 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro pela falta de investigação, julgamento e punição aos responsáveis pela tortura e assassinato de Vlado.

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Laboratório convergente do curso de Jornalismo da Famecos/PUCRS