Torcida Coligay: o título mais lindo da história do Grêmio

A jornalista Soraya Bertoncello, que cursa Doutorado na PUCRS e estuda o futebol na perspectiva da Comunicação, fala sobre o começo e o fim de um das torcidas organizadas mais famosas dos estádios brasileiros

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4 min readApr 10, 2023

Por Fran B. Geyer

Imagem: Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense via Instagram

Nesta segunda-feira, 10 de abril, logo após a conquista do Campeonato Gaúcho no último sábado, o Grêmio fez uma publicação oficial celebrando o aniversário de 46 anos da fundação oficial da primeira torcida abertamente gay do país, e a única com ampla participação nas arquibancadas. Para o país que mais mata pessoas LGTBQIA+ no mundo, segundo dados da Aliança Nacional LGBTI+, ter tido um grupo abertamente homossexual frequentando estádios, na época da Ditadura Militar, período de alta perseguição política, deveria ser motivo de orgulho.

A Coligay foi fundada em 1977 por Valmor Santos, proprietário da Boate Gay Coliseu, que era localizada na Cidade Baixa. Existiu em um momento de grande opressão contra homossexuais, cerca de 30 anos antes da legalização do casamento homoafetivo e muito antes de qualquer proteção legal contra a comunidade.

O grupo tinha suas próprias músicas, que cantava em apoio ao time e até mesmo elogiando os atributos físicos dos jogadores. A Coligay foi motivo de orgulho para a torcida em geral e era apontada por muitos como “pé-quente”, já que a torcida surgiu em um momento em que o time voltava de uma seca de títulos. Para a Soraya Bertoncello, esse movimento histórico e sua importância precisam ser lembrados até hoje. Confira a entrevista na íntegra:

A Coligay foi a primeira torcida abertamente gay do Brasil, tendo existido em um momento de grande opressão contra a comunidade. Qual o papel histórico dessa torcida no futebol?

Foi a primeira torcida que a gente teve abertamente LGBT no Brasil. Não se tem registro de outras ao redor do mundo antes da Coligay. E mesmo naquele período, é até estranho dizer que parece que no final dos anos 70 havia um maior interesse em criar esse tipo de torcida. A Coligay foi a única que, de fato, existiu nos estádios. A FlaGay, que muitos historiadores mencionam, nunca chegou a ir para o estádio porque ela teve uma repressão muito grande por parte da própria presidência do Flamengo.

Qual foi a reação das demais torcidas da época?

Tinha, sim, preconceito. Mas o que aconteceu é que as torcidas organizadas era um fenômeno que estava muito incipiente quando a Coligay surge (1977). Elas estavam recém-começando, tanto que muitos integrantes da Coligay eram ou haviam sido depois pertencentes a torcidas organizadas. Houve, então, mais do que uma reação de violência, mas uma reação de estranhamento, mais por outros torcedores — não vou nem falar torcida — e por parte da própria imprensa. Mas o que acontece é que a Coligay tinha uma maneira de torcer que não existia na época. Até hoje os membros que são senhores de uma certa idade homossexuais pegam ônibus e vão até o interior do Estado torcer pelo Grêmio. Esse jeito de torcer muito próprio — alegre, animado e divertido — acabou atraindo muita simpatia pela torcida do Grêmio e por parte da imprensa. A Coligay surge em um momento em que só o Inter vinha ganhando estadual. E em 1977, o Grêmio volta a conquistar. E ela faz parte dessa retomada do Grêmio que vai culminar com o mundial em 1983.

Houve uma reação de apoio por parte dos demais torcedores e dos demais clubes? E qual foi a reação do Grêmio como clube?

Num primeiro momento, houve um estranhamento, porque eles não eram discretos, nem um pouco discretos. Eles usavam roupas coloridas, tinham gritinhos, cantinhos que falavam de atributos físicos dos jogadores. Eles desmunhecavam mesmo. Uma coisa que eu acho muito legal, é que a Coligay se formou em uma boate gay em uma época de repressão. Repressão contra diversidade sexual sempre existiu, ainda mais durante a ditadura. E aí tinham esses espaços de socialização gay. O dono da boate, o Valmor, era muito gremista. E resolveu, com amigos, criar uma torcida organizada. “Vamos fazer a nossa torcida, o Grêmio está num momento muito baixo, a torcida não anima, vamos levar nossa gente”. E o que acontecia era que eles viravam a madrugada fazendo festa na boate, e, na sequência, iam para o estádio torcer. A Coligay deixa de existir porque o Valmor tem que voltar para o interior por questões de saúde na família. E sem esse líder, que inclusive articulava com o próprio clube já que eles tinham uma relação muito boa com a direção do Grêmio, ela acabou perdendo força. Não tem uma data exata de quando ela deixa de existir, mas muitos dizem que foi em 1983. Mas é um pouco anterior a isso. Teve uma vida curta, mas muito poderosa. A torcida Coligay é o título mais lindo da história do Grêmio.

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Laboratório convergente do curso de Jornalismo da Famecos/PUCRS