A inovação no setor público: uma esperança equilibrista

LAEP | Lab. de Inovação
5 min readJul 17, 2020

Erros são tabu em governo e precisamos desmistificá-los. Diferentemente de erros grosseiros ou invencionices causadoras de danos, as falhas nos processos de inovação podem gerar aprendizados para as instituições e criar novos ciclos de melhores serviços e políticas públicas para a população. Tendo isso em mente, fizemos um compilado de erros cometidos em um ano de gestão no LAEP, Laboratório de Aceleração da Eficiência Pública do Governo do estado do Rio de Janeiro.

Ao iniciarmos o LAEP, confiamos em excesso que conseguiríamos transformar a cultura do governo. Impulsionados pelo clima de otimismo que é comum de todo início de gestão, recrutamos profissionais experientes e conseguimos ocupar um ambiente que transborda criatividade, no anexo do Palácio Guanabara.

Estávamos empolgados com o potencial de ação a partir da Secretaria de Estado da Casa Civil e Governança, órgão responsável por coordenar e orientar Planos, Programas e Projetos Estratégicos de governo com foco nos cidadãos. Mas o caminho da inovação não é linear e logo percebemos os diversos desafios que teríamos que superar.

No começo, erramos ao criar altas expectativas em relação às entregas do LAEP, antes mesmo de inaugurá-lo. Demoramos a perceber que desorientamos nosso público alvo, ao repetir mantras sobre a relevância do empreendedorismo e do Design Thinking.

Os patrocinadores acharam que designers eram peritos em peças gráficas. Os parceiros entenderam que o Laboratório era uma escola, ao invés de uma equipe especializada em enfrentar problemas públicos, de forma colaborativa. Os servidores torceram o nariz quando falamos em “disrupção”, “propósito”, “resiliência”, julgando nossas iniciativas como mais um modismo passageiro ou uma sessão de coaching.

Buscamos soluções em alguns Guias de Inovação, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento), da ONU (Organização das Nações Unidas), do MindLab e do GNova — Laboratório de Inovação da Enap. Os manuais diziam pra gente começar com projetos pequenos, conquistar pequenas vitórias. Mas na prática a teoria é outra. Como começar pequeno se a primeira demanda para o Laboratório foi um pedido do Governador?

A pedido da liderança da Casa Civil, nós assumimos a condução do Plano Estratégico do Estado. Poderíamos ter atuado como parceiros no projeto, sob a liderança da Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, unidade da Casa Civil com dezenas de servidores de carreira especialistas em planejamento e gestão governamental. Mas aceitamos o desafio, considerando que o LAEP também tinha especialistas no tema.

Mais do que isso, aceitamos porque acreditamos que era possível inovar no processo de Planejamento Estratégico do Estado. Consolidamos o Plano com o uso de OKR (Objetivos e Resultados-Chave, na sigla em inglês), metodologia inovadora no setor público, mas já consagrada na última fronteira do mundo corporativo, pelo foco na entrega e assertividade na comunicação.

Mudamos as lideranças do Laboratório com quatro meses de vida. Precisamente no meio do nosso maior projeto, enquanto facilitávamos oficinas com todas as Secretarias de Estado. Mesmo assim, conseguimos gerar colaboração e engajamento, potencializando o foco das equipes na geração de resultados para a sociedade. Além do Governador, do Vice-Governador e de todo Secretariado, mais de 150 pessoas, de 34 órgãos, participaram desse processo de construção de um futuro melhor para os cidadãos fluminenses.

Logo precisamos enfrentar desafios externos. Em meados de setembro de 2019, começaram as primeiras alterações na cúpula da Secretaria e do Governo. Já tínhamos uma versão do Plano Estratégico pronta para ser entregue ao Secretário, mas perdemos o tempo político e nosso maior projeto foi parar na gaveta.

Os principais patrocinadores do Laboratório saíram abruptamente do governo. Foi um momento de muita angústia e ansiedade. “E agora, o que vamos fazer?”. Mantivemos a calma, nos articulamos com parceiros estratégicos e conseguimos novos aliados na transição. Tivemos baixas na equipe, mas ganhamos autonomia.

Manter nossa sala de trabalho e a existência do LAEP no Diário Oficial foram grandes vitórias desse período. Por isso, incentivamos Laboratórios de Inovação a ocuparem ambientes estrategicamente localizados. Preferencialmente abertos, visualmente atraentes, artísticos, para que grande quantidade de pessoas possa interagir com o espaço e se inspirar. Afinal, territórios são espaços de poder.

Saímos mais preparados dessa travessia. Passamos a sistematizar melhor nossas iniciativas e a incluir os processos o SEI — Sistema Eletrônico de Informações. E fortalecemos nossas conexões com redes de inovação no setor público, nos juntando ao movimento Conexão Inovação Pública RJ e à Rede InovaGov, do Governo Federal.

Em 2020, persiste o desafio de alinhamento político nos processos de inovação. É necessária uma visão de longo prazo para a inovação alcançar abrangência sistêmica no Estado — dizem os gurus inovadores. Mas como catalisar um sistema de inovação no contexto fluminense, em que objetivos e lideranças políticas mudam tão rapidamente?

Pela sucessão de erros podemos dizer que nem todas as ações do LAEP tiveram os fins esperados. Mas os processos de inovação que conduzimos geraram resultados positivos para as pessoas e instituições envolvidas. Mesmo com falhas e obstáculos, ampliamos repertórios de trabalho, geramos mais confiança e senso de pertencimento entre servidores públicos. No nível mais sistêmico, colaboramos para integrar iniciativas, apesar do contexto altamente instável.

Inovar no serviço público é como dançar na corda bamba de sombrinha. O servidor precisa reunir coragem para andar em direção ao incerto e não ficar paralisado burocraticamente. Com passos cuidadosos e esperança equilibrista, precisa ver a dor do fracasso como um processo de aprendizado e fortalecimento, como um passo à frente na consolidação da agenda de eficiência pública e inovação no governo.

Escrito por Enzo Mayer Tessarolo, em colaboração com a equipe do LAEP, Artur 'Kjá | HC1506.com, Camila Moreira, Diogo Coelho, Isadora Hertz.

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