A nova mulher das propagandas de cerveja

Laboratório de JO
17 min readJun 26, 2017

--

Por Giovana Oréfice, Isabela Maria Guiduci, Leonardo Simidamore Pinheiro, Maria Luisa Rodrigues e Rafael Fernandes, alunos do 1º JOB

Um consultório. Um médico. Um paciente que alega estar vendo tudo em forma de quadrado. Uma mulher loira, alta e esbelta, a Dona Carminha, entra na cena e, a pedido do médico, mostra os seios ao paciente, tudo “pelo bem da ciência”. Entretanto, o problema de visão continua e só é resolvido quanto o paciente toma um gole de cerveja.

Campanha “Dona Carminha”, veiculada pela Skol em 2001

A propaganda da marca Skol, elaborada pela agência publicitária F/Nazca, foi veiculada em 2001 e é um bom exemplo de como, durante muito tempo, as marcas de cerveja usaram a imagem da mulher como atrativo para o produto em seus anúncios: geralmente de biquíni ou roupas curtas e apertadas, as mulheres que aparecem nesses comerciais são altas, bronzeadas e possuem corpos esculturais, além de andarem sempre com uma garrafa ou lata de cerveja na mão. As marcas tinham o intuito de chamar a atenção de seu público-alvo (o masculino) mexendo com seus fetiches sexuais.

O estereótipo da “gostosa” passou despercebido pelo olhar do público por muito tempo, sendo considerado apenas uma forma divertida (e atraente) de vender cerveja. Quem se incomodasse com as propagandas poderia recorrer a denúncias ao órgão responsável por regulamentá-las no Brasil, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), mas muitos dos casos eram arquivados, sem grandes prejuízos para as marcas. O mundo, porém, mudou, a mulher passou a ter poder de consumo e independência, se tornando também um público-alvo para os produtores de cerveja. Além disso, de uns anos pra cá, o movimento feminista foi crescendo em força e voz, e, por meio das redes sociais, as pessoas ganharam o poder de se posicionar, criticar e problematizar o conteúdo dessas propagandas. Em 2012, a Nova Schin foi alvo de protestos por causa da veiculação do seu comercial “Homem Invisível”, em que um grupo de homens se imagina invisível e passa a interagir com mulheres sem que elas vejam que eles estão lá, chegando até a apalpar duas delas. As cenas geraram revolta em boa parte do público, manifestos foram publicados via Facebook e a hashtag #NovaSchinIncentivaEstupro repercutiu no Twitter. O caso foi encaminhado ao Conar e arquivado, mas isso não livrou a empresa de ter que se retratar.

Campanha “Homem Invisível”, veiculada pela Itaipava em 2012

A partir daí, cada vez menos a “gostosa” foi vista nos comerciais.

Campanha “Reposter”, da Skol (09/03/17)
Campanha “Quando você se sente… Isso pede Brahma”, da Brahma (22/03/17)

A personagem Verão (Aline Riscado), dos comerciais da Itaipava, que estreou em 2015 servindo a cerveja, em 2017 aparece com seu próprio copo na mão. A Brahma nos apresenta a personagem Daniela, que, ao som de “Como Uma Deusa”, atesta a qualidade da bebida. Ivete Sangalo também aparece pedindo ao garçom uma “saideira” (“saideira” não, “ficadeira”) nos comerciais da Schin. Já as novas propagandas da Skol promovem a igualdade e o respeito entre as pessoas. Todas as marcas parecem ter deixado suas “Donas Carminhas” de lado para dar lugar a uma nova perspectiva sobre o papel da mulher na sociedade.

Influência feminista

O avanço do feminismo foi uma peça-chave para a mudança de comportamento por parte das marcas de cerveja. A luta pelos direitos das mulheres não é de hoje, mas, desde seu início, vêm conseguindo colocar a mulher em uma posição melhor na sociedade: deixando de lado o rótulo de “dona do lar”, a mulher passou a marcar presença nas escolas, faculdades e no mercado de trabalho. Atualmente, graças às redes sociais, as feministas puderam obter um maior alcance ao expor suas posições e opiniões, o que gerou um processo de conscientização em parte do público em geral. Sem medo de fazer barulho, muitas pessoas passaram a defender o direito das mulheres, inclusive ao denunciar o machismo, objetificação e sexualização impregnados nas propagandas.

O coletivo feminista Dandara, do curso de direito da Universidade de São Paulo (USP), explica: “O movimento feminista não é um movimento só: ele vem de várias fontes, de vários lugares. Existem diferentes linhas de pensamento no feminismo. O que está em pauta na mídia hoje em dia é um feminismo mais liberal, que se importa mais com a igualdade formal entre mulheres e homens e ele é o que se sente mais representado pelas campanhas mais igualitárias de cerveja e outros produtos”. Para o coletivo, a recente mudança nas propagandas de cerveja aconteceu por causa da percepção, por parte das empresas, de que as mulheres formam um grupo com poder aquisitivo cada vez mais forte e crescente: “As propagandas vêm porque existe um mercado consumidor de mulheres que está sendo visto. Porém, existiu sim uma pressão das mulheres para mudar essas propagandas. Os dois acontecerem ao mesmo tempo. As mulheres respondem por mais de 40% do volume de capital que é comprado em cerveja, então é obvio que direcionar as propagandas pra elas torna mais agradável”. Isso não significa, na visão do Dandara, que as empresas estão necessariamente mais sensíveis em relação aos assuntos referentes aos direitos das mulheres: “As empresas de cerveja não estão muito preocupadas com as mulheres não. Nos cargos de direção, as pessoas que pensam a marca e as propagandas, poucas são mulheres. Elas [as propagandas] não existem porque as empresas são “boazinhas”. Essas propagandas são feitas por homens, assim como as outras eram. A diferença é que vende um pouco mais”. O coletivo é voltado para o movimento classista de esquerda e enxerga no capitalismo uma parcela da culpa da diminuição e sexualização feminina, mas vê também pequenas mudanças sociais acontecendo: “É natural que exista um avanço cultural na sociedade brasileira dentro do campo dos costumes. Por mais polarizada que ela esteja no momento, a sociedade tende a ficar menos homofóbica e machista no discurso, talvez não na prática. Na prática demora muito mais tempo para conseguir isso e talvez no capitalismo isso seja impossível porque ele depende de trabalho feminino barato, de trabalho negro barato para existir”. O Dandara ainda aponta a importância do CONAR, o órgão que regulamente as propagandas no Brasil, nessa nova atitude: “O CONAR tem sido um pouco mais rígido com o controle de propagandas que objetificam a mulher, e isso é uma vitória importante”. Em última instância, o coletivo sinaliza que ainda há um longo caminho a se percorrer e que o machismo ainda está muito presente na nossa sociedade: “As propagandas não mudaram totalmente. Uma ou outra empresa se comprometeu a modificar. Propagandas são só 20% do tempo de televisão. A maior parte do tempo são novelas, filmes, que são outros conteúdos extremamente machistas. O machismo vem de várias fontes, não só da propaganda. O problema é um pouco mais profundo do que parece ser”.

A Dona Carminha hoje

Tatiana Machado. Esse é o nome real da personagem Dona Carminha, que fez tanto sucesso estrelando a campanha da Skol veiculada em 2001. Em entrevista, ela contou que a propaganda foi um de seus melhores trabalhos e que foi o seu destaque na época. Ela era modelo comercial e, para a carreira, diz que era como ser uma atriz que consegue um papel na Globo. “Você fazia cerveja, você ganhava o seu destaque”, falou a atriz. Segundo ela, atuar na campanha só lhe trouxe impactos positivos. Após sua atuação recebeu propostas envolvendo outros trabalhos, como convites de diretores para atuar na televisão, e realizou campanhas para fora. Ela afirma: “Foi uma grande porta que se abriu para mim com essa personagem ”.

Na época em que foram veiculadas as duas campanhas da Skol em que a personagem de Tatiana era representada, as propagandas tiveram enorme repercussão. Participou de diversos eventos da marca, chegando até mesmo a apresentar um deles. Subiu no palco com grandes nomes da música brasileira, como Cássia Eller e Skank, e revela que o público reagiu à sua personagem da melhor maneira possível. “Sempre a hora da Dona Carminha era um alvoroço”. Diz que o público fazia questão de tirar fotos com a modelo e até mesmo pedir autógrafos. A fama gerada por sua participação nos comerciais foi tamanha que em alguns eventos Tatiana andava acompanhada por seguranças e muitas vezes colocava casacos com capuz para não ser reconhecida durante o trajeto até o palco pelo meio do público.

Tatiana Machado como Dona Carmina para uma propaganda da Skol

A modelo, que havia parado de atuar por um tempo, voltou a exercer a profissão no ano passado, no segmento plus size, afirma que, em sua visão, a mudança que ocorreu nas propagandas de cerveja ao tirar mulheres seminuas das telas é “desnecessária”. Ressalta o trabalho de artistas internacionais que utilizam o “seminu”, ou até mesmo o nu, em obras incríveis, bem como em campanhas vistas no mundo todo, identificando, portanto, uma certa hipocrisia na medida tomada pela publicidade. Constatou ainda que adorou fazer a personagem e que a faria de novo no momento em que se encontra, reconhecendo sempre que tudo deve partir de um trabalho feito com profissionalismo.

Sempre teve uma relação extremamente saudável e profissional com os colegas de trabalho. Assegura que antes e durante as gravações nunca sofreu nenhum tipo de abuso por parte da equipe com a qual trabalhava. Quando questionada acerca da visão machista sobre as propagandas de cerveja, Tatiana revela que quando atuou como Dona Carminha via a propaganda como um trabalho e ainda encara o uso do corpo da mulher em campanhas de cerveja como uma “sacada” de marketing, na qual a sensualidade feminina era explorada a fim de atingir o público-alvo: os homens, identificados por ela como os maiores consumidores da bebida, ainda que reconheça que cada vez mais as mulheres estão consumindo cerveja.

Tatiana Machado atualmente como modelo plus size

É tempo de dizer não ao preconceito

A Skol está apostando alto na quebra de estereótipos em suas novas campanhas publicitárias e o foco não se mantém apenas na desconstrução da imagem da mulher sensual associada à cerveja. Em abril deste ano, a empresa lançou uma edição limitada de latinhas com cinco diferentes tons de pele em homenagem à miscigenação e à diversidade racial existentes em nosso país.

Propaganda da Skol Beats apoiando a comunidade LGBT

A causa LGBT também recebe uma atenção especial da marca. No dia 28 junho, Dia do Orgulho LGBT, em 2016, a campanha da Skol Beats, que acompanha a hashtag #RespeitoIsOn, foi lançada e traz uma mensagem de respeito e união, na qual pessoas vão aderindo à causa e no fim uma bandeira do movimento é formada com fumaças coloridas em meio a uma multidão.

Na descrição do vídeo no canal oficial da Skol no YouTube, a marca declarou: “A estrada fica mais colorida quando não se está sozinho. Cada passo é um avanço. Cada abraço, cada conquista. Respeitar a diversidade é o caminho. Dê play e siga no orgulho ”. Além disso, a Skol está patrocinando a 21ª edição da Parada do Orgulho LGBT em São Paulo, que acontecerá neste domingo, 18.

Propanganda da Skolors em abril de 2017

Acompanhando a constante mudança da sociedade na busca pela quebra de preconceitos e no estabelecimento do respeito à diversidade, outras marcas do mercado também estão pautando suas campanhas neste tema. O Boticário está sempre inovando em seus comerciais, trazendo para as telas elementos que incentivam a quebra do racismo e da homofobia. No Dia das Mães deste ano, a marca lançou um comercial tratando da telepatia entre mãe e filha. Até aí nada de novo. Porém, o uso de duas atrizes negras para o papel move a diversidade sensibilizando o público a dizer “não” ao preconceito racial. Já no Dia dos Namorados, na campanha de 2015, o orgulho LGBT é exaltado e tratado na propaganda com naturalidade e simplicidade.

Propaganda da O Boticário
Propaganda da O Boticário

O Dia dos Namorados é um gancho para as marcas aderirem à diversidade em suas propagandas. Com o tema sendo muito discutido, o orgulho LGBT está sendo algo muito recorrente e exaltado no mercado. A maior parte das campanhas publicitárias, principalmente neste ano, deu muito enfoque nos casais que fazem parte do movimento. A loja de departamentos Renner mostra diversos casais, entre eles duas mulheres que são representadas de forma sutil deitadas e trocando carinhos. A Westing, uma marca de artigos para casa, procurou no ano passado em sua campanha de Dia dos Namorados, falar sobre o amor. Para isso, entrevistou casais perguntando “O que é o amor? ”. Entre os entrevistados estão homossexuais e uma transexual. O tema é tratado de forma simples, exibindo que o companheirismo e a parceria não mudam, independentemente do casal. Alvo de muitas críticas, a marca de cosméticos Natura produziu uma propaganda intitulada “Simpatia para amarrar o seu amor”. O título não manifesta nenhum tipo de apologia à homossexualidade. Contudo, um casal de mulheres é retratado, fato que gerou em uma parte do público muita polêmica em torno do tema. Já a Use Reserva, marca que comercializa roupas masculinas, deu enfoque a um casal de homens em sua última campanha de Dia dos Namorados. O vídeo conta a história do relacionamento de João e Victor.

Propaganda da Renner
Propaganda da Westing
Propaganda da Natura
Propaganda da Use Reserva

A publicidade brasileira está acompanhando os passos da revolução da diversidade. Ainda que os enfoques em grupos considerados minorias causem estranhamento, as marcas parecem estar reconhecendo a importância de atingir um público mais abrangente, gerando no mercado a inclusão e incentivando nos consumidores valores importantes, sobretudo o respeito.

Visão dos profissionais de publicidade

Diante de um contexto cultural em constante mutação, a forma de veicular uma publicidade deve se adaptar. No cenário atual, algumas marcas de cervejas adotaram uma perspectiva diferente da do passado para se aprofundar em outra. A professora Janaíra Dantas da Silva França, responsável por ministrar o curso Ética e Marketing na Faculdade Cásper Líbero, debateu sobre a mudança de postura nas propagandas de cervejas, principalmente sobre a imagem que é formada sobre a mulher, nesta entrevista para o grupo Alô, Celso!

Alô, Celso!: No decorrer dos anos ficou clara uma mudança de postura das marcas de cerveja em relação às propagandas que são veiculadas. Você pensa que as marcas estão fazendo isso porque estão realmente mudando a sua ideologia ou por que querem atrair um público novo?

Janaíra França: Não acredito em uma mudança de ideologia, mas numa necessidade real de conversar com um público que avalia as marcas conforme seus valores. Todos queremos nos divertir, queremos estar entre amigos, promover festas, mas levamos para estas ocasiões os valores que elegemos e alguns deles se contrapõem aos valores de algumas marcas.

Alô, Celso!: Apesar de algumas marcas já terem mudado a postura, como a Skol, outras, como a Itaipava, ainda mantêm a figura da mulher sexualizada, através da personagem Verão, por exemplo. Você acha que toda essa imagem vai acabar desaparecendo e dando lugar a um outro tipo de propaganda que seja mais diversificada?

Janaíra França: Em quase vinte anos estudando e trabalhando com comunicação, é notável a mudança de discurso de algumas marcas, incluindo as de cervejas, porém, entre acabar totalmente a figura da mulher “objeto” e assumir um discurso totalmente dedicado a diversidade e igualdade de direitos, eu ainda sou cética. Vamos acompanhar mudanças sensíveis, incluindo personagens femininos, homossexuais, da melhor idade, de forma gradativa. Tanto agências como empresas sabem que precisam ser cautelosos, porque um discurso que não condiz com a cultura organizacional será percebido pelos consumidores. Logo, crises de imagem são consequências negativas para as marcas.

Alô, Celso!: Em uma propaganda da Itaipava, a Verão usava um tipo de roupa que foi considerada muito sexual por um público, e por isso ele entrou com uma ação que fez com que O CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) obrigasse a Itaipava a mudar esse vestuário. Desde então a Verão começou a aparecer com uma roupa a mais, no caso uma blusa por cima do top. A partir disso, até que ponto a interferência da sociedade influencia nas decisões das marcas para criar uma propaganda?

Janaíra França: Como disse antes, o atual contexto sociocultural está promovendo debates importantes, onde papéis sociais antes tidos como normais são questionados, dentre eles o da mulher na publicidade. A sociedade tem a influência, desde que esteja engajada em alguma causa. E as empresas só tiveram esta reação porque foram pressionadas, o que demonstra uma visão míope do mercado. A publicidade deve acompanhar os movimentos socioculturais e entender que premissas irão nortear as campanhas e não apenas continuar fazendo o mesmo, sem considerar a opinião dos consumidores. Estamos mais exigentes e muito menos passivos aos apelos da propaganda.

Alô, Celso!: Que cuidados uma marca deve ter ao elaborar as propagandas hoje em dia?

Janaíra França: Antes de tudo, pesquisar o mercado, não apenas para entender as preferências de compras dos consumidores, como também investigar quais valores estão motivando seus padrões de consumo, em quais causas estão engajados, o que estão discutindo nas mídias sociais, o que estão promovendo como interesses e opiniões. E periodicamente, porque isso tudo pode mudar rapidamente. Estamos mais exigentes? Não creio, o que temos mais é interesse em expor nossas ideias e esperamos ser “ouvidos” pelas marcas.

O foco no papel da sociedade frente às propagandas de cerveja também é um destaque para o professor Alexandre Hilsenbeck. Ele afirma que elas se inserem dentro de um contexto de transformações de aspectos culturais da sociedade desde os anos 2000. A partir da chamada Guerra Cultural, as relações sociais se modificam e amplia-se o espaço para debates sobre cidadania e liberdades individuais, ou seja, há uma “multiplicidade de falas”. A partir disso, o conteúdo e a reconstrução da imagem das propagandas em questão são adaptados a esse novo cenário.

Para Hilsenbeck, o meio pelo qual publicitários e público interagem é fundamental. Deve haver uma comunicação de forma mais ampla e democrática com o consumidor, para que haja uma pluralidade que junte diversas perspectivas. O meio digital é interessante para ter essa troca rápida de informações e uma plataforma que tenha um contato direto com o público para dar voz a ele quanto às propagandas veiculadas.

Todo esse processo, segundo ele, depende de profissionais que tenham contato com múltiplas visões. E isso é ligado diretamente com a formação universitária, na qual o futuro publicitário tem um convívio frequente com trabalhos, por exemplo, que estimulam uma variação no formato padrão de se fazer propaganda.

No âmbito universitário da Faculdade Cásper Líbero, Roberta Brandalise faz parte de um grupo de professores que pede aos seus alunos do curso de Publicidade e Propaganda um trabalho integrado chamado “Projeto Cidadania”. Nele, os alunos precisam criar uma campanha ou uma ação de comunicação para uma ONG que auxilia determinado público. Por meio de análises e pesquisas de fôlego, os alunos apuram o olhar e conseguem ter uma visão mais crítica sobre todo o mundo publicitário. Finalmente, ao mesmo tempo que devem respeitar os interesses do mercado, eles conseguem uma responsabilidade social a partir do momento em que criam uma propaganda autoral que promove uma abordagem diferente sobre o grupo retratado.

Todo esse processo é importante para o profissional publicitário ter um olhar que consiga integrar todos na sociedade. E nas propagandas de cerveja, que envolvem vários setores inferiorizados, a possibilidade de contato e de dar voz a eles é fundamental.

A atuação do CONAR

O CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) é a entidade responsável por assegurar que o que venha a ser divulgado como propaganda publicitária não contenha conteúdo de cunho abusivo, enganoso, ofensivo ou que desrespeite, de alguma maneira, a concorrência entre anunciantes. Trata-se de uma entidade privada que mantém seu foco na ética dentro da publicidade.

Os processos abertos contra determinadas mensagens publicitárias, a partir de denúncias de consumidores, ficam a cargo do CONAR. Em 2016, 196 processos éticos foram abertos a partir de tais denúncias, estabelecendo um novo recorde para a entidade. Das 196 denúncias, 22,4% eram de reclamações contra a respeitabilidade dentro das propagandas.

Um dos casos que mais repercutiram foi o da personagem Verão, interpretada por Aline Riscado, da propaganda da Itaipava. Quatro comerciais para a televisão e internet foram alvos de denúncias de consumidores no ano passado, que tacharam as propagandas de machistas e acusaram-nas de apelo sexual, por apresentarem a personagem em trajes curtos demais, o que segundo as denúncias era um “abuso na exposição do corpo da mulher e da sensualidade”. Os processos foram arquivados pelo CONAR. Entretanto, houve uma mudança na estética das propagandas no que diz respeito às vestimentas da personagem, como uma tentativa de diminuição da objetificação da mulher.

Verão (2014–2016)// Verão (2017)

Um outro caso de processo aberto pelo CONAR foi o da campanha “Deixe que digam”, da Budweiser. Entretanto, este caso se mostrou contrário ao da Itaipava, uma vez que as denúncias dos consumidores eram voltadas contra casais homossexuais que se beijavam durante a propaganda, o que, segundo os delatores, “poderia influenciar negativamente o público infantil”. O relator do caso propôs o arquivamento do processo e seu voto foi aceito por unanimidade. Sua alegação foi a seguinte: “Pode causar espanto a um grupo de pessoas em decorrência dos seus valores morais e religiosos, mas predomina na população a ideia de que a questão da diversidade deve sim ser abordada, dentro de um contexto positivo e respeitoso”.

Propaganda “Deixem que digam”, da Budweiser

Segundo a matéria publicada pelo portal Uol em 11 de abril de 2017 , “Os processos relacionados a machismo julgados pelo Conar cresceram 87,5% em dez anos, se comparados os dados de 2006 e 2016. Dos casos julgados em 2006, oito denunciavam alguma forma de machismo contido em peças publicitárias”. Desse modo, fica clara a importância que este órgão possui no que diz respeito às mensagens publicitárias.

Voz do público

Como a publicidade se dirige justamente para um público, a opinião dele é essencial para todo esse processo. Em uma pesquisa realizada pelo grupo Alô Celso!, um questionário foi disponibilizado na internet e respondido por 300 pessoas. O levantamento é sobre a posição das pessoas em relação a este ativismo que vem surgindo, se os cidadãos enxergam o machismo e o preconceito presente nas propagadas, se acreditam na mudança dos comerciais, se acham essa transformação necessária e se ela tem que ocorrer. As respostas foram as mais variadas possíveis, mostrando como ainda há muito a ser desconstruído.

O público analisado, em geral, é predominante de jovens entre 18 e 21 anos. Dentre eles, é comum a ideia sobre a necessidade da mudança nas propagandas das marcas de cerveja, entretanto uma minoria ainda não vê importância nesse novo posicionamento. Sobre o mesmo público, boa parte tem reparado na modificação, porém uma pequena parte dos cidadãos não as vê como propagandas machistas ou preconceituosas.

A apuração de opiniões mostra que 14,9% dos entrevistados não acham essas propagandas machistas ou preconceituosas, inclusive comentários como “a mulher está ali porque quis”, “a marca usa a atriz do jeito e da maneira que está pré-estabelecida no contrato” e “propaganda de cerveja quanto mais divertida melhor! Temos que parar com essa nova ideia de que tudo é preconceito ou machismo” esclarecem algumas posições . Ademais, 13,7% não sabem se essa mudança é necessária e outros 14,4% não acham essa mudança necessária. Uma fala exemplifica um pensamento comum: “Acho que as propagandas antigas eram melhores e mais criativas, tipo tartaruga né da Brahma. Mas também acho que comercial de cerveja tem que ter mulheres atraentes assim como deveria ter homens atraentes também, daí os dois (talvez três?) públicos ficam felizes”.

Boa parte dos entrevistados acredita que isso acontece pelo bem da sociedade, mas na verdade, há toda uma imagem do capitalismo embutida neste meio. “As marcas estão mudando de uma maneira sutil, pois esses assuntos de machismo/feminismo estão em alta na mídia. Não estão de fato preocupados com a causa”. “Apesar da mudança de perspectiva, não vejo isso com bons olhos, é apenas o capital usando a imagem para atrair um nicho específico de consumidores”.

O otimismo ainda está presente em alguns consumidores : “Obviamente eles mudaram por uma pressão do publico, mas a mudança é positiva de qualquer forma, já que a televisão continua sendo uma grande forma de criação de opinião. Ou seja, uma TV onde as propagandas não são machistas ou racistas, ajuda na formação de uma sociedade com menos preconceito”.

O mundo da publicidade é muito importante e responsável pela desconstrução de muitos tipos de padrões e preconceitos. Afinal, é ele quem inspira os mais diferentes públicos para a compra dos produtos. Fora que estamos em constante contato com as propagandas e os anúncios em geral. Como visto nos comentários dos entrevistados, as pessoas se incomodam com o que é passado mesmo que agradar o geral seja praticamente impossível. E mesmo com a visão de mudança, os cidadãos veem certa dificuldade em romper com o padrão “Vejo um esboço de mudança, mas ainda há muito a evoluir. A própria propaganda do vai, Verão é uma amostra de como ainda existe muito preconceito com mulher a ser combatido, e estas propagandas só reforçam isso”.

Divergências são encontradas em todos os posicionamentos especulados. E as mulheres mostraram se determinadas na busca pela sua representação nas propagandas de cerveja, que geralmente são predominantemente masculinas, como se elas não fossem consumidoras desse produto. Essa posição foi comentada por uma menina que alega: “Acredito que as campanhas ainda tem uma visão machista com mulheres que são fora do padrão real e em um ambiente também irreal. Mulheres se divertem bebendo com as amigas e os amigos. Deveria igualar o patamar de ambos nas propagandas”.

Tem-se um longo caminho para uma mudança real e definitiva, mas é percebível em muitas outras marcas, não apenas as de cerveja, o abraçar dessa ideia da quebra de padrões. O empoderamento feminino e a desconstrução de ideias foram dois dos aspectos mais vistos nas opiniões recolhidas dos entrevistados. Por fim, em um avanço inesperado e positivo, é importante continuar impondo uma constante evolução para as propagandas, acompanhando e caminhando junto com a sociedade, como os próprios espectadores disseram: “O mundo está evoluindo e as propagandas têm que evoluir junto”.

--

--

Laboratório de JO

Espaço para a produção jornalística dos alunos do primeiro ano da Faculdade Cásper Líbero